IV - APELACAO CIVEL RELATOR APELANTE ADVOGADO APELADO ADVOGADO APELADO ORIGEM 97.02.19635-3 : DESEMBARGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFACIO COSTA : JOSE CLEMENTE NETO : FERNANDO CORREA LIMA E OUTROS : CASA DE SAUDE DR. EIRAS S/A : JOSE ZENALVO TENORIO E OUTROS : UNIAO FEDERAL : DÉCIMA PRIMEIRA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (0006271472) RELATÓRIO Trata-se de Apelação Cível interposta por JOSÉ CLEMENTE NETO, de sentença proferida nos autos do PROCEDIMENTO ORDINÁRIO que ajuizou em face do INAMPS, sucedido pela UNIÃO FEDERAL e da CASA DE SAÚDE DR. EIRAS,colimando indenização por danos morais em virtude do falecimento de sua esposa, decorrente de erro médico ocorrido à época do atendimento na mencionada Casa de Saúde. Na peça vestibular, afirmou o Autor, ora apelante, que sua esposa MARIA JOSÉ DE LIRA, 28 anos e mãe de três crianças, foi internada em boas condições clínicas para ser operada de hérnia discal e no momento da indução anestésica sofreu parada cardíaca ficando em coma até o seu falecimento em 05 de fevereiro de 1983. Alegou, também que a paciente estava em um péssimo estado psicológico pedindo para cancelar a cirurgia. Não foram feitos exames pré-operatórios e o anestésico administrado havia sido retirado do mercado, mas nada disso foi considerado pela equipe médica. O MM Juízo a quo deferiu a gratuidade de justiça e julgou improcedente o pedido. Sem custas nem honorários advocatícios (fls. 199/200). 1 IV - APELACAO CIVEL 97.02.19635-3 Inconformado, o autor apelou às fls. 204/206, pleiteando a reforma integral da Sentença, assegurando-lhe o ressarcimento pelos danos morais sofridos. Contra-razões da União Federal às fls. 209/210. Remetidos os autos a esta Egrégia Corte, opinou o Ínclito Representante do Parquet Federal, às fls. 217/218, pela reforma da Sentença, dando provimento à apelação. Por se tratar de matéria predominantemente de direito, incide a regra contida no art. 43, inciso IX, do Regimento Interno (Emenda Reg. nº 17/2002, DJ de 25.01.2002, pág. 184/196) deste Egrégio Tribunal, dispensada, portanto, remessa ao Revisor. É o relatório. Peço dia. Rio de Janeiro, 17 de outubro de 2006. RALDÊNIO BONIFACIO COSTA RELATOR VOTO O EXMº SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RALDÊNIO BONIFACIO COSTA (RELATOR): 1- Conheço da Apelação, porque presentes os requisitos de admissibilidade. 2- Conforme relatado, trata-se de Apelação Cível interposta por JOSÉ CLEMENTE NETO, de Sentença proferida nos autos do 2 IV - APELACAO CIVEL 97.02.19635-3 PROCEDIMENTO ORDINÁRIO que ajuizou em face do INAMPS (sucedido pela UNIÃO FEDERAL) e da CASA DE SAÚDE DR. EIRAS, colimando indenização por danos morais em virtude do falecimento de sua esposa decorrente de erro médico ocorrido à época do atendimento na mencionada Casa de Saúde 3- Inconformado com a Sentença que julgou improcedente o pedido, a parte Autora, interpôs apelação. 4- Merece reparos o decisum a quo, conforme também entendeu o ínclito representante do Parquet Federal, Dr. ANDRÉ FONTES, em seu profícuo Parecer de fls. 217/218, verbis: “(...) 4. O serviço prestado pelo nosocômio, enquanto conveniado promotor da saúde coletiva, é público, estando portanto adstrito à regra do art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil. Deve responder portanto, objetivamente. 5. Também objetivamente responde o INSS como membro da administração indireta e em razão do mesmo mandamus constitucional. 6. Portanto, não se pode admitir que para que possam ser responsabilizados os apelados seja necessário fazer prova da culpa do preposto, como quer o provimento ora impugnado. 7. O que precisa ser provado o foi efetivamente, a saber: a conduta do agente público, o dano sofrido e o nexo de causalidade entre um fato e outro. 8. Não pode se deixar de reconhecer o direito pleiteado pelo recorrente, portento, já que dele fez prova eficaz. Não tendo os apelados demonstrado, em qualquer momento nos autos, 3 IV - APELACAO CIVEL 97.02.19635-3 elemento capaz de romper a causalidade aventada, não podem se imiscuir da obrigação de indenizar. 9. Isto posto, opina o Ministério Público pelo provimento do apelo. (...)”. 5- Quanto aos danos sofridos pelo Autor, transcrevem-se decisões desta Egrégia Corte, acolhendo a pretensão autoral: a) “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. FALECIMENTO DE NEONATO EM HOSPITAL PÚBLICO. NEXO CAUSAL ENTRE A MORTE E O TRATAMENTO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, ART. 37, § 6º. I) Falecimento de neonato por infecção generalizada contraída através de soro glicosado contaminado, utilizado para alimentar prematuros do Hospital Alexander Fleming. Laudo de necropsia comprovando que a patologia foi adquirida, uma vez que a criança nasceu saudável. II) Configuração de nexo causal entre o tratamento ministrado no hospirtal público federal e a morte prematura do neonato por infecção adquirida. (...).” (TRF, 2ª Região, AC 111407, Rel. JUIZA MARIA HELENA CISNE, 3ª Turma, DJ 14/10/1999). b) RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. NEXO CAUSAL. CULPA. 1 – Na hipótese de dano proveniente de omissão estatal, a responsabilidade é objetiva quando se tratar de omissão específica, vez que estará presente o dever individualizado de agir. 4 IV - APELACAO CIVEL 97.02.19635-3 2 - Evidencia-se o nexo causal entre a atuação estatal e o dano causado a paciente quando este se encontrar em tratamento em hospital público e for acometido de infecção hospitalar, sendo irrelevante apurar se os médicos responsáveis pelo tratamento atuaram com ou sem culpa, ante a regra contida no art. 37, § 6.º da CF/88. 3 - Recursos e remessa improvidos. (TRF 2ª Região – 7ª Turma Especializada; Rel. Desembargadora Federal LILIANE RORIZ; AC nº 99.02.00806-2/RJ; j. 29.06.2005; DJ 11.07.2005) 6- No caso em tela vimos que, assim como ocorre com a atividade judicial, a prática médica, por envolver a vida humana, deve compreender a noção de segurança e transparência, procurando informar ao paciente acerca da possibilidade de complicações e insucessos. Não pode o profissional da medicina valer-se da especificidade do seu vocabulário técnico e furtar-se da sua responsabilidade e ao utilizar um remédioanestésico ALFATESIN-retirado do mercado, e segundo o perito às fls. 192, há a possibilidade do “cremofor”, substância que foi motivo de suspensão do referido anestésico, causar efeitos adversos e até choque anafilático. 7- Considerando-se, também, que estamos tratando de procedimento cirúrgico realizado em estabelecimento hospitalar da União, impende ser reconhecida a responsabilidade civil objetiva da Administração Pública, nos termos do §6º do art. 37 da Constituição Federal, o qual prevê que “as pessoas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa”. 8- Conseqüentemente, para que se configure a obrigação de indenizar, basta que reste comprovado o nexo causal entre a conduta dos agentes do ente público e os danos sofridos pela vítima. Tratando-se, 5 IV - APELACAO CIVEL 97.02.19635-3 porém, de negligência médica, tal comprovação é sempre dificultosa, uma vez que a atuação profissional na hipótese consiste em obrigação de meio, e não de resultado, de forma que o simples fato do tratamento não produzir o efeito esperado, não enseja a resposta indenizatória 9- No presente caso, o dano moral refere-se à dor e ao sofrimento do Autor, seu abalo psicológico e o fato de ter que cuidar sozinho de três crianças de 4, 6 e 8 anos. A presente indenização é impossível de reparar o dano, visando, em especial, a minimizar a dor e a desestimular os agentes causadores, com fulcro nos princípios da exemplaridade e proporcionalidade. 10- Evidenciada a existência do dano e o nexo causal, configura-se a responsabilidade civil da União, cabendo a indenização pleiteada, 11- Para a fixação da quantificação dos danos morais, deve-se levar em consideração o fato da vítima ter 29 anos incompletos, ou seja, nasceu em fevereiro de 1954 e o evento morte ocorreu em fevereiro de 1983, tendo deixado filhos menores impúberes, à época do fato com 4, 6 e 8 anos de idade. Danos morais fixados em R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), conforme também, recentemente, em caso semelhante, entendeu o Eg. STJ: “RESPONSABILIDADE CIVIL. ATROPELAMENTO, MORTE. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. E MATERIAIS. CABIMENTO, PENSIONAMENTO. CRITÉRIOS. TERMO AD QUEM. SOBREVIDA PROVÁVEL. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INOCORRÊNCIA. 1. .... 2. .... 3. Consideradas as peculiaridades do caso em questão, vale dizer, atropelamento e morte de trabalhador e pai de família, com 42 anos, deixando companheira e três filhos, o valor fixado pelo Tribunal de origem a título de danos morais 6 IV - APELACAO CIVEL 97.02.19635-3 mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso. Valor indenizatório mantido na quantia certa de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais), a ser dividido entre os autores-recorridos. (grifamos) 4. Esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que nas reparações de dano moral, como o Juiz não fica jungido ao quantum pretendido pelo autor, ainda que o valor fixado seja inferior ao pleiteado pela parte, não há falar-se em sucumbência recíproca (Precedente: REsp. nº 494.867/AM, Rel. Min. Castro Filho, DJ. 2903.2003) 5. Recurso não conhecido.” (STJ 4ª Turma; RESP 698443/SP – 2004/0150883-2; Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI; j. 01.03.2005; v.u.; DJ 28.03.2005, p. 288) 12- Por estas razões, dou provimento ao recurso, para reformar o decisum a quo, condenando a UNIÃO, a pagar ao Autor indenização por danos morais no valor de R$ 120.000,00 (cento e vinte mil reais), valor atualizado do pedido autoral, mais juros de mora a contar da data do evento causador dos danos postulados, nos termos do art. 398 do novo Código Civil, além da pertinente correção monetária, consoante previsão contida na Lei nº 6.899, de 08/04/81 e no Decreto nº 86.649, de 25/11/81, que a regulamentou, aplicando-se os índices utilizados no Foro Federal na atualização dos precatórios e honorários advocatícios no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, conforme art. 20, § 4º, da Lei de Ritos. 13- É como voto. RALDÊNIO BONIFACIO COSTA RELATOR 7 IV - APELACAO CIVEL 97.02.19635-3 EMENTA RESPONSABILIDADE CIVIL. HOSPITAL CREDENCIADO AO EXTINTO INAMPS. DANOS MORAIS. ERRO MÉDICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ART. 37, § 6º, DA CF/88. 1- Ação ajuizada postulando indenização por danos morais, tendo em vista a morte de paciente por procedimento cirúrgico realizado em estabelecimento hospitalar da União. 2- Impende ser reconhecida a responsabilidade civil objetiva da Administração Pública, nos termos do § 6º do art. 37 da Constituição Federal, o qual prevê que “As pessoas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa.” 3- No presente caso, o dano moral refere-se à dor e ao sofrimento do Autor, seu abalo psicológico e o fato de ter que cuidar sozinho de três menores impúberes. A presente indenização é impossível de reparar o dano, visando, em especial, à minimizar a dor e a desestimular os agentes causadores, com fulcro nos princípios da exemplaridade e proporcionalidade. 4- “ 3- Consideradas as peculiaridades do caso em questão, vale dizer, atropelamento e morte de trabalhador e pai de família, com 42 anos, deixando companheira e três filhos, o valor fixado pelo Tribunal de origem a título de danos morais mostra-se razoável, limitando-se à compensação do sofrimento advindo do evento danoso. Valor indenizatório mantido na quantia certa de R$ 160.000,00 (cento e sessenta mil reais), a ser dividido entre os autoresrecorridos. 4. Esta Corte tem entendimento firmado no sentido de que nas reparações de dano moral, como o Juiz não fica jungido ao quantum pretendido pelo autor, ainda que o valor fixado seja inferior ao pleiteado pela parte, não há falar-se em sucumbência recíproca (Precedente: REsp. nº 494.867/AM, Rel. Min. Castro Filho, DJ. 2903.2003) - STJ 4ª Turma; RESP 698443/SP – 2004/0150883-2; Rel. Min. JORGE SCARTEZZINI; DJ 28.03.2005) 5- Dado provimento à apelação do Autor. 8 IV - APELACAO CIVEL 97.02.19635-3 job ACÓRDÃO Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas: Decide a 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar provimento ao recurso do Autor, nos termos do Relatório e Voto constantes dos autos e que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Rio de Janeiro, 24 de outubro de 2006 (data do julgamento) RALDÊNIO BONIFACIO COSTA RELATOR 9