VALVOPATIAS ESTENOSE MITRAL 1 – Etiopatogenia: 66% dos pacientes com estenose mitral são mulheres.A estenose mitral simples e a estenose mitral associada a insuficiência mitral geralmente são de origem reumática; muito raramente, a estenose mitral é congênita. A EM pura ocorre em aproximadamente 40% dos pacientes com cardiopatia reumática. Na estenose reumática, as cúspides da valva tornam-se difusamente espessadas por tecido fibroso e/ou depósitos de cálcio. As comissuras se fundem, as cordas tendíneas se unem e encurtam, as cúspides valvares tornam-se rígidas e tais mudanças levam ao estreitamento do ápice da alva afunilada. Embora o dano inicial à valva mitral seja reumático, as alterações subseqüentes podem ser um processo inespecífico resultante do traumatismo da valva provocado pela alteração dos padrões de fluxo devido à deformação inicial. A calcificação da valva mitral estenótica imobiliza suas cúspides e estreita ainda mais o óstio. 2 – Quadro clínico: Nos pacientes com EM pode haver rubor malar com fácies aflita e cianótica. Naqueles com ritmo sinusal e hipertensão pulmonar grave, ou estenose tricúspide associada, o pulso venoso jugular revela ondas a proeminentes devido a vigorosa sístole atrial direita. A pressão arterial é geralmente normal ou baixa. Pode haver aumento de VD, gerando impulsão paraesternal. Um frêmito diastólico encontra-se frequentemente presente no ápice cardíaco, em decúbito lateral esquerdo. A primeira bulha é geralmente hiperfonética, rude e um pouco retardada. O componente pulmonar da segunda bulha frequentemente mostra-se acentuado, e os dois componentes da segunda bulha podem se apresentar desdobrados ou fixos. O estalido de abertura da válvula mitral é mais bem audível durante a expiração, sobre o ápice cardíaco. 3 – diagnóstico a) ECG: no ritmo sinusal, geralmente a onda P sugere aumento do AE. Poderá se tornar apiculada e prolongada em D2 e positiva em V1, quando houver hipertensão pulmonar grave ou a ET complicar a EM com aumento do AD. O complexo QRS geralmente é normal. b)RX: as alterações mais precoces são retificações da borda esquerda da silhueta cardíaca, proeminências das artérias pulmonares principais, dilatação das veias pulmonares do lobo superior e deslocamento posterior do esôfago devido ao aumento do AE. Entretanto, na EM grave todas as câmaras e vasos acima da valva estenótica são proeminentes. c) ECO: é o método não-invasivo mais sensível e específico para o diagnóstico. O eco-doppler fornece informações fundamentais como estimativas do gradiente transvalvar e tamanho do óstio mitral, presença e gravidade de IM associada, extensão da restrição das cúspides valvares, sua espessura, o grau de distorção do aparato subvalvar e adequação anatômica para a indicação para correção. O eco-transesofágico oferece imagens de melhor qualidade, devendo ser empregado quando o exame transtorácico é insuficiente para a orientação terapêutica. 4 – Tratamento clínico: a profilaxia com penicilina das infecções por estreptococos beta-hemolíticos para prevenir febre reumática e a profilaxia da endocardite infecciosa são importantes em todos os pacientes . Nos sintomáticos, há melhora com a redução da ingestão de sal e utilização de doses de manutenção de diuréticos. 5 – Tratamento cirúrgico: a menos que haja alguma contra-indicação, a valvotomia mitral está indicada nos pacientes sintomáticos com EM isolada cujo óstio efetivo seja menor do que aproximadamente 1cm2/m2 de superfície corporal. Pode ser realizada através de duas técnicas: valvotomia percutânea por cateter-balão e valvotomia cirúrgica. A substituição da valva mitral é necessária nos pacientes com EM associada a IM significativa, naqueles cuja valva tenha sido gravemente deformada por manipulações através de cateter ou cirurgias, ou nos casos em que o cirurgião avalia ser possível melhorar significativamente a função valvar. INSUFICIÊNCIA MITRAL ETIOLOGIA: A cardiopatia reumática é a causa de insuficiência mitral grave em 33% dos casos e ocorre com maior freqüência no sexo masculino. Os processos reumáticos produzem rigidez, deformidade e retração das cúspides, bem como fusão das comissuras, além de encurtamento, contração e fusão das cordas tendíneas. A IM pode ocorrer como uma anomalia congênita, mais comumente como um defeito dos coxins endocárdicos (defeitos do coxim atrioventricular). A IM frequentemente é secundária à isquemia. Assim, pode ocorrer como uma conseqüência da remodelagem ventricular ou devido a fibrose dos músculos papilares em pacientes recuperados de infarto do miocárdio. Na miocardiopatia hipertrófica, a cúspide anterior da valva mitral desloca-se para frente durante a sístole, causando a IM. A calcificação do anel mitral por causa desconhecida, presumivelmente degenerativa, que ocorre com maior freqüência em mulheres mais idosas, também pode ser responsável pela IM. A IM aguda pode ocorrer secundariamente à endocardite infecciosa envolvendo as cúspides da valva ou as cordas tendíneas, ou como conseqüência de traumatismo. Seja qual for a causa, a IM grave é frequentemente progressiva, uma vez que o aumento do AE eleva a tensão sobre a cúspide mitral posterior, afastando-a do óstio valvar e , desta forma, agravando sua disfunção. De modo semelhante, a dilatação do VE aumenta a regurgitação, a qual torna maior o AE e o VE, causando ruptura das cordas tendíneas e gerando um círculo vicioso, daí o aforismo: “insuficiência mitral gera insuficiência mitral”. 2 – Quadro clínico : fadiga, dispnéia aos esforços e ortopnéia são as queixas mais importantes nos pacientes com IM crônica grave. Insuficiência cardíaca direita, com congestão hepática dolorosa, edema de tornozelo, turgência jugular, ascite ocorrem em pacientes com IM associada a doença valvar pulmonar e hipertensão pulmonar marcante. Em pacientes com IM aguda grave, a insuficiência do VE com edema pulmonar agudo é comum. A pressão arterial costuma ser normal, e nos pacientes com IM grave o pulso arterial pode exibir uma ascensão abrupta. O pulso venoso jugular mostra a onda a anormalmente proeminente nos pacientes com ritmo sinusal e hipertensão pulmonar importante, bem como ondas v destacadas naqueles com insuficiência tricúspide concomitante. Um frêmito sistólico muitas vezes é palpável no ápice cardíaco, o VE mostra-se hiperdinâmico com um forte impulso sistólico, podendo haver uma onda de enchimento rápido palpável, e o ictus cordis é deslocado lateralmente. O impulso de VD e o choque de fechamento da valva pulmonar podem ser palpáveis nos pacientes com hipertensão pulmonar grave. A B1 geralmente está ausente, suave ou encoberta pelo sopro sistólico. Nos pacientes com IM grave, a valva aórtica pode se fechar prematuramente, resultando em desdobramento da B2. O achado mais comum da IM grave é o sopro sistólico dom intensidade de no mínimo 3+/6, geralmente é holossistólico, mas pode ser em decrescendo e cessar na telessístole nos pacientes com IM aguda grave. 3 - Diagnóstico ECG: nos pacientes com ritmo sinusal, há evidencias de aumento do AE, mas também pode haver aumento de AD quando a hipertensão pulmonar é grave. Em alguns há sinal de hipertrofia do VE. A IM crônica geralmente está associada a fibrilação atrial. Ecocardiograma: o Doppler em cores é a técnica não-invasiva mais precisa para a detecção e avaliação da IM. Os achados que ajudam a determinar a etiologia da IM, como calcificações no anel valvar e discinesia do VE na IM isquêmica, frequentemente podem ser evidenciados no ecocardiograma bidimensional. RX: Nos estágios avançados da doença, o AE pode estar intensamente aumentando formando a borda direita da silhueta cardíaca. A congestão venosa pulmonar, o edema intersticial e as linhas B de Kerley às vezes podem ser notados. Calcificações evidentes das cúspides mitrais ocorrem comumente em pacientes com dupla lesão mitral de longa duração. Pode ser possível visualizar a calcificação do anel mitral. 4 – Tratamento clínico: o tratamento não-cirúrgico dos pacientes com IM grave começa com a restrição das atividades físicas que regularmente produzem dispnéia e fadiga excessiva, redução da ingestão de sódio e aumento da excreção de sódio através do uso apropriado de diuréticos. Os vasodilatadores e glicosídios cardíacos aumentam o debito do VE insuficiente. O uso de nitrato reduz a pós-carga e, consequentemente, o volume regurgitante. Os inibidores da ECA são úteis no tratamento da IM crônica. 5 – Tratamento cirúrgico: O tratamento cirúrgico deve ser oferecido aos pacientes com IM grave cujas limitações não permitam o trabalho em tempo integral ou a execução de tarefas domestias normais a despeito de receberem tratamento clinico adequado. O tratamento cirúrgico também deve ser considerado para os pacientes assintomáticos ou levemente sintomáticos, quando a disfunção do VE for progressiva, se a FE do VE tiver declinado para algo abaixo de 60% e/ou se a dimensão sistólica final da cavidade, medida através de ecocardiograma estiver acima de 45 mm. O tratamento cirúrgico da IM, especialmente quando causada por calvas intensamente deformadas, com cúspides retraídas, e calcificadas, secundárias a febre reumática, requer substituição da valva por prótese. A reconstrução da válvula deve ser feito sempre que fisicamente viável, uma vez que o risco cirúrgico é menor. Alem do mais poupa o paciente das conseqüências adversas a longo prazo pela substituição da valva, ou seja, complicações tromboembólicas ou hemorragias no caso das próteses mecânicas, e disfunção tardia da valva necessitando de nova substituição no caso das biopróteses. ESTENOSE AÓRTICA 1 – Etiopatogenia: Ocorre em 25% dos pacientes com doença valar crônica; aproximadamente 80% dos pacientes adultos com EA sintomáticas são do sexo masculino. A EA em adultos pode ocorrer devido a calcificação degenerativa das cúspides aórticas. Pode ser de origem congênita ou secundária a inflamação reumática. A EA degenerativa senil calcificada é atualmente a causa mais comum de EA em adultos. Cerca de 30% dos indivíduos com mais de 65 anos apresentam esclerose da valva aórtica, muitos dos quais com sopro sistólico de EA, mas sem obstrução, e outros 2% apresentam estenose franca. Os fatores de risco para EA são os mesmos da aterosclerose. A valva congenitamente afetada pode ser estenótica ao nascimento e se tornar progressivamente mais fibrosada, calcificada e estenótica. A endocardite reumática das cúspides aórticas produz fusão das comissuras, resultando às vezes em uma valva bicúspide. Tal condição torna as cúspides mais suscetíveis a traumatismo, levando finalmente a fibrose, calcificação e estreitamento. 2 – Quadro clínico: Uma EA intensa pode existir por muitos anos sem produzir quaisquer sintomas devido à capacidade de Vê hipertrófico de gerar a pressão intraventricular necessária para manter o volume sistólico normal. Os três principais sintomas são dispnéia de esforço, angina e sincope. A dispnéia resulta da elevação da pressão capilar pulmonar. A angina se desenvolve um pouco mais tarde e reflete o desequilíbrio entre o aumento nas necessidades de oxigênio do miocárdio e a redução d oxigênio disponível. A síncope pode advir de diminuição da pressão arterial causada pela vasodilatação nos músculos ativos e vasoconstrição inadequada nos músculos inativos, na presença de um DC fixo, ou por uma queda súbito do DC causada por arritmia. O ritmo geralmente é regular até muito tarde na evolução da doença; a presença de FA sugere a possibilidade de doença da valva mitral associada. A pressão arterial é normal, mas pode cair em estágio avançados. Há presença de pulso tardus e parvus. O ictus cordis é geralmente desviado lateralmente, refletindo hipertrofia do VE. Frêmito pode ser palpável na base do coração, na incisura jugular e nas carótidas. Um impulso apical duplo pode ser percebido, principalmente com o paciente em decúbito lateral esquerdo. O ruído de fechamento da valva aórtica é mais frequentemente audível nos pacientes que tenham EA com valva flexível. O sopro da EA é tipicamente de ejeção, sistólico, que se inicia logo depois de B1, aumenta de intensidade até atingir seu ápice no meio da fase de ejeção, e termina pouco antes do fechamento da valva aórtica. 3 – Diagnóstico: a) ECG: ma maioria dos pacientes com EA, há hipertrofia do VE. Nos casos avançados há depressão do segmento ST e a inversão da onda T nas derivações D1 e aVL, bem como nas derivações precordiais esquerdas. b) RX: a radiografia de tórax pode revelar pouco ou nenhum aumento global da área cardíaca durante muitos anos. Hipertrofia sem dilatação pode produzir algum arredondamento do ápice cardíaco na incidência antero-posterior e discreto deslocamento posterior na incidência de perfil. A EA crítica está frequentemente associada a dilatação pós-estenótica da aorta ascendente. Nos estágios mais tardios, há presença de dilatação do VE. c) ECO: os achados principais são hipertrofia do VE e, calcificações nos pacientes acometidos. O gradiente transvalvar aórtico ode ser estimado. 4 – Tratamento clínico: Nos pacientes com EA grave, as atividades físicas devem ser evitadas mesmo no estágio assintomático. A restrição na ingestão de sódio, o uso de diuréticos e os glicosídios cardíacos estão indicados no tratamento da ICC. A nitroglicerina pode ser usada para aliviar a angina. 5 – Tratamento cirúrgico: a cirurgia normalmente está indicada a pacientes com EA grave sintomáticos, ou que tenham disfunção ventricular, assim como aqueles com dilatação pós-estenótica na raiz da aorta, mesmo se estiverem assintomáticos. A valvoplastia percutânea com balão é preferível em cirurgias nas crianças e nos adultos jovens com EA congênita não-calcificada. INSUFICIÊNCIA AÓRTICA 1 – Etiopatogenia: a IA pode advir de doença primária na valva ou de lesão na raiz da aorta. 75% dos pacientes com IA valvar pura ou predominante são do sexo masculino. Em 66% dos pacientes a lesão tem origem reumática, resultando em espessamento, deformação e encurtamento das cúspides da valva aórtica, modificações essas que impedem a adequada abertura durante a sístole e o fechamento durante a diástole. A IA aguda pode resultar de endocardite infecciosa, que pode se desenvolver sobre uma valva previamente deformada ou, raramente, sobre uma valva normal, perfurando ou erodindo uma ou mais cúspides. A IA aguda e crônica, pode ser decorrente exclusivamente da dilatação da aorta, ou seja, da doença da raiz da aorta, sem envolvimento primário das cúspides valvares; a dilatação do anel aórtico e a separação das cúspides são responsáveis pela IA. A necrose cística da média da aorta ascendente, que pode ou não estar associada a outras manifestações da Síndrome de Marfan, a dilatação idiopática da aorta, a osteogênese imperfeita e a hipertensão arterial grave podem alargar o anel e levar à IA progressiva. 2 – Quadro clínico: Uma história compatível com endocardite infecciosa pode ser relatada pelos pacientes com envolvimento da valva aórtica de caráter reumático ou congênito, e a infecção muitas vezes precipita ou agrava seriamente os sintomas preexistentes. Na IA grave, podem-se observar vibração do corpo inteiro e movimento de meneio da cabeça a cada sístole. O pulso em “martelo d’água” com rápida ascensão e colapso abrupto, que acompanha a queda súbita da pressão arterial no final da sístole e na diástole, bem como as pulsações capilares, alternância de rubor e palidez da pele na raiz ungueal enquanto se aplica pressão sobre a ponta da unha, são típicos da IA pura. Um ruído em tiro de pistola pode ser audível sobre as artérias femorais. A pressão de pulso arterial é alargada, com elevação da pressão sistólica e diminuição da pressão diastólica. O ictus cordis é amplo e deslocado lateralmente e inferiormente. Pode ser palpável um frêmito diastólico na borda esternal esquerda. Nos pacientes com IA grave, o ruído de fechamento da valva aórtica geralmente está ausente. O sopro de insuficiência aórtica é tipicamente diastólico, aspirativo, decrescente, agudo. Em alguns casos de IA grave pode se ouvir o sopro de Austin Flint, um ruflar mesodiastólico grave e suave, provavelmente produzido pelo deslocamento diastólico da cúspide anterior da valva mitral pelo fluxo da IA. 3 – Diagnóstico - ECG: nos pacientes com IA crônica, os sinas eletrocardiográficos de hipertrofia ventricular esquerda estão presentes. Tais pacientes frequentemente apresentam depressão do segmento ST e inversão da onda T em D1, aVL, V5 e V6. - Eco: um achado típico é uma vibração de alta freqüência da cúspide mitral anterior produzida pelo impacto do jato regurgitante. Também é útil para detectar a causa da IA através da detecção da dilatação do anel aórtico. O Doppler em cores é um exame sensível para detectar de IA e bastante útil para avaliar sua gravidade. - RX: Na IA crônica grave, o ápice encontra-se deslocado para baixo e para a esquerda na incidência frontal e frequentemente a silhueta cardíaca estende-se abaixo do diafragma no lado esquerdo. O aumento do VE também pode ser aparente. 4 –Tratamento clínico: a IA responde brevemente ao tratamento com glicosídios cardíacos, restrição de sal, diuréticos, vasodilatadores e, especialmente, inibidores da ECA. Digitálicos também podem ser indicados a pacientes com insuficiência grave e dilatação do VE. 5 – Tratamento cirúrgico: em geral, a cirurgia deve ser indicada mesmo nos pacientes assintomáticos que tenham disfunção progressiva do VE, com fração de ejeção < 55% ou volume sistólico final > 55 ml/m2. a SVA por uma prótese mecânica ou biológica adequada é geralmente necessária nos pacientes com IA reumática e em muitos outros com outras formas de insuficiência. O reparo cirúrgico raramente é possível nos casos de endocardite infecciosa em que tenha havido perduração de uma cúspide, ou nos pacientes que tenham sofrido ruptura da cúspide na inserção com a raiz da aorta devido a traumatismo torácico. A taxa de mortalidade da SVA situa-se em 4,3%. Se houver cardiomegalia e disfunção ventricular o risco de morte imediata sobe para 10% e tardia para 5% ao ano devido a insuficiência do VE. Em IA aguda, deve ser realizada cirurgia imediata.