Faculdade de Medicina da Universidade do Porto BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR 29 DE Abril de 2005 Alexandra Manuela Barbosa Duarte - T 1 Ana Catarina Maia Areal Ferreira - T 1 Ana Patricia Ribeiro Andrade - T 3 Ana Rita Moreira Guedes - T 3 César Miguel Lima e Sá - T 9 Índice Introdução _____________________________________________________________ 2 Mecanismos apoptóticos__________________________________________________ 3 Apoptose desencadeada por sinais celulares internos______________________ 4 Apoptose desencadeada por sinais externos_____________________________ 5 Regulação apoptose _____________________________________________________ 7 Papel da p53_____________________________________________________ 7 Bcl-2 e IAP (do inglês Innibitory Apoptosis Protein)_____________________ 8 Apoptose e doenças _____________________________________________________ 9 Potenciais Tratamentos _________________________________________________ 11 Conclusão ___________________________________________________________ 11 Bibliografia __________________________________________________________ 12 Anexos _____________________________________________________________ 14 1 Introdução Apoptose é um conceito científico recente, resultante da distinção de dois mecanismos de morte celular: a necrose e a apoptose. O último refere-se a um fenómeno fisiológico, necessário para o desenvolvimento normal e manutenção da forma dos tecidos, uma “morte celular programada”, envolvendo um programa genético na sua execução. Trata-se de um fenómeno celular rápido (cerca de três horas), desencadeado por moléculas sinalizadoras que se ligam a receptores específicos da célula, accionando uma cascata sinalizadora intracelular. Essa cascata culmina numa resposta da expressão genética da célula cujos produtos proteicos são responsáveis por fenómenos degradativos essenciais ao processo de apoptose, destacando-se as caspases e as endonucleases dependentes do cálcio. As caspases são basicamente constituídas por um segmento N-terminal, também designado por predomínio, e por duas cadeias (subunidades longa e curta) que contém as sequências que participam no domínio catalítico. Em termos celulares, este tipo de morte celular é um processo activo, caracterizado por movimentos anormais e formação de extrusões na superfície da célula (vesículas de apoptose), degradação de proteínas chave ao metabolismo e do invólucro nuclear, o que implica a perda da sua ligação à cromatina, que condensa e fica exposta à acção de endonucleases que provocam a fragmentação internucleossomal do DNA da célula apoptótica. Não existe libertação dos fragmentos nucleares e celulares para o espaço intersticial, sendo aglutinados em vesículas apoptóticas, que não induzem uma resposta inflamatória ao redor da célula morta. O processo apoptótico tem uma finalidade homeostática e funcional, participando no desenvolvimento embrionário por exemplo, na regressão das membranas interdigitais em humanos, na renovação de células epiteliais, de enterócitos e de células hematopoiéticas, e ainda na destruição de células que sofreram alterações cancerígenas. Assim, a desregulação do processo de apoptose poderá conduzir a inúmeros estados patológicos nomeadamente, cancro, doenças auto-imunes, Alzheimer, expansão isquémica em AVC’s, insuficiência cardíaca ou formação de placas ateroscleróticas. 2 Mecanismos apoptóticos Quando a célula tem o seu “dispositivo de suicídio” accionado, é necessário a activação de proteases específicas do citosol na forma de pró-enzimas inactivas, as caspases, com capacidade de desencadear um conjunto de alterações funcionais e morfológicas que conduzem à morte celular: ocorre a inactivação de enzimas envolvidas na reparação de DNA em particular, da enzima poli (ADP-ribose) polimerase, ou PARP que está envolvida na reparação de DNA danificado e quando clivada pela caspase-3 perde essa mesma capacidade; ocorre também a inactivação de enzimas envolvidas na replicação celular, como por exemplo a DNA Fig.1: Fragmentação internucleossómica de DNA (Dash, sem data) topoisomerase II, uma enzima nuclear essencial para a replicação e reparação de DNA; das várias características morfológicas destaca-se a condensação de cromatina, a destruição de proteínas estruturais do núcleo, como as lâminas que são proteínas intra-nucleares responsáveis pela manutenção da estrutura do invólucro nuclear e pelo controlo das interacções entre a cromatina e a membrana nuclear; a fragmentação internucleossómica de DNA (Fig.1), levada a cabo por uma enzima Ca2+ e Mg2+ dependente, conhecida por CAD (“caspase activated DNase” ) que é activada por caspases e que normalmente existe como um complexo inactivo com ICAD (inibidor da CAD – “DNA Fig.2: Etapas do processo apoptótico(Dash, sem data) Fragmentation factor 45”); durante a apoptose o ICAD é clivado por caspases efectoras, libertando a CAD, conduzindo posteriormente à rápida fragmentação do DNA nuclear, diminuição do volume celular, fragmentação celular e formação de corpos apoptóticos, facilmente reconhecidos e fagocitados por macrófagos e também por células vizinhas. O rápido reconhecimento e fagocitose de células e corpos apoptóticos deve-se a modificações ao nível da superfície celular durante a apoptose. Uma dessas alterações consiste na translocação da 3 fosfatidilserina do interior para o exterior da membrana plasmática, ficando deste modo exposta na superfície externa da célula (4). As caspases, apesar de desencadearem toda esta sequência de acontecimentos só se tornam funcionais, após diferentes estímulos. No entanto em condições biológicas não há um estímulo universal de apoptose e, apesar de numerosos estímulos a poderem desencadear, o efeito de um dado estimulo num determinado tipo de células pode não ser sistemático. A sensibilidade das células a estes estímulos, depende de vários factores como por exemplo a expressão de proteínas pró- e antiapoptóticas, da severidade do estímulo, da fase de maturação das células, da posição das células no ciclo celular, etc. Em regra, a apoptose é uma resposta celular a variações subtis originadas no interior da célula ou no meio externo (Fig. 3) isto é, pode ser desencadeada por estímulos de natureza: (a) Intrínseca à própria célula, por exemplo danos intracelulares como peroxidação lipídica da membrana plasmática, rompimento da membrana lisossomal, perda do potencial de membrana mitocondrial Fig. 3: Formas de indução de apoptose(Dash, sem data) ou danos no DNA. Este tipo de stress celular pode ocorrer devido à exposição a radiações (1) ou químicos, infecções víricas (2), privação de um factor de crescimento ou a danos oxidativos provocados pela produção endógena de espécies reactivas de oxigénio – ROS. (b) Extrínseca - determinadas moléculas que induzem apoptose podem ser recebidas através de receptores específicos ao nível da membrana plasmática (1). A apoptose pode ainda ser induzida por linfócitos-Tcitotóxicos (3). Independentemente da sua natureza, os estímulos determinam a activação de caspases especializadas no recrutamento de caspases efectoras de morte celular. Fig. 4: O papel da mitocôndria no processo apoptótico(Dash, sem data) 4 Apoptose desencadeada por sinais celulares internos (Fig. 1 – anexo) A mitocôndria possui, um importante papel na regulação da morte da célula (Fig. 4): proteínas próapoptóticas da família Bcl-2 (ver adiante) como a Bax, a Bak, a Bcl-Xs, a Bad, Bid, Bik, encontradas no citosol actuam como sensores de danos celulares ou stress; assim em virtude de uma situação de stress celular estas proteínas colocam-se à superfície da mitocôndria, onde proteínas anti-apoptóticas da mesma família (Bcl-2, Bcl-Xl…) estão colocadas. Esta interacção entre proteínas pró e anti-apoptóticas leva à perda de funções por parte das proteínas anti-apoptóticas. Assim, proteínas como a Bax, a Bad, etc. conduzem à formação de poros transmembranares na mitocôndria e consequente libertação de factores mitocôndriais mediadores de apoptose – AIF’s (Apoptosis Inducing Factors) para o citosol. Estes AIF’s são proteínas que se situam normalmente no espaço intermembranar da mitocôndria; Fig.5: Formação do apoptosssoma(Dash, sem data) quando libertadas deste organelo migram para o núcleo, ligam-se ao DNA, desencadeando a sua destruição e consequentemente a morte da célula. Também a libertação de um outro componente mitocondrial, o citocromo C, é desencadeada em fases precoces do processo apoptótico. A libertação destes elementos para o exterior da mitocôndria também pode ser induzida pelo aumento da concentração intracelular de Ca2+. No citosol, o citocromo C, requer a presença de outros factores citosólicos para a propagação do estímulo apoptótico. Assim ao citocromo C, associase um “factor citosólico associado à apoptose” – Apaf-1 (Apoptotic protease activating factor – 1) e a procaspase 9; postula-se que na presença de ATP, a formação deste complexo ao qual se dá o nome de apoptossoma (Fig. 5) resulta na activação da caspase 9. Esta protease, uma vez activa, cliva outras caspases, as chamadas caspases efectoras como a caspase 3 a 6 ou a 7, promovendo sua activação mediante um sistema em cascata. A activação sequencial de uma caspase por outra cria uma extensa cascata de actividade proteolítica que conduz à digestão de proteínas estruturais no núcleo, degradação do DNA e fagocitose da célula. 5 Apoptose desencadeada por sinais externos (Fig. 2 – anexo) A apoptose pode ser desencadeada por determinados “sinais”, que são recebidos ao nível da superfície celular por receptores especializados; São exemplo de sinais de morte celular, as seguintes moléculas: TNF-α (Tumor necrosis factor-alpha), FasL (Fas-Ligand) e TRAIL (TNF-related apoptosis inducing ligand), que se ligam aos receptores TNFR-1 (TNF – receptor-1), Fas, CD95, DR4 e DR5, respectivamente, activando-os, para assim estes induzirem directamente apoptose nas célulasalvo. Todos estes ligandos são polipeptídeos que pertencem à família do TNF, consistem de três cadeias polipeptídicas idênticas que se ligam a membros da família de receptores TNF induzindo sua trimerização. Membros da família do Fas ou do TNF-1, são proteínas integrais da membrana plasmática, que possuindo mecanismos semelhantes de acção, são capazes de desencadear apoptose por activação imediata de caspases. As porções citoplasmáticas dos receptores podem interactuar através de uma ou várias proteínas adaptadoras com a procaspase 8 e conduzir à sua activação. Por exemplo a activação do Fas pelo Fas ligando, resulta no recrutamento da proteína adaptadora FADD (Fig.7). Por sua vez, a ligação do TNF-α ao respectivo receptor leva ao recrutamento de outra molécula adaptadora – a TRADD. A associação entre os receptores e estas proteínas adaptadoras resulta de uma interacção entre os domínios de morte (DD – Death domains) homólogos do receptor e da molécula adaptadora; tal como contêm um domínio de morte, a FADD e a TRADD contêm também um domínio de recrutamento de caspases - DED (Death effector domain). Esse domínio permite a ligação da procaspase 8, também conhecida como FLICE, que é imediatamente clivada, originando a caspase 8. Esta, depois de activada, é então capaz de activar uma série de caspases efectoras (caspases 3; 9…), iniciando desta forma uma cascata de caspases que resulta em morte celular. A apoptose induzida pelo Fas pode ser bloqueada por uma proteína inibidora da FLICE, a FLIP, pela Bcl-2 ou pela CrmA (“Cytokine response modifier A”). Fundamentalmente este Fig. 6: (Kimball, 2004) 6 tipo de mecanismo consiste na activação de um receptor pelo respectivo ligando, resultando no recrutamento de moléculas adaptadoras que traduzem o sinal de activação à procaspase 8; uma vez activada a caspase-8 condiciona a activação de uma cascata de caspases, com o resultado próprio de degradação apoptótica. O receptor de superfície Fas desempenha funções importantes no controle da apoptose no sistema imunitário de tal modo que a morte celular induzida pelo Fas ligando é responsável por matar células-alvo do sistema imune. Durante uma infecção vírica, as células infectadas Fig. 7: Indução de apoptose pelos linfócitos T citotóxicos( SIGMA, 2003) exibem pequenos fragmentos de proteínas víricas na sua superfície. Linfócitos T citotóxicos ( CTL – citotoxic T lymphocytes ) específicos para aquele antigénio, aumentando sua produção de FasL vão ser capazes de se ligar através deste ligando à célula infectada, que possui receptores Fas à superfície (Fig.6); tornam-se assim capazes de a destruir antes que esta liberte vírus para outras células, impedindo deste modo uma infecção de maiores proporções. Para além deste mecanismo, um outro pode ser utilizado na morte de células infectadas (Fig.7): Linfócitos T citotóxicos (CTLs) possuem grânulos citoplasmáticos que contêm perforina e granenzimas; quando os CTLs se ligam ao seu alvo, o conteúdo dos grânulos é libertado por exocitose. Moléculas de perforina inserem-se na membrana plasmática das células-alvo, levando à formação de poros transmembranares, através dos quais se dá a entrada das granenzimas na célula. Estas proteases de serina dentro da célula clivam caspases efectoras como a caspase-3. A CAD é então activada pela caspase-3, através da clivagem do seu inibidor ICAD. A CAD fica deste modo apta a interagir com componentes como as topoisomeraes II (Topo II) para condensar a cromatina, conduzindo deste modo à fragmentação do DNA e por último à destruição da célula por apoptose. 7 Regulação da apoptose Papel da p53 A proteína p53 é codificada por um gene situado no cromossoma 17, que apresenta o mesmo nome: gene p53. A sua principal função está relacionada com a preservação da integridade do código genético em cada célula, ou seja, com a manutenção da mesma sequência de nucleotídeos ao longo de toda a molécula de DNA. Ela é essencial à sobrevivência verificando os erros de transcrição e procedendo de imediato ao desdobramento de uma cascata de reacções que impedem que a célula mutada entre em processo de mitose e complete a divisão celular. Este processo pode seguir por dois caminhos: a correcção da mutação através da activação de proteínas de reparo ou a indução da morte celular através da apoptose. Assim, a proteína p53 é considerada como uma guardiã do genoma e o seu gene codificador denominado gene supressor do tumor. Ela induz a apoptose nas células anormais, estabelecendo uma estreita relação com a carcinogenese como comprovado quando é fosforilada e inactivada pela ATM (ataxia telangiectasia-mutated gene). É um factor de transcrição, ou seja, regula positivamente a transcrição de alguns genes e negativamente a transcrição de outros. Podemos destacar a regulação directa e positiva da transcrição de Bas, a regulação indirecta e negativa da transcrição de Bcl-2 e a indução da movimentação de Fas das “reservas” citoplasmáticas para a membrana celular, recrutando uma possibilidade adicional de apoptose através do receptor de morte. Com a inibição da p53 vão ser activadas diferentes vias como a regulação de genes anti-apóptóticos o que facilita o desenvolvimento do tumor e a sua resistência à radiação e quimioterapia em células com p53 não normal (1) (2). Combinação de caspases iniciadoras e efectoras A existência de várias caspases funcionalmente semelhantes pode traduzir especificidades tecidulares e/ou especificidade de vias de sinalização. Estas são sintetizadas como percursores inactivos (procaspases) que são geralmente activadas por clivagem do ácido aspártico por outras caspases. Depois de activadas, as caspases clivam e activam outras procaspases dando origem a uma 8 cascata proteolítica amplificante. A activação desta cascata parece ser executada por proteínas adaptadoras que formam várias cópias de procaspases específicas, conhecidas como procaspases iniciadoras, sejam acopladas num complexo. Em alguns casos, as procaspases possuem uma pequena actividade protease e executam a sua activação mútua. Noutros casos, a agregação causa mudanças conformacionais que activam as procaspases. As caspases têm como alvo elementos críticos para a viabilidade celular, sendo este mecanismo não só destrutivo e auto-amplificador mas também irreversível (2)(3). Bcl-2 e IAP (do inglês Innibitory Apoptosis Protein) As famílias Bcl-2 e IAP parecem ser os principais reguladores intracelulares do programa de morte celular. A família de proteínas intracelulares Bcl-2 ajuda a regular a activação das procaspases e actualmente conhecem-se mais de catorze membros, sendo os níveis de expressão dos seus genes diferentes conforme o tipo de células e a fase de maturação destas. Alguns deles, como já referido inibem a apoptose por bloquear a libertação do citocromo c da mitocôndria (anti-apoptóticos), enquanto outros favorecem a apoptose promovendo a activação da procaspase e a morte celular (próapoptóticos). Os membros desta família apresentam diferentes localizações subcelulares, por exemplo, as proteínas Bcl-2, Bcl-XL e Bax localizam-se nas membranas intracitoplasmáticas (núcleo, retículo endoplasmático rugoso e mitocôndrias), enquanto a Bad e a Bid existem no citosol. A sua localização diferencial sugere mecanismos diferentes de participação na regulação da apoptose, independentemente da sua função no processo apoptótico. Todas as proteínas bloqueadoras parecem funcionalmente equivalentes nas formas de homodímeros ou de heterodímeros, enquanto a Bax só promove a apoptose na forma de homodímero e a BAD quando heterodimerizada. Outra importante família é a IAP (inibidores da apoptose) que se ligam a algumas procaspases para prevenir a sua activação ou ligam-se a caspases para inibir a sua actividade. Quando a mitocôndria liberta o citocromo c para activar a Apaf-1, também liberta uma proteína que bloqueia as IAPs, aumentando a eficiência do processo de activação da morte. (3) 9 Apoptose e as doenças A apoptose é parte integrante em inúmeros processos vitais e alterações nos genes responsáveis pela autodestruição podem ser desastrosas, já que qualquer distúrbio na sua regulação pode causar uma variedade de doenças. Se o distúrbio conduzir à indução da morte celular programada surge uma apoptose excessiva ou aumentada, característica da SIDA, doenças neurodegenerativas (doença de Alzheimer e doença de Parkinson) lesões isquémicas, hepatites virais, lesões hepáticas associadas ao álcool e induzidas por toxinas, entre outras. Por outro lado, associadas a distúrbios que levam a uma apoptose insuficiente estão doenças como o cancro, doenças auto-imunes e algumas infecções víricas. (12) Relativamente à doença de Alzheimer crê-se que ela esteja associada à apoptose excessiva, pois os neurónios morrem precocemente, o que resulta em demência progressiva e irreversível, por perda da cognição e da memória. A morte massiva dos neurónios é uma característica comum no cérebro de pacientes que sofrem desta doença degenerativa, uma vez que nele podem ser encontradas células apoptóticas, o que evidencia o envolvimento da apoptose na patologia da doença de Alzheimer. (6) (7) Nas lesões isquémicas, tais como, enfarte do miocárdio e acidente vascular cerebral o bloqueio sanguíneo leva à necrose das células dependentes do vaso afectado, cujo conteúdo tóxico conduz as células vizinhas à apoptose (12). A presença de corpos apoptóticos em espécimes de biopsia hepática de portadores de hepatites virais é achado comum e ilustra a participação da apoptose como mecanismo de morte celular nessas infecções. A apoptose via sistema Fas tem sido documentada como um dos mecanismos de citotoxicidade pelos quais os linfócitos T citotóxicos induzem à morte dos hepatócitos nas hepatites virais. Para assegurar o sucesso dessa função, visto que muitos vírus desenvolvem estratégias antiapoptóticas, produzindo proteínas capazes de inactivar o p53 ou estimular maior expressão do Bcl-2, os linfócitos T citotóxicos dispõem de diferentes mecanismos capazes de levar à morte celular por apoptose, incluindo o sistema Fas. Esses três mecanismos utilizados pelos linfócitos T convergem para a activação das caspases e, consequentemente, para a apoptose da célula atingida. Ao mesmo tempo, as 10 Fas-ligando nas células T pode acoplar-se com as Fas das células saudáveis que estão na vizinhança e desencadear o processo de apoptose nestas células, razão pela qual o vírus da hepatite causa uma dano tão extensivo no fígado. (8) A apoptose é um mecanismo importante nas lesões celulares induzidas pelo álcool. Os hepatócitos de pacientes com lesão hepática pelo álcool apresentam expressão aumentada de Fas ligando, o que propicia que essas células possam induzir a morte de hepatócitos vizinhos pela expressão de receptores-Fas. (9) Na SIDA, a indução da apoptose em células sãs contribui para a deficiência do sistema imunitário que caracteriza a doença. O vírus da SIDA (HIV) infecta basicamente os linfócitos T auxiliares, usando como porta de entrada a proteína de superfície CD4, reconhecida pela proteína vírica gpl2O. Os doentes com SIDA perdem grande parte dos linfócitos T CD4 por apoptose. Do mesmo modo, a gpl2O também presente no sangue dos portadores do HIV, activa o suicídio de células não-infectadas ao ligar-se ao CD4. Interacções entre as proteínas Fas e FasL, cuja produção aumenta durante a infecção, fariam o mesmo. Os linfócitos T citotóxicos (CD8) também são levados ao suicídio, pois dependem de factores de crescimento derivados dos linfócitos T auxiliares (CD4) para evitar o processo (10) Por outro lado, certas doenças estão associadas a uma deficiência da apoptose. Após penetrarem na célula, os vírus tentam fazer com que esta produza apenas as proteínas necessárias a sua proliferação, o que vai induzir muitos tipos de células a cometer suicídio. Se as células hospedeiras morrem, o vírus é eliminado também. Assim, determinados vírus evoluíram de maneira a inibir a apoptose nas células que infectam, como por exemplo, o vírus Epstein-Barr que produz proteínas semelhantes Bcl-2 e moléculas que induzem a produção da própria Bcl-2 na célula hospedeira. Outros, como o vírus do papiloma inactivam ou destroem a proteína p53 (12) O cancro é uma doença que envolve tanto a proliferação excessiva de células como uma deficiência na morte programada. Quando uma mutação parece irreparável, a célula afectada suicidase; caso contrário ela poderá viver bastante para acumular mutações, o que a torna capaz de se dividir descontroladamente. Em muitos tumores, os constituintes celulares desactivam o gene que codifica a 11 proteína p53, que leva à activação da maquinaria apoptótica da célula quando o DNA é danificado. Em mais da metade de todos os tumores sólidos, incluindo o pulmonar, do cólon e da mama, houve perda da proteína p53. Outras proteínas relacionadas com a apoptose parecem estar implicadas no desenvolvimento de certos linfomas, dado que a morte da célula é impedida pela excessiva produção da proteína Bcl-2. Outros tumores impedem a Fas de emitir sinais para activar os mecanismos da apoptose ou produzem Fas-ligando para evitar a apoptose imuno-mediada (11). Potenciais Tratamentos A modulação dos processos apoptóticos é um importante método de tratamento de várias doenças. Existem muitas drogas (anti-inflamatórios não esteróides) que actuam alterando os níveis de apoptose, como por exemplo, as drogas citotóxicas e programas de radioterapia que induzem a apoptose em células tumorais. Contudo, estas terapias também induzem a apoptose noutras células normais, como as da medula óssea e das mucosas oral e intestinal, pelo que a dosagem tem de ser limitada. Estudos futuros permitirão descobrir novos métodos terapêuticos para doenças associadas à apoptose (11). Conclusão Apoptose trata-se de um fenómeno fisiológico, rápido e activo, necessário ao normal desenvolvimento, que envolve um programa genético na sua execução, assumindo uma finalidade homeostática e funcional: é uma morte celular programada. O desencadear do fenómeno apoptótico está depende do desenrolar de um programa genético, que se caracteriza pela activação de proteases específicas do citosol na forma de pró-enzimas inactivas – caspases – que têm a capacidade de desenvolver um conjunto de alterações funcionais e morfológicas que conduzem à morte celular. Estas caspases só são funcionais quando sujeitas a diferentes estímulos, pelo que se pode concluir que a apoptose é uma resposta celular que pode ser desencadeada por diferentes estímulos de natureza intrínseca à própria célula (por exemplo danos 12 intracelulares) ou extrínseca (determinados “sinais” são recebidos ao nível da superfície celular por receptores especializados). A apoptose trata-se, portanto, de um mecanismo celular que pode ser regulado por vários factores, a salientar: a proteína p53, que é responsável pela verificação de erros de transcrição impedindo que uma célula mutada complete a divisão celular; combinação de caspases (família de proteínas) iniciadoras e efectoras, que têm como alvo elementos críticos para a viabilidade celular; famílias Bcl-2 e IAP que são os principais reguladores intracelulares da apoptose. A família Bcl-2 caracteriza-se tanto pela inibição do fenómeno apoptótico (por bloquear a libertação do citocromo c da mitocôndria), quanto pela sua activação (promove a activação da procaspase). A família IAP caracteriza-se pela inactivação da apoptose. Assumindo o fenómeno apoptótico um papel tão importante no normal desenvolvimento e funcionamento do organismo, será fácil concluir que qualquer alteração nos genes responsáveis pela auto-destruição possam ter consequências desastrosas. Efectivamente, qualquer distúrbio na regulação da apoptose pode ter como consequência uma grande variedade de doenças, que podem ser consequência de uma apoptose quer excessiva quer deficiente. Bibliografia (1) Albert’s, B et al; IV_Cell Regulation -> 13. Cell Signalling -> Regulation of Programmed Cell Death . In: Albert’s, B et al ; Molecular Biology Of The Cell ; 4ª Edição; New York; Garland Science_ Taylor And Francis Group; (2) Azevedo, C; Biologia Celular e Molecular; Lisboa, Porto e Coimbra; Lidel Edições técnicas; (3) Cooper, G.M; IV_Internal Organization of the Cell -> 17. The Cell Cycle and Programmed Cell Death -> Extracellular Control of Cell Division, Cell Growth, and Apoptosis. In: Cooper, G.M; The Cell_ A Molecular Approach; 3ª Edição; ASM Press, Sinauer Associates, Inc; 13 (4)Gewies, A (2003); Introduction to Apoptosis. 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