Bases Epistemológicas da Ciência Moderna Profa. Dra. Luciana Zaterka [email protected] Oriente x Grécia Orientalistas reivindicam para as antigas civilizações orientais a criação de uma sabedoria que os gregos teriam apenas depois herdado e desenvolvido; Ocidentalistas que acreditam que a Grécia é o berço da filosofia e da ciência teórica. Antes da filosofia pré-socrática os gregos narravam os fatos e episódios do mundo por meio de mitos. O que narrava um mito? A origem das coisas a partir da ação ordenadora de um deus ou de um rei mago. A vitória do Deus ou do rei mago sobre outras forças punha ordem no real, separava os elementos, impunha a sucessão e a repetição temporal, o ciclo da geração e da corrupção das coisas e seu retorno eterno. O mito é essencialmente uma narrativa mágica ou maravilhosa, que não se define apenas pelo tema ou objeto da narrativa, mas pelo modo (mágico) de narrar, isto é, por analogias, metáforas e parábolas. Graças ao encantamento do mundo – cheio de Deuses e heróis, de objetos mágicos e feitos extraordinários – o mito conserva a realidade social dando-lhe um instrumento imaginário para conviver com suas contradições e dificuldades. Mito – seres divinos Filosofia – realidades concretas e naturais Teogonia – narra, por meio de relações sexuais entre os Deuses, o nascimento de todos os Deuses, titãs, heróis, homens e coisas do mundo natural. Cosmogonia – narra a geração da ordem do mundo pela ação e pelas relações sexuais entre forças vitais que são entidades concretas e divinas. Cosmologia – é a explicação da ordem do mundo pela determinação de um princípio originário e racional que é origem e causa das coisas e sua ordenação. “Logía é da mesma família de lógos, que possui múltiplos sentidos e podemos traduzir para nossa língua como: pensamento, linguagem, explicação, fundamento racional, argumento causal. Palavra e pensamento, valor e causa, norma e regra, ser e realidade, lógos concentra numa única palavra vários significados simultâneos que os gregos não separavam como nós separamos. A filosofia, ao nascer como cosmologia, procura ser a palavra racional, a explicação racional, a fundamentação pelo discurso e pelo pensamento da origem e ordem do mundo, isto é, do todo da realidade, do ser”. Escolas Pré-Socráticas: Os historiadores da filosofia grega costumam distinguir, no período pré-socrático (século VI a.C ao início do século IV a.C), quatro grandes tendências ou escolas que não são sucessivas mas, em geral, coexistentes, embora os continuadores não mantenham a totalidade das idéias dos fundadores. São pré-socráticas pelos temas que abordam e não porque todos os seus membros teriam nascido e vivido antes de Sócrates. Tanto assim que, por exemplo, Anaxágoras, um dos últimos pré-socráticos, foi contemporâneo de Sócrates. As escolas pré-socráticas são assim designadas para indicar aquele pensamento cuja preocupação central e cuja investigação principal eram a phýsis: Natureza (possui três sentidos principais: 1. processo de nascimento, surgimento, crescimento; 2. disposição espontânea e natureza própria de um ser; características naturais e essenciais de um ser; aquilo que constitui a natureza de um ser; 3. força originária criadora de todos os seres, responsável pelo surgimento, transformação e perecimento deles. A phýsis é o fundo inesgotável de onde vem o kósmos; e é o fundo perene para onde regressam todas as coisas, a realidade primeira e última de todas as coisas). Obs. kósmos – ordem e organização da natureza ou do mundo. 1. Escola Jônica (Ásia Menor), cujos principais representantes são Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto e Heráclito de Éfeso; 2. Escola Pitagórica ou Itálica (Magna Grécia), cujos principais representantes são Pitágoras de Santos, Alcmeão de Crotona, Filolau de Crotona e Árquitas de Tarento; 3. Escola Eleata (Magna Grécia), cujos principais representantes são Xenófanes de Colofão, Parmênides de Eléia, Zenão de Eléia e Melissos de Samos; 4. Escola de Pluralidade, cujos principais representantes são os atomistas Leucipo e Demócrito de Abdera, Empédocles de Agrigento e Anaxágoras de Clazómena. As três primeiras escolas possuem em comum o fato de tratarem a phýsis como unitária, enquanto os últimos concebem a phýsis como pluralidade. Pré-socráticos: como acreditar que na natureza existe um único ser que é sempre idêntico a si mesmo e, ao mesmo tempo, demonstrar que a multiplicidade e o movimento, a diferença entre as coisas e sua transformação são também verdadeiras? Em outras palavras, como podemos acreditar que a Natureza, para além de sua complexidade, multiplicidade e diferença, possui uma ordem que pode ser conhecida por meio de elementos simples que sejam imutáveis? Ora, o que os chamados filósofos pré-socráticos tentavam buscar era um princípio que pudesse fornecer uma origem e uma ordem para a natureza. Os filósofos pré-socráticos construíram uma cosmologia, ou seja, uma explicação racional sobre a ordem, origem e transformação do mundo. Segundo o importante filósofo Aristóteles, de Estagira (384 – 321 a.C.), Tales de Mileto (séc. VII a.C.) acreditava que a substância primordial, o “princípio material das coisas” era a água: “A maior parte dos primeiros filósofos considerava como os únicos princípios de todas as coisas os que são da natureza da matéria. Aquilo de que todos os seres são constituídos e de que primeiro são gerados e em que por fim se dissolvem, tal é para eles o elemento, o princípio dos seres; e por isso julgam que nada se cria nem se destrói, como se a natureza subsistisse para sempre (...). Tales, o fundador de tal filosofia, diz ser a água o princípio e por isso também declarou que a terra está sobre a água. Anaximandro de Mileto VI a.C “(...) Anaximandro de Mileto (...) afirmava que princípio e elemento das coisas é o ápeiron... e dizia que este não era nem água nem outro daqueles que se chamam elementos, mas outra natureza infinita da qual provêm todos os céus e os universos neles contidos”. Anaxímenes de Mileto 585 – 529 a.C “Anaxímenes de Mileto, filho de Euristrato, companheiro de Anaximandro, afirma também que uma só é a natureza subjacente e diz, como Anaximandro, que é ilimitada, mas não como Anaximandro, que é indefinida, e sim definida, dizendo que ela é ar. Diferencia-se nas substâncias por rarefação e condensação. Por rarefação, torna-se fogo; por condensação, vento, depois nuvem, e ainda mais, água, depois terra, depois pedras e as demais coisas provêm destas. Também ele faz eterno o movimento pelo qual se dá a transformação” Princípio é o ar: “Que manifesta sua existência por meio do frio e do calor, da umidade e do movimento”. Pitágoras e os pitagóricos: “Os pitagóricos por primeiro aplicaram-se às matemáticas e fizeram-nas progredir, e, nutridos por elas, acreditaram que os princípios delas fossem os princípios de todos os seres. E, posto que nas matemáticas os números são, por sua natureza, os primeiros princípios e justamente nos números eles afirmavam ver, mais que no fogo, na terra e na água, muitas semelhanças com as coisas que são e se geram (...); e ademais, posto que viam que as notas e os acordes musicais consistiam em números, e, enfim, porque todas as outras coisas, em toda a realidade, pareciam-lhes ter sido feitas à imagem dos números e que os números fossem o que é primeiro em toda a realidade, pensaram que os elementos do número fossem elementos de todas as coisas, e que todo universo fosse harmonia e número”. Nesta passagem, Aristóteles resume de maneira precisa o pensamento dos pitagóricos: o número é entendido como o Ser e, portanto, possui uma existência real; é neste sentido que deve ser compreendido como princípio constitutivo dos seres. Ora, não estamos no domínio do pensamento contemporâneo em que o número é concebido como instrumento para efetuarmos operações com a mente, no limite, simplesmente fruto de abstração da mente humana; não, para os antigos pitagóricos o número existe realmente na natureza e é por isso que pode ser princípio constitutivo de todas as coisas. Heráclito de Éfeso: “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”. O mundo é entendido como um fluxo eterno, nada é estático, idêntico a si mesmo e imutável; pelo contrário só existe o fluxo, o devir, a mutabilidade e as transformações. No limite, afirmar a identidade, a estabilidade e a permanência das coisas é estar no domínio da ilusão e da ficção. Afinal, percebemos que as coisas nascem, crescem, envelhecem e morrem; o dia se torna noite, a noite se torna dia, o úmido seca e o seco umedece. A mudança é a única realidade. Heráclito “Este mundo é e será um fogo sempre vivo”. Parmênides, critica os sentidos: A verdadeira filosofia não pode se basear na experiência do mundo sensível, ela só pode ser atingida pelo pensamento. E o intelecto puro só pode pensar aquilo que permanece idêntico a si mesmo. VIA DA OPINIÃO X VIA DA VERDADE Parmênides: É necessário pensar e dizer isto: que o ente é, pois é ser; e que o nada não é, pois é não ser. Bibliografia: - Chauí, M., Convite à Filosofia, São Paulo, Ática, 1992.