Insuficiência Cardíaca Congestiva no paciente portador de Anemia Falciforme ESCS/SES/DF Alunas responsáveis: Carolina Percília, Cicília Rocha, Débora Martins, Gisela Menezes, Lia Lima Coordenador: Profa. Suely Falcão Apresentação de caso ANAMNESE • Identificação: MAN, 3 anos e 11 meses (DN:10/11/00), negro, morador e procedente de Brazlândia-MG, natural de Brasília. • Q.P.: taquicardia há 11 dias. • HDA: iniciou há 11 dias quadro gripal, com coriza hialina, tosse produtiva e episódio de febre (37,8°C). Evoluiu com dispnéia, taquicardia acentuada, dores abdominais e sudorese. Foi levado à Materclínica, em Brazlândia-MG, onde foram levantadas hipóteses de insuficiência cardíaca descompensada e anemia falciforme. Foi encaminhado ao HRAS em 29/09/04. Estava em uso de digoxina. • R.S. Evoluiu com diminuição de apetite, diurese e evacuações normais. • Antecedentes: gestação sem intercorrências, parto normal, a termo (mãe G1P1A0), vacinação completa, amamentação exclusiva até o 7º mês; internação anterior por anemia intensa (em abril/04); história de HAS em avô paterno e HAS e DM em tia materna. Exame físico • Geral: REG, taquidispneico, acianótico, anictérico, afebril, hidratado, hipocorado (+/4+), satO2 94%, com O2 cateter nasal + 2litros/min • ACR: ritmo cardíaco regular em 2 tempos, BNF com sopro sistólico em foco mitral (+++/4+), ausculta prejudicada em função da freqüência cardíaca elevada (FC 150 bpm) • AR: MV rude diminuído em base de hemitórax direito, com estertores crepitantes finos em bases pulmonares. FR: 52 irpm • ABD: normotenso, RHA +, sem visceromegalias. • Extremidades: boa perfusão, sem edema • Pele: palidez cutâneo-mucosa (+/4+) Hipótese Diagnóstica • Anemia falciforme do tipo HbSC + ICC descompensada. CONDUTA • Exames Complementares • Medicação • Hemotransfusão Exames Complementares • Raio X: evidenciou aumento da área cardíaca e sinais de congestão pulmonar. • Hemograma: he 3,53 milhões; hg 9,7 g/dL; ht 31,7%; VCM 89,9; HCM 27,47%, CHCM 30,59 g/dL • Leucograma: leucócitos 14,60 mil/mm³; segmentados 40%; bastões 1%; linfócitos 51%; monócitos 4%; eosinófilos 4%; basófilos 0% • Contagem plaquetária: 216 mil/mm³ • Pesquisa de proteína C reativa: 1,99 mg/dL • • • • • Transaminases: TGO 40 U/L; TGP 10 U/L Desidrogense láctica: 1304 U/L Fosfoquinase: 53 U/L Reatinofosfoquinase fração MB : 22 U/L Eletrocardiograma: âQRS = – 90°, o que indica predomínio vetorial no septo ventricular (hipertrofia), ritmo sinusal, FC 150 bpm, onda T negativa em V5 e V6, podendo indicar isquemia. • Ecocardiograma: desvio septal para direita, dilatação do VE, dilatação da válvula mitral, refluxo mitral considerável, sopro sistólico. • Eletroforese: anemia falciforme tipo HbSC Medicação • • • • Furosemida 3 mg/kg/dia Captopril 1 mg/kg/dia Espironolactona 2 mg/kg/dia Digoxina 0,5 ml/kg FISIOPATOLOGIA • A síndrome da insuficiência cardíaca é conseqüência da incapacidade dos ventrículos em bombear quantidades adequadas de sangue para manter as necessidades periféricas do organismo. • Quando o débito cardíaco cai após agressão miocárdica, mecanismos neurohormonais são ativados com o objetivo de preservar a homeostase circulatória. • A liberação endógena de neuro-hormônios vasoconstritores parece exercer papel deletério no desenvolvimento da insuficiência cardíaca congestiva, pelo aumento da sobrecarga de volume e da pós-carga do ventrículo com contratilidade já diminuída. MECANISMOS COMPENSATÓRIOS • Inicialmente, a incapacidade de esvaziamento dos ventrículos durante a sístole resulta em aumento das pressões de enchimento ventriculares direito e esquerdo, aumenta a distensão diastólica das células miocárdicas não lesadas, levando ao aumento de sua contração (princípio de Frank-Starling). • Porém, a diminuição do volume sistólico ejetado para a raiz aórtica leva à ativação do sistema nervoso simpático, com resultante estimulação dos receptores ßadrenérgicos miocárdicos, aumentando a força e a freqüência da contração. • Embora estes mecanismos hemodinâmicos e neuro-hormonais visem ao aumento do inotropismo do coração lesado, aumenta por outro lado a tensão diastólica da parede ventricular, levando à alteração de sua arquitetura e ao aumento de seu consumo energético. • Com o objetivo de evitar esses efeitos estruturais e funcionais adversos, a circulação tenta regular a magnitude da dilatação ventricular e a ativação simpática. • O aumento da tensão diastólica na parede ventricular induz a produção de protooncogenes específicos (c-fos e c-myc), que levam à síntese de novas proteínas miofibrilares. • O aumento subseqüente da espessura da parede ventricular reduz a dilatação ventricular por distribuir o excesso de tensão por meio do aumento do número de sarcômeros. • A hipertrofia cardíaca reduz o gasto energético do coração com sobrecarga volumétrica, às custas, porém, de diminuição da eficiência contrátil. • A distensão atrial durante a diástole, com aumento da sua pressão, estimula os barorreceptores que inibem a via eferente simpática do centro vasomotor, levando a sua supressão. • A distensão atrial leva ainda à secreção do fator natriurético atrial, que tem efeito de vasodilatação direta e natriurese, reduzindo a sobrecarga hemodinâmica dos ventrículos. • Porém, a distensão atrial pode levar a dessensibilização dos barorreceptores, o que causa uma hiperatividade simpática. • Essa disfunção do barorreflexo é altamente limitante para a circulação, levando à liberação de neuro-hormônios vasoconstritores, mesmo quando a perfusão tecidual já foi reestabelecida. • Os sinais de hiperatividade adrenérgica aparecem imediatamente após o início da insuficiência cardíaca. Os pacientes com insuficiência cardíaca aguda têm taquicardia importante e clinicamente podem demonstrar sinais de vasoconstrição cutânea e renal. • A diminuição do fluxo sanguíneo renal é detectada pelos receptores sensoriais nas arteríolas renais. A estimulação desses barorreceptores leva à liberação de renina pelo rim. • A ativação do sistema reninaangiotensina-aldosterona contribui para aumentar ainda mais o tônus vascular e a retenção de sódio induzida pela atividade simpática. • Devido a alteração dos barorreceptores e a liberação insuficiente do fator natriurético atrial, ocorre o desbalanço entre forças vasoconstritoras e vasodilatadoras endógenas. Dessa forma, ocorre predominância de forças vasoconstritoras e atenuação de forças vasodilatadoras, levando à queda do débito cardíaco, com conseqüente redução do fluxo sanguíneo renal e liberação de renina e ativação do sistema reninaangiotensina, que permanece ativado e contribui de maneira importante para a deterioração da função miocárdica. • A ativação constante do SRAA leva a congestão pulmonar, com conseqüente dispnéia e tosse. • Normalmente, um coração sem patologia prévia consegue suportar uma sobrecarga de volume até que seja revertida a anemia. • A dilatação ventricular esquerda promove um alargamento dos folhetos valvares, gerando refluxo (sopro sistólico). FISIOPATOLOGIA DA ICC NO CASO APRESENTADO ANEMIA FALCIFORME • Paciente portador de uma doença hereditária na qual o gene da HbS combina-se com outra anormalidade hereditária, HbC, gerando sintomas intermediários entra a anemia falciforme HbSS e o Traço Falcêmico (HbS com HbA) • Nesta anomalia, a hemoglobina tipo C ocasiona uma maior fragilidade da membrana eritrocitária, facilitando a hemólise em locais específicos da microcirculação. * Anemia Falciforme Hipóxia Congestão pulmonar vasoconstrição Ativação do SNS Ativação do SRAA Lesão Miocárdica Vasodilatação Aumento do DC e circulação hiperdinâmica Não correção da hipóxia e da pré-carga aumentada Medicações • Furosemida: diurético de alça não poupador de potássio que aumenta a capacitância do sistema venoso, reduzindo a pré-carga. • Captopril: inibidor da ECA; atua no SRAA, diminuindo a reabsorção de sódio e água (redução da congestão pulmonar e melhora da dispnéia e tosse). • Espironolactona: diurético poupador de potássio que atua competindo pelos receptores de aldosterona, reduzindo a ação desse mineralocorticóide no organismo. • Digoxina: digitálico, aumenta o inotropismo + da musculatura cardíaca. Estudos recentes sugerem que essa droga reduz a atividade do SNS e estimula a atividade vagal, diminuindo os níveis séricos de norepinefrina, aldosterona e renina. • Conclusão: o uso de diuréticos está indicado pela redução da pré-carga e diminuição do desconforto respiratório, apesar da contra-indicação pela desidratação que pode causar em um paciente anêmico. Porém, suas vantagens no caso superam as desvantagens. A espironolactona, apesar de ser um diurético, é usada pelo poder de “inativar” a aldosterona, diminuindo assim a congestão pulmonar, bem como a précarga, além de ser poupadora de potássio. Além disso, inibe a ação da aldosterona na remodelagem cardíaca (deposição de fibroblastos nas fibras miocárdicas). O captropil deve ser utilizado pela interferência no SRAA, diminuindo a retenção líquida e a ativação simpática. • A digoxina tem um efeito deletério sobre esse paciente, em virtude da anemia falciforme, pois o aumento do inotropismo gera aumento do consumo de O2, podendo causar isquemia miocárdica. Fim!!!