Estado unitário e Estado federativo. Relações entre esferas de governo e regime federativo. Marcelo Gonçalves Formas de Estado Simples Compostas Unitários União Pessoal União Real União Incorporada Confederação Federação Estado Unitário • Organização política única, sem divisões internas (= um único governo) • Centralização política = um poder com competência exclusiva em todo o território do Estado e a população • Pode haver algum grau de descentralização, especialmente administrativa. • Ex. Uruguai, Jamaica, Israel, Egito, Moçambique e Portugal. UNIÃO PESSOAL • Forma tipicamente monárquica; • Ocorre quando dois ou mais Estados ficam sob o governo de um mesmo monarca, mas cada Estado mantém sua soberania própria; • O elo é apenas a pessoa física do monarca; • Não há confusão política ou administrativa entre os dois Estados; • Exemplo clássico: Império Austro-Húngaro. UNIÃO REAL • Dois ou mais Estados ficam sob o governo de um mesmo monarca e ocorre perda de soberania = fundam uma só pessoa jurídica internacional; • Pode ocorrer de preservarem uma pequena autonomia administrativa. • Ex.: Reinos de Castela + Aragão = Espanha • Após a fusão podem dar origem a outra forma, exemplo: unitária. UNIÃO INCORPORADA • Unificação definitiva de dois ou mais estados que deixam de existir, surgindo um novo Estado com características unitárias. • As partes perdem soberania e autonomia. • Exemplo, formação da Iugoslávia em 1918. CONFEDERAÇÃO • Dois ou mais Estados se unem num pacto ou tratado; • As partes mantêm a soberania externa e autoridade externa. • Tradicionalmente é criada como forma de defesa contra a agressão externa. • As partes podem denunciar o tratado (direito de secessão) e de discordar do governo da confederação (nulificação) • O pacto celebra uma união que tem o objetivo de perdurar ao longo do tempo. “Na Confederação os Estados que a compõem não perdem sua individualidade do ponto de vista do Direito Internacional. Todos eles continuam plenamente detentores da soberania, podendo, livremente, desligar-se a qualquer momento, da Confederação. Além do mais, esta não tem poderes de imiscuir-se nos assuntos internos de cada um dos Estados que a formam. Quer dizer, as decisões tomadas no nível da Confederação dependerão sempre das leis internas a cada um dos Estados, para que se tornem efetivas.” Celso Bastos FEDERAÇÃO OU ESTADO FEDERADO • União de dois ou mais Estados, originando um só Estado Soberano; • Há renúncia à soberania externa, • Não há hierarquia nem subordinação entre as partes, que mantém certa autonomia para atuarem nas competências definidas pela Constituição. No Estado Federado coexistem poderes políticos distintos em um mesmo território. • Descentralização política • Convivência, num mesmo território, de diferentes entidades políticas autônomas, distribuídas regionalmente. • Ao renunciarem à sua soberania, os estados perdem o direito de secessão. Recapitulando o Essencial Estados federativos - uma forma particular de governo dividido verticalmente, de tal modo que diferentes níveis de governo têm autoridade sobre a mesma população e território - o governo central e os governos locais são independentes entre si e soberanos em suas respectivas jurisdições, o princípio da soberania garante autonomia para implementar (pelo menos, algumas de) suas próprias políticas; - A soberania dos governos locais deriva do voto popular direto, da autonomia de suas bases fiscais e, em muitos casos, de uma força militar própria; - existe o Senado. Estados unitários - apenas o governo central tem autoridade política própria, derivada do voto popular direto; - A unidade do Estado nacional está garantida pela concentração de autoridade política, fiscal e militar no governo central; - a autoridade política dos governos locais é derivada de uma delegação; - Em tese, portanto, a autonomia dos governos locais é mais reduzida Observe-se, portanto, que a concentração da autoridade política e fiscal no governo central é uma forma de distribuição vertical da autoridade política. ORIGENS DO ESTADO FEDERADO • Constituição dos Estados Unidos da América, em 1787. • Em 1776, as treze colônias britânicas declararam-se independentes, passando a constituir, cada uma delas, um novo Estado • Pouco tempo depois assinam os “Artigos da Confederação” • Constituição (com resistência) = Influenciados por Montesquieu, os constituintes norte-americanos adotaram o princípio da separação dos poderes (sistema de freios e contrapesos) • A Convenção da Filadélfia combinou o princípio da representação popular com a dupla divisão do poder: • - divisão entre os três poderes independentes (Executivo, Legislativo e Judiciário); • - divisão das responsabilidades de governo entre a União e os estados, de forma que • nenhum deles pudesse interferir nas tarefas do outro sem autorização política ou judicial. • Brasil, apesar de contexto distinto, seguiu o modelo. CARACTERÍSTICAS DO ESTADO FEDERADO • • • • • • • • • • • • • • a união faz nascer um novo estado a base jurídica do estado federal é uma constituição, não um tratado. não existe direito de secessão só o estado federal tem soberania (estados = autonomia política limitada) as atribuições da união e das unidades federadas são fixadas na constituição (obs: não existe hierarquia entre entes federados, visto que a cada esfera de poder corresponde a uma lista de competências determinadas). a cada esfera de competências se atribui renda própria. caso isso não se verifique, a autonomia política torna-se apenas nominal. o poder político é compartilhado pela união e pelas unidades federadas os cidadãos do estado, que adere à federação, adquirem a cidadania do estado federal e perdem a anterior. preserva as particularidades locais os órgãos centrais de governo são compostos por representantes dos estados a federação cria regras para resolução de conflitos no caso brasileiro, os estados membros mantém certa autonomia, baseada nas capacidades de auto-organização, autogoverno, auto-administração Federalismo ARGUMENTOS FAVORÁVEIS ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS - Assegura maior aproximação entre governantes e governados - Seria inadequado para o mundo atual, onde a grande quantidade de demandas da sociedade exigiria um governo forte, com um planejamento global que aproveitasse mais adequada e eficientemente os diversos recursos disponíveis. - A Federação dificulta a planificação, pois não é possível obrigar as partes. - Há maior dificuldade para a concentração de poder - Preserva as características - Provoca a dispersão de recursos. regionais e locais (favorece a solidariedade) - Assegura oportunidades mais - Tende a favorecer a ocorrência de amplas de participação no poder inúmeros conflitos jurídicos e políticos. político - considerada a forma mais avançada de descentralização política Relações entre esferas de governo e regime federativo RELAÇÕES ENTRE ESFERAS DE GOVERNO E REGIME FEDERATIVO • Autonomia responsável (não predatória) dos níveis de governo + relações intergovernamentais cooperativas + freios e contrapesos = O arranjo federativo exitoso • A Constituição Federal deve prever mecanismos que evitem a concentração excessiva de poder numa esfera de governo, ao mesmo tempo em que incentiva relações cooperativas. • Apesar da alta incidência de conflitos intergovernamentais, o federalismo aparece como a forma mais bem sucedida de equacioná-los democraticamente. • A regra por excelência do federalismo é a busca da conciliação entre independência e interdependência, mas sua natureza é intrinsecamente competitiva e conflitiva ( divisão de poder entre diversos centros de governo) • Relações intergovernamentais = problema de ação coletiva • Há duas correntes que analisam o federalismo: - uma que privilegia o aspecto competitivo; - outra que dá mais ênfase à parceria e à cooperação. O FEDERALISMO BRASILEIRO • vastidão territorial, pois o Brasil é um país continental. • heterogeneidade socioeconômica. FEDERALISMO NORTE-AMERICANO X BRASILEIRO Americano Brasileiro Ponto de partida Separação para União União para autonomia Motivação Defesa comum Sentimento de autonomia Sentido Concentração Dispersão Situação das partes Simetria (relativa) Assimetria • • • • • • • • • • RETROSPECTIVA HISTÓRICA Capitanias hereditárias (descentralização política e administrativa) Influenciou a organização territorial brasileira Império Poder central X “coronéis”. Constituição do Império (1824): já reconhecia o papel político das províncias, as quais elegiam assembléias que tinham autonomia para legislar sobre assuntos estritamente locais. Constituição de 1891: bastante “generosa” na atribuição de competências aos estados, os quais poderiam legislar sobre qualquer assunto que não fosse atribuição exclusiva da União e inclusive controlar o imposto sobre exportações. “Política dos Governadores”: acordo informal entre elites regionais ,dividindo o poder local e nacional (resultou na política do café com leite) A Revolução de 1930 derrubou o “federalismo oligárquico” Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1988: ampliação das atribuições da União, sejam as exclusivas, sejam as comuns e concorrentes. Concentração de poder e recursos fiscais nas mãos do governo federal e crescente sobreposição de funções, até 1988. Constituição de 1988: grande descentralização fiscal e tributária, sem que as competências federativas fossem claramente definidas. É NÓIS: algumas peculiaridade brasileiras • A Constituição estabelece que o Brasil é uma pública Federativa composta pela União, pelos 26 estados, pelo Distrito Federal e pelos mais de 5.500 municípios. • O Brasil é um dos únicos estados federais a incluir municípios como membros permanentes, até mesmo com autonomia legislativa e tributária definidas (art. 29 e 30 da CF/88). • Nossa federação pode sempre se expandir Além disso As relações entre os estados e a União não têm sido pautadas pela prática democrática, tal qual estabelecem os princípios federativos, visto que de 1930 a 1985, o Governo Federal se fortaleceu nos planos político, econômico e administrativo, e este processo quase sempre foi realizado por vias autoritárias, como no Estado Novo (1937-1945) e no Regime Militar (1964-1985). A reação dos Estados foi adotar, nos períodos democráticos, uma conduta irresponsável em termos financeiros, alicerçada na proteção ou mesmo parasitismo em relação ao Governo Federal. A QUESTÃO DA RESPONSABILIDADE FISCAL • • • • • • • Motivação: tendência de os estados e municípios transferirem os custos de suas atividades para a União. Os estados devedores foram favorecidos pelo Plano Real, porque a inflação desvalorizava suas dívidas, que não era indexada. Em seguida a União começou a fechar o cerco sobre os “ralos” que possibilitavam o endividamento dos estados: os empréstimos por antecipação de receitas orçamentárias – AROs – e o uso dos bancos estaduais como tomadores de empréstimos no mercado. Em 2000, veio a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101), a qual estabeleceu normas rígidas de gestão fiscal para todos os governos, incluindo o próprio governo federal. Os governos devem, anualmente, apresentar seu planejamento orçamentário, comprovando que suas receitas são suficientes para cobrir as despesas. Algumas questões: “restos a pagar”, limites para gastos de pessoal e para endividamento, pesadas punições foram estabelecidas para os administradores e governantes. REPARTIÇÃO DE RECEITAS • No sistema atual, a arrecadação é bastante concentrada: os 5 principais impostos são responsáveis por mais de 70% da arrecadação total, sendo 4 deles arrecadados pela União; • Em 2002, 70,1% do total da arrecadação tributária foi realizado pela União, 25,5% pelos Estados e 4,3% pelos municípios; • Na distribuição de recursos fiscais estabelecida na CF88 podemos perceber a força dos estados e municípios na Assembléia Constituinte: • ICMS, maior imposto da federação (25% do que é arrecadado no Brasil), foi destinado aos estados, assim como o Imposto de Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. • O Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana – IPTU e o Imposto sobre Serviços – ISS ficaram a cargo dos municípios. • O nível de arrecadação desses impostos é diretamente proporcional ao nível de atividade econômica do ente federado. • Existe muita dependência ainda do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Fundos Constitucionais para o desenvolvimento das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. REPARTIÇÃO DE RECEITAS • No plano vertical, o atual sistema de transferências fiscais permite que quase todos os ganhos relativos sejam apropriados pelos municípios, uma vez que seus resultados são neutros para os Estados; (91% da receita de municípios de menos de 5.000 habitantes vem de transferências/ Em 22 Estados, quanto menor a população do município, maior o seu ganho de receita derivado das transferências); • No plano horizontal, este sistema redistribui receita dos Estados mais desenvolvidos para os menos desenvolvidos, mas cria novas desigualdades (A razão entre a receita média per capita dos municípios com mais de um milhão de habitantes, na Região Sudeste, e dos municípios com menos de 20 mil habitantes, nas Regiões Norte e Nordeste, pode ser de até 46 vezes (Gomes; MacDowell, 1997:11). Uma vez realizadas as transferências constitucionais, a receita disponível per capita do Estado de Roraima foi de duas vezes a de São Paulo, em 1997). • Na prática, estas desigualdades limitam a possibilidade de que se estabeleçam constitucionalmente competências exclusivas entre os níveis de governo para as ações sociais. REPARTIÇÃO DE RECEITAS • Sistema que enrijece a capacidade de gasto da União (+ outros compromissos). Qualquer mudança tende a aumentar carga tributária; • Estados e municípios contam com recursos garantidos, independentemente de lealdade política, adesão a políticas federais ou esforço tributário. • A ausência de vínculo entre quem taxa e quem gasta tendem a produzir baixo compromisso com o equilíbrio fiscal por parte dos entes subnacionais. Tendência limitada pela LRF. • As transferências fiscais têm limitado efeito equalizador sobre as diferenças interestaduais e intermunicipais de capacidade de gasto. Assim, permanece necessária a ação do governo federal para viabilizar patamares básicos de produção de serviços sociais. • A coordenação federal dos programas sociais se justifica tanto por razões relacionadas à coordenação das decisões dos governos locais quanto para corrigir desigualdades de capacidade de gasto entre Estados e municípios. O GRAU DE DESCENTRALIZAÇÃO POLÍTICA DA FEDERAÇÃO • A autonomia política e fiscal dos governos estaduais e municipais permite que estes adotem uma agenda própria. • Ainda que a autonomia de decisões de alocação de gasto tenha possivelmente produzido melhor adaptação a necessidades locais, seus efeitos foram a elevação generalizada do gasto acompanhada de superposição e a dispersão das ações. • Sob tais condições institucionais, os partidos políticos poderiam operar como um mecanismo de contrapeso às tendências centrífugas do federalismo. Mas temos fragmentação e reduzido número de prefeitos e governadores do mesmo partido do presidente. • A construção de coalizões de governo tende a reduzir estes efeitos; • A capacidade de coordenação é diretamente afetada pelo modo como estão estruturadas as relações federativas nas políticas particulares. POLÍTICAS SOCIAIS E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS • Os constituintes de 1988 optaram pelo formato das competências concorrentes para a maior parte das políticas sociais brasileiras. Todos podem fazer, nenhum está obrigado. • A Constituição de 1988 descentralizou receita, mas não Encargos + limites à coordenação nacional das políticas = superposição de ações; desigualdades territoriais na provisão de serviços; e mínimos denominadores comuns nas políticas nacionais. • Ocorre que a Constituição Federal de 1988 não alterou a estrutura institucional herdada do regime militar; • A capacidade de coordenação das políticas setoriais dependeu em grande parte destes arranjos institucionais herdados. • Algumas políticas descentralizadas outras centralizadas. • Alguns instrumentos de coordenação nacional: 1. Constitucionalização (facilidade de emendar); 2. Condicionar investimentos e repasse voluntários; 3. Inexistência de representação federativa em algumas instâncias decisórias.