Caso Clínico Síndrome de Guillain-Barré Lucas Rodrigues Rafaela Miziara Coordenação: Luciana Sugai Internato ESCS – Pediatria HRAS Brasília, 29 de março de 2012 www.paulomargotto.com.br • ID: Diego, 3 anos, natural de Uruaçu-GO e procedente de Luziânia-GO. Informante: avó paterna . QP: “fraqueza nas pernas e diarréia há 01 dia” . HMA: Avó relata que há 3 dias criança iniciou quadro de dor em ambos os joelhos, sem sinal flogístico, edema ou febre. Há 1 dia iniciou com paresia em ambos os membros inferiores associado hoje à diarréia líquida (6 episódios), sem muco ou sangue. Nega vômitos e hoje, avó refere que criança não urinou desde a admissão. Há 8 meses criança apresentou o mesmo quadro de paresia em membros inferiores com duração de 1 dia, entretanto sem diarréia associado. Nega trauma ou comorbidade prévios. • Antecedentes pessoais: Nascido de parto normal, PN: 3650g, Apgar: 8/9, sem intercorrências. Avó nega comorbidades ou internação prévios. Cartão de vacinas atualizado. Criança mora com avó e o pai. Não freqüenta creche. . Ao exame físico: • BEG, corado, hidratado, afebril, acianótico, anictérico. Oroscopia e otoscopia: sem alterações. AR: MV+ bilateralmente, sem RA, eupnéico, FR: 16ipm ACV: RCR, 2T, sem sopros, BNF, FC: 92bpm Abdome: flácido, indolor, sem VCM, RHA+ Ext: perfundidas, sem edemas, pulsos amplos. Neurológico: pupilas isocóricas e fotorreagentes, paresia de MMII, não deambula mesmo com apoio, ausência de sinal meníngeo. Ausência de reflexos profundos e cutâneo- plantar. • Cd: internar para investigação. • HD • Conduta • Hemograma – – – – – – • • • • • • • Hemácias: 4,79 x106/uL (4,50 - 5,50) Hemoglobina: 12,8 g/dL (12,3 - 14,0) Hematócrito: 37,0 % (28,0 - 42,0) Leucócitos: 8,9 x103/uL (6,0 - 17,0) Segmentados: 67,0 % Plaquetas: 364 x103/uL (150 - 450) VHS: 10 ( 0-15) Uréia 22 Creat 0,4 Glicemia 106 TGO 22 TGP 13 Amilase 43 DHL 353 (230 – 460) CPK 51 (24- 195) CK MB 28 (0 – 25) Na 138 K 4,0 Cl 101 • LCR: Cor antes e após a centrifugação: incolor. Aspecto: antes e após a centrifugação: límpido. Proteína: 39/ Cloretos: 108/ Glicose: 58/ Hemácias: 5:mm3/ Cels nucleadas: 0:mm3 • AVALIACAO DA NEUROLOGIA PEDIATRICA • O paciente Diego hoje com 3 anos e 9 meses foi admitido por evoluir com paralisia flácida a/e, precedida de IVAS (segundo relato da avó) com 36 hs de evolução. Evolui sem marcha funcional e não consegue ficar de pé sem apoio. Não há queixas de retenção urinária e hipertensão arterial. . Ao exame clínico: Paciente orientado no tempo e no espaço, com linguagem inteligível, mimica facial preservada e simétrica, sem disfagia. Oculomotricidade preservada e simétrica.Coordenação motora estática e dinâmica prejudicada em MMII por alteração de força. Preservada e simétrica em MMSS. Força muscular diminuída (Grau I) em MMII simétrica, força muscular em MMSS preservada, sensibilidade tátil e dolorosa preservada e simétrica. Reflexos osteotendinosos diminuídos (2+/4+) em dipatelares e aquilianos. Ausência de Babisnk. . HD: Paralisia flácida a/e Síndrome de Guillain-Barrè? • • CD: - Pesquisa de Liquor - Eletroneuromiografia - Estudo de RNM se mantiver a suspeita de processo expansivo - Monitorização cardiorespiratória, PA • Paciente foi encaminhado para internação na enfermaria, iniciado tratamento com imunoglobulina. • Evoluindo com fraqueza ascendente, sem desconforto respiratório e sem dificuldade de deglutição. Solicitada vaga na UTIP do HRAS, para onde criança foi transferida. À admissão: • SNC: ECG 15. Atitude atípica. Auto e alorientado, linguagem adequada para a idade. Humor algo deprimido e pouco colaborativo pois "está cansado de repetir os exames". Pupilas isocóricas e fotorreagentes. Pares cranianos preservados e simétricos Sensibilidade preservada em todos os segmentos Eudiadococinético (coordenação estática)- avaliação prejudicada pela paresia. Força: reduzida: membros inferiores- grau 3 (simétrica) membros superiores- grau 1 (simétrica) Senta com apoio no tronco (mas na chegada se posicionou sentado sem apoio). Reflexos profundos: abolidos nos quatro segmentos Sem sinais de irritação meníngea. • Na UTIP: • A infusão da imunoglobulina terminou às 22h45min. Às 23h observamos "rush" cutâneo em tronco, máculas confluentes eritematosas. Após administração de hidrocortisona e polaramine houve remissão. Não apresentou hipotensão ou dispnéia/sibilância. No momento do atendimento: FC 130 PAS 135 (choroso), pulsos normopalpáveis. Sem esforço respiratório significante. Apresentou 01 episódio de engasgo durante a refeição, sem grande repercussão. • ENMG • Realizada eletroneuromiografia (ENMG): ENMG dos mmss e mmii. vcs apresenta respostas com pas com amplitude e velocidades normais. Nos nervos mediano e ulnar esquerdos, além de fibular superficial bilateral e sural direito. Estudo da condução motora não evoca respostas ao estímulo dos nervos ulnar esquerdo, peroneiros e tibiais. O nervo mediano esquerdo apresenta VCM levemente diminuída com amplitude do PAMC reduzido e latência motora distal dentro da normalidade. Onda F: Ausente em nervo mediano esquerdo. Obs: membro superior direito não examinado devido a venóclise. Eletromiografia não realizada devido a tempo de evolução. Conclusão: exame evidencia alterações compatíveis com neuropatia periférica motora . Esses achados podem ser encontrados nas neuropatias autoimunes. Indicado controle em 15 dias, para definição do tipo de comprometimento neste caso. • Criança evoluiu com melhora do quadro neurológico, sendo readmitida na enfermaria após término do tratamento com imunoglobulina por 5 dias Fraqueza Muscular Caracterização • Localizada x Disseminada • Proximal x Distal • Simetria • Fatores de melhora x piora. Quantificação • Grau 0: músculo incapaz de expressar qualquer movimento • Grau 1: percebe-se contração muscular mas não há movimento. • Grau 2: há movimento incapaz de vencer a gravidade • Grau 3: Vence a gravidade mas não vence pequenas resistências. • Grau 4: vence pequenas resistências. • Grau 5: força normal, capaz de vencer grandes resistências. Síndromes clínicas NM superior x inferior 1° neuronio motor 2° neurônio motor Força Paresia / plegia Paresia / plegia Tônus Espástico Flácido R. Superficiais Reduzidos / Ausentes Ausentes R. Profundos Exacerbados Ausentes Atrofia Tardia e por desuso Proeminente e precoce S. Babinski Presente Ausente Revisão - Anatomia Localização Distúrbios de condução Córtex Primeiro neurônio motor Doença AVE, tumores, abscessos, TB, neurotoxoplasmose, esclerose múltipla Segundo neurônio motor Guillain Barre, poliomielite, vasculite Distúrbios de transmissão Placa motora Miastenia gravis, veneno de cascavel Distúrbios da área efetora Músculo Miopatias inflamatórias, miosites, distrofias musculares Síndrome de Guillain-Barré • Definição: Polirradiculoneropatia inflamatória aguda, desmielinizante, autolimitada, causada por mecanismo auto-imune pós-infeccioso. • Epidemiologia: – É a principal causa de paralisia flácida no mundo, com incidência de 1 a 4 /100.000. – Há predominio em adultos, com pico de incidência entre 20 – 40 anos. – Homens são mais afetados que mulheres (1,5 x 1) – Pctes com LES e linfoma parecem ser mais suscetíveis – Em 75% dos casos é possíveis identificar uma infecção prévia • Fisiopatologia: – A principal hipótese é que ocorre uma reação cruzada entre antígenos de uma infecção e auto-antígenos da bainha de mielina – A lesão neural ocorre por mecanismos ocorre por mecanismos celulares (Linf T) e humorais (autoanticorpos anti-GQ1b) – A bactéria Campylobacter jejuni está envolvida em 36% dos casos. – Outros agentes envolvidos são: CMV (13%), Epstei-Barr (10%), vírus da hepatite A B C, influenza e etc.. Quadro Clínico • Fraqueza muscular flácida, arreflexa, simétrica, distal, progressiva e ascendente, de início agudo ou hiperagudo (horas ou dias). • Acometimento sensitivo é incomum, mas se caracteriza por parestesias/ hipoestesias em extremidades. • Pode haver disfagia, disartria, disfonia, paralisia facial periférica. • Nervos cranianos são acometidos em 75% dos casos. Quadro Clínico • Lesões do SN autônomo ocorrem em ate 70% dos pacientes e manifestam-se por: alterações da PA, retenção urinária (incomum), arritmias cardíacas, distúrbio da transpiração. • A doença pode acometer os músculos respiratórios insuf. respiratória. Cerca de 30% dos pctes necessitam de VM. • Não há atrofia muscular significativa. • Os sintomas evoluem por 1 a 4 semanas e atingem um platô de duração variável. Diagnósticos Diferenciais • Doenças da junção neuromuscular: botulismo; miastenia gravis • Doenças musculares inflamatórias: polimiosite etc.. • Vasculites: poliarterite nodosa (PAN), ChurgStrauss • Anomalias dos canais iônicos: paralisias periódicas, hipertireoidismo, ipofosfatemia. • Intoxicações: cobras e animais marinhos. Diagnóstico • O diagnóstico é feito fundamentalmente pelo quadro clínico mais exames complementares compatíveis. – Déficit motor simétrico, com fraqueza progressiva e ascendente. – Parestesias em mãos e pés. – Arreflexia ou hiporreflexia – Progressão que dura de vários dias a até 4 semanas. Exames complementares • LCR: há uma dissociação proteíno-citológica, com um aumento de proteínas sem aumento de celularidade. – Essa alteração pode estar ausente na primeira semana de doença. – O aumento não tem valor prognóstico. – O aumento da celularidade exige a investigação de causas infecciosas. • Eletroneuromiografia: evidencia redução da amplitude e da velocidade. – Pode ser normal nos primeiros 15 dias de doença. – Pode classificar a lesão em ‘mielinizada’ ou ‘axonal’, com valor prognóstico. Tratamento • Deve ser iniciado nas primeiras 2 semanas de doença • Plasmaférese – 200 a 250mL/kg • Imunoglobulina EV – 0,4g/Kg/dia (altas doses) por 5 dias. – A eficácia dos dois tratamentos é semelhante. – Não há melhora da resposta com associação dos tto • Cuidados em UTI para pacientes com disautonomias graves e insuficiência respiratória. • Fisioterapia. Prognóstico • O prognóstico é bom e a maioria dos pacientes evolui sem sequelas. • Crinças tem melhor prognóstico motor. • Há recorrencia em até 3% dos casos. • A recuperação é lenta, com início entre 1 e 3 meses, e pode durar até 18 meses. • A mortalidade é cerca de 3 a 5%, geralmente associada a disautonomias, insuf. respiratória e embolia pulmonar. • São fatores para pior prognóstico: idade >50 anos; diarreia precedente; início abrupto de fraqueza grave (menos de 7 dias); necessidade de VM; e amplitude do potencial da neurocondução motora inferior a 20% do limite normal SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRÉ Bolan et al. Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 51 (1): 58-61, jan.-mar. 2007 SINDROME DE GUILLAIN BARRÉ * RESUMO * Definição Polirradiculoneuropatia inflamatória aguda, autolimitada, desmielinizante. Fisiopatologia Mecanismo auto-imune pós-infeccioso. Campylobacter jejuni é o principal agente etiológico envolvido. Clínica Fraqueza muscular ascendente, progressiva, simétrica, flácida e arreflexa. Complicações Falência respiratória e arritmias cardíacas. Exames LCR (dissociação proteíno-citológica) ENMG (polirradiculoneuropatia motora com padrão desmielinizante) Tratamento Imunoglobulina + vigilância clínica Bibliografia • • • • Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas: Síndrome de Guillain-Barré Portaria SAS/MS n°497, de 23/10/2009. Lopes, AC. Tratado de clínica Médica – 2°Ed. – São Paulo : Roca, 2009 Souza, SEM. Tratamento das doenças neurológicas. – 2° Ed. – Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2008. Sanvito, WL. Síndromes neurológicas. – 2° Ed. – São Paulo : Ed. Atheneu, 1997;. Consultem também: FRAQUEZA MUSCULAR NO RECÉM-NASCIDO Causas da dificuldade respiratória no recémnascido Paulo R. Margotto • Causas Neuromusculares • Os distúrbios neuromusculares podem causar dramática incapacidade no período neonatal. A característica dominante destes distúrbios são a fraqueza muscular e a hipotonia. Volpe considera como distúrbios neuromusculares aqueles que predominantemente envolve o sistema motor desde a sua origem no córtex cerebral a sua terminação nos músculos. • Uma forma de melhor compreender os grandes distúrbios do sistema motor neonatal é organizar a abordagem destes distúrbios sob a base do sítio anatômico afetado no sistema motor: 1-a nível do 1º neurônio 2-a nível do 2º neurônio 3-a nível de nervo periférico e craniano 4-a nível de junção neuromuscular 5-a nível do músculo Aqui vamos comentar os níveis 1 e 2. • A NÍVEL DO 1º NEURÔNIO Nestas causas ditas centrais, a hipotonia é geralmente mais severa do que a fraqueza. Entre as causas, temos: síndrome hipóxico-isquêmica, hemorragia intracraniana, infecção intracraniana, distúrbios metabólicos (eletrolíticos; acidemia; hipoglicemia; hiperbilirrubinemia; aminoacidopatias; intoxicação fetal por administração de drogas analgésicas e sedativos ou analgésicas a mãe, geralmente no período intra-parto) sepse, hipotireoidismo, aberrações no desenvolvimento cerebral (como distúrbios na migração neuronal, encefalopatias degenerativas, principalmente as relacionadas aos distúrbios dos lipídios) • NIVEL DO 2º NEURÔNIO Os distúrbios afetando o neurônio inferior constituem as mais frequentes causas de severa hipotonia e fraqueza no período neonatal. Destes distúrbios, a Doença de Werdnig-Hoffmann é a mais comum e a mais importante. Obrigado!