Prefácio Seymour Papert tem um percurso pessoal e profissional diversificadíssimo. Nasceu nos Estados Unidos da América mas viveu grande parte da sua infância e juventude na África do Sul. Fez o seu doutoramento em Matemática, disciplina que durante algum tempo leccionou na Universidade, antes de se dedicar sobretudo à Informática. Passou diversos anos em Genebra, onde foi colaborador de Jean Piaget, investigando questões relacionadas com o desenvolvimento da criança. Trabalha, desde os anos 60, no Media Lab do MIT em conjunto com nomes famosos das Ciências da Computação e da Inteligência Artificial como Marvin Minsky e Nicholas Negroponte. Tem uma fabulosa capacidade de comunicação. Como o leitor irá em breve aperceber-se, escreve de modo cativante e persuasivo. Cultiva as mais diversas extravagâncias, desde as habilidades de circo, à confecção de croissants, passando pela nomenclatura das flores. Trata-se, sem dúvida, de um personagem fortemente carismático. Papert é um dos autores fundamentais do mundo dos computadores na educação. É principalmente conhecido como o criador da linguagem Logo, uma linguagem desenvolvida especialmente para fins educativos, baseada na metáfora de “ensinar a tartaruga”. Mas o Logo não é só uma linguagem — é também uma filosofia sobre a natureza da aprendizagem e a relação entre o homem e a tecnologia. Relativamente à aprendizagem, a sua ideia fundamental é que deve ser a criança a comandar o computador e não este a comandar a criança. A melhor forma de aprender é de um modo “natural” ou “piagetiano”, cujo paradigma é a aprendizagem da língua materna, logo na infância. No contexto escolar usual os alunos têm grande dificuldade em aprender os novos assuntos cujo significado não vislumbram e que não lhes despertam qualquer interesse. A tarefa da educação é, assim, a de criar os contextos adequados para que as aprendizagens se possam desenvolver de modo natural. Papert insere-se na perspectiva educativa da escola nova, reconhecendo-se a proximidade das suas ideias com as de autores como Dewey, Pestalozzi, Freinet e Montessori. O que o distingue essencialmente é a sua exploração aprofundada das possibilidades e limites das novas tecnologias de informação. No que respeita a estas tecnologias, ele discorda tanto dos críticos — que consideram que elas vão trazer, inevitavelmente, muitos mais prejuízos do que benefícios — como dos utópicos — que valorizam, sobretudo, os respectivos aspectos positivos. Para Papert, o efeito positivo ou negativo das tecnologias é uma questão em aberto, dependendo muito da acção consciente e crítica que venha a ser feita pelos seus utilizadores. Ele é um crítico implacável do que considera ser software educacional de má qualidade e, infelizmente, não tem de se esforçar muito para encontrar exemplos flagrantes. Mas aponta igualmente exemplos de programas que possibilitam um uso criativo e enriquecedor do computador. O seu livro Mindstorms, publicado em 1980, marcou profundamente o pensamento de muitos dos que se interessam pelo uso educativo do computador. Nele sobressai a imagem da criança a desenvolver os seus próprios projectos, que explica, com segurança, ao adulto que casualmente se aproxima. Papert não se cansa de sublinhar a importância da vertente afectiva da aprendizagem, dando numerosos exemplos de como se aprende efectivamente quando se está verdadeiramente interessado no assunto. O seu segundo livro sobre o tema, The children’s machine continua a explorar a importância dos projectos realizados pelos alunos, valorizando o conhecimento prático ou “conhecimento em uso”, para o qual reclama a legitimidade de um estatuto epistemológico próprio. Aqui, a maior novidade é, talvez, a sua reconciliação com a escola e os professores, tratados com algum distanciamento na publicação anterior, e que passam então a ser considerados como podendo experimentar, eles próprios, um processo de desenvolvimento organizacional e cultural suscitado pelas novas tecnologias. O presente livro é o primeiro do autor finalmente publicado em Portugal, surgindo em plena fase de expansão do uso da Internet. O centro das atenções de Papert deixa de ser a escola, a que se refere apenas de passagem e passa, sobretudo, para o ambiente familiar. Merecem especial relevo as relações interpessoais entre aqueles que usam computadores para os seus próprios objectivos — sejam adultos ou crianças, pais, avós ou netos. Para todos, o autor tem múltiplas sugestões e conselhos, que incluem tanto os aspectos cognitivos (como se aprende?), como os axiológicos (que valores é importante salientar?) e os relacionais (que papel tem interacção inter-individual e que efeitos pode ter em cada um de nós?). A presença da Internet é marcante no conteúdo do livro. A maior parte dos exemplos apresentados respeita a explorações feitas no ciberespaço, evidenciando, assim, indirectamente muitas das suas possibilidades. A inspiração na Internet está também presente na forma de escrita: o recurso a temas-chave, permite a navegação no livro como se fosse um hipertexto. Esta ênfase na Internet dá ao livro uma actualidade acrescida, no momento em que esta rede finalmente se generaliza a todo o sistema educativo e entra em muitos lares portugueses. O Logo deu origem a um forte movimento internacional de professores e educadores, demarcando de um lado entusiastas ardentes e do outro críticos desdenhosos. Para uns, esta linguagem iria revolucionar o currículo escolar e o processo de aprendizagem. Para outros, não passava de mais uma moda educacional. Este movimento teve significativas repercussões em Portugal, nos anos 80. O Logo, como linguagem e como filosofia educacional, teve uma forte influência no Projecto MINERVA, uma iniciativa de âmbito nacional que, entre 1985 e 1994, procurou integrar na escola o uso do computador. Criou-se uma pequena mas muito dinâmica comunidade de professores e investigadores, usou-se a linguagem Logo em actividades e projectos realizados dentro e fora das salas de aula, fizeram-se semanas do Logo, organizaram-se numerosas experiências, escreveram-se dezenas de artigos e produziram-se teses de mestrado e de doutoramento sobre os seus efeitos nos alunos e professores. Contabilizados os argumentos de críticos e apoiantes, concluímos que nem um nem noutro campo provaram ter inteira razão. Se, por um lado, o Logo não ganhou um lugar muito proeminente nas escolas, por outro, o facto é que muitas das ideias de Papert têm tido uma influência e uma longevidade pouco comuns em educação. Esta linguagem, apesar do seu interface inovador, acabou por envelhecer em muitos aspectos, como todos os produtos informáticos. Mesmo assim, teve um período de grande visibilidade muito maior do que a maioria dos programas educacionais. Mas as ideias fundamentais de Papert relativamente à natureza da aprendizagem e ao papel da tecnologia continuam extremamente actuais desafiando aqueles que pensam que o computador é óptimo para modernizar o sistema educativo sem que, para isso, seja preciso alterar muito profundamente os objectivos e o processo de ensino-aprendizagem. A importância do envolvimento pessoal na aprendizagem, da acção e da experiência, dos aspectos afectivos e da cultura envolvente — são temas sempre recorrentes nas suas reflexões. Papert sublinha que, quando se aprende, aprende-se sempre duas coisas: (a) um assunto ou domínio específico e (b) uma perspectiva sobre o que é a aprendizagem. Para ele, o aprender a aprender não é algo difuso e irrelevante mas uma das condições fundamentais de sucesso na sociedade de informação para onde caminhamos a ritmo acelerado. Apesar da sua grande influência em pequenos grupos de educadores, Papert é praticamente desconhecido do grande público português. O surgimento deste livro cria a possibilidade de ser lido pelos professores, futuros professores, pais, políticos e todos os outros que se interessam pelo processo educativo. Ele constitui, também, uma boa oportunidade para quem já é utilizador habitual do computador repensar o seu modo de relacionamento com a máquina e com os outros. Resta esperar que o livro contribua para reavivar a polémica em torno do bom e do mau uso das novas tecnologias, tanto na esfera pessoal como no contexto educativo, tornando-nos a todos mais conscientes dos caminhos que há a seguir e dos que se devem evitar na utilização deste magnífico instrumento de trabalho e de aprendizagem. Lisboa, 25 de Abril de 1997 João Pedro da Ponte