SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA BIBLIOGRAFIA 1) Classificação Internacional de Transtornos Mentais e de Comportamento do CID-10 – Diretrizes Clínicas e Diagnósticas – OMS; Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 2) Psiquiatria e Saúde Mental – Portella Nunes, Cap. 5 – São Paulo: Atheneu, 1996. 3) Compêndio de Psiquiatria Kaplan & Sadock – 9. edição – Cap. 9 – Porto Alegre: Artmed, 2007. 4) O método empírico-indutivo e suas relações com a psiquiatria – Teixeira, Manoel Olavo– in Jornal Brasileiro de Psiquiatria 44(12) 605-615, 1995. “A necessidade de estabelecer uma ligação estreita em seus conhecimentos médicos e de formar uma experiência esclarecida exige, imperiosamente, que se classifiquem as doenças estudadas e que se as enquadrem nos diversos gêneros de uma distribuição simples e metódica.” Philippe Pinel (Nosographie Philosophique - 1797) CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA Transtornos psiquiátricos são fenômenos patológicos definidos, nos quais se pode identificar etiologia, curso, evolução, mecanismos de funcionamento presumíveis, aspectos genéticos e tratamentos de resultados previsíveis. Todo campo de conhecimento científico requer uma sistematização e ordenação de suas informações, uma maneira de lidar com fenômenos complexos. Nosologia: classificação sistemática dos transtornos. Classificação significa ordenação, definição, compreensão e interpretação dentro de uma certa perspectiva. A classificação inclui aspectos referentes à psicopatologia; à idade, gênero, cultura e sociedade; à aspectos epidemiológicos; ao curso e complicações; à fatores genéticos; a achados físicos e laboratoriais; ao diagnóstico diferencial e às diferentes concepções teóricas acerca do transtorno. Características do diagnóstico em psiquiatria O diagnóstico geralmente é baseado em dados clínicos: exame psíquico e história. O diagnóstico psicopatológico baseia-se no perfil de sinais e sintomas apresentados pelo paciente na história da doença e entrevista. Não existem sintomas psicopatológicos patognomônicos em psiquiatria. O diagnóstico psiquiátrico, em muitos casos, só é possível com a evolução do curso da doença e inclui aspectos biopsicossociais. O estabelecimento de uma linguagem diagnóstica baseada em listas de classificação gera polêmica entre autores e correntes. A psiquiatria sempre foi atravessada e constituída por diversas correntes teóricas, terminologias, autores e escolas (alemã, francesa, inglesa, norteamericana). CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA Diversas classificações da loucura ao longo da história da medicina. Tradição mágico-religiosa. Hipócrates (Grécia) – Século V a. C. Bases naturais das doenças mentais. Introduz termos como mania, melancolia, frenesi. Classificação: epilepsia, melancolia, excitação e paranoia. Galeno (Roma) – melancolia geral, melancolia cerebral, hipocondria. Teoria humoral. Influência até o Renascimento. Século XVIII – vários sistemas classificatórios na Europa. Surge o alienismo como especialidade médica. Classificações baseadas em sintomatologia e etiologia presumida. P. Pinel – Nosografia Filosófica (1797) – Mania, melancolia, demência e idiotismo. Emil Kraepelin – 6. edição do Tratado de psiquiatria (1899) – classificação baseada nos sintomas e na evolução. Demência precoce versus psicose maníaco-depressiva. 1948 – OMS publica o Manual Internacional de Classificação de Doenças, Lesões e Causas de Morte (CID-6), incluindo transtornos mentais – Código Internacional de Doenças (atual CID X) 1952 – Associação Psiquiátrica Americana (APA) publica o DSM-I (Manual Estatístico e Diagnóstico dos Transtornos Mentais), de base fortemente psicanalítica. Década de 1970: busca da uniformização da classificação psiquiátrica mundial. Atuais: CID X (1992) e DSM-IV-TR (2000). DSM III - Em 1980, surge o manual da DSM-III da Associação Psiquiátrica Norte-americana (APA), proposto principalmente para fins de uso em pesquisas psiquiátricas. Introduz sistema multiaxial, composto por cinco eixos; estabelece critérios diagnósticos específicos como guia para cada diagnóstico; e estabelece hierarquias diagnósticas, indo dos distúrbios mais abrangentes para os menos abrangentes. Apresenta-se como uma abordagem eminentemente descritiva e ateórica dos transtornos mentais. Introduz o termo disorder (transtorno), ao invés de doença ou enfermidade. SISTEMAS ATUAIS DE CLASSIFICAÇÃO EM PSIQUIATRIA O enfoque é descritivo. O objetivo de um sistema de classificação é: Distinguir um diagnóstico de outro Proporcionar linguagem comum entre os profissionais. Explorar causas ainda desconhecidas de transtornos. Fornecer instrumentos de pesquisa. Não deveriam ser empregados como “manuais para diagnóstico psiquiátrico”. DSM – Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais da Associação Psiquiátrica Norteamericana Atual: DSM-IV-TR (2000) Primeiro DSM: 1952 DSM III – 1980 Características: Abordagem descritiva, ateórica, com descrição sistemática dos quadros e uso de critérios diagnósticos. Substituição de doença (disease) por transtorno (disorder) O diagnóstico é feito pelo preenchimento de critérios diagnósticos específicos para cada transtorno. Criam-se critérios de inclusão e de exclusão para cada diagnóstico. Propõem a retirada dos termos “neurose” e “psicose” Definição de transtorno mental do DSM-IV-TR Transtornos mentais são síndromes ou padrões comportamentais ou psicológicos clinicamente significativos, que ocorrem no indivíduo e estão associados a sofrimento (ex. sintoma doloroso) ou a incapacitação (ex. prejuízo em uma ou mais áreas de funcionamento) ou a um risco aumentado de sofrimento, morte, dor ou perda de liberdade. Esta síndrome ou padrão não deve constituir meramente uma resposta previsível e culturalmente aceita diante de determinado evento (ex. a morte de um ente querido). DSM-IV-TR O DSM é um sistema multiaxial de cinco eixos. Eixo I: transtornos psiquiátricos (mais de 300 transtornos específicos) Eixo II: transtornos de personalidade e retardo mental Eixo III: transtornos físicos ou doença médica geral presente Eixo IV: problemas psicossociais e ambientais que contribuem para o transtorno mental (estressores psicossociais) Eixo V: escala de avaliação global do funcionamento do paciente num determinado período (último ano) EXEMPLO: Critério diagnóstico do DSM-IV-TR para episódio depressivo maior. A. No mínimo cinco dos seguintes sintomas estiveram presentes durante um período de 2 semanas: pelo menos um dos sintomas é 1) humor deprimido ou 2) perda do interesse ou prazer. 1) humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, indicado por relato subjetivo ou observação de terceiros. 2) acentuada diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia. 3) perda ou ganho significativo de peso (p.ex. mais de 5% do peso corporal em 1 mês) ou diminuição ou aumento do apetite quase todos os dias. 4) insônia ou hipersonia quase todos os dias. 5) agitação ou retardo psicomotor. 6) fadiga ou perda de energia. 7) Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada (que pode ser delirante) quase todos os dias. 8) capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se, ou indecisão. 9) pensamentos de morte recorrente, ideação suicida recorrente sem um plano específico, tentativa de suicídio. B. os sintomas não satisfazem critérios para um episódio misto do humor. C. Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas da vida do indivíduo. D. Os sintomas não se devem aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância ou uma condição médica geral. Os sintomas não são mais bem explicados por luto, ou seja, após a perda de um ente querido. Gravidade do transtorno no DSM-IV-TR Leve – presença de poucos sintomas além do necessário para fazer o diagnóstico. Pequenas limitações do funcionamento social ou ocupacional. Moderada – Entre leve e grave Grave – Presença de muitos sintomas além dos necessários para o diagnóstico, ou vários sintomas graves, ou limitações acentuadas do funcionamento. Em remissão parcial – os critérios para o transtorno foram satisfeitos no passado mas, no momento, apenas alguns persistem. Em remissão total – Ausência de sinais e sintomas do transtorno. Classificações do Eixo I do DSM-IV-TR Transtornos geralmente diagnosticados na infância e adolescência. Delirium, demência, transtornos amnésticos e outros transtornos cognitivos Transtornos mentais devido a uma condição médica geral Transtornos ligados a substâncias Esquizofrenia e outros transtornos psicóticos Transtornos do humor Transtornos de ansiedade Transtornos factícios Transtornos dissociativos Transtornos sexuais e de identidade de gênero Transtornos de alimentação Transtornos do sono Transtornos de controle de impulso não classificados em outro local Transtornos de adaptação Outras condições que possam ser foco de atenção clínica EIXO II DO DSM-IV-TR Transtorno de personalidade paranóide Transtorno de personalidade esquizóide Transtorno de personalidade esquizotípica Transtorno de personalidade antisocial Transtorno de personalidade borderline Transtorno de personalidade histriônica Transtorno de personalidade narcisista Transtorno de personalidade esquiva Transtorno de personalidade dependente Transtorno de personalidade obsessivo-compulsiva Transtorno de personalidade sem outra especificação Retardo Mental EIXO III do DSM-IV-TR – Condições médicas gerais Doenças infecciosas e parasitárias Neoplasias Doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas e distúrbios da imunidade Doenças do sangue e órgãos hematopoiéticos Doenças do sistema nervoso e órgãos sensoriais Doenças do aparelhos circulatório Doenças do sistema digestivo Doenças do sistema genitourinário Complicações da gravidez e parto Doenças de pele e tecido subcutâneo Doenças do sistema musculoesquelético Anomalias congênitas Ferimentos e envenenamentos CID X Sofre influência dos conceitos e da metodologia do DSM. Apresenta esquema de codificação alfanumérico, baseado em códigos com uma letra única, seguida por dois algarismos com até três caracteres: F00 a F98. Para cada transtorno é fornecida uma descrição dos aspectos clínicos principais e aspectos associados. São fornecidas diretrizes diagnósticas, indicando o número e balanço de sintomas necessários a um diagnóstico confiável. Mostra-se como um híbrido de conceitos psicodinâmicos e comportamentais. O CID X também adotou o termo transtorno, ao invés de doença. O CID X manteve o uso do termo neurose e do termo psicogênico, para quadros com origem psicológica presumida. O CID X mantém o uso do conceito de transtornos orgânicocerebrais. CID X – Classificação de transtornos mentais e de comportamento O CID também adotou a classificação a partir de descrições clínicas e diretrizes diagnósticos. Exemplo: Mania sem sintomas psicóticos (CIDX) A O humor deve ser predominantemente elevado, expansivo ou irritável e claramente anormal para o indivíduo. A alteração de humor deve ser proeminente e mantida por pelo menos 1 semana; B Pelo menos três dos seguintes sinais devem estar presentes: 1) Atividade aumentada ou inquietação física 2) Loquacidade aumentada 3) Fuga de ideias ou experiência subjetiva de pensamento acelerado. 4) Perda das inibições sociais normais, resultando em comportamento inadequado às circunstâncias. 5) Necessidade de sono diminuída. 6) Autoestima aumentada ou grandiosidade. 7) Distraibilidade ou alterações constantes na atividade ou planos. 8) Comportamento temerário ou descuidado e cujo risco o indivíduo não reconhece, como excesso de gastos, empreendimentos extravagantes, direção negligente. 9) Energia sexual aumentada ou indiscriçõe sexuais. C. Não há alucinações ou delírios, embora transtornos perceptivos possam ocorrer. CATEGORIAS DIAGNÓSTICAS DO CID X F00-F09 – Transtornos mentais orgânicos, incluindo sintomáticos (demências, delirium, síndromes amnésticas e por lesão cerebral) F10-F19 – Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de substância psicoativa (álcool, opióides, canabinóides, sedativos e hipnóticos, cocaína, estimulantes, alucinógenos, tabaco, solventes voláteis) F20-F29 – Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes F30-F39 – Transtornos do humor (depressão, mania, transtorno bipolar) F40-F48 – Transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes (transtornos de ansiedade, fóbicos, obsessivo-compulsivo, dissociativo, somatoforme, reação a estresse) F50-F59 – Síndromes comportamentais associadas com perturbações fisiológicas e fatores físicos (transtornos alimentares, de sono, disfunção sexual, associadas ao puerpério, abuso de substâncias sem dependência) F60-F69 – Transtornos de personalidade e de comportamento em adultos. F70-F79 – Retardo mental. F80-F89 – Transtornos do desenvolvimento psicológico F90-F98 – Transtornos emocionais e de comportamento com início na infância e adolescência Classificação de esquizofrenia no CID X F20 Esquizofrenia F20.0 Esquizofrenia paranóide F20.1 Esquizofrenia hebefrênica F20.2 Esquizofrenia catatônica F20.3 Esquizofrenia indiferenciada F20.4 Depressão pós-esquizofrênica F20.5 Esquizofrenia residual F20.6 Esquizofrenia simples F20.8 Outra esquizofrenia F20.9 Esquizofrenia, não especificada “A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.” Simão Bacamarte, personagem de Machado de Assis no conto O Alienista. De Philippe Pinel (mania, melancolia, demência e idiotismo) às classificações atuais. - A psiquiatria e seu tesouro semiológico. - A proliferação contemporânea de categorias diagnósticas. -