- Resenhas da Internet

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Resenha da Internet – Quinta, 30/10/97 às 11h40
O real está nu
A fuga de dólares expõe a fragilidade da política econômica,
mas o governo escolhe um caminho que aprofunda a dependência
No começo da noite de terça-feira, o presidente do Banco Central, Gustavo Franco, convocou uma
entrevista coletiva e contou uma história da carochinha que os jornais conseguiram sustentar até a
manhã de hoje. Com o ar de deboche que parece ser sua marca registrada, Franco assegurou que
havia derrotado o ataque especulativo sofrido pelo real desde o início da semana. “No final, todos
[os ‘especuladores’] perderam e o BC ganhou. Podemos usar vários armamentos, leves ou
pesados. Vamos aguardar as novas emoções”, disse em tom de desafio. Foi transformado em herói,
por 24 horas.
Mas a vida real é diferente. Só na manhã de ante-ontem, uma corrida contra o real obrigou o
governo a torrar cerca de 5 bilhões de dólares – o mesmo que na semana mais aguda da crise
mexicana, em 95. Embora os jornais não informem em que volume, o movimento prosseguiu
ontem, e desmentiu a idéia de que a economia nacional está a salvo de turbulências externas; as
bolsas brasileiras estão se alinhando desconfortavelmente entre as que sofrem as maiores perdas e
fugas de investidores estrangeiros; e o mais grave é que as decisões adotadas pelo governo
indicam não uma revisão de rumos, mas um atrelamento ainda maior do país às turbulências
externas.
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Ninguém garante, por enquanto, o rumo das bolsas internacionais.
É possível uma fuga de dinheiro dos “mercados emergentes” de risco
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Ninguém mais se arrisca a prever que rumo tomarão, no curto prazo, as bolsas internacionais.
Mesmo que o presidente dos Estados Unidos tenha razão, ao dizer ontem que a economia de seu
país vive a fase “mais vibrante, em uma geração”, isso não alivia o fato das cotações estarem
claramente sobrevalorizadas. Em Wall Street s preços dos papéis incharam quase 300% nos
últimos dez anos, uma alta que não tem qualquer correspondência nem na produção de bens e
serviços reais, nem nos lucros das empresas. Por isso, uma queda brusca é uma hipótese que
nenhum analista sério dos mercados se atreve a descartar.
O vendaval iniciado semana passada não indica, por enquanto, que esta possibilidade se realizou.
A bolsa de Nova York fechou ontem no patamar dos 7.500 pontos -- o que ainda representa uma
alta de 15% no ano, e de quase 60% em relação ao início de 96. Mas uma das apostas mais
consistentes sobre o futuro imediato do mercado mundial de capitais prevê uma espécie de
seletividade crescente. Depois de obterem ganhos formidáveis nos chamados “mercados
emergentes”, os mega-investidores e os fundos de pensão que movimentam montanhas de dinheiro
pelo mundo deixariam os países apontados como “de risco”, em busca de refúgio nas economias
mais seguras.
Embora seja muito cedo para uma avaliação segura, os primeiros sinais indicam que, nessa corrida
cruel, o Brasil não está entre os vencedores. Entre todas as bolsas de valores mais relevantes no
mundo, a de São Paulo era, até às 19h30 de quarta-feira, a que mais tinha perdido desde o início
da crise, como mostra a tabela abaixo:
índice em 22/10/97
índice em 29/10/97
Variação
São Paulo
Buenos Aires
Cidade do México
Hong Kong
Singapura
Frankfurt
Londres
Tóquio
Nova York
12.955
863
5.299
11.638
1.732
3.966
3.409
17.688
8.034
9.818
712
4.680
10.765
1.541
3.806
3.161 (28/10)
16.857
7.507
-24,2%
-17,5%
- 7,7%
-7,5%
-11,0%
-4,0%
-7,2%
-4,7%
-6,5%
O mau sinal emitido pelas bolsas foi confirmado, para quem quis enxergar, pela corrida contra o
real iniciada na terça-feira. Disposto a deixar o país, um volume expressivo de aplicadores
procurou livrar-se da moeda nacional. As cotações só não sofreram uma queda brusca porque o
governo inundou o mercado financeiro de dólares. O preço da operação foi a perda de cerca de 8%
do estoque de divisas do país.
Alguns fatores fazem do Brasil um alvo fácil, num momento de instabilidade dos mercados
mundiais. O déficit exterior do país é expressivo e cresce sem parar, desde o início do “plano de
estabilização”. Os dados do Banco Central indicam que este ano serão necessários mais de 35
bilhões de dólares para fazer frente às importações e ao pagamento da dívida externa e outros
serviços. Os cálculos mais otimistas falam na entrada de US$ 15 bi, em investimentos diretos. O
que tem garantido o fechamento da conta é um enorme volume do chamado “capital especulativo”.
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Política econômica transformou o país em refém dos capitais especulativos.
Para salvar-se, governo fala em vender as estatais a preços aviltados
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O déficit do Brasil é muito menor que o de alguns antigos “tigres asiáticos”, que enfrentam há
meses crises cambiais violentas e desaceleração brusca da atividade econômica. Mas o quadro está
piorando rapidamente: o déficit era zero em 94, e estava na metade do patamar atual há apenas
um ano. Se qualquer anormalidade na conjuntura internacional provocar uma corrida do dinheiro
em direção a aplicações consideradas mais seguras, ninguém responde pela saúde da economia
brasileira.
O mais grave é que todas as atitudes adotadas até agora pelo governo FHC aumentam a
vulnerabilidade do país, no caso dessa hipótese se concretizar. Não há plano estratégico para
reativar a indústria e a agricultura, nem medidas para gerar internamente os investimentos
necessários, nem esforço consistente para reduzir o déficit comercial. Prevalece apenas a aposta
cega na entrada de investimentos estrangeiros.
Quem critica o presidente da República e seus assessores econômicos precisa reconhecer que
todos eles têm vivido momentos de tensão. Depois de desativarem os principais instrumentos que
permitiam ao Estado brasileiro dirigir a economia, resta-lhes torcer por uma conjuntura
internacional favorável. Na manhã de terça-feira, os riscos de uma queda avassaladora em Wall
Street eram altos. Além de vender montanhas de dólares, Gustavo Franco mandou as bolsas de
valores adiarem o início dos pregões. Depois, rezou por um milagre em Nova York e foi atendido,
possivelmente por São Brás.
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A lógica atual pode exigir medidas impopulares. FHC estaria em busca
de um bode expiatório, ao atacar com virulência a oposição?
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Ele mesmo sabe que pode não ser sempre assim. Por isso, o governo tem, no bolso do colete, duas
cartas. A primeira são as estatais. Em uma semana, as ações da Telebrás e Eletrobrás perderam
cerca de 1/3 de seu valor. Além disso, o próprio Franco reconheceu na entrevista de terça (embora
apenas a Gazeta Mercantil tenha registrado), que o mercado pagará pelas empresas elétricas
brasileiras apenas um sexto do que valem companhias equivalentes na Ásia. Mesmo assim, o
governo nem pensa em adiar as grandes privatizações, disse também ante-ontem o presidente do
BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros. Elas precisam ser vendidas no próximo ano, para que o
resultado da operação irrigue a economia de dinheiro e facilite um novo mandato FHC.
Se a primeira cartada não for suficiente, a segunda é um aumento ainda maior dos juros, e fortes
restrições ao crédito. O déficit externo, nessa alternativa, seria coberto não através de novos
investimentos, mas da redução do consumo popular. É uma saída antipática, por gerar
inadimplência, desemprego, recessão. Mas o presidente FHC não estaria preparando um bode
expiatório, ao insinuar ontem à noite que os que discordam de sua política fazem “oposição ao
Brasil”?
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