Capítulo 2 – Diabetes 2.0 - Introdução O diabetes mellitus (DM), popularmente conhecida apenas por diabetes, é uma síndrome de etiologia múltipla, decorrente da falta de insulina e/ou da incapacidade da insulina de exercer adequadamente seus efeitos. Caracteriza-se por hiperglicemia crônica com distúrbios do metabolismo dos carboidratos, lipídios e proteínas. Muita gente pensa que o diabetes é uma doença simples e benigna, um probleminha banal de "açúcar alto no sangue". Na verdade, infelizmente não é bem assim. O diabetes é uma disfunção que, se não tratada e bem controlada, acaba produzindo, com o correr do tempo, lesões graves e potencialmente fatais, como o infarto do miocárdio, derrame cerebral, cegueira, impotência, nefropatia, úlcera nas pernas e até amputações de membros. Por outro lado, quando bem controlado, todas essas complicações crônicas podem ser evitadas e o paciente diabético pode ter uma vida perfeitamente normal. O bom controle do diabetes pode propiciar uma vida normal e evitar as complicações crônicas da doença, além de prevenir complicações agudas. Diabetes mellitus como o diagnóstico primário de internação hospitalar aparece como a sexta causa mais freqüente e contribui de forma significativa (30% a 50%) para outras causas como cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca, colecistopatias, acidente vascular cerebral e hipertensão arterial. Pacientes diabéticos representam cerca de 30% dos pacientes que internam em Unidades Coronarianas Intensivas com dor precordial; Diabetes é a principal causa de amputações de membros inferiores. É, também, a principal causa de cegueira adquirida. Cerca de 26% dos pacientes que ingressam em programas de diálise são diabéticos. 2.1 – Classificação do Diabetes O DM tipo 1 resulta primariamente da destruição das células beta pancreáticas e tem tendência a cetoacidose. Inclui casos decorrentes de doença auto-imune e aqueles nos quais a causa da destruição das células beta não é conhecida. O DM tipo 2 resulta, em geral, de graus variáveis de resistência à insulina e deficiência relativa de secreção de insulina. A maioria dos pacientes tem excesso de peso e a cetoacidose ocorre apenas em situações especiais, como durante infecções graves. A categoria "outros tipos de DM" contém várias formas de DM, decorrentes de defeitos genéticos associados com outras doenças ou com uso de fármacos diabetogênicos. O DM gestacional é a diminuição da tolerância à glicose, de magnitude variável, diagnosticada pela primeira vez na gestação, podendo ou não persistir após o parto. Abrange os casos de DM e de tolerância à glicose diminuída detectados na gravidez. 2.2 – Tipos de Diabetes Ao DM tipo 1 e 2 será dado maior ênfase devido sua importância. Início da doença Causa Diabetes Tipo 1 Diabetes Tipo 2 Geralmente ocorre na infância Geralmente ocorre em adultos obesos ou na adolescência. acima de 35 anos. Hereditariedade e outros Tendência hereditária e obesidade fatores levam à falha do levam a uma resistência das células pâncreas em produzir insulina do corpo à ação da insulina Sintomas Sede intensiva, apetite excessivo, cansaço e micções freqüentes. Pode progredir rapidamente para o coma. Instalação geralmente aguda Pode não apresentar nenhum sintoma característico. Às vezes só se manifesta por cansaço, sede aumentada e micções freqüentes Níveis altos de glicose sangüínea, em jejum. Testes alterado de tolerância à Diagnóstico glicose Nutrição, exercícios físicos e, Insulina, nutrição, exercícios algumas vezes, comprimidos orais. Tratamento físicos e monitoração Podem, eventualmente, precisar de insulina Como devido a níveis de glicose muito altos Raras Complicações agudas (hiperglicemia) ou muito baixos (hipoglicemia) Deficiências de crescimento e Complicações médio desenvolvimento. Problemas Problemas durante a gravidez prazo durante a gravidez Problemas nos pequenos Problemas nos grandes vasos do vasos sangüíneos dos olhos e coração, cérebro e extremidades dos Complicações longo rins e nos nervos; problemas membros; problemas nos pequenos nos grandes vasos do coração, prazo vasos dos olhos, rins e pés, e nos cérebro extremidades dos nervos membros Educação em diabetes, bom controle glicêmico, exercícios Prevenção das físicos, nutrição adequada, Perda de peso complicações aderência ao tratamento medicamentoso Níveis altos de glicose sangüínea, em jejum O controle rigoroso dos níveis de glicose no sangue (glicemia) é a principal estratégia para a prevenção das complicações do diabetes. Nas pessoas sadias e nos pacientes diabéticos bem controlados, a glicemia deve variar entre 60mg/dl (se a pessoa estiver em jejum) e 160 mg/dl (cerca de duas horas após a refeição). Classificação Acima de 160mg/dl Alto Entre 60mg/dl e 160mg/dl* Dentro da faixa normal Abaixo de 60mg/dl Baixo (*) A qualquer hora do dia Denominação Hiperglicemia Normoglicemia Hipoglicemia Fatores de risco para o diabetes mellitus · Idade >= 45 anos; · História familiar de DM (pais, filhos e irmãos); · Excesso de peso (IMC >= 25 kg/m2); · Sedentarismo; · Hipertensão arterial; · Doença coronariana; · DM gestacional prévio; · Macrossomia ou história de abortos de repetição ou mortalidade perinatal; · HDL-c baixo ou triglicérides elevados; · Uso de medicação hiperglicemiante (por exemplo, corticosteróides, tiazídicos, betabloqueadores). 2.3 – Complicações O portador de diabetes Tipo 1 está muito mais propenso a complicações agudas do que o Tipo 2, uma vez que o controle de glicemia no Tipo 1 é muito mais difícil e também porque, nestes casos, as alterações da glicemia, para cima ou para baixo, acontecem muito mais rapidamente. As complicações agudas acontecem quando há variações intensas da glicemia, num período curto de tempo (algumas horas ou dias). Níveis muito altos (hiperglicemia) ou muito baixos (hipoglicemia) podem levar ao coma. Em termos de risco de complicações crônicas, tanto quem tem diabetes Tipo 1 como o Tipo 2 está sujeito a complicações vasculares e nervosas, caso não consiga controlar sua glicemia. Portanto, é importante compreender quais os fatores que têm uma influência direta sobre os níveis glicêmicos. Complicações agudas do Diabetes Conseqüência 1) Níveis excessivamente baixos de · Coma hipoglicêmico glicemia (Hipoglicemia acentuada) 2) Níveis excessivamente altos de · Coma hiperglicêmico glicemia (hiperglicemia acentuada) 2.3.1 - Hipoglicemia Causas de Hipoglicemia · Quando há erro de dosagem, com injeção excessiva de insulina, ou erro quanto ao tipo de insulina injetada; · Quando o paciente diminuir bruscamente a quantidade de calorias ingeridas, ficando sem comer por várias horas; · Quando houver um aumento brusco do nível de atividade física (excesso de exercícios). Por exemplo, a criança está bem controlada com uma determinada dose de insulina, durante o período escolar. Chegando as férias, ela começa a nadar e a brincar o dia todo, aumentando o nível de atividade física. Desta forma, a dose de insulina pode se tornar excessiva. Outro exemplo, por algum motivo, a criança perde a fome e deixa de se alimentar ou come muito pouco em relação ao que estava acostumado. Também neste caso a dose normal de insulina pode se tornar excessiva. · sensação de fraqueza ou fome · tonturas · tremores, palpitação Sintomas da Hipoglicemia · convulsões · perda de consciência · coma hipoglicêmico · sudorese (excesso de suor), pele fria Os problemas mais sérios, como a inconsciência, as convulsões e o coma hipoglicêmico acontecem quando os níveis de glicemia chegam a valores muito baixos (inferiores a 40 mg/dl). O quadro de reação hipoglicêmica responde rapidamente à administração urgente de glicose, por via oral, (quando o paciente estiver consciente) ou por injeções de glicose endovenosa, ou por injeção subcutânea de glucagon, se for o caso. Assim, alguns copos de suco de laranja, balas, chocolates ou mesmo a dextrose em pó ou comprimidos especiais de dextrose, no início dos sintomas, podem se constituir em medidas milagrosas, capazes de reverter o quadro. 2.3.2 - Hiperglicemia Causas de Hiperglicemia · Quando houver um erro, para menos, na dose de insulina; · Quando o uso isolado do antidiabético oral (comprimidos) já é ineficaz há algum tempo; · Quando o paciente não segue a nutrição adequada e comete abusos alimentares; · Em situações de estresse físico ou emocional (por exemplo, na ocorrência de gripes e outras infecções, intervenções cirúrgicas, etc.). Freqüentemente, a hiperglicemia acentuada e o coma hiperglicêmico são as primeiras manifestações do início da doença no diabetes Tipo 1. No diabetes Tipo 2, por ser instalação mais lenta e progressiva, o coma hiperglicêmico geralmente não ocorre como manifestação inicial da doença. · sede intensa, desidratação · volume urinário excessivo · perda rápida de peso · fraqueza e tonturas · coma hiperglicêmico Sintomas da Hiperglicemia · respiração acelerada · face avermelhada · dor abdominal · perda de consciência Suas manifestações vão se intensificando até o paciente chegar ao coma. Se não tratado adequadamente e em tempo, o risco de morte será inevitável. A prevenção da hiperglicemia e do coma hiperglicêmico pode ser feita através de um rígido controle de glicemia, principalmente em situações de estresse, de doenças intercorrentes e de aumento de ingestão alimentar. Ao contrário do coma hipoglicêmico, cujas medidas de tratamento de urgência podem ser tomadas até mesmo em casa, no coma hiperglicêmico não há soluções fáceis e simples para contornar a situação. O paciente precisará ser removido, com urgência, para um hospital ou pronto socorro. Complicações crônicas do Diabetes Conseqüência 1) Comprometimento dos vasos capilares · Doença renal (nefropatia diabética) (microangiopatia diabética) · Doença na retina ocular (retinopatia diabética) 2) Comprometimento dos vasos arteriais · Deficiência circulatória em órgãos como o (macroangiopatia diabética) 3) Comprometimento das vias nervosas (neuropatia diabética) cérebro, o coração e os membros inferiores, causando derrames, infartos, úlceras nas pernas e gangrena nos dedos dos pés. · Perda de sensibilidade nervosa, formigamentos, impotência, alterações digestivas, urinárias e circulatórias, ressecamento da pele, lesões ulceras de pernas e pés, etc... A evolução do diabetes, rumo às complicações crônicas, está inteiramente relacionado com o controle inadequado do diabetes, e portanto, com a manutenção de níveis persistentemente muito altos de glicemia (hiperglicemia crônica). Interessante notar que esses níveis de glicemia, muito embora suficientes para produzir complicações crônicas, podem não ser suficientes para provocar os sintomas clássicos do diabetes (sede, emagrecimento, excesso de urina, etc.,). Por isso se diz que o diabetes pode ter uma evolução silenciosa e só ser diagnosticado quando as complicações crônicas já estiverem razoavelmente avançadas. O rígido controle dos níveis de glicemia é a única forma de prevenir as complicações crônicas. Na chamada microangiopatia diabética, os níveis acentuados de glicemia provocam lesões nos vasos capilares, atingindo principalmente os rins (nefropatia diabética) e retina ocular (retinopatia diabética). Na retinopatia diabética, que acontece cerca de 50% dos pacientes após 10 anos de diabetes, os capilares da retina se enfraquecem, se dilatam e se rompem, podendo evoluir para a cegueira. O tratamento da retinopatia diabética é preventivo por excelência: exame anual de fundo de olho, controle da hipertensão e controle da glicemia Pelos mesmos mecanismos, a nefropatia diabética pode se instalar, comprometendo a capacidade dos rins de filtrar adequadamente as impurezas do sangue. Esse processo acaba evoluindo para uma insuficiência renal, na qual o paciente precisará se submeter a hemodiálises freqüentes para sobreviver. Outra complicação crônica é o comprometimento das artérias de calibre um pouco maior, que pode afetar a circulação do coração e do cérebro, além da circulação periférica, principalmente dos membros inferiores. Como principais conseqüências, temos o infarto do miocárdio, os derrames cerebrais e os problemas arteriais periféricos, que incluem a ulceração das pernas e dos pés e a gangrena das extremidades, principalmente dos dedos dos pés. Nestes tipos de complicações, os fatores de risco mais importantes são a hipertensão arterial, os altos níveis de colesterol, a obesidade, o tabagismo e a idade, sendo que o diabetes funciona como um fator acelerador do processo. A prevenção e o tratamento visam o controle dos fatores de risco mencionados O comprometimento das vias nervosas, conhecido como neuropatia diabética, talvez seja a complicação crônica mais comum do diabetes mal controlado, atingindo cerca de 40% dos pacientes. Ela pode se manifestar pelo comprometimento dos nervos sensitivos causando distúrbios de sensibilidade cutânea (formigamentos, anestesias dolorosas, propensão do desenvolvimento de ulcerações nos pés, impotência sexual, etc.). Também pode haver o comprometimento de vias do sistema nervoso autônomo, causando distúrbios gástrico, urinários, circulatórios e da sudorese. As complicações nervosas são muitas e variadas e somente um especialista será capaz de detectá-las. O chamado "pé diabético" é uma das complicações crônicas mais graves, provocando áreas de necrose e ulceração. Desta forma, o diabetes mal controlado pode ser responsável por inúmeras complicações crônicas. Quem tem diabetes tem uma opção importante a fazer: bom controle ou complicações crônicas. 2.4 – Tratamento não-medicamentoso do Diabetes O tratamento do DM inclui as seguintes estratégias: educação, modificações do estilo de vida que incluem a suspensão do fumo, aumento da atividade física e reorganização dos hábitos alimentares e, se necessário, uso de medicamentos. O tratamento concomitante de outros fatores de risco cardiovascular é essencial para a redução da mortalidade cardiovascular. O paciente deve ser continuamente estimulado a adotar hábitos de vida saudáveis (manutenção de peso adequado, prática regular de exercício, suspensão do fumo e baixo consumo de bebidas alcoólicas). Mudança no estilo de vida é difícil de ser obtida, mas pode ocorrer se houver uma estimulação constante ao longo do acompanhamento, não apenas no primeiro atendimento. Isto é particularmente importante, por que pesquisas demonstram que após o aparecimento do DM há uma piora progressiva e inexorável do controle glicêmico, independente do emprego de agentes anti-hiperglicêmicos. Objetivos do tratamento do diabetes mellitus tipo 2 Glicose plasmática (mg/dl) * Jejum: 110 2 horas pós-prandial: 140 Colesterol (mg/dl) Total < 200 HDL > 45 LDL < 100 < 150 Triglicérides (mg/dl) Pressão arterial (mm Hg) Sistólica < 135 Diastólica < 80 2 Índice de massa corporal (kg/m ) 20 - 25 Limite superior do Glico-hemoglobina (%) * método * Quanto ao controle glicêmico, deve-se procurar atingir valores os mais próximos do normal. Como muitas vezes não é possível, aceita-se, nestes casos, valores de glicose plasmática em jejum até 126 mg/dl e de duas horas pós-prandial até 160 mg/dl e níveis de g Dicas para controlar melhor o Diabetes · Variar sempre os alimentos; · Evitar os alimentos gordurosos, principalmente de origem animal (carnes, leites, queijos), pois contêm muito colesterol; · Comer alimentos ricos em fibras (frutas, verduras, feijão e cereais integrais como arroz integral, farinha de trigo integral, etc); · Usar adoçantes artificial no lugar de açúcar; · Evitar o consumo de alimentos que contenham açúcar (mel, açúcar mascavo, melado, doces em geral e refrigerantes tradicionais); · Evitar bebidas alcoólicas; · Fazer as refeições e os lanches em horários regulares. No diabetes Tipo 1, é muito importante combinar a quantidade e insulina e seus horários de aplicação com a quantidade de alimentos necessários nos diferentes horários do dia. É importante fazer refeições de 3 em 3 horas. Entre café da manhã, almoço e jantar devem ser feitos lanches, para evitar a hipoglicemia decorrente do jejum prolongado. No diabetes Tipo 2, a maioria dos pacientes é obeso. O excesso de gordura diminui a habilidade do corpo em usar sua própria insulina. Portanto, a perda de peso é o fator mais importante no controle do Tipo 2, diminuindo a necessidade de hipoglicemiantes orais e, em alguns casos, até sua suspensão. Para perder peso e mantê-lo, é preciso um plano nutricional hipocalórico e exercícios físicos. O plano nutricional deve ter poucas calorias e também fornecer todos os nutricionais adequados, para que ocorra uma perda de peso, sem desnutrição. O tipo e a dose da medicação prescrita (insulina) sempre são definidas em função da nutrição e do nível de atividade física. Havendo alterações, a medicação precisa ser ajustada, principalmente no Tipo 1. Uma determinada dose de insulina somente é adequada para quem esteja seguindo uma nutrição mais ou menos padronizada e que esteja mantendo um determinado nível, razoavelmente constante, de atividades físicas, todos os dias. Situação Aumento na ingestão de calorias Aumento da atividade física Conseqüência Aumento das necessidades de insulina Diminuição das necessidades de insulina Quem tem diabetes precisa saber a quantas anda o controle de sua glicemia nas diversas horas do dia e durante todos os dias. Provavelmente, a maioria ainda só faz um exame de glicemia a cada seis meses ou um ano, quando visitam o médico para sua avaliação periódica. O portador de diabetes poderá estar bem controlado pela manhã, porém, totalmente fora do controle à tarde. Por isso, os testes de glicemia deverão ser realizados em diferentes horas do dia. Quando o paciente diabético assume a responsabilidade de realizar, ele mesmo, os testes necessários para avaliar seu controle glicêmico, diz-se que ele está praticando a automonitorização. Através da utilização de testes simples, rápidos e confiáveis, pode, a qualquer hora, saber a quantas anda o seu controle glicêmico. Certamente, nenhuma outra doença requer do paciente tanto conhecimento e empenho pessoal para seu controle. Ele precisa entender os mecanismos da doença, as condições que provocam elevação ou queda brusca de glicemia, as orientações dietéticas sobre o que e quanto comer, os perfis de ação terapêutica das várias insulinas, enfim todo um conhecimento geral e específico que o permitem assumir o controle de sua doença. O apoio social e familiar, aliado a um bom equilíbrio emocional, cria condições favoráveis ao reforço de atitudes positivas em relação à doença. O estresse emocional pode ter conseqüências bastante negativas para o controle glicêmico. FONTE: Convivendo com o Diabetes - Produtos Roche - Divisão de Diagnósticos para pacientes e profissionais de saúde. Consenso Brasileiro sobre Diabetes