Adolescência: uma perspectiva crítica Sérgio OZELLA Psicólogo Mestre em Psicologia Social – PUC-SP Doutor em Psicologia Social – PUC-SP O texto apresenta HISTÓRICO dos estudos sobre a adolescência CRÍTICA à visão estereotipada e a concepção naturalista e universal sobre o adolescente (Psicologia tradicional e Psicanálise), como se suas características fossem inerentes aos jovens (marcadas por um “selo” individual) e independentes do meio cultural e histórico. Adolescência é vista: como um “estado”, momento “descolado” da condição social, como fase ou período crítico do desenvolvimento humano. Estudos sobre a adolescência [1]: Focalizam um período marcado por tormentos e conturbações vinculadas à emergência da sexualidade, como etapa de confusões, estresse e luto causados por impulsos sexuais (visão patologizante); Mostram que há uma “institucionalização” de adolescência – conceito de moratória (Erikson): confusão de papéis e dificuldade de estabelecer uma identidade própria; Estudos sobre a adolescência [2]: Destacam a existência de uma “essência” adolescente (mentalidade própria e psiquismo característico, mais que uma simples transição entre a infância e a idade adulta); Falam em “síndrome normal da adolescência”, “crise essencial da adolescência” – desequilíbrios e instabilidades extremas, vulnerabilidade especial – na qual se enfatizam a rebeldia, a instabilidade afetiva, a tendência grupal, as crises religiosas, as contradições, as crises de identidade. Essas concepções: 1. Teriam origem em Rousseau, que seria o responsável pela “invenção da adolescência” como fase da turbulência (nem criança, nem adulto). 2. A criação de conceitos amplos sobre a adolescência (encampados por Freud e Piaget) podem ser questionados em sua relevância por desprezarem o contexto sócio-cultural do jovem. Segundo OZELLA: É preciso considerar a inserção histórica do jovem e suas condições objetivas de vida. Da forma como é vista pela Psicologia do Desenvolvimento, as características da adolescência se aplicam “aos jovens de classes sociais mais privilegiadas que não têm a preocupação com a luta pela sobrevivência”. Implicações contemporâneas dessas concepções [1]: Desconexão entre a teoria e os fatos (o que é inato? o que é adquirido?) com tendência à ideologização; Presentismo: utilização de conceitos do passado nas proposições e nas situações atuais; Generalizações inconsistentes: não são aplicáveis a todas as culturas; Implicações contemporâneas dessas concepções [2]: Relativização extremada: os estudos são fundamentados em um único tipo de jovem: homem-branco-burguês-racional-ocidental (Europa / Estados Unidos) de classe média-altaurbana (não há estudos sobre outras classes sociais, etnias e contextos); Adultocentrismo: o parâmetro é sempre o adulto. Estudos mais atuais mostram que os adolescentes [1]: tendem reproduzir os valores e os papéis sociais dos adultos; são alienados das questões sociais e pouco politizados; valorizam o estudo como forma de ascensão, mas não gostam de estudar; encaram o trabalho como forma de ascensão, seguindo a ideologia do “esforço pessoal”; Estudos mais atuais mostram que os adolescentes [2]: não têm consciência crítica de sua condição social; são extremamente consumistas e desejam consumir mesmo quando não têm condições; apresentam problemas nas relações amorosas e na criação de outros vínculos, com sinais de solidão. NA VISÃO DOS PRÓPRIOS ADOLESCENTES [1]: a condição de classe parece interferir na forma como eles encaram a vida, a maneira como encaram a escola é sintomática: - jovens trabalhadores fazem associação entre escola e trabalho como forma de adquirir autonomia - jovens de classe média consideram a escola útil, mas ligada a aspectos sociais e de lazer NA VISÃO DOS PRÓPRIOS ADOLESCENTES [2]: projeto de futuro: - jovens trabalhadores encaram o futuro como desafio que depende de esforço pessoal e sucesso no estudo - jovens de classe média têm menor preocupação, embora esbocem um projeto de futuro (objetivo) solidão aparece mais nos jovens de classe elevada, independentemente da classe social, grande parte dos jovens tem visão estereotipada e negativa de outros adolescentes (vândalos, drogados, rebeldes) e, ao mesmo tempo se definem como adolescente-padrão. Quando a adolescência é analisada como fenômeno biopsicossocial: As correntes da Psicologia não superam uma visão dicotomizante (dividida, fragmentada), que enfatiza ora um ora outro aspecto (biológico/ambiental/social) e descaracteriza a influência do meio. Essa é uma concepção liberal de homem (autônomo, livre, auto-determinado). ATUALMENTE busca-se uma visão que tente superar a visão da adolescência como “síndrome natural” (rebeldia, desequilíbrio, instabilidade de humor e de afetos, crise de identidade, tendência grupal etc). PARA OZELLA, A adolescência é criada historicamente pelo homem. É a representação (significado atribuído culturalmente pelos homens por meio das relações sociais) de um fato social e psicológico. A adolescência “não é um período natural do desenvolvimento, mas um momento interpretado pelo homem, que lhe atribui significado”. Há marcas que a sociedade destaca (mudanças no corpo), mas elas também acontecem em outros períodos da vida do ser humano sem tanto destaque. OU SEJA: Na PERSPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA: a adolescência só pode ser compreendida na inserção na totalidade social que a constitui e lhe dá sentido. É a sociedade que atribui significados às características do desenvolvimento biológico e fisiológico de acordo com a cultura. Exemplos: os seios nas meninas (amamentação x sensualidade), a força muscular nos meninos (possibilidade de trabalhar, guerrear, caçar x masculinidade). Ademais, Na sociedade contemporânea: a sofisticação tecnológica do trabalho passou a exigir maior tempo de formação (adquirida na escola); o desemprego crônico / estrutural retarda o ingresso dos jovens no mercado de trabalho e aumenta os requisitos; a ciência prolongou a vida do homem e trouxe novos desafios para a sociedade. E ainda, ESSES FATORES criaram CONDIÇÕES para se manter a criança mais tempo sob a tutela dos pais e fora do mercado de trabalho. SOLUÇÃO encontrada: mantê-las na escola por mais tempo. CONSEQÜÊNCIA: aproximação de grupos de iguais / criação de um novo grupo social com padrão coletivo de comportamento: juventude / adolescência. Também serve como justificativa da burguesia para manter os filhos longe do trabalho. A ADOLESCÊNCIA Tal como é vista pela Psicologia refere-se a um “período de latência social” constituído a partir da sociedade capitalista. Não é uma fase natural, mas construída histórica e socialmente pelas necessidades econômicas. Os meios de comunicação de massa e a concepção de adolescente [1] São determinantes na construção dos significados sociais da adolescência: “Modelos de adolescentes” são veiculados pela mídia e compartilhados pelos jovens. Contribuem para a constituição de uma identidade própria e para o posicionamento dos pais. Os meios de comunicação de massa e a concepção de adolescente [2] As INFORMAÇÕES veiculadas afetam a visão de mundo e de si mesmos que os jovens constroem. Isso não quer dizer que os jovens fiquem passivos, apenas absorvendo seu conteúdo. No entanto, a possibilidade de uma leitura crítica das informações não é facilitada, face à sua massificação. Os meios de comunicação de massa e a concepção de adolescente [3] Há necessidade de mais estudos sobre os conteúdos transmitidos pelos meios de comunicação, a ideologia das mensagens veiculadas, principalmente pela televisão, pois os estudos que existem enfatizam mais o tempo e a freqüência a que crianças e jovens são expostos aos programas. Adolescência e Juventude - pontos de encontro e de distanciamento entre esses conceitos CORTI, Ana Paula e SOUZA, Raquel. Diálogos com o mundo juvenil. SP: Ação Educativa, 2005. 1. 2. Aproximando-se do conceito de juventude - p. 11-36. Os jovens e a escola – p. 99-142.