5 Aula: 4/3/2008 Curso: Relações Docente: Luiz Paulo Rouanet Disciplina: Filosofia públicas Os pré-socráticos Como diz Marilena Chauí (Introdução à História da Filosofia, vol. I, SP: Brrasiliense, 1994, p. 47), "As escolas pré-socráticas são assim designadas para indicar aquele pensamento cuja preocupação central e cuja investigação principal era a phýsis.* São as escolas de cosmologia ou de física (no sentido grego deste termo)". A denominação "présocrático" não deriva desses filósofos terem vivido antes de Sócrates (nem sempre foi o caso), mas do pensamento que representam. Segundo ainda Marilena Chauí, as quatro principais escolas pré-socráticas são as seguintes: 1) Escola jônica (Ásia Menor), cujos principais representantes são Tales de Mileto, Anaximandro de Mileto, Anaxímenes de Mileto e Heráclito de Éfeso; 2) Escola Pitagórica ou Itálica, cujos principais representantes são Pitágoras de Samos, Alcmeão de Crotona, Filolau de Crotona e Árquitas de Tarento; 3) Escola Eleata (Magna Grécia), cujos principais representantes são Xenófanes de Colofão, Parmênides de Eléia, Zenão de Eléia e Melissos de Samos; * Phýsis - Natureza. Possui três sentidos principais: (1) processo de nascimento, surgimento, crescimento (...); 2) disposição espontânea e natureza própria de um ser; características naturais e essenciais de um ser; aquilo que constitui a natureza de um ser; 3) força originária criadora de todos os seres, responsável pelo surgimento, trransformação e perecimento deles. A phýsis é o fundo inesgotável de onde vem o kósmos; e é o fundo perene para onde regressam todas as coisas, a realidade primeira e última de todas as coisas. (Extraído de Marilena Chauí, op. cit., Glossário). 6 4) Escola da Pluralidade, cujos principais representantes são os atomistas Leucipo e Demócrito de Abdera, Empédocles de Agrigento e Anaxágoras de Clazómena. São os filósofos que tentaram conciliarr Heráclito e Parmênides para salvar a filosofia de sua primeira grande crise. (Marilena Chauí, op. cit., pp. 47-48). Passarei agora a dar um breve resumo da vida e obra dos principais desses pensadores, concentrando-me em seguida em Heráclito de Éfeso, uma vez que é impossível tratar de maneira minimamente aprofundada todos eles. Os dados são extraídos, em geral do volume Pré-socráticos, da coleção Os Pensadores da Abril Cultural (edição recente, Nova Cultural). Tales de Mileto (c. de 625/4-458/6 a.C.) Tales, de ascendência fenícia, era natural da Jônia, na Ásia Menor, cidade famosa pelo florescente comércio marítimo, pátria também de Anaximandro e Anaxímenes. Floresceu pelo ano de 585 a.C. Segundo a tradição, é o primeiro físico grego ou investigador das coisas da natureza como um todo. De suas idéias, no entanto, pouco se conhece; nem há certeza de que tenha escrito um livro. Também não se conhecem fragmentos seus. Sua doutrina só nos foi transmitida pelos doxógrafos. A sua opinião mais famosa, transmitida pela tradição, é de que a água é o princípio das coisas. Tales, assim como quase todos os filósofos pré-socráticos, é hilozoísta, que atribui vida e geração de vida à matéria. Considera-se que aí começa a filosofia porque, por precária que seja a explicação, a água (ou o úmido) aparecem como o princípio unificador, o absoluto. É também a busca de um princípio que não seja mítico ou teogônico, isto é que não tente explicar a origem das coisas pelo mito ou pela religião. Convém citar um trecho de Nietzsche que ilustra essa passagem que se opera, ou pelo menos se inicia, em sua obra, do mito à filosofia: A filosofia grega parece começar com uma idéia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-se nela e levá-la a sério? Sim, e por três 7 razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela, embora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: "Tudo é um". A razão citada em primeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa sociedade e no-lo mostra como investigador da natureza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o primeiro filósofo grego. (Pré-socráticos, SP: Abril Cultural (Os Pensadores), 1973, p. 16, extraído de A Filosofia na Época Trágica dos Gregos, par. 3). Anaximandro de Mileto (c. 610-547 a.C.) Concidadão, discípulo e sucessor de Tales. Geógrafo, matemático, astrônomo e político. De sua vida, praticamente nada se sabe. Em compensação os relatos doxográficos nos dão conta de que escreveu um livro, intitulado Sobre a Natureza, tido pelos gregos como a primeira obra filosófica no seu idioma. Infelizmente o livro se perdeu, restando-nos apenas um fragmento e notícias de filósofos e escritores posteriores. Atribui-se a Anaximandro a confecção de um mapa do mundo haitado, a introdução na Grécia do uso do gnômon (relógio de sol) e a medição das distâncias entre as estrelas e o cálculo de sua magnitude (é o iniciador da astronomia grega). Ampliando a visão de Tales, foi o primeiro a formular o conceito de uma lei universal presidindo o processo cósmico total. O fragmento mais famosos e comentado de Anaximandro é o seguinte, reproduzido por Simplício: Princípio dos seres... ele disse (que era) o ilimitado... Pois donde a geração é para os seres, é para onde também a corrupção se gera segundo o necessário; pois concedem eles mesmos justiça e deferência uns aos outros pela injustiça, segundo a ordenação do tempo. Heráclito de Éfeso (c. de 540-470 a.C.) Heráclito nasceu em Éfeso, cidade da Jônia, de família que ainda conservava prerrogativas reais (descendentes do fundador da cidade). Seu caráter altivo, misantrópico e 8 melancólico ficou proverbial em toda a antiguidade. Desprezava a plebe. Recusou-se sempre a intervir na política. Manifestou desprezo pelos antigos poetas, contra os filósofos de seu tempo e até contr a religião. Sem ter tido mestre, escreve um livro Sobre a Natureza, em prosa, no dialeto jônico, mas de forma tão concisa que recebeu o cognome de Skoteinós, o Obscuro. Floresceu em 504-500 a.C. Heráclito é por muitos considerado o mais eminente pensador pré-socrático, por formular com vigor o problema da unidade permanente do ser diante da pluralidade e mutabilidade das coisas particulares e transitórias. Estabeleceu a existência de uma lei universal e fixa (o Lógos), regedora de todos os acontecimentos particulares e fundamento da harmonia universal, harmonia feita de tensões, "como a do arco e da lira". Parmênides de Eléia (c. de 530-460 a.C.) Parmênides nasceu em Eléia, hoje Vélia, na Itália. Foi discipúlo do pitagórico Amínias e mostra conhecer a doutrina pitagórica. Provavelmente também seguiu as lições do velho Xenófanes. Em Atenas, com Zenão, combate a filosofia dos jônicos. Floresceu por volta de 500 a.C. Escreveu um poema filosófico, em versos: Sobre a Natureza. Esta obrra compreende um preâmbulo e duas partes. Na primeira trata da verdade; na segunda, da opinião. Conservam-se numerosos fragmentos da primeira parte e alguns da segunda. A atitude polêmica de Parmênides levanta-se tanto contra o dualismo pitagórico (ser e não-ser, cheio e vazio...) como, segundo alguns intérpretes, contra o mobilismo de Heráclito. Bibliografia: Kirk, G. S.; Raven, J. E. Os filósofos pré-socráticos. 2a. ed. Trad. Carlos A. Louro da Fonseca, Beatriz R. Barbosa e Maria A. Pegado. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/d.