Infecções do Trato Urinário (ITU) Caso Clínico Thiago Santos Lima Almendra Coordenação: Dra. Elisa de Carvalho/Dr. Paulo R. Margotto Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) Internato – Medicina – ESCS - Maio 2006 História Clínica • Identificação: RGC, 1 ano e 10 meses de idade, sexo feminino, natural e precedente de Paracatu-MG. Mãe:EPG, 28 anos, casada, secretária, católica. Data de Nascimento: 10/07/2005 Data de internação: 05/05/2006 • Queixa principal: Febre há 20 dias História Clínica • HDA: Informante refere que, há + ou – 20 dias criança iniciou quadro de febre, intermitente, temp. de 39°C, acompanhada de hiporexia. Na época, procurou assistência médica, quando lhe foi prescrito BACTRIN, sic. Depois de sete dias,como não apresentou melhora do quadro, voltou a procurar ajuda médica, quando lhe foi prescrito outro antibiótico (não sabe precisar). Depois de mais uma semana, ainda sem melhora do quadro, voltou a procurar um médico, que a orientou a dar nitrofurantoína uma vez ao dia. Não apresentou melhora significativa, então procurou HRAS em 05/05/2006. História Clínica • Refere que a criança já apresentou vários episódios de Infecção do Trato Urinário-ITU – cinco vezes, com primeiro episódio aparecendo com seis meses de idade. Traz ecografia de 24/04/06, demonstrando hidronefrose à esquerda. • Antecedentes Fisiológicos: Nasceu de parto normal, em ambiente hospitalar, chorando logo após expulsão. APGAR: 8-9, Peso: 3495 g, Estatura:50 cm Per. Cefálico:34 cm. Gestação sem intercorrências Vacinas em dia. História Clínica • Antecedentes Patológicos: 5 episódios de ITU, iniciando aos 6 meses. Nega outras patologias, nega internações prévias • Antecedentes Familiares: Nega DM, HAS, gemelaridade, nega consanguinidade • Hábitos de vida / Condições socioeconômicas: Alimenta-se de leite materno, refeições “de sal” e frutas durante o dia. Aleitamento exclusivo até 4 meses de idade. Mora com os pais em casa própria, de 6 cômodos, água encanada, rede de esgoto e luz elétrica. História Clínica • Exame físico: FC: 120 bpm FR:30 irpm BEG, hidratada, anictérica, acianótica, afebril ao tato. AR: Murmúrio vesicular fisiológico, sem ruídos adventícios ACV: Ritmo cardíaco regular, em 2 tempos, bulhas normofonéticas, sem sopros. Abdome: Plano, Ruídos hidroaéreos audíveis, indolor à palpação, sem visceromegalias, flácido. Genitália: Feminina, sem alterações Extremidades: Perfundidas, sem edema História Clínica • Hipóteses Diagnósticas – Hidronefrose – ITU • Conduta: – HC + urocultura + EAS – US renal + cintiligrafia com DMSA – Internar para investigar mal-formação renal Exames • Hemograma: – Leuc.: 7800 (SEG:42%; BAST: 01%; LINF.:53%; MONO 3%; EOS: 01%) – Hemog.:11 ; HT 31,4 ; Hem; 4,02 ; Plaq.: 328.000 ; VHS: 23 • EAS: Densidade: 1020; pH: 6,0 ; Proteína (+) ; leucócitos: incontáveis, hemácia: 10, bactéria (+) ; muco (+). Liberado em 06/052006 Exames • Urocultura ( liberada em 08/05/2006) – Positiva→ Proteus mirabilis – Iniciado Gentamicina (5 mg/kg/dia) • US ( 08/05/2006): – Hidronefrose à esquerda • Urocultura (liberada em 12/05/2006) – Negativa Evolução • Paciente internou em uso de sintomáticos até o resultado da urocultura, em 08/05, quando iniciou-se gentamicina. • Evoluiu bem, sem febre desde o segundo dia de internação, assintomática desde então. • Marcados uretrocistografia miccional e cintiligrafia com DMSA. Infecções do Trato Urinário (ITU) Pediatria Conceito • Doença infecciosa caracterizada por proliferação de microrganismos nas vias urinárias baixas (cistite) e/ou altas (pielonefrite), onde causam sintomas inflamatórios. Epidemiologia • Prevalência – Uma das infecções mais comuns na infância – Sexo feminino • Prevalência de 3 a 5% • Idade média de diagnóstico aos 3 anos – Sexo masculino • Prevalência de1% • Mais comum em crianças não circuncidadas (10-20 :1) – Razão de aparecimento ♂ : ♀ • 1ª ano: 2,8 – 5,4 : 1 • Depois: 1 : 10 Epidemiologia • Mais comum no sexo feminino – Maior proximidade da uretra com o ânus – Menor comprimento da uretra – Uso de roupas apertadas – Ato de limpar-se de trás para a frente – Maior chances de traumatismos e maior susceptibilidade de contato com novos microrganismos durante intercurso sexual (?). Epidemiologia Raça: – Prevalências equivalentes, embora existam novos estudos demonstrando um número maior na raça branca Etiologia • Geralmente causadas por Bactérias colônicas • Sexo feminino – – – – – – – – – E. coli (80 a 90%) Klebsiella (importantes em neonatos) Proteus S. saprophyticus (principalmente em adolescentes) S. aureus S.epidermidis (pós-cateterização) Enterococos Virais (adenovírus) Fungos (em imunodeprimidos, por C. albicans) • No sexo masculino: – Os mesmos agentes – E. coli e Proteus são os mais comuns OBS: Infecções virais, particularmente adenovírus, também podem ocorrer, causando cistite. Etiopatogenia • As infecções acontecem por via ascendente – As bactérias de origem colônica, da flora fecal, colonizam o períneo, invadem a uretra, ascendem pelas vias urinárias e acabam por produzir inflamação nos locais onde se implantam. – No sexo masculino, as bactérias ascendem da flora sob o prepúcio – As fímbrias (pili), presentes na superfície das bactérias, se encarregam de fixá-las às células-alvo das vias urinárias. • As bactérias podem alcançar os rins e causar pielonefrite. • A infecção renal também pode acontecer por disseminação hematogênica (menos comum). Etiopatogenia • Fatores de risco: – – – – – – – – – – – – Sexo feminino Meninos não circuncisados Refluxo vésico-ureteral (pielonefrite) Disfunção miccional Uropatia obstrutiva Higiene inadequada Cateterização Manipulação genital Constipação Anormalidades anatômicas Bexiga neuropática Atividade sexual (?) Etiopatogenia • Situações que propiciem maior contato e, consequentemente ascenção de microrganismos colônicos pelas vias urinárias • Estase urinária ITU Classificação • ITU Baixa (vias urinárias baixas) – Cistite, uretrite, prostatite, epididimite • ITU Alta (renal) – Pielonefrite • Bacteriúria assintomática (?) – Urocultura +, assintomática – Mais comum em mulheres – Sintomas não valorizados? Quadro Clínico GERAIS, POR IDADE: • 0 a 2 meses: – Geralmente não apresentam sintomas urinários específicos. – Icterícia prolongada, diarréia, vômitos – Diagnosticados quando buscam-se causas de sepse. • 2 meses a 2 anos: – Febre, dor abdominal, irritabilidade, anorexia, dor ao urinar. – Dificuldade em mensurar sintomas→ difícil diagnóstico • > 2 anos: – Febre, mal-estar, anorexia, dor suprapúbica, disúria, polaciúria, hematúria, urina fétida – Parecido com o quadro em idades mais avançadas Quadro Clínico • ESPECÍFICOS : • Cistite: – Disúria, polaciúria, desconforto suprapúbico ou perineal,incontinência urinária, urina fétida e hematúria. – Presença de sinais/sintomas locais • Pielonefrite: – Dor abdominal ou no flanco, febre, mal-estar, náusea, vômitos, diarréia, anorexia, perda ponderal e irritabilidade. – Presença de sinais/sintomas sistêmicos Diagnóstico • Anamnese • Exame físico • Exames complementares – Hemograma – EAS – Urocultura – Cateterismo vesical – Punção supra-púbica – Exames de imagem Diagnóstico • Hemograma – Leucocitose – Neutrofilia – VHS e proteína C-reativa aumentados – Achados de infecção bacteriana – Inespecífico Diagnóstico • EAS: – – – – – – – Piúria ( > 10 piócitos por campo) Bacteriúria Hematúria Nitrito + Cilindros leucocitários (raros, sugerem acometimento renal) Não é exame diagnóstico, apenas sugere infecção. A presença ou ausência de piúria não confirma e nem afasta infecção. • Urocultura – – – – Em todos os casos <10.000 colônias/ml→ Contaminação Entre 10.000 e 100.000 colônias/ml→Repetir > 100.000 colônias/ml→ Infecção Diagnóstico • Cateterismo vesical – Quando há dificuldade na coleta – Quando há necessidade de maior confirmação da possibilidade de infecção • Punção suprapúbica – Dúvida diagnóstica – Qualquer número de colônias/ml→ Infecção Exames de Imagem • Antigamente, em todas as crianças com ITU comprovada. Muitos recomendam fazer nos menores de 5 anos. • Atualmente, recomenda-se realizá-los em todas as crianças entre 2 meses e 2 anos(?) • Têm como objetivo o diagnóstico das anormalidades do trato urinário/função miccional anormal que predisponham a infecção. • Não tem demonstrado melhora no curso clínico das ITUs não-complicadas Exames de Imagem • Ultrassonografia – – – – Descarta hidronefrose e abscessoa renais Pode evidenciar pielonefrite eguda Detecta 30% das cicatrizes renais (diferença dos rins > 1 cm) Detecta apenas 40% dos casos de refluxo vesicoureteral. • Uretrocistografia Miccional (UCGM) – – – – – Crianças < 5 anos com ITU Qualquer ITU febril Meninas escolares com + de 2 ITUs Qualquer menino com ITU Maior sensibilidade em diagnosticar refluxo vesicoureteral. Exames de Imagem • Urografia excretora – Avalia estrutura e função das vias urinárias superiores – Feito quando diagnosticadas anormalidades nos outros exames • Cintilografia Renal com DMSA – Quando o diagnóstico de pielonefrite é inerto – Não diferencia pielonefrite aguda x crônica – Se houver refluxo vesicoureteral, fazer para avaliar cicatrizes renais – Mais sensível e precisa para detectar cicatrizes. Tratamento • Sintomas leves/sugestivos de ITU – Confirmação por exames laboratoriais – Positivos→ TRATA – Negativos→ Outras causas? Pode aguardar resultado da urocultura? – Urocultura positiva → TRATA Tratamento • Sinais/Sintomas urinários sugestivos + Febre + estado geral (sistêmicos) – Colhe urocultura e TRATA empiricamente • Sinais/sintomas de toxemia, sepse e outras complicações associadas ou decorrentes do quadro atual (GRAVE) – Internar e TRATAR Tratamento • Via oral – Nitrofurantoína: 5 a 7 mg/kg/dia 3 ou 4 vezes • Maior eficácia • Menor taxa de recorrência • Mais efeitos colaterais (TGI) – SMZ + TMP: mg/kg/dia 2 vezes – Ácido nalidíxico: 60 mg/kg/dia em 4 doses • Via parenteral – Ceftriaxona: 50 a 100 mg/kg/dia (1 vez) – Cefotaxima: 150 mg/kg/dia (3 vezes) – Gentamicina 7,5 mg/kg/dia em 3 doses Tratamento • Tendências Atuais – Antibióticos orais mostraram-se melhores que parenterais – Os antibióticos de dose única têm uso cada vez mais restrito – Tratamento com tempo curto mostrou resultado muito parecido com tratamento longo • Melhor opção: duração de 5 a 7 dias Profilaxia • Em todas as crianças menores de 5 anos com urocultura positiva • Diminui risco de recorrencia, inclusive nos pacientes com refluxo vesicoureteral. • Diminui a incidência de pielonefrite aguda • Diminui seqüelas ou cicatrizes renais (?) Deve ser realizada até que se diagnostique ou descarte condições associadas à ITU Profilaxia • Nitrofurantoína:1a 2 mg/kg/dia 1x ao deitar • SMZ + TMP:10 + 2 mg/kg/dia 1x ao deitar • Cefadroxil:6 a 12 mg/kg/dia 1x ao deitar Acompanhamento • Tratar as condições eventualmente relacionadas ao aparecimento de ITUs (causas e sequelas) • Em casos de recidiva: – Urocultura 1 mês após término do tratamento – 3 uroculturas trimestrais – 2 uroculturas semestrais – Exames iniciais (HC, EAS e urocultura) sempre que houver suspeita clínica de ITU. Referências • ALPER, BS, CURRY, SH. Urinary Tract Infection in Children. American Family physician, vol. 72 N. 12. Dec. 15, 2005 • COHEN AL, RIVARA FP, DAVIS R, Christakis DA: Compliance with guidelines for the medical care of first urinary tract infectionsin infants: a population-based study. Pediatrics 2005 Jun; 115(6): 1474-8 • HELLERSTEIN, S. Urinary Tract Infection. Pediatrics, eMedicine, Infectous Diseases. February 14, 2006. • MALHOTRA, SM, KENNEDY, WA. Urinary Tract Infections in Children: treatment. Urol. Clin N Am 31 (2004). 527-534 • OLIVEIRA, RG. Blackbook Pediatria. 3° ed.BH. Editora Blackbook,2005 • SCHLAGER, TA.Urinary Tract Infections in Infants and Children.Infect. Clin. Dis. N Am 17(2003) 353-365. OBRIGADO !!!!!!