Economia

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BRASIL CONTEMPORÂNEO: ECONOMIA
Celina Martins Ramalho
capítulo trinta
A crise na economia cafeeira
Celso Furtado
No último decênio do século XIX criou-se uma situação excepcionalmente favorável à expansão da cultuara do café no
Brasil. Por outro lado, com a descentralização republicana o problema da imigração passou às mãos dos Estados, sendo
abordado de forma muito mais ampla pelo governo do Estado de São Paulo, vale dizer, pela própria classe dos fazendeiros
de café. Finalmente, o efeito estimulante da grande inflação de crédito desse período beneficiou duplamente a classe de
cafeicultores: proporcionou o crédito necessário para financiar a abertura de novas terras e elevou os preços dos produtos
em moedas nacionais com a depreciação cambial. A produção brasileira, que havia aumentado de 3,7 milhões de sacas (de
60 Kg) em 1880-81 para 5,5 em 1890-91, alcançaria em 1901-02 16,3 milhões.
A elasticidade da oferta de mão-de-obra e a abundância de terras, que caracterizavam os países produtores de café,
constituíam clara indicação de que os preços desse artigo tenderiam a baixar em longo prazo. Os empresários das
economias exportadoras de matérias-primas, ao realizarem suas inversões, tinham de escolher dentre um número
limitado de produtos requeridos pelo mercado internacional. No caso do Brasil, o produto que apresentava maior
vantagem relativa era o café.
As condições excepcionais que oferecia o Brasil para essa cultura valeram aos empresários brasileiros a oportunidade
de controlar três quartas partes da oferta mundial desse produto. Esta circunstância é que possibilitou a manipulação da
oferta mundial de café. Ao comprovar-se a primeira crise de superprodução, nos anos iniciais deste século, os empresários
brasileiros logo perceberam que se encontravam em situação privilegiada, entre os produtores de artigos primários, para
defender-se contra a baixa de preços.
Os estoques de café, que se avolumam ano a ano, pesam sobre os preços, provocando uma perda permanente de renda
para os produtores e para o país. No convênio, celebrado em Taubaté em fevereiro de 1906, definem-se as bases do que se
chamaria política de "valorização" do produto. Em essência, essa política consistia no seguinte:
a fim de restabelecer o equilíbrio entre oferta e procura de café, o governo compraria os excedentes por
empréstimos estrangeiros;
o serviço desses empréstimos seria coberto com um novo imposto;
os governos dos Estados produtores deveriam desencorajar a expansão das plantações.
A acalorada polêmica que suscitou a política de valorização constituiu uma clara indicação das transformações que na
época se operavam na estrutura político-social do país. A descentralização republicana havia reforçado o poder dos
plantadores de café ao nível regional. Essa descentralização não é estranha à excessiva expansão das plantações de café,
que ocorre entre 1891 e 1897. Durante esse mesmo período, sem embargo, os grupos que exerciam pressão sobre o
governo central tornaram-se mais numerosos e complexos.
O primeiro esquema de valorização teve de ser posto em prática pelos estados cafeicultores — liderados por São Paulo
— sem o apoio do governo federal. Diante da relutância deste último, os governos estaduais apelaram diretamente para o
crédito internacional. Essa decisão lhes valeu a vitória sobre os grupos opositores. O êxito financeiro da experiência veio
consolidar a vitória dos cafeicultores que reforçaram o seu poder e por mais um quarto de século — isto é, até 1950 —
lograram submeter o governo central aos objetivos de sua política econômica.
O plano de defesa elaborado pelos cafeicultores fora bem concebido. Mantendo-se firmes os preços, era evidente que os
lucros se mantinham elevados. E também era óbvio que os negócios do café continuariam atrativos para os capitais que
nele se formavam. Dessa forma, a redução artificial da oferta engendrava a expansão dessa mesma oferta, e criava um
problema maior para o futuro. Esse perigo foi perfeitamente percebido na época. Entretanto, não era fácil contorná-lo. A
solução, aparentemente, estaria em evitar que a capacidade produtiva continuasse crescendo, ou que crescesse mais
intensamente como efeito da estabilidade dos preços a um nível elevado. As medidas tomadas nesse sentido foram,
porém, infrutíferas. Teria sido necessário que se oferecessem ao empresário outras oportunidades, igualmente lucrativas.
Dessa forma, o mecanismo de defesa da economia cafeeira era, em última instância, um processo de transferência para o
futuro da solução de um problema que se tornaria cada vez mais grave.
O complicado mecanismo de defesa da economia cafeeira funcionou com relativa eficiência até fins do terceiro decênio
deste século. A crise mundial de 1929 o encontrou, entretanto em situação extremamente vulnerável. A produção de café,
em razão dos estímulos artificiais recebidos, cresceu fortemente na segunda metade desse decênio. Enquanto aumenta
dessa forma a produção, mantêm-se praticamente estabilizadas as exportações
A retenção da oferta possibilitava a manutenção de elevados preços no mercado internacional. Esses preços elevados se
traduziam numa alta taxa de lucratividade para os produtores, e estes continuavam a intervir em novas plantações. Nos
EUA, principal importador, onde a renda real per capita aumentou, o consumo de café se manteve.
Existia, portanto, uma situação perfeitamente caracterizada de desequilíbrio estrutural entre oferta e procura. Era
perfeitamente óbvio que os estoques que se estavam acumulando não tinham nenhuma possibilidade de ser utilizados
economicamente num futuro previsível. A situação que se criara era, destarte, absolutamente insustentável.
O erro, se assim o podemos qualificar, estava em não se terem em conta as características próprias de uma atividade
econômica de natureza tipicamente colonial, como era a produção de café no Brasil. O equilíbrio entre oferta e procura
dos produtos coloniais obtinha-se, do lado desta última, quando se atingia a saturação do mercado, e do lado da oferta
quando se ocupavam todos os fatores de produção — mão-de-obra e terras — disponíveis para produzir o artigo em
questão. Em tais condições era inevitável que os produtos coloniais apresentassem uma tendência, a longo prazo, à baixa
de seus preços.
Manter elevado o preço do café de forma persistente era criar condições para que o desequilíbrio entre oferta e procura
se aprofundasse cada vez mais. Para evitar essa tendência teria sido necessário que a política de defesa dos preços
houvesse sido completada por outra de decidido desestímulo às inversões em plantações de café. Essa política de
desestímulo era impraticável. Essa oportunidade quase por definição não existia, pois nenhum outro produto colonial
poderia ser objeto de uma política de defesa do tipo da que beneficiava o café. Teria sido necessário estimular outras
exportações através de uma política de subsídios que só seria praticável transferindo recursos do setor cafeeiro.
A manutenção dos preços a baixos níveis era condição indispensável para que os produtores brasileiros retivessem sua
situação de semimonopólio. Ao se prevalecerem dessa situação semimonopolística para defenderem os preços, estavam
eles destruindo as bases em que se assentara o seu privilégio. Desta forma, por mais bem concebida que tivesse sido a
política de defesa dos preços do café, a longo prazo ela surtiria certos efeitos negativos. Esses efeitos teriam sido
certamente menores se a referida política houvesse obedecido a princípios mais amplos. Não resta dúvida, porém, de que,
na forma como foi seguida, ela precipitou e aprofundou a crise da economia cafeeira no Brasil.
O terceiro decênio deste século foi uma etapa de excepcional prosperidade para os países industrializados. As
possibilidades de expansão do mercado eram, portanto, praticamente nulas. A manutenção daquele nível de preços vinha
sendo obtida à custa de grandes retenções de estoques
É fácil compreender a enorme força perturbadora potencial que representava para a economia esse tipo de operação. O
financiamento desses estoques havia sido obtido em grande parte de bancos estrangeiros. Pretendia-se, dessa forma,
evitar o desequilíbrio externo.
Os empréstimos externos serviam de base para a expansão de meios de pagamento destinados à compra do café que
era retirado do mercado. O aumento brusco e amplo da renda monetária dos grupos que derivavam suas receitas da
exportação não podia, evidentemente, deixar de provocar pressão inflacionária. Essa pressão é particularmente grande
numa economia subdesenvolvida, e se manifesta de imediato em rápido crescimento das importações, em razão da baixa
elasticidade da oferta interna.
A política de acumulação de estoques de café criaria necessariamente uma pressão inflacionária. Ocorre, entretanto,
que as maiores inversões em estoques foram realizadas em 1927-29, época que se caracterizou igualmente por fortes
entradas de capital privado estrangeiro no país. A coincidência da afluência de capitais privados e da chegada dos
empréstimos destinados a financiar o café deu lugar a uma situação cambial extremamente favorável, e induziu o governo
brasileiro a embarcar numa política de conversibilidade.
Deflagrada a crise no último trimestre de 1929, não foram necessários mais que alguns meses para que todas as
reservas metálicas acumuladas à custa de empréstimos externos fossem tragadas pelos capitais em fuga do país. Não fosse
a possibilidade de conversão que existiu nesse período, a queda do mil-réis teria sido muito mais brusca, estabelecendo-se
automaticamente uma taxa sobre a exportação de capitais. Essa taxa evidentemente chegou, mas somente depois de se
evaporarem todas as reservas
capítulo trinta e um
Os mecanismos de defesa da crise de 1929
Celso Furtado
Ao deflagrar-se a crise mundial a situação da economia cafeeira se apresentava como segue. A produção, que se
encontrava a altos níveis, teria de seguir crescendo, pois os produtores haviam continuado a expandir as plantações
até aquele momento. Com efeito, a produção máxima seria alcançada em 1933, ou seja, no ponto mais baixo da depressão,
como reflexo das grandes plantações de 1927-28. Por outro lado, era totalmente impossível obter crédito no exterior para
financiar a retenção de novos estoques, pois o mercado internacional de capitais se encontrava em profunda depressão e o
crédito do governo desaparecera com a evaporação das reservas. A grande acumulação de estoques de 1929, a rápida
liquidação das reservas metálicas brasileiras e as precárias perspectivas de financiamento das grandes safras previstas
para o futuro, aceleraram a queda do preço internacional do café iniciada conjuntamente com a de todos os produtos
primários em fins de 1929. Essa queda assumiu proporções catastróficas, pois, de setembro de 1929 a esse mesmo mês de
1931, a baixa foi de 22,5 centavos de dólar por libra para 8 centavos.
capítulo um
Introdução e aspectos gerais
Werner Baer
O Brasil passou por profundas mudanças socioeconômicas desde a Grande Depressão e, principalmente, após a
Segunda Guerra Mundial. Sua economia, durantes séculos voltada para a exportação de uma pequena quantidade de
produtos primários, foi dominada por um setor industrial amplo e diversificado em um espaço de tempo relativamente
curto.
Essas realizações, entretanto, não transformaram o Brasil em uma sociedade industrial avançada, pois, em termos de
prosperidade de seus cidadãos médios, ele continuou sendo um país menos desenvolvido. Embora a renda per capita
tenha sido grande, não é um bom indicador visto que a distribuição de renda se mostrou altamente concentrada entre
determinados grupos de renda e regiões do país.
A divisão internacional do trabalho originada no século XIX conferiu ao Brasil e à maioria dos países do Terceiro
Mundo o papel de fornecedores de produtos primários. Esperava-se que a industrialização – visando à substituição de
importações – resultasse em maior independência para o país, quando, na verdade, modificou somente a natureza de sua
dependência. Além disso, com a industrialização foi atingida por investimento estrangeiro maciço, a influência estrangeira
aumentou.
O modelo brasileiro de industrialização enfatizou-se o respeito pela propriedade privada e a confiança nos
empreendimentos privados domésticos e estrangeiros.
Cenário físico e demográfico
A extensão territorial do Brasil, de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, torna-o o quito maior país do mundo,
ultrapassado somente pela Rússia, Canadá, China e Estados Unidos, ocupando 47% da América do Sul. Ele é, em grande
parte, um país tropical e seus climas apresentam poucos extremos.
Recursos naturais
O Brasil possui muitos e abundantes tipos de minerais. Houve uma drástica reformulação no consumo de fontes de
energia, nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial, passando de lenha e carvão vegetal para petróleo e
hidrelétricas. Infelizmente, os recursos de combustível não se equiparam aos seus recursos minerais. O potencial
hidrelétrico do Brasil é um dos maiores do mundo, calculado em 150 mil megawatts.
A população
Em 2000, a população do Brasil era calculada em 170 milhões de pessoas, o que o torna a sexta maior nação em
número de habitantes. Considerando-se o enorme território do país, sua densidade populacional é relativamente baixa,
havendo 19,6 pessoas por quilômetro quadrado. Uma característica notável sobre a distribuição regional da população é o
grau de concentração de umas poucas centenas de quilômetros da costa marítima.
A alta taxa de crescimento populacional deve-se à contínua taxa elevada de nascimentos, combinada com a queda da
taxa de mortalidade o que fez com que uma grande parcela da população se inserisse no grupo etário dependente de 14
anos ou menos.
A composição racial do país é bem variada. Até o final do século XIX, a população era formada principalmente por
descendentes de portugueses, africanos e ameríndios. No final do século XIX e na primeira década do século XX, houve
intensa imigração da Itália, Portugal, Espanha, Alemanha e do Oriente Médio. Na segunda década do século XX chegou ao
país um grande número de imigrantes japoneses.
A diversidade na formação da população não evitou que o Brasil atingisse um elevado grau de unidade cultural. Com
exceção de um reduzido número de índios instalados nas profundezas, todos os brasileiros falam português, com
pequenas variações regionais de sotaque.
capítulo três
O início do desenvolvimento industrial
Werner Baer
O período anterior à Primeira Guerra Mundial
As limitadas tentativas de promover a produção de artigos manufaturados nos últimos anos do Brasil colônia foram
anuladas pelas políticas de portas abertas do governo pós-Independência. Embora o objetivo principal da elevação das
taxas de importação fosse ampliar a receita do governo, essa medida exerceu alguns efeitos colaterais que resultaram na
criação de várias empresas têxteis. O Estado também oferecia isenção de taxas para a importação de matérias-primas e
maquinário utilizado por empresas nacionais, que depois também ficaram isentas de pagar impostos. Sob a pressão dos
interesses dos cafeicultores que eram a favor de importações mais baratas, algumas dessas tarifas foram revogadas.
O desenvolvimento industrial brasileiro se tornou significativo durante a década de 1880 e assim prosseguiu durante as
três décadas seguintes.
A força básica que apoiou esse desenvolvimento industrial foi o incremento cafeeiro baseado na mão-de-obra imigrante
livre. Investimentos significativos voltados para a infra-estrutura que atendia ao setor cafeeiro (estradas de ferro, usinas
elétricas, etc.), financiados por fazendeiros e capital estrangeiro, proporcionaram o ambiente para uma produção
industrial local maior e aos poucos criaram uma demanda para peças de reposição produzidas internamente. A grande
população imigrante empregada nos setores cafeeiro e outros a ele relacionados gerou um enorme mercado para bens de
consumo baratos.
A maioria dos primeiros industriais brasileiros era importador que, em determinado estágio de suas atividades, achou
que valeria a pena produzir bens no próprio Brasil, em vez de importá-los.
A expansão do crédito inflacionário (conhecido como encilhamento) na década de 1890 foi mencionada por alguns
analistas como um elemento que contribuiu para o estabelecimento de novos empreendimentos industriais daquela
época. Outros, entretanto, afirmam que as evidências existentes não sustentam essa hipótese.
As tentativas ocasionais para proteção de tarifas desde 1840 não parecem ter colaborado de modo significativo para o
desenvolvimento industrial. Finalmente, a ocasional desvalorização da moeda brasileira em relação à libra inglesa, através
do aumento do preço dos bens importados, acelerou o desenvolvimento industrial.
Nos oito anos que precederam a Primeira Guerra Mundial, todos os indicadores de formação de capital cresceram mais
rapidamente. Esse grande impulso era devido, em parte, ao aumento da capacidade de importação daqueles anos e
também à valorização da moeda em relação à libra esterlina no período de 1905-13, o que reduziu os preços dos bens
importados e ocasionou grandes aumentos na importação de maquinário.
A Primeira Guerra Mundial
A Primeira Guerra Mundial não foi um catalisador do desenvolvimento industrial, especialmente porque a interrupção
da navegação dificultou a importação dos bens de capital necessários ao aumento da capacidade produtiva e no Brasil,
naquela época, não havia indústrias que os produzisse.
O efeito produzido pela Primeira Guerra Mundial não foi o de expandir e mudar a capacidade produtiva do Brasil, mas
sim aumentar a utilização da capacidade de produção de artigos têxteis e alimentícios originada antes da guerra. O que
serviu para suprir a economia doméstica carente de importações.
A década de 1920
O dinamismo da economia brasileira na década de 1920 baseava-se em um setor cafeeiro de rápida expansão. A
situação favorável do balanço de pagamentos do país durante a década trouxe consigo uma ligeira valorização da taxa de
câmbio que, combinada com o aumento dos preços internos, diminuiu qualquer proteção que as indústrias domésticas
tinham em relação à concorrência estrangeira.
A década de 1920, em geral, constituiu um período de crescimento relativamente pequeno no setor industrial. Um
exame mais rigoroso, porém, indica um crescimento muito mais rápido de outros subsetores e uma notável tendência em
direção à diversificação industrial.
A rápida expansão de artefatos de metal foi resultado do aparecimento de pequenas novas siderúrgicas e empresas de
bens de capital. A diversificação na indústria na década de 1920 tem sido atribuída a várias causas. Em primeiro lugar,
muitas oficinas de reparos que existiam antes da Primeira Guerra Mundial ampliaram suas atividades durante anos de
guerra. Em segundo lugar, o capital estrangeiro ingressou em setores como o do cimento, aço e vários bens de consumo.
Em terceiro lugar, o governo concedia ajuda especial a empresas de novos setores.
Imediatamente após a Primeira Guerra Mundial, a taxa de câmbio caiu bruscamente como resultado da queda dos
preços mundiais do café e da rápida expansão da oferta da moeda. Entre 1924-25 a taxa de câmbio aumentou novamente,
como resultado de políticas monetárias restritivas e, após 1920, caiu mais uma vez, quando as políticas afrouxaram.
O lento crescimento da produção industrial deveu-se ao influxo de bens estrangeiros de melhor qualidade e preço.
Assim, o crescimento pós-guerra foi mais lento, em parte, porque o aumento normal de produção doméstica, que teria
ocorrido caso a guerra não tivesse eclodido, se limitou ao período de 1914-1919. O aumento substancial da capacidade
produtiva durante a década de 1920 também poder ser atribuído à Primeira Guerra Mundial.
A Grande Depressão
A Depressão da década de 1930 causou um impacto fortemente negativo sobre as exportações brasileiras. Além da
redução das receitas de exportação, a entrada de capitais estrangeiros cessou quase que por completo em 1932. A queda
nas exportações e a grande quantidade de divisas necessárias ao financiamento da dívida externo do país obrigaram o
governo a tomar algumas medidas drásticas. Em agosto de 1931, ele suspendeu parte dos pagamentos da dívida externa e
iniciou negociações para chegar a um acordo sobre sua consolidação.
A forte queda da demanda mundial de café causada pela Depressão também coincidiu com uma grande produção desse
produto, resultado do plantio realizado na década de 1920. Para proteger o setor e, dessa maneira a economia, do pacto
total da queda de mercados e preços mundiais do café, o programa de apóio à atividade foi transferido dos estados para o
governo federal. O Conselho Nacional do Café foi fundado em 1931 e comprou todo o café, destruindo grandes
quantidades que não podiam ser vendidas ou armazenadas. A proteção do governo ao setor cafeeiro também incluiu
medidas para ajudar os endividados produtores rurais através de seu pagamento criando, assim, moeda nova e
permitindo ao devedor postergar seus pagamentos.
Outro fator que agiu como um amortecedor parcial de choques da Depressão diante da agricultura brasileira foi o
rápido crescimento da produção de algodão.
A restrição das importações e a contínua demanda interna que resultou da receita gerada pelo programa de apoio ao
café causou escassez de bens manufaturados e um consequente aumento um seus preços relativos, o que agiu como
catalisador para uma arrancada na produção industrial.
Em 1932, as importações de bens de capital haviam caído quase que no nível mais baixo atingido durante a Primeira
Guerra Mundial e, depois disso, elevaram-se apenas lentamente, nunca atingindo totalmente os picos alcançados na
década de 1920.
A garantia de preços mínimos possibilitou manter o nível de emprego do setor cafeeiro e, indiretamente, de setores
internos relacionados. Como a produção de café continuava a crescer, foi possível fazer com que a renda do setor cafeeiro
e, indiretamente, de setores internos relacionados. Como a produção de café continuava a crescer, foi possível fazer com
que o setor caísse menos que seus preços. Desse modo, a política de café nos anos da Grande Depressão tornou-se o maior
estimulador do crescimento da renda nacional.
O dinheiro injetado na economia a fim de adquirir e, parcialmente, destruir o café excedente e a resultante criação de
renda contrabalançaram a queda de investimentos. Com o excesso de capacidade no setor industrial e uma pequena
indústria de bens de capital, a crescente demanda interna estimulou uma produção industrial doméstica maior que, por
sua vez, também contribuiu, a princípio, para manter e, depois, aumentar a renda interna.
A Segunda Guerra Mundial
A Segunda Guerra Mundial representou para o Brasil um período de aumento na produção, mas de pouca expansão da
capacidade produtiva. Especialmente dignas de nota são as taxas médias de crescimento anual de produtos de metal,
têxteis, calçados, bebidas e fumo.
Exceto quanto à indústria siderúrgica e de cimento, houve pouca formação de capital durante a guerra e conseguiu-se
um aumento na produção somente por utilização mais intensa do equipamento existente. Dessa maneira, no final da
guerra, uma grande parte da capacidade industrial do país se encontrava em um estado de deterioração e obsolênscia.
Devido ao reaparecimento de tradicionais fontes de abastecimento após a guerra, e em parte devido ao péssimo
desempenho das exportações brasileiras (frequentes atrasos na entrega e controle de qualidade inadequado), os produtos
industrializados praticamente desapareceram da lista de exportações.
capítulo quatro
O impulso de industrialização pós-Segunda Guerra Mundial: 1946-61
Werner Baer
Embora a continuação do processo de industrialização brasileira logo após a Segunda Guerra Mundial fosse originado
por circunstâncias semelhantes às que prevaleceram durante os anos da Depressão – isto é, dificuldades no balanço de
pagamentos -, suas características fundamentais eram totalmente diversas. Em 1950, a industrialização não era mais um
reação defensiva a acontecimentos externos, mas se tornara a principal maneira encontrada pelo governo para
modernizar e aumentar a taxa de crescimento da economia.
O comércio exterior do Brasil e seu papel na economia
Tanto antes quanto depois da Segunda Guerra Mundial, a estrutura de exportações no Brasil se concentrava em uma
pequena quantidade de produtos: café, cacau, açúcar, algodão e fumo. Os principais mercados para esses bens eram os
Estados Unidos e a Europa ocidental. A notável queda na importação de bens de consumo manufaturados e o aumento da
importação dos bens de capital e de combustíveis no período pós-Segunda Guerra Mundial refletem as medidas de
substituição de importações.
A prova de que o Brasil era extremamente dependente das exportações a fim de obter seu bem-estar no final da guerra
é evidente.
O mercado mundial para as exportações tradicionais do Brasil na década de 1950
Os formuladores da política econômica no período pós-guerra eram pessimistas quanto ao futuro dos mercados para a
as exportações tradicionais brasileiras. Na época, era difícil imaginar como o país poderia esperar atingir elevadas taxas
de crescimento ao mesmo tempo em que contava principalmente com a exportação de produtos primários. Diante desse
quadro sombrio, deve-se acrescentar a queda da participação do Brasil no mercado mundial.
O fraco desempenho das exportações brasileiras foi parte de uma tendência mundial desfavorável no mercado para
produtos primários.
As evidências pareciam indicar aos formuladores da política econômica brasileira que o país não se encontrava apenas
entre o grupo de nações cujas exportações constantemente perdiam participação no comércio mundial, mas que também
estava entre aquelas cujas exportações apresentavam poucas chances de recobrar a antiga superioridade.
Os anos pós-guerra
A queda drástica das importações ocorrida durante a Segunda Guerra Mundial e o incremento de exportações
causaram um aumento substancial das reservas cambiais do país. A contínua desvalorização do cruzeiro pode ser
atribuída a várias metas de políticas governamentais. Dentre elas, a ânsia de gastar as reservas cambiais acumuladas e o
déficit no balanço de pagamentos foi justificado pela inflação.
Dentro de um ano, porém, a maioria das reservas cambiais acumuladas durantes o período de guerra havia
desaparecido, resultado da febre de importação.
Controles de câmbio: 1946-53
O impulso da industrialização ocorrido depois da Segunda Guerra Mundial foi, inicialmente, consequência das medidas
adotadas para enfrentar as dificuldades no balanço de pagamentos. O controle do câmbio foi uma das ferramentas básicas
para a industrialização do país.
Durante o período de 1945-50, o governo exerceu controle suficiente para equilibrar o balanço de pagamentos. Com a
crescente pressão do excesso de demanda por moeda estrangeira, o sistema de licenciamento foi cercado por longas
demoras e muitas irregularidades tornaram-se evidentes em seu funcionamento. Embora, o Brasil tenha operado a uma
taxa de câmbio fixa supervalorizada durante 1951, essa inflexibilidade podia ser contornada através do uso de operações
vinculadas.
Em junho de 1947, os controles cambias foram introduzidos para permanecer até janeiro de 1953. Durante todo esse
período, o cruzeiro tornou-se crescentemente valorizado. Como esse fato estimulava as importações foi utilizado um
sistema de licenciamento de importações a fim de manter a demanda sob controle.
O sistema também atuou como um estímulo à remessa de lucros e a uma evasão de capital, ao mesmo tempo em que
desencorajou a entrada de capital novo.
O sistema de câmbio múltiplo: 1953-57
Em janeiro de 1953 foi adotada uma nova política voltada para um sistema cambial mais flexível. A Lei 1.807 criou um
câmbio livre limitado, que permitiu a entrada e saída de capital e seus lucros, e a compra e venda de moeda estrangeira
para fins de turismo. Como o dólar no câmbio livre estava cotado muito acima da taxa oficial, as autoridades utilizaram
essa lei para estimular certos tipos de exportação.
Nunca se sentiu o efeito total dessa política, já que o governo tentava evitar que o câmbio livre vendesse moeda
recebida no mercado oficial. Embora feito por motivos políticos e psicológicos, isso diminuiu o estímulo às exportações e à
entrada de capital, ao mesmo tempo em que criou um incentivo prejudicial ao turismo e às remessas de lucros.
No que se referia às exportações, o Banco do Brasil recuperava sua posição de monopólio na compra de moeda
estrangeira.
Durante o período de funcionamento, o sistema foi submetido a várias mudanças. O sistema tornou-se tão complicado
que existiam mais de 12 taxas oficiais ao mesmo tempo. O sistema cambial múltiplo representou algum avanço em direção
à desvalorização da moeda diante da inflação contínua. O sistema parecia ser mais flexível em relação às importações do
que as exportações.
Mudanças nos controles cambiais: 1957-61
Em agosto de 1957, o sistema cambial brasileiro sofreu, mais uma vez, uma mudança básica.
Em meados da década de 1950, o caráter do sistema cambial mudou. Ele não era mais considerado um instrumento
para resolver as dificuldades do balanço de pagamentos, mas sim uma ferramenta para promover a industrialização. A
principal prova estava na Lei Tarifária de 1957 que oferecia proteção adequada às indústrias recém-ativadas. Outra
medida, introduzida no início de 1955, foi a Instrução 113 da Sumoc, que se destinava, principalmente, a atrair
investimentos estrangeiros diretos.
Obviamente, a Instrução 113 era vantajosa ao investidor estrangeiro que, sem ela, teria de enviar dólares ao Brasil à
taxa do câmbio livre e, com os cruzeiros adquiridos, teria de recomprar dólares no mercado leiloeiro a um preço mais
elevado. Entretanto, esse benefício desapareceu depois que a conversibilidade monetária foi conseguida pela maioria dos
países exportadores, no final de 1958.
A Lei Tarifária de 1957 ampliou e solidificou a proteção oferecida à indústria doméstica. Durante os anos subsequentes,
surgiram várias dificuldades na administração do sistema cambial.
Na segunda metade da década de 1950, o governo teve de lidar de maneira progressiva com a superprodução de café,
comprando enormes quantidades de excedentes e remunerando os exportadores com taxas 50% inferiores às de
importação. Essa diferença gerou u uma receita-extra para o governo que foi usada para financiar o programa doméstico
de defesa do café e algumas outra atividades governamentais.
Em janeiro de 1959, as autoridades monetárias transferiram as exportações de manufaturados ao mercado livre e, em
dezembro desse ano, essa medida estendeu-se a todas as outras exportações, com exceção do café, petróleo cru, mamona e
cacau. Em abril de 1959, os pagamentos de fretes para importações também foram transferidos para o câmbio livre.
De 1958 a março de 1961, o dólar no câmbio livre estava constantemente cotado abaixo da taxa aplicada na categoria
geral, o que significava que empresas estrangeiras que remetiam lucros e brasileiros que viajavam ao exterior obtinham
uma taxa mais favorável do que os importadores de bens essenciais. Durante os últimos anos de existência do sistema, o
governo arrancou empréstimos compulsórios.
Reforma cambial: 1961-63
No início de 1961, o câmbio de custo foi aumentado; as importações pertencentes à categoria geral foram colocadas no
mercado livre; todas as exportações, exceto o café, também foram colocadas no mercado livre e os empréstimos
compulsórios impostos aos importadores foram submetidos por um sistema de letras de importação.
Os aos de 1962 e 1963 foram dominados por crises políticas, por pressões nacionalistas que ocasionaram a
promulgação de um rígido decreto de remessa de lucros no final de 1962, uma progressiva queda na receita cambial
oriunda das exportações e a aceleração da taxa da inflação. Durante todo esse período, o estabelecimento do câmbio livre
oficial ficou muito defasado em relação à inflação nacional, fato que pouco estimulou novos tipos de exportação.
A Lei dos Similares
Na última década do século XIX, a proteção tarifária transformou-se no que ficou conhecido como a Lei dos Similares
e, em 1911, foi criado o Registro de Produtos Similares. Os produtores brasileiros que queriam proteção poderiam
requerer o registro dos bens que produziam ou que pretendiam produzir. A definição exata de qualidade e quantidade
suficiente de um produto para justificar a proteção era flexível pela lei.
À medida que o processo de industrialização prosseguia, a lei era aplicada de forma que encorajasse uma intensa
integração vertical, isto é, dentro de empresas ou dentro do país, através do surgimento de empresas fornecedoras.
Porém, essa lei também estimulou grupos locais a estabelecer empresas fornecedoras.
Planos e programas especiais
A primeira tentativa do período posterior à guerra ocorreu com a introdução do Plano Salte (acrônimo contendo saúde,
alimentação, transporte e energia). Não se trata de um plano econômico completo, mas de um programa de gastos
públicos nesses quatro campos, de cinco anos de duração (1950 a 1954). O plano não durou mais que um ano devido a
problemas de implementação e principalmente devido a dificuldades financeiras. A natureza do Plano Salte não era
realmente global, pois não dispunha de metas para o setor privado ou de programas que o influenciassem.
O trabalho da Comissão Econômica Conjunta Brasil - Estados Unidos no período de 1951 a 1953 constituiu uma
tentativa de planejamento muito mais ambiciosa e completa. Seu grande staff técnico brasileiro e americano conduziu um
dos mais completos levantamentos da economia brasileira já realizados até aquela época e formulou uma série de projetos
de infra-estrutura. Esperava-se que os recursos em moeda estrangeira viessem de organismos internacionais e dos
empréstimos diretos de governos estrangeiros, enquanto os recursos domésticos deveriam vir de um empréstimo
compulsório. Embora nunca tenha sido formalmente adotado, o plano da comissão conjunta exerceu vários efeitos
benéficos, como a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE).
O trabalho da comissão foi mais bem-sucedido do que o Plano Salte no que se refere ao impulso dado a projetos em
setores defasados da economia e que em breve poderiam transformar-se em áreas de estrangulamento.
Entre 1953 e 1955, técnicos do BNDE e da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina fizeram um
esforço conjunto na tentativa de realizar um planejamento sistemático global.
Essa preocupação com o desenvolvimento – isto é, a obtenção de altos índices de crescimento em um período de tempo
relativamente curto – e o papel do governo em influenciá-lo firmemente tornaram-se características de destaque da
administração do presidente Juscelino Kubitschek (1956-61). No dia depois à sua posse foi criado o Conselho de
Desenvolvimento Nacional que formulou o Programa de Metas.
As metas deveriam ter sido estabelecidas tanto para o governo quanto para o setor privado. Foram cobertas cinco áreas
gerais: energia, transporte, fornecimento de alimentos, indústrias de base e educação. A construção da nova capital,
Brasília, no interior, era um projeto especial do programa de Kubitschek, e como não contribuiu de imediato para o
aumento da capacidade produtiva da economia, seus méritos geraram muita controvérsia. Durante a administração de
Kubistchek, realizou-se progresso considerável no cumprimento de muitas das metas, especialmente na indústria e parte
da infra-estrutura planejada.
Programas de incentivos especiais
No final do levantamento das políticas que contribuíram para a arrancada da industrialização na década de 1950
devemos mencionar vários programas estabelecidos durante a administração de Kubistchek cuja finalidade era promover
as indústrias de automóveis e utilitários, de navios e maquinaria pesada.
O mais bem-sucedido desses programas foi o que se destinou a promover a indústria automobilística, dirigido pelo
Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia). A orientação proporcionada pelo Geia não só conduziu a uma
rápida integração vertical da produção automotiva do país, como também foi responsável por criar o que se considerou
uma combinação correta de veículos.
Os efeitos das políticas de industrialização
O processo de industrialização durante o período posterior à Segunda Guerra Mundial ocasionou elevados índices de
crescimento econômico. Devido ao fato de grande parte dos investimentos ter sido feita via importação, a proporção
global de investimentos estava correlacionada com os déficits do balanço de pagamentos.
As novas indústrias representavam não só atividades nos últimos estágios de produção, mas também em outros níveis
do processo produtivo. A estrutura industrial recém-surgida era muito bem equilibrada, tanto no ponto de vista horizontal
quanto vertical. A substituição de importações também se manifestou em setores cuja participação não mudou ou até
aumentou.
Desequilíbrios e gargalos
A estratégia de industrialização com o objetivo de substituir as importações para a década de 1950 legou uma série de
problemas que os formuladores de política econômica da década seguinte teriam que enfrentar a fim de assegurar a
continuidade do crescimento e desenvolvimento.
Embora o crescimento populacional fosse inferior ao crescimento do fornecimento de alimentos, havia outro fator que
lançava sombras sobre esse quadro otimista. Ocorreu uma grande migração do campo para as cidades que resultou em
uma taxa de crescimento populacional urbano. Houve então uma pressão sobre a precária rede de transporte ruralurbano do país e sobre o sistema de comercialização agrícola. Um segundo problema importante foi o aumento da taxa de
inflação. Um terceiro problema significativo foi o crescimento industrial salientou as desigualdades, o que ocasionava
crescentes pressões sociopolíticas por medidas corretivas. Também havia pressões para se lidar com o atrasado e há muito
tempo negligenciado sistema educacional.
Finalmente, havia progressivas pressões do balanço de pagamentos resultantes do fato de que o crescimento na década
de 1950, principalmente na segunda metade da década, ter sido financiado por uma importante entrada de capital
estrangeiro. No início da década de 1960 a dívida externa brasileira já atingira mais de US$ 2 bilhões.
O fato de as políticas que orientaram a substituição de importações terem sido unilaterais, isto é, que a programação
das exportações e a diversificação tenham sido totalmente negligenciadas, tornava-se agora um problema significativo.
capítulo cinco
Estagnação e boom: O Brasil nos anos 60 e 70
Werner Baer
A economia perdeu seu dinamismo no início dos anos 60. Depois que a taxa de crescimento do PIB real atingiu o pico
de 10,3% em 1961, ela declinou. A causa imediata da estagnação que se instalou após 1961 parece ter sido a contínua crise
política vivenciada pelo país a renúncia de Jânio Quadros à presidência, em agosto daquele ano. Quadros foi eleito com
amplo apoio dos brasileiros. Sua breve administração tentou lidar com alguns dos desequilíbrios da economia e fez-se um
esforço determinado para lidar com a inflação. O sistema de câmbio múltiplo foi simplificado e os subsídios inflacionários
aplicado às importações essenciais, como trigo e petróleo, foram substancialmente reduzidos. Embora essa medida tenha
elevado os preços de itens de consumo como pão e passagens de ônibus, ajudou o governo a cortar seu déficit
orçamentário. Além disso, o governo Quadros impôs a restrição de crédito, um congelamento de salários, deu início a um
severo programa destinado a melhorar a eficiência das operações governamentais e, em meados de 1961, há havia
evidências de que a inflação crescia em ritmo menos acelerado.
Os turbulentos anos que se seguiram à renúncia até a derrubada do governo seguinte foram desprovidos de qualquer
linha de política econômica consistente. Isso foi resultado da falta de liderança do presidente Goulart que só pode assumir
a presidência após aceitar dividir o poder com uma recém-criada forma de governo parlamentar. Depois da realização do
plebiscito de 1963, Goulart se mostrou um homem fraco dominado pro pressões vindas de diversos grupos de oposição.
Durante sua administração, os grupos nacionalistas tornaram-se ruidosos e exerciam influência sobre o presidente, mas
ele falhou em implementar programas concretos.
A falta de controle político, a contínua agitação por reformas e as insinceras demonstrações de simpatia que Goulart
por elas demonstrava, além da condenação pública do capital estrangeiro acarretaram problemas econômicos cada vez
maiores.
Políticas econômicas desde 1964
O novo regime estabelecido em 1964 considerava que o caminho para a recuperação econômica residia no controle da
inflação, na eliminação da distorção de preços acumulada no passado, na modernização dos mercados de capitais que
produziria um aumento na acumulação de poupança, na criação de um sistema de incentivos que direcionasse
investimentos para áreas e setores que considerados essenciais pelo governo, na atração de capital estrangeiro (tanto
privado).
Nos primeiros anos que se seguiram à mudança de governo de 1964, os formuladores de política econômica deram
ênfase à estabilização e às reformas estruturais nos mercados financeiros. A primeira consistia de medidas clássicas –
contenção de gastos públicos em vários setores, aumento da receita tributária como resultado de melhorias no mecanismo
de arrecadação de impostos, restrição de crédito e um arrocho salarial. Essa medidas políticas resultaram em um declínio
constante no déficit orçamentário do governo.
A modernização e o fortalecimento dos mercados de capitais também foram considerados essenciais para a sustentação
do crescimento econômico. Foram criados muitos fundos especiais que funcionavam como complementos do banco de
desenvolvimento do governo (BNDE).
Uma grande parte dos recursos para essas instituições oficiais de crédito foi proporcionada por um sistema de
poupança forçada cuja carga foi sustentada, em grande parte, pelas classes trabalhadoras.
No período de 1964-74, o governo brasileiro fez uso crescente de incentivos fiscais pra influenciar a alocação de
recursos em regiões e setores.
Os gastos do governo com investimentos nunca foram reduzidos durante os vigorosos anos de estabilização após 1964,
visto que os projetos de infra-estrutura existentes continuaram a ser postos em prática. Além disso, o governo envolveu-se
em alguns estudos setoriais básicos destinados a orientar a expansão da capacidade geradora de energia do país, o sistema
de transporte, a infra-estrutura urbana e as indústrias pesadas.
Finalmente, a política econômica de comércio exterior foi considerada extremamente importante pelos regimes pós-64.
O rápido crescimento e a diversificação das exportações foram considerados essenciais. E, por fim, e igualmente
importante, foi a adoção, em 1968, de uma política cambial mais realista e que consistia de frequentes (porém
imprevisíveis) e pequenas desvalorizações do cruzeiro.
Realizações dos governos pós-1964
A estagnação, evidente na economia brasileira em 1962, continuou depois da mudança do regime e persistiu até 1968, o
que pode ser atribuído à combinação de alguns fatores: os efeitos e medidas de estabilização naquele período e o intervalo
de tempo necessário para convencer os investidores internos e estrangeiros, privados e oficiais, da estabilidade do novo
regime e de seu controle sobre a economia.
A economia brasileira penetrou em seu notável período de boom em 1968. O crescimento do PIB, que atingira a média
de somente 3,7% no período de 1962-67, alcançou médias anuais de 11,3% nos anos de 1968-74. Deve-se observar que
durante esses anos o Brasil conseguiu diversificar sua estrutura de mercadorias de exportação.
Os esforços realizados pelo governo pós-1964 com o intuito de aumentar o recolhimento fiscal acarretou um notável
aumento de impostos diretos e indiretos em comparação com o PIB. É provável que, não fosse pelos esquemas de
incentivos fiscais já mencionados, a relação direta impostos/PIB teria aumentado ainda mais.
As políticas pós-64 claramente abriram a economia ao comércio exterior.
O setor governamental
Um aspecto do crescimento econômico brasileiro apenas começava a ser notado foi o grande envolvimento do Estado
na economia. Existem provas significativas de que muito do crescimento ocorrido desde 1968 se deveu ao impacto
provocado pelos programas do governo.
Questões que envolvem a experiência de crescimento do período pós-1964
Reconhece-se, em geral, que os frutos da rápida expansão econômica brasileira foram irregularmente distribuídos, fato
que se tornou evidente com a divulgação do censo demográfico de 1970, que revelou um aumento na concentração da
distribuição de renda.
A questão da equidade
A participação da receita nacional de 40% dos que pertencem aos grupos de renda mais baixa caiu de 11,2% em 1960
para 9% em 1970; a dos seguintes 40% caiu de 34,4% para 27,8%, enquanto os 20% pertencentes aos grupos de renda
mais alta aumentaram sua fatia de 54,4% para 63,2%.
A primeira questão que surge nessa desigualdade distributiva é se a situação iria acabar levando à estagnação. Mas o
argumento na estagnação pode não se aplicar ao Brasil por dois motivos: primeiro, há extensão governamental; segundo,
há extensão absoluta da população brasileira. Falta considerar, entretanto, de que forma o crescimento econômico
poderia se expandir rapidamente além do período de industrialização com vistas à substituição de importações. Esse fato
suscita outra questão: surgiu um novo dualismo no Brasil, em que dois grupos socioeconômicos irão se perpetuar lado a
lado?
Mesmo que uma distribuição desigual de renda cada vez maior não conduza a uma estagnação de longo prazo, a
questão foi fundamental no debate entre os defensores e críticos do regime.
Quem poupa?
Uma justificativa tradicional para a concentração na distribuição de renda tem sido o fato de que os grupos de renda
mais elevada estão inclinados a poupar do que os grupos de renda mais baixa. A poupança brasileira apresentou um
crescimento notável desde o final da década de 1950 e início da de 1960.
Um rápido aumento na aquisição de bens de consumo duráveis pelos grupos de renda menos favorecidos parecida
indicar que o sistema (isto é, o crédito ao consumidor e a disponibilidade de uma maior variedade de bens de consumo) os
estimulava a consumir e não a poupar.
Perfis de demanda e produção
O aumento na concentração de renda suscita outro problema, raramente discutido até recentemente: o aumento no
investimento em um sociedade com rendas concentradas cria um perfil de capacidade de produção que certamente não
será adequado a um sociedade mais igualitária.
Também foi declarado que a forte presença de multinacionais e a sofisticação do sistema financeiro contribuíram para
influenciar o padrão de consumo da população. Alguns economistas alegaram que esses fatos distorcem o perfil de
demanda dos grupos de renda mais baixa, induzindo-os a comprar bens que normalmente não comprariam.
Outros problema de distribuição
Embora os governos pós-1964 tenham procurado enfrentar o antiquíssimo problema dos desequilíbrio regionais,
poucos avanços fizeram para resolver a extraordinária má distribuição entre o Sudoeste/Sul e o Nordeste. Essa questão foi
tratada principalmente através do conhecido programa de incentivos fiscais da SUDENE.
A mis divulgada tentativa de uma nova política referia-se a um projeto da Transamazônica anunciada pelo presidente
Médici em setembro de 1970, que visava a construção de uma grande estrada e da colonização. Infelizmente, o projeto foi
realizado sem o planejamento preliminar apropriado, tendo criado mais problemas do que soluções.
Afastamento da ortodoxia do período pós-1964
Muitas das normas e instituições criadas pelo governo pós-1964 ajudaram a produzir os elevados índices de
crescimento do período de 1968-74 sem as distorções que ocorreram durante o incremente da industrialização com o
objetivo de substituir as importações da década de 1950. É interessante notar como os governos subsequentes,
principalmente na década de 1970, começaram a desviar-se de algumas dessas normas devido a pressões internas.
A indexação e a transgressão das normas estabelecidas para a política cambial indicam que, embora o governo
brasileiro tivesse o pode de cumprir decisões quanto à distribuição de recursos de conformidade com normas
originalmente desenvolvidas em meados da década de 1960, ele considerava cada vez mais difícil viver de acordo com
essas regras, visto que estava sujeito a pressões de mercado que ultrapassavam seu controle.
capítulo seis
Dos ajustes aos choques externos à crise provocada pela dívida: 1973-85
Werner Baer
Com o choque do petróleo em novembro de 1073, o Brasil ingressou numa nova faze de seu desenvolvimento. Em vez
de se dedicar a um programa de ajuste de austeridade para lidar com o extraordinário declínio nas relações de troca do
país, o governo optou por uma política de crescimento que resultou em importantes mudanças estruturais na economia,
no ressurgimento da inflação e na rápida expansão da dívida externa.
O primeiro choque do petróleo: impacto e reação
O choque do petróleo ocorrido em novembro de 1973 quadruplicou os preços do produto. Como naquela época o Brasil
importava mais de 80% do petróleo que consumia, a conta total de importações do país aumentou.
Naquela época, o Brasil tinha duas opções para reagir ao choque do petróleo: poderia reduzir substancialmente o
crescimento a fim de diminuir sua conta de importações não referente a petróleo, ou poderia elevar taxas contínuas de
crescimento, o que declinava as reservas cambiais do país e/ou um grande aumento da dívida externa. O Brasil escolheu a
segunda alternativa.
Mudanças políticas
Em março de 1974, logo após a revolução de preços da OPEP no final de 1973, houve uma mudança de governo. O
presidente Emílio Garrastazu Médici, que deixava o poder, governava durante anos do “milagre econômico”: PIB
crescente, inflação em menores níveis e piores distribuições de renda.
Considerando-se esses antecedentes, a gestão do presidente Ernesto Geisel, que assumia o cargo, estabeleceu metas
obrigatórias que considerava politicamente obrigatórias. A nova administração Geisel não estava disposta a governar
durante anos de estagnação econômica após anos de intenso crescimento do governo Médici – ela esperava pagar as altas
contas de petróleo com crescimento. Também foi importante a meta da nova administração de fazer sobre a
extremamente desigual distribuição de renda.
As políticas do governo Geisel
Embora nos primeiros meses da administração Geisel tenham sido instituídas políticas monetárias e fiscais restritivas
para manter a demanda sob controle, a verdadeira reação política ocorreu em 1975, quando se decidiu dar impulso ao
crescimento econômico com a introdução do Segundo Plano de Desenvolvimento (PND II, 1975-79) cujas metas eram:
substituição de importações e rápida expansão da infra-estrutura econômica. Muitos desses desenvolvimento foram
realizados por empresas estatais, enquanto outros foram realizados pelo setor privado, com apoio financeiro maciço do
Banco do Desenvolvimento (BNDE).
A crescente dívida internacional
A opção pelo crescimento implicou um excepcional aumento da dívida externa do país. O que era justificado pela
possibilidade de as futuras economias resultantes dos programas de investimento virem a criar uma situação na qual
Brasil poderia produzir superávits comerciais suficientemente grandes para pagar os juros e amortizar a dívida.
O envolvimento do país, em grande escala, em mercados financeiros internacionais antecedeu o choque do petróleo de
1973. Depois de permanecer constante durante a década de 1960, a dívida começou a aumentar em 1969. Muitos dos
empréstimos estrangeiros eram realizados pelo setor público – empresas públicas, governos estaduais e vários órgãos
públicos.
As exigências financeiras externas do Brasil para manter sua opção de crescimento manifestou-se em um momento
propício. Imediatamente após o primeiro choque do petróleo, os mercados financeiros internacionais apresentavam
extrema liquidez; os bancos internacionais, bem providos de petrodólares, estavam ansiosos para fazer empréstimos e,
como as taxas de juros internacionais eram relativamente baixas na época, era possível justificar facilmente o aumento
dos empréstimos estrangeiros realizados pelo Brasil naqueles anos.
Em direção à crise causada pela dívida
O general Figueiredo, o último presidente militar, assumiu em março de 1979. Seu programa político consistia em
devolver o Brasil a um regime democrático e em entregar o governo a um civil. Esses objetivos políticos foram
severamente testados por contínuas crises econômicas. O governo Figueiredo confrontou-se imediatamente com o dilema
de como tratar das metas conflitantes de controlar a taxa de inflação crescente, como lidar com dívida externa cujo serviço
(juros mais amortização) já absorvia dois terços dos ganhos com exportações e como evitar a estagnação da taxa de
crescimento do PIB. Para complicar os fatos, o ano de 1979 testemunhou o segundo choque do petróleo. O impacto
provocado por fatores climáticos na produção agrícola em 1978-1979 (secas e geadas), que obrigaram o Brasil a importar
produtos básicos como feijão e arroz, representou uma desafortunado acontecimento adicional.
Outro problema enfrentado pelo governo brasileiro foi o fato de que pressões internacionais o haviam a eliminar
gradualmente subsídios fiscais e de crédito às exportações, mas, dada a necessidade de dar continuidade à rápida
expansão das exportações, o governo se viu obrigado a aumentar a taxa e/ou a frequência das minidesvalorizações do
cruzeiro, que se mostrava supervalorizado.
As políticas econômicas experimentadas nos primeiros meses do governo Figueiredo (março-agosto de 1979) exigiram
uma desvalorização progressiva do cruzeiro, com a gradual eliminação dos programas de incentivo às exportações e uma
desaceleração do crescimento econômico para enfrentar o balanço de pagamentos e a inflação. Houve, contudo, uma
reação negativa dos críticos do setor.
Considerando as pressões existentes sobre as políticas restritivas e o fato de que o crescimento mais lento era visto
como fator que dificultava a abertura política, essas políticas foram radicalmente modificadas em agosto de 1979, quando
o ministro do planejamento, Mário H. Simonsen, renunciou e Delfim Neto, que havia conduzido a economia durante “os
anos do milagre”, ocupou seu lugar. Em dezembro de 1979, porém, o governo reconheceu a necessidade de tomar algumas
medidas enérgicas para lidar com as pressões descritas acima, e um “pacote econômico” foi introduzido:
maxidesvalorização do cruzeiro em 30%, eliminação de subsídios à exportação, eliminação de depósito antecipado,
eliminação de muitos outros incentivos fiscais, aumento significativo nos preços dos serviços públicos, tributação
temporário sobre lucros, extinção da Lei dos Similares e redução da alíquota do imposto de renda.
Essas medidas tinham o objetivo de resolver com um só movimento a supervalorização do cruzeiro e aliviar as pressões
políticas para que fossem eliminados os subsídios às exportações. Nos meses seguintes foram adotadas medidas
complementares.
No final da década de 1980, a maioria das políticas implementadas no final de 1979 e os primeiros meses do ano
seguinte foi revertida.
O desempenho econômico em 1980
A taxa de crescimento da economia brasileira em 1980 foi surpreendentemente alta. A inflação, entretanto, atingiu uma
taxa anual de 110%. A elevada taxa de crescimento ocorrida no ano de 1980 deveu-se, em parte, à recuperação da
produção agrícola das secas e geadas dos anos anteriores; o setor também reagiu aos incentivos de preços e crédito
recebidos em 1979-80. O aumento na produção industrial foi influenciado pela intensa demanda do consumidor por bens
duráveis, resultante de outras expectativas inflacionárias e do declínio da indexação.
Dada a elevada taxa de inflação, a maioria das vantagens adquiridas com a maxidesvalorização de 1979 foi perdida.
Surpreendentemente, as exportações cresceram e o déficit comercial permaneceu no mesmo nível de 1979, enquanto que
as importações aumentaram. A grande dívida do país explica o crescente balanço de serviços negativos.
Ajuste através da recessão
Como se tornava cada vez mais difícil financiar o déficit externo, o governo brasileiro e viu obrigado a mudar
radicalmente sua política macroeconômica na segunda metade de 1980, controlando as importações pela redução da
absorção interna. A política monetária tornou-se progressivamente restritiva e introduziam-se várias outras medidas
ortodoxas.
Em suma, a gestão Figueiredo, esperando escapar de um programa de austeridade imposto pelo FMI, tentou ela
mesma colocar um em prática. Esse programa de ajuste voluntário não solucionou o problema do país em lidar com a
dívida externa e, em 1982, o Brasil experimentou outro choque externo – a moratória da dívida mexicana.
Além disso, depois de 1980, os fluxos financeiros internacionais e os grandes déficits de conta corrente nada tinham a
ver com o excesso de demanda interna em relação ao PIB. O governo procurou por algum tempo evitar ir ao FMI, porém
ele finalmente voltou-se para o Fundo em dezembro de 1982. Durante os dois anos seguintes, submeteu-se aos ditames
dessa instituição.
As principais características do programa supervisionado pelo FMI consistiam do aumento da taxa de câmbio real, da
diminuição da demanda interna por meio da redução do consumo, dos gastos públicos e do aumento das taxas de
impostos. Mesmo adotando um programa recessivo, o relacionamento com o FMI não foi fácil para o governo brasileiro, o
que fica evidente de nesse período de dois anos ele ter sete “cartas de intenção” a esse órgão.
As constantes altercações com o FMI tendiam a obscurecer os resultados cada vez mais positivos obtidos pela balança
comercial do Brasil. Em outras palavras, as políticas que levaram a grandes superávits e permitiram que se desse
continuidade ao pagamento dos juros da dívida externa, provocaram o aumento das pressões inflacionárias internas e a
queda dos investimentos.
A economia se recuperou em 1984, quando o PIB cresceu. Essa recuperação estava ligada a um aumento exemplar de
exportações. O significativo crescimento em 1985, por sua vez, estava associado à pronunciada expansão das vendas
internas, que foram resultado de uma política salarial incentivadora adotada pelo novo governo civil do presidente
Sarney, iniciado em março de 1985.
O macroimpacto no período de ajuste
O recorde de crescimento
No período da dívida-com-crescimento, de 1974-80, houve uma expansão do PIB real, com um aumento no PIB per
capita. Os anos de recessão de 1981-83, testemunharam uma queda em ambos PIBs. Nos anos de recuperação, 1984-86,
tomando-se como base o ano de 1980, constata-se que houve ligeira recuperação do PIB já em 1984.
Os indicadores macroeconômicos
As políticas de substituição de importações dos anos 70 e as medidas recessivas da década de 80 foram responsáveis
por uma queda na relação bens e serviços importados/PIB.
A estrutura econômica
Houve um declínio na indústria e um crescimento da participação de serviços. Entre estes últimos, o maior ganho foi
no setor financeiro, que reflete o crescente papel desempenhado pelos bancos e intermediários financeiros durante os
períodos de inflação elevada.
O efeito de igualdade produzido pelos programas de ajuste
É digno de nota o fato de que, na gestão Geisel, os dados disponíveis mostram um aumento no salário real. Deve-se
enfatizar que as políticas salariais desenhadas para obter maior igualdade na distribuição de renda foram introduzidas no
final dos anos 70, quando piorou a crise brasileira de inflação. Esse fato levou a um amplo debate sobre o impacto
produzido pela política salarial: se estava mesmo redistribuindo a renda e se era uma das principais causas da aceleração
da inflação.
Roberto Macedo mostrou que a inflação acelerada do final dos anos 70 começou antes que as novas políticas salariais
fossem aplicadas, isto é, a inflação estava claramente acelerando em meados de 1979. Como o amento de custos salariais
eram encarados como justificativa para aumentar os preços, o governo seguia implicitamente uma política de nãoredistribuição de renda. Outro aspecto interessante da política salarial, de um ponto de vista de igualdade, é o fato de que
a mesma era mais onerosa para pequenas do que para grandes empresas.
Apesar da elevação dos salários médios reais, o aumento na concentração de renda observada entre 1960 e 1970,
continuava na década de 80.
O papel do setor público na crise do período de ajuste
Os anos 70 se caracterizaram por um notável declínio da renda disponível do governo como parte do PIB. A poupança
do governo declinou mais ainda. A importância das empresas estatais na economia brasileira cresceu significativamente
durante toda a década de 70, o que pode ser explicado pelo fato de que muitos dos setores enfatizados no programa de
investimento do PND II eram controlados por elas. Durante o período, o superávit corrente das empresas públicas
federais caiu e, então, desapareceu. Ou notável aumento das despesas financeiras – acima de 1000% - estava ligado à
larga expansão da dívida das empresas estatais. Como, durante a década, a capacidade de autofaturamento dessas
empresas declinou, uma crescente parcela dos investimentos era custeada por empréstimos estrangeiros.
O setor público durante a crise da dívida, 1981-1985
Devido à recessão e à aceleração da inflação, a carga tributária do Brasil caiu. O programa de austeridade fez com que
os subsídios como porcentagem do PIB sofressem uma queda, enquanto os juros sobre dívida pública aumentaram. O
resultado final foi um declínio de renda disponível do governo.
As despesas financeiras continuaram a progredir rapidamente devido à grande dívida e às consequências de acentuadas
desvalorizações cambiais reais. Ao mesmo tempo, as receitas operacionais foram negativamente afetadas pelo uso
contínuo das estatais por parte do governo como instrumento de estabilização.
Grande parte da recessão havida no período de 1981-83 pode ser explicada pela contenção de investimento do setor
público.
Em economia, inflação é a queda do valor de mercado ou poder de compra do dinheiro. Isso é equivalente ao aumento
no nível geral de preços. Inflação é o oposto de deflação. Inflação zero, ou muito baixa, é uma situação chamada
de estabilidade de preços.
capítulo sete
O ressurgimento da inflação no Brasil: 1974-86
Werner Baer
Um dos principais objetivos do regime brasileiro que se instalou em 1964 foi a eliminação da inflação e das distorções
por ela provocadas. Até 1973, vários governos militares foram bem-sucedidos. De 1968 em diante, a queda da inflação foi
acompanhada por um rápido e espetacular crescimento.
Vinha acontecendo uma reversão na tendência de baixa da inflação desde 1973. Também é digno de nota o fato de que
até 1980 a taxa de crescimento real do Brasil era estável (embora não tão espetacular quanto a dos “anos do milagre” de
1968-73); de 1981 a 1983, à medida que a inflação continuava a apresentar níveis elevados, a economia estagnou; e, em
1984, quando a inflação atingiu o seu maior nível já visto na história do país, o crescimento econômico havia-se
recuperado um pouco.
A natureza da inflação brasileira: dois pontos de vista
A tradição ortodoxa
Ao examinar o desempenho econômico do Brasil em 1984, por exemplo, a Fundação Getúlio Vargas responsabiliza o
excesso de liquidez, causado pela falta de controle de orçamento do governo e pelo acúmulo de reservas cambiais pela
elevada taxa de inflação. E sem a prodigalidade (quesito) monetária, a economia teria crescido um pouco menos, mas sua
base para o crescimento contínuo teria garantido um horizonte mais seguro para os anos subsequentes a 1985.
Os neoestruturalistas
Essa escola encara o dinheiro como uma variável dependente, isto é, que cresce como resultado de aumentos gerais no
preço. A inflação é encarada como se originando basicamente do poder do monopólio de empresas, sindicatos e do
Estado. Companhias oligopolistas têm o poder de praticar a “remarcação de recessão, entretanto, com as vendas em
declínio, essas empresas intensificaram a remarcação a fim de manter a taxa de lucro como porcentagem dos seus preços.
Antecedentes gerais da recente inflação brasileira
A maioria dos analistas da economia brasileira dos anos 70 e 80 indica uma série de choques como sendo a causa do
ressurgimento da inflação. Esses choques incluem acontecimentos externos como a quintuplicação dos preços do petróleo
em 1973-74 e sua duplicação em 1979, o exorbitante aumento das taxas de juros reais mundiais no início dos anos 80, as
maxidesvalorizações ocorridas em 1979 e 1983 e alguns reveses naturais (secas e enchentes).
O impacto inflacionário produzido por choques externos
Choques internos ou externos não precisam ser inflacionários se os setores imediatamente afetados estiverem
dispostos ou forem obrigados a absorver uma elevação maior de preços através da sua redução de renda. Não foi o que
ocorreu no Brasil após 1973 – os setores afetados pelo choque do preço do petróleo ficaram ansiosos em repassar o
aumento de seus custos de produção sob forma de preços mais elevados e o governo avaliou sensato e opôs pouca
resistência a esse processo.
O mecanismo propagador da inflação
Houve dois tipos básicos de mecanismos de propagação de inflação na economia brasileira. O primeiro consistia da
capacidade de vários setores em repassar os aumentos de custos rapidamente aos preços de seus produtos. O segundo
resumia-se na capacidade de se obter uma compensação, por parte do Estado, pela redução da renda devido à inflação,
através da indexação e pela disposição das autoridades monetárias em expandir o crédito.
Aspectos monetários do processo inflacionário
A inflação não pode se instalar a menos que seja validada por um crescimento significativo dos meios de pagamento
e/ou pela velocidade de sua circulação. A taxa de crescimento dos meios de pagamento reais negativa tem sido atribuída
ao declínio na demanda por moeda enquanto que a inflação continuava a acelerar. Houve uma troca para a quase-moeda,
parte da qual, como a poupança, os depósitos a prazo e os títulos do governo – que adquiriram uma liquidez cada vez
maior – era indexada de acordo com a inflação.
É óbvio que itens não incluídos no orçamento normal – recursos para cobrir o déficit de empresas estatais, financiar
programas especiais do governo e compensar a indexação (para pagar a correção monetária) – produziram necessidades
financeiras (ou déficits) que aumentaram de Cr$ 507 milhões em 1979 para Cr$79,4 trilhões em 1984 para o governo.
O Brasil desenvolveu um arranjo institucional peculiar (o orçamento monetário) que permite ao governo contorna o
orçamento fiscal convencional. O Banco do Brasil (o banco comercial cuja maioria de ações pertence ao Estado e que
exerce certas funções oficiais) é o principal fornecedor de crédito rural que, até 1984, era concedido a taxas de juros
altamente subsidiadas. Quando os depósitos do Banco do Brasil não são suficientes para atender às necessidades de seus
clientes (especialmente na agricultura), ele pode recorrer ao Banco Central em busca de recursos, cuja transferência tem
sido chamada de conta movimento. O Banco Central, por sua vez, tem estado diretamente envolvido no fornecimento de
recursos especiais destinados ao setor financeiro, a empresas de exportação e à compra de moeda estrangeira. Caso seus
recursos não sejam suficientes para atender a tais obrigações, ele emite mais moeda. Os empréstimos concedidos pelo
Banco do Brasil, os créditos ao setor financeiro e as operações com moeda estrangeira têm sido as principais fontes de
expansão da base monetária.
O sistema monetário brasileiro é muito peculiar e possui uma tendência incorporada em direção à expansão dos meios de pagamento. Há muito se
reconhece que é difícil evitar a inflação quando o governo federal tem a autoridade de emitir moeda para financiar seus déficits. É ainda mais difícil
de evitar a inflação se o governo pode criar moeda não só para financiar déficits, mas também para atender empréstimos subsidiados ao setor
privado. Este é, fundamentalmente, o caso do Brasil.
O processo inerente ao orçamento autoritário do Brasil
É um fenômeno curioso que o regime pós-1964, que justificou sua tomada do poder em parte da responsabilidade
fiscal, tenha desenvolvido mecanismos de política que tomaram as despesas extraorçamentárias através da criação de
moeda relativamente fáceis.
Antes de 1964, existam grandes déficits e o governo se voltou para as instituições que, juntas, engendraram o sistema
monetário e de controle e emitiram a moeda necessária para cobri-los. Ao mesmo tempo, não havia um mercado
financeiro adequado pelo qual o governo poderia financiar seus déficits de modo não inflacionário, através da emissão de
obrigações. Mas, ao menos, o processo de gastos passou formalmente pelo do braço legislativo do governo.
Após a mudança de regime em 1964, ocorreram importantes reformas financeiras institucionais – a criação do Banco
Central, a expansão do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a criação do Banco Nacional da
Habitação (BNH) e a criação da indexação. É interessante notar que essas reformas, em vez de reduzir a função do Banco
do Brasil como autoridade monetária, realmente a intensificou.
Indexação
O papel da indexação tem gerado consideráveis controvérsias. A indexação de instrumentos financeiros foi introduzida
na era pós-1964 para evitar algumas das distorções causadas pela inflação a fim de possibilitar ao governo o
financiamento de seus déficits de maneira não-inflacionária e estimular à poupança. Na segunda metade da década de 60
e no início da de 70, a indexação pareceu mostrar resultados positivos e coexistiu com um declínio regular da inflação.
Em meados da década de 70, a inflação tornou a subir, muitos aspectos negativos da indexação começaram a surgir
e/ou se ampliaram: (a) obrigação do governo em injetar dinheiro para vários setores; (b) crescente número de
inadimplências e (c) uma parcela cada vez maior das necessidades de empréstimos do setor público surgiu por causa do
pagamento da “correção monetária”. A indexação financeira se tornou, assim, uma força inflacionária duplicada.
Nos anos 80, houve muita controvérsia entre o governo brasileiro e o FMI. Com um mercado saturado em um
ambiente inflacionário, as taxas de juros reais aumentaram e as necessidades de empréstimo para a dívida indexada
cresceram.
À medida que disparava a inflação do final dos aos 70 e dos anos 80, falava-se cada vez mais em controlar, ou até
abolir, a indexação financeira como fator necessário a um programa de estabilização, fato que, suscitou várias questões
perturbadoras.
Contudo, dado o elevado grau de interesse que grande parte do público nutria pelos instrumentos indexados, a
desindexação por si só era percebida como sendo econômica e politicamente quase impossível a menos que fosse
acompanhada por um período de congelamento de preços e salários.
Controlando a inflação pela manipulação de índices
A partir dos anos 70, foram feitas muitas tentativas de controlar as taxas de inflação pela manipulação de índices para a
obtenção de empréstimos. Também ocorreu alguma manipulação no índice usado para a correção monetária. A
manipulação de índices nunca foi drástica o bastante (exceto em 1980) a ponto de causar uma pronunciada redistribuição
de renda e de ativos e um êxodo brutal dos instrumentos financeiros indexados.
Controle de preços
Vale a pena notar que durante todo o período analisado, o Brasil adotou um sistema de controle de preços nos setores
industrial e agrícola, cuja amplitude e uso geral variam ao longo do tempo. É óbvio que esses controles não eram usados
para eliminar a inflação. Na melhor das hipóteses, eram empregados como uma maneira de evitar uma explosão geral e
repentina de preços.
Os preços das empresas estatais também foram usados como instrumentos para controlar surtos inflacionários. Essas
tentativas somente exerceram impactos de curto prazo.
capítulo oito
Declínio e queda do cruzado
Werner Baer
Em 28 de Dezembro de 1986, o governo brasileiro anunciou um programa “heterodoxo” de estabilização, rapidamente
chamado de Plano Cruzado, que visava interromper de imediato uma inflação que parecia estar fugindo do controle e que
aparentemente não podia ser dominada por meio de políticas de estabilização ortodoxas. Embora parecesse, a princípio,
que o Plano Cruzado atingiu seu intento sem efeitos colaterais recessivos, ele fracassou no final de 1986 quando a inflação
ressurgiu, as contas externas entraram em crise e o crescimento real decaiu.
Não há dúvida de que as forças “inerciais” tenham desempenhado um papel fundamental no impulso inflacionário
brasileiro, através de processos dinâmicos. O Plano Cruzado atacava esses problemas, mas foi fatalmente invalidado por
ter incorporado um aumento salarial significativo. Qualquer que tenha sido o bem causado por ele, foi amplamente
inutilizado pelo choque de salários, déficit no setor público, à taxa cambial relativamente baixa no seu lançamento, preço
congelados. O aumento salarial, entretanto, foi a essência do erro. Infelizmente, considerando-se a fraqueza política do
governo, é possível que o Plano Cruzado tivesse de incorporar um aumento de salário, isto é, a concorrência pelo poder de
compra que sustentava a inflação realmente exigia um aumento de salário.
Antecedentes
O regime autoritário que tomou o poder em abril de 1964 reduziu de forma gradual a inflação, o que foi conseguido
através de uma abordagem “gradualista” autoconsciente, que incluía medidas fiscais padronizadas, política salarial
repressiva e realinhamento de preços controlados. A introdução de títulos indexados do governo ajudou a financiar um
persistente déficit público. Depois de agosto de 1968, engendrou-se num período de “milagre” até 1973.
A tendência de baixa inflação foi revertida em 1973. O ressurgimento da inflação brasileira pode ser facilmente
associado a uma conhecida série de choques externos e internos. Por várias razões socioeconômicas, os agentes
econômicos brasileiros provaram, cada vez mais, serem capazes de repassar os aumentos de preços que os afetavam. O
resultado foi um processo inflacionário de luta por participação na renda cada vez mais intenso. Os economistas
responsáveis pelo Plano Cruzado chamaram a esse processo de “inflação inercial”, pretendendo transmitir a ideia de que a
própria inflação criou inflação num processo autoperpetuante. Francisco Lopes recomendou um choque “heterodoxo”,
que consistia de um congelamento total de preços e salários, acompanhado de políticas fiscais e monetárias passivas.
Acontecimentos que conduziram ao Plano Cruzado
A profunda recessão de 1981-84 resultante das políticas de ajuste aprovadas para confrontar a crise externa não
exerceu nenhum impacto sobre a taxa da inflação, embora tenha revertido extraordinariamente a posição do balanço de
pagamentos do país. As contribuições do crescimento das exportações aos superávits comerciais começaram somente em
1984, ano em que o país retomou o crescimento econômico.
No início de 1986, à medida que o choque da seca que elevou os preços dos produtos agrícolas sustentava o sistema de
indexação, a taxa da inflação parecia subir a níveis sem precedentes. Os assessores econômicos do presidente Sarney,
argumentando que essa inflação não poderia ser controlada por meio de programas de estabilização tradicionais
ortodoxos, convenceram-no de tentar um “choque heterodoxo”.
O Plano Cruzado
Em 28 de fevereiro de 1986, num pronunciamento na televisão, o presidente Sarney anunciou o Decreto-lei 2.283, cuja
meta era derrubar a inflação com um golpe violento. Esse Decreto-lei, impôs as seguintes medidas: (1) congelamento geral
dos preços finais dos produtos; (2) um congelamento no salários reajustados; (3) proibição de cláusulas de indexação em
contratos com menos de um ano; e criação de uma nova moeda, o cruzado, que substituía o antigo cruzeiro (Cz$1 sendo
igual a Cr$1.000,00). Não havia referência à taxa de câmbio, mas o governo indicou que pretendia mantê-la Cz$13,84.
O Plano Cruzado refletiu claramente a acentuada influência de analistas que diagnosticaram a inflação brasileira como
sendo principalmente “inercial”. À medida que a transição prosseguia e governantes eleitos diretamente ganhavam
influência em relação aos do regime anterior, ficava cada vez mais difícil implementar políticas recessivas por razões
“políticas”.
O sucesso do Plano Cruzado provavelmente dependia do grau em que a natureza do processo inflacionário era
essencialmente “inercial”. Já no final de 1985, muitos indicadores mostravam que a indexação formal e informal não
poderia explicar totalmente a inflação brasileira. A inflação se acelerava, o que não pode ser controlado em termos de
inércia. A taxa de utilização de capacidade atingia 100% em alguns setores da indústria e o déficit do setor público
aumentara de 1984 até o final de 1985.
Os resultados imediatos do Plano Cruzado foram espetaculares. A taxa mensal de inflação caiu. Enquanto isso, a
atividade econômica que crescia ainda se acelerou. As contas externas permaneceram fortes, com superávits comerciais.
Superficialmente, parecia que o Brasil descobrira como administrar contas externas sólidas mantendo um excepcional
crescimento com o aumento de salários reais, diminuindo o desemprego, e com uma inflação insignificante.
Dificuldades e contradições emergentes
O objetivo do congelamento de preços e salários do Plano Cruzado era deter a inflação inercial, o que favorecia a mãode-obra. A natureza drástica do Plano Cruzado fez com que a população se reunisse ao redor do presidente, com milhões
de cidadãos servindo voluntariamente como os “fiscais do Sarney” para informar sobre transgressões e congelamento.
Esse entusiasmo popular viabilizou uma política de renda por um curto período de tempo e os salários reais sofreram um
aumento extraordinário. Em algumas semanas, entretanto, surgiram problemas que se agravaram rapidamente.
O impacto alocativo do congelamento de preços
Uma consequência imediata do congelamento – perfeitamente previsto pelos economistas responsáveis pelo plano
Cruzado – foi a eliminação do mecanismo de prelos como alocador de recursos. Naturalmente, quanto mais durasse o
congelamento, mais graves seriam as distorções existentes no mercado. A inflação brasileira ainda não atingira o nível
máximo na época do congelamento, de modo que os agentes econômicos ainda ajustavam preços a intervalos discretos.
Embora os economistas do Plano Cruzado concordassem com o fato de que o congelamento de preços teria de ser
temporário, não haviam atingido um consenso sobre sua duração, visto que não sabiam quanto tempo levaria para
reverter as expectativas inflacionárias. Os economistas do governo argumentaram a favor de realinhamento de preços já
em maio de 1986, entretanto, pelas eleições que se aproximavam, isso não foi feito.
Inevitavelmente, houve várias tentativas de contornar o congelamento. Produtos de todos os tipos começaram a
desaparecer das prateleiras e filas de consumidores tornavam-se cada vez mais comuns. Com a eliminação de certos
impostos e o aumento de subsídios, o governo conseguiu aumentar a oferta em literalmente aumentar os preços. No
transcorrer do ano, os problemas inevitáveis causados pelo congelamento de preços se aprofundaram e os esforços do
governo e do povo para cumpri-lo tornaram-se fracos e desanimadores.
Crescimento excessivo
O Plano Cruzado resultou na continuação (e mesmo aceleração) do crescimento econômico, grande parte do que se
baseou nos gastos do consumidor.
À medida que continuava o boom nos meses que seguiram à introdução do Plano Cruzado, muitos setores
aproximavam-se da capacidade plena, com limitadas esperanças de aumentá-las a curto prazo. É difícil determinar qual
foi o aumento da capacidade produtiva durante o Plano. A frequentes mudanças de políticas per se desencorajavam
seriamente a formação do capital privado. Há indício, porém, de que a exploração de vendas e produção que ocorreu
durante o Plano tenha originado uma quantidade significativa da formação de capital de “curto prazo”.
O déficit do setor público
O papel desempenhado pelo déficit do setor público na desintegração do Plano Cruzado é uma questão controversa. Há
uma opinião generalizada de que sua principal falha foi a ausência de um programa de controle fiscal, ponto de visa
particularmente defendido por analistas que nunca simpatizaram com o diagnóstico de uma inflação inercial e que
acreditavam que a pressão inflacionária poderia advir somente de desequilíbrios fiscais. Porém o governo tomara medidas
para unificar o orçamento e melhorar seu monitoramento.
Não é justo atribuir o insucesso do Plano ao déficit em questão. A maior parte do déficit operacional deve ter ocorrido
no começo e no final de 1986, pois esses eram os meses que os preços estavam se acelerando. Inevitavelmente, julgar se
um déficit é inflacionário depende de quanto se espera dele.
Os meios de pagamento
Uma das lições que os arquitetos do Plano Cruzado extraíram da experiência do Plano Austral argentino foi que a
disposição do público em reter o dinheiro seria uma brusca consequência das expectativas de uma inflação em declínio e
que, portanto os planejadores fariam bem em permitir o crescimento dos meios de pagamento, a fim de evitar pressões de
altas indevidas sobre as taxas de juros internos.
Ao lançar títulos do Banco Central, o governo foi capaz de tirar vantagem de algumas das práticas básicas do sistema de
merca aberto do Brasil. De acordo com o método de aumentar os meios de pagamento para atender à demanda de moeda
supostamente mais elevada, eles cresceram vertiginosamente.
A política expansionista manteve pressões de baixa nas taxas de juros, não só no mercado aberto como também no
mercado de certificados de depósito de bancos comerciais. Taxas de juros relativamente baixas representam um
combustível adicional para a demanda agregada, estimulando os agentes econômicos a gastar em vez de poupar e
contribuíram para uma explosão no mercado de ações, indubitavelmente, estimularam a evasão de capital.
As contas externas
Na época do Plano Cruzado, o país gozava de uma posição externa relativamente sólida; a taxa de câmbio favorável às
exportações, como consequência da maxidesvalorização de fevereiro de 1983 e da manutenção generalizada das
minidesvalorizações. Houve um superávit significativo na balança comercial desde 1983, o que permitiu ao país acumular
US$ 11 bilhões em reservas cambiais. O serviço da dívida foi aliviado pela queda das taxas de juros internacionais,
compensando o brusco aumento da dívida dos bancos comerciais em 1984. Nos primeiros meses do Plano Cruzado,
entretanto, a situação favorável do balanço de pagamentos também dói uma fonte de pressão inflacionária.
Não há dúvida de que a especulação unilateral em relação ao cruzado e a evasão de capital – estimuladas por rendas
maiores e pela suspensão da indexação financeira – assumiram uma crescente importância no decorrer do tempo. Uma
vez, é claro, que os mercados concluíram que a desvalorização era inevitável, o ágio elevou-se especulativamente. Todavia,
ao avaliar o ágio do mercado paralelo como um indicador de um alinhamento desigual da taxa de câmbio, as distorções
“reais” devem ser levadas em consideração.
O colapso do Plano Cruzado
Em julho, o governo fez uma tímida tentativa para enfrentar alguns dos problemas que se haviam acumulado e houve
uma significativa restrição da política monetária. Para aumentar os investimentos e diminuir o consumo, o governo impôs
imposto sobre viagens internacionais e instituiu um esquema de poupança compulsória que incluía “empréstimo forçado”.
A verdadeira crise do Plano Cruzado surgiu nas contas externas. Em meados de 1986 estava claro que a conta de capital
do balanço de pagamentos havia sofrido uma extraordinária reversão. As remessas de lucros e a evasão de capital
estavam aumentando, um sinal evidente do que significava o ágio do mercado cambial “paralelo” em ascensão. As
exportações caíram rapidamente, visto que pretensos exportadores aguardavam a desvalorização e achavam o mercado
interno relativamente lucrativo. Logo após vencer as eleições de 15 de novembro, porém, o governo anunciou outro
extraordinário programa de reajuste, rapidamente chamado de Cruzado II, cujo foco era um alinhamento de preços de
produtos de consumo da classe média e aumentos dos impostos que incidiam sobre eles. Os aumentos nos preços tendiam
a desviar os gastos em vez de estimular a poupança. Como resultado dessas medidas, a inflação reviveu e os salários
aumentaram quando o mecanismo do gatilho automático começou a funcionar.
O Cruzado II o renascimento da inflação gerou uma grave instabilidade nos mercados financeiros internos brasileiros,
demonstrando de forma impressionante sua sensibilidade quanto às expectativas inflacionárias e quanto à incerteza de
que, está claro, foram intensificadas devido ao Cruzado II. As consequências foram ampliadas – ironicamente – pela
política monetária restritiva colocada em ação como o novo pacote político. As taxas de juros subiram o bastante para
causar problemas graves para muitas empresas, especialmente aquelas estabelecidas durante o período de euforia que se
seguiu o Plano Cruzado. Os pedidos de falência atingiram níveis recorde em todo o Brasil na primeira metade de 1987.
A dívida externa
O relacionamento do Brasil com seus credores externos sempre foi difícil, à medida que as consequências do Plano
Cruzado começaram a se manifestar. Em março de 1986, os bancos comerciais concordaram em reescalonar as datas de
vencimento de 1985 e em rolar as datas de vencimento de 1986 para o ano seguinte.
O superávit comercial continuou a cobrir a conta de juros até meados de 1986; a partir daí, as perdas se intensificaram,
levando à suspensão dos pagamentos de juros comerciais em fevereiro de 1987. Depois disso, na verdade, o Brasil
financiava sua conta de juros com atrasados acumulados.
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