Anemia Falciforme - Complicações Giulianna de Sousa B. Araujo – R1 Orientadoras: Dra Elza Dra Maristela Dra Mariana Brasília, 11 de julho de 2008 Hospital Regional da Asa Sul (HRAS)/SES/DF www.paulomargoto.com.br Introdução Doença falciforme: anemia hemolítica hereditária autossômica recessiva, caracterizada por um tipo de hemoglobina mutante designada hemoglobina S (Hb S), que provoca distorção dos eritrócitos, fazendo-os tomar a forma de “foice” ou “meia-lua”. Anemia falciforme (SS), HbS/Betatalassemia e as duplas heterozigoses Hb SC e Hb SD. Introdução OMS: 2500 crianças portadoras de doença falciforme por ano no Brasil. – 20% não atingem os 5 anos de idade. HbS 2 a 6% da população brasileira e 6 a 12% da população afrodescendentes. MS (junho/2001): triagem neonatal obrigatória para HbS em todo território brasileiro teste do pezinho. RJ e MG (dados da triagem): traço falciforme em 1 de cada 21 nascidos vivos e doença falciforme em 1 de cada 1200 nascidos vivos. Diagnóstico Eletroforese de Hemoglobina associado a dosagem de Hb fetal e da Hb A2 Triagem neonatal: especificidade e sensibilidade acima de 90%. – Detecta todos os vários tipos de hemoglobina: F, A, S, C, D. Sem doença: FA Traços heterozigotos: FAS, FAC, FAD. Doença falciforme: FS, FSC, FSD. Complicações Crises Álgicas Infecções Crises de Sequestro Esplênico Complicações Oculares Fígado e Vias Biliares Ossos e Articulações Complicações Renais Crises Aplásticas Síndrome Torácica Aguda Síndrome da Embolia Gordurosa Complicações Cardíacas Acidente Vascular Cerebral Priapismo Crises Álgicas Crises Álgicas Complicações mais freqüentes. Vaso-oclusão da microvasculatura da medula óssea. Obstrução do fluxo sanguíneo por hemácias falcizadas redução do fluxo hipóxia reginal e acidose falcização isquemia mediadores inflamatórios dor. Primeira manifestação (maioria): dactilite (síndrome mão-pé), crianças de 6 meses a 2 anos. Pode afetar qualquer parte do corpo, principalmente extremidades, abdome e costas. Intensidade variável da dor, pode ser severa. Fatores de Risco Desidratação Palidez Alterações climáticas Fatores psicológicos Vômitos recorrentes Febre > 38ºC Aumento de volume articular Sintomas pulmonares agudos Sintomas neurológicos Priapismo Processos álgicos que não se resolvem com analgésicos comuns Conduta Objetivos: – Eliminar fatores precipitantes – Promover repouso – Assegurar boa hidratação e analgesia adequada Conduta Internação: – Fatores de risco – Dor abdominal Avaliação pela cirurgia – Edema articular agudo ou suspeita de osteomielite – Dor não resolveu após 8 horas da instalação da analgesia Conduta Investigação laboratorial: – Hemograma com reticulócitos. – Febre protocolo da febre – Sintoma respiratórios rotina específica – Suspeita de osteomielite ou artrite: Rx da área afetada e cintilografia se necessário, punção aspirativa, cultura, avaliação do ortopedista. – Dor lombar: EAS + urocultura + antibiograma. Conduta Tratamento: – Tratar prontamente a dor – Reduzir o medo e a ansiedade – Retirar a causa desencadeante – Estimular a ingestão oral de líquidos – Repouso relativo – Evitar mudanças bruscas de temperatura – Aquecimento das articulações acometidas Conduta Tratamento: – Hidratação parenteral se a dor for moderada a severa: 3 a 5 litros por dia em adultos e 1,5 vezes as necessidades diárias em crianças – Reavaliação periódica – Em alguns casos podem ser necessários uso de narcóticos – Se analgesia não controlar dor, iniciar antiinflamatório Tratamento Ambulatorial Avaliar escala de dor Tratamento Ambulatorial Dor leve (1 a 3): – Dipirona 4/4h – Suspender após 24h sem dor. Dor moderada (3 a 6): – Dipirona 4/4h + AINE (ex: diclofenaco 8/8h) – Retirar AINE após 24h sem dor, manter dipirona 4/4h por mais 24h. – Retorno da dor retornar AINE, emergência de referência. Tratamento Ambulatorial Dor intensa (6 a 10): – Dipirona 4/4h + codeína 4/4h (intercalados) AINE 8/8h – Após 24h sem dor, retirar dipirona, manter codeína + AINE – Após 24h, retirar codeína, manter AINE por 24h. – Se retorno da dor: retornar AINE, emergência de referência. Tratamento na Emergência DOR de 1 a 6 Fez tratamento domiciliar corretamente? DOR de 6 a 10 Fez tratamento domiciliar corretamente? NÃO SIM Passar DIPIRONA EV e AINE AINE + DIPIRONA EV + CODEÍNA OU TRAMAL Melhora após 6h: ALTA (com dipirona + AINE) Melhora após 6 h: alta (com dipirona + AINE + codeína) Não melhora após 1 h associar CODEÍNA VO e internar NÃO Piora: INTERNAR, suspender opióide fraco e acrescentar MORFINA SIM MORFINA 0,1 mg/Kg/dose EV, repetir se não melhorar após 30 min e manter de 4/4 hs Melhora após 6 h: ALTA (com dipirona + AINE + codeína) Piora após 6 h: MORFINA infusão contínua Tratamento na Internação Hidratação venosa Manter 2 analgésicos (dipirona e morfina EV) e AINE EV (diclofenaco de 8/8h). Avaliar necessidade de passar morfina para infusão contínua. Identificar fator desencadeante. Oximetria de pulso. Investigar Síndrome Torácica Aguda Avaliar transfusão em caso de anemia intensa ou queda maior de 20% do valor de base. Observações O uso de O2 não mostrou relevância clínica e não deve ser indicado de rotina1. Transfusões não devem ser feitas de rotina1,2,3. Pacientes com anemia falciforme não possuem maior propensão à dependência de narcóticos do que qualquer outro paciente que precise de analgesia potente2,3. NÃO TER MEDO DE USAR OPIÓIDES, O MAIS IMPORTANTE É RETIRAR A DOR DO PACIENTE1,2. 1- Emergências Clínicas Baseadas em Evidências. Editora Atheneu, São Paulo, 2006. 2-Sickle Cell Disease in Childhood: Part II. Diagnosis and Treatment of Major Complications and Recent Advances in Treatment. Sep 15;62(6):1309-14, 2000. 3- Hoffman: Hematology: Basic Principles and Practice. 4th ed. Copyright 2005. Síndrome Torácica Aguda Síndrome Torácida Aguda Infiltrado pulmonar novo na presença de febre ou sintomas respiratórios. Dor torácica aguda e intensa, febre, tosse e dispnéia moderada a grave, hipercapnia e hipoxemia intensa. Crises álgicas podem anteceder o episódio em 1 ou 2 semanas. Causas: vaso-oclusão pulmonar, infecção, embolia de medula óssea necrótica, seqüestro pulmonar. Exames laboratoriais Rx de tórax Hemograma com reticulócitos Gasometria arterial em ar ambiente Hemocultura, BAAR e cultura de escarro (se possível) Títulos para Mycoplasma pneumoniae (se possível) Cintilografia cardíaca: quando existem sintomas torácicos com Rx de tórax normal ECG (opcional) Estudos virais (opcional) Conduta Internação Oxigênio – Se PaO2 < 80mmHg na gasometria arterial. Hidratação: necessidades basais Não hiperhidratar. Antibioticoterapia EV: – Escolha: ceftriaxona com oxacilina ou cefuroxima – Associar eritromicina se suspeita de Mycoplasma Controle da dor. – Evitar uso excessivo de opiódes. Prevenção de atelectasia. – Fisioterapia respiratória. Toracocentese: se derrame pleural. Controle da gasometria arterial. Corticóide e broncodilatadores (?) Conduta Indicações de exsanguíneotransfusão parcial: – PaO2 menor que 70 mmHg – Queda de 25% do nível basal de PaO2 – ICC ou ICD aguda – Pneumonia rapidamente progressiva – Acentudada dispnéia com taquipnéia Febre/Infecções Infecções As infecções constituem a principal causa de morte em pacientes com anemia falciforme. Risco de septicemia ou meningite por S. pneumoniae ou H. influenzae = 600 vezes maior. Maior predisposição a pneumonia, infecções renais, osteomielite. Febre = situação de risco. Protocolo de febre para menores de 5 anos Exame físico, procurar sinais de: – Desconforto respiratório – Icterícia – Sepse – Meningite – Esplenomegalia – Dor óssea localizada – Acidente Vascular Cerebral Protocolo de febre para menores de 5 anos Exames – – – – Hemograma com reticulócitos Hemocultura, urocultura e coprocultura (se diarréia) Rx de tórax Sorologia para Mycoplasma ou crioaglutininas (opcional) – Punção lombar: menores de 1 ano ou sinais mínimos sugestivos de meningite – Rx de esqueleto e cintilografia: pacientes com dor óssea localizada e febre alta – US abdominal em casos de dor abdominal intensa Tratamento Todos os pacientes menores de 3 anos e com temperatura superior a 38,3ºC devem ser internados. Antibioticoterapia (S. Pneumoniae e H. Influenzae) – Cefuroxima (60 mg/kg/dia) ou amoxicilina+clavulanato – Suspeita de meningite: ceftriaxona Osteomielite (suspeita ou confirmada): – Cobertura para S. Aureus e Salmonella: cefuroxima (150mg/kg/dia) ou ceftriaxona + oxacilina Tratamento Investigação para febre inconclusiva, suspender ATB após 72 horas se hemoculturas negativas. Alta após 72 horas com antibiótico oral se afebris, sem toxemia e com níveis seguros de Hb (HC com reticulócitos a cada 2 dias). Reavaliar após 1 semana da alta. Pacientes esplenectomizados devem ser tratados de acordo com esse protocolo independente da idade e estado vacinal. Imunizações Programa normal: BCG, Hepatite B, DPT, sabin, anti-HIB e tríplice viral. Anti-pneumocócica: – Heptavalente: 3 doses (2, 4, 6 meses) + reforço (15 meses) – Polivalente (pneumo 23): 1 dose aos 2 anos e reforço após 3 anos da primeira dose. Antigripal: uma dose anual Vacina antimeningocóccica Profilaxia com penicilina G benzatina ou penicilina V oral dos 3 meses aos 5 anos. Crise Aplástica e Seqüestro Esplênico Crises Aplásticas Não são muito freqüentes. Após processos infecciosos. Parvovirus B19 crise severa. Clínica: anemia aguda sem aumento esplênico, astenia, palidez. Laboratório: anemia + reticulocitopenia Tratamento: sintomáticos + transfusão (dependendo do estado hemodinâmico) Autolimitada, duração de 7 a 10 dias. Seqüestro Esplênico Acúmulo repentino intraesplênico de grandes volumes de sangue. Início após 5 meses, rara após 2 anos. Astenia, palidez cutâneo-mucosa, taquipnéia, taquicardia, aumento do volume abdominal, vertigens. Aumento súbido do baço com queda súbita dos níveis de hemoglobina, pode levar a choque e morte. Aumento do número de reticulócitos. Recorrência ocorre em até 50%. Tratamento Correção da hipovolemia, com transfusão de hemácias para aumentar a Hb para 9 a 10 mg/dL. Esplenectomia: crises graves, maiores de 5 anos. Menores de 5 anos: programa de transfusão crônica e orientação familiar. Fígado e vias biliares Fígado e vias biliares Icterícia – Freqüente. – Menor sobrevida das hemácias bilirrubina indireta. – Pode ser sinal de infecção, investigar. Colelitíase hemólise crônica, sais de bilirrubinato de cálcio (radiopacos). – 14% em menores de 10 anos. – Complicações: colecistite, obstrução do ducto biliar e pancreatite aguda. – Sintomática: colecistectomia videolaparoscópica. – Assintomática: controverso. Colelitíase no paciente pediátrico portador de doença falciforme. Rev Paul Pediatr 2007;25(4):377-81. Fígado e vias biliares Fígado – Crise vaso-oclusiva hepática – Seqüestro hepático – Hepatite viral – Obstrução do ducto hepático comum – Hepatotoxicidade induzida por drogas – Aumento do volume/fibrose: hemossiderose (múltiplas transfusões). Acidente Vascular Cerebral Acidente Vascular Cerebral Obstrução de artérias cerebrais isquemia e infarto. 10% dos portadores de doença falciforme. Manifestações neurológicas: hemiparesia, hemianestesia, deficiência do campo visual, paralisia de pares cranianos, convulsões. Tratamento: exsanguíneo-transfusão. Investigação: TC, RNM ou arteriografia. Após regressão do quadro agudo: regime de hipertransfusões para manter HbS < 30%. Priapismo Priapismo Ereção dolorosa do pênis que pode ocorrer em episódios breves e recorrentes ou episódios longos podendo causar impotência sexual. 2/3 dos pacientes masculinos. 45% ficam com algum grau de impotência. Tratamento: – Hidratação abudante, analgesia, banhos mornos. – Não resolveu em 12h transfusão simples ou exsanguíneo transfusão parcial. – Após 12 horas de exsanguíneo utilização de agonistas adrenergicos (etilefrina, injeções intracavernosas). – Após 12 horas cirurgia (drenagem e fistulização do corpo cavernoso). Úlcera de Perna Úlcera de Perna 8-10% dos pacientes, principalmente maiores de 10 anos. Maléolo medial ou lateral, tíbia, dorso do pé. Resistentes a terapia. Tratamento: – – – – – – Repouso Higiene local Debridamento Hidratante nas bordas Antibiótico tópico (neomicina, polimixina, bacitracina) Antibiótico sistêmico (celulite, linfadenite) Indicações de Transfusão Tratamento das complicações anêmicas severas – Crise aplástica – Crise hiperhemolítica – Crise de seqüestro esplênico Manuseio do acidente vascular cerebral Manuseio pré-operatório Doença vascular hipóxica progressiva NÃO são indicações de transfusão Anemia crônica Crises dolorosas Infecções leves ou moderadas Referências Bibliográficas Manual de Condutas Básicas na Doença Falciforme. Ministério da Saúde, 2006. Manual de Diagnóstico e Tratamento de Doenças Falciformes. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), 2002. Lopez FA, Júnior CD. Tratado de Pediatria da Sociedade Brasileira de Pediatria. 1ª edição. Editora Manole Ltda. São Paulo, 2007. Martins SM, Neto AS, Velasco IT. Emergências Clínicas Baseadas em Evidências. Editora Atheneu, São Paulo, 2006. Hoffman: Hematology: Basic Principles and Practice. 4th ed. Copyright 2005. Doris L, Wethers MD. Sickle Cell Disease in Childhood: Part II. Diagnosis and Treatment of Major Complications and Recent Advances in Treatment. Sep 15;62(6):1309-14, 2000. Ballas, SK. Current Issues in Sickle Cell Pain and Its Management. American Society of Hematology. P: 97-105, 2007. Preboth M. Management of Pain in Sickle Cell Disease. American Family Physician, Mar 1;61(5):1550-2, 2000. Caboot JB, Allen JL. Pulmonary complications of sickle cell disease in children. Current Opinion in Pediatrics. 20:279–287, 2008. Obrigada!