História da Música I CMU 322 Módulo VIII O organum entre os séculos IX e XII Prof. Diósnio Machado Neto Teoria Musical na Idade Média • Transformação do sentido da teoria Visão se afasta da preponderância dos fundamentos matemáticos da era de Boécio em detrimento de uma postura voltada para os problemas da execução. O ponto de encontro é de que a música é a ciência das proporções (consonâncias). Sem embargo, somente ao redor do século XII é que a teoria deixará definitivamente de ter um caráter de fundamento cosmológico-filosófico Surgimento de tratados pedagógicos, como o de Odo de Cluny. O motivo era o entendimento de que a música seria veículo da harmonia com o céu, logo, a pedagogia musical assumiria o papel de introdução à principal via de aceso à Deus. Esse é um claro relacionamento da música mundana com a música humana. Outra mudança é o abandono dos problemas abstratos para tratar dos problemas técnicos. Sintoma disso é a citação de que somente a música instrumental (referindo-se a divisão clássica de Boécio) deveria ser tratada, já que essa é a única que interessa "por podermos ouvi-la“. Organum • Hucbaldo Considera-se o monge de Saint Amand sur l’Elnon como o primeiro a tratar de uma teoria do organum Seu tratado Harmonica institutione, de 880, precede outros importantes manuscritos que trataram do tema: Musica enchiriadis – 920 Scholia enchiriadis, por alguns autores tido como parte do Musica enchiriadis De organo – séc. X Hucbaldo introduz a palavra organum como um conceito teórico. A prática da simultaneidade de sons era mais antiga que a sistematização de Hucbaldo Ademar de Chavannes afirma que os monges ingleses ensinaram aos franceses a Ars organandi. Definição • Organum – Hucbaldo assim define • Consonância é a combinação racional e harmônica de dois tons que acontecem somente quando duas vozes diferentes formam uma concordância de sons como, por exemplo, quando uma voz de garoto e uma de homem cantam a mesma coisa ou como no também chamado organum. – De organo, um tratado posterior ao Musica enchiriadis, dá a seguinte definição, acrescentando o termo diafonia • Diafonia ou organum é baseado na concordância de quarta, somente se as duas vozes movem-se em intervalos harmoniosamente combinados. – Scholia Enchiriadis • Trata da distinção entre Vox principalis (tenor, onde se coloca também o texto) e Vox organalis. • Organum paralelo – Estabelece-se uma discussão sobre qual intervalo deve formar o organum • A quinta ou a quarta. Esta última cria desvios de consonâncias. • Apesar disso, o intervalo típico é a quarta. – O Musica enchiriadis não fala sobre um sistema de quintas independentes, elas seriam resultante de um dobramento de oitava Organum do Musica enchiriadis Quarta Dobramento Os problemas do trítono • Paralelismo de quartas – Trazia o problema do trítono • Criaram-se regras para evitar esse intervalo – A voz organal deveria permanecer na mesma altura até poder prosseguir em quartas paralelas. • Amplia-se o conceito de organum – Baseado nesse problema, Hucbaldo afirma • O organum não é um puro paralelismo, mas sim uma qualidade de alternar movimentos de separação caminhando para uníssonos. Winchester Troper • As mais antigas compilações em estilo de organum estão no manuscrito de Winchester, do século XI – Tropos cantados na Catedral de Winchester (Inglaterra) • Escritos em neumas diastemásticos, a duas vozes – O organum não aparece em todas as partes da missa. • Aparecem no Kyrie, Gloria, Benedicamus Domino, Graduais, Alleluias, Tractos e Seqüências. No ofício das Horas costuma aparecer nos responsórios. O sistema modal • Os modos eclesiásticos – Na época de Hucbaldo o sistema modal eclesiástico já estava plenamente enraizado na prática musical • Tetracórdios – Todo o conceito modal do Musica enchiriadis, sem embargo, estão baseados nos tetracórdios • Desenvolvimento da mutação • Desenvolvimento de um sistema de signos – Dasiana • O Musica enchiriadis propões então um sistema escalar de tetracórdios (gamut) que, posteriormente, será a base das propostas de Guido D’Arezzo. Notação de Hucbaldo Século XI: a retomada do problema da polifonia • Os tratados do século X – Odo de Cluny, Berno de Richenau e Hermanus Contractus • Versam principalmente sobre sistema de notações e modos eclesiásticos. Deixam de fora os problemas da polifonia. • Guido D’Arezzo – O primeiro autor depois de Hucbaldo que tratou de uma teoria do organum foi Guido D’Arezzo. – Micrologos • Usa o termo diafonia que significa dar independência às vozes, e isto também chama Organum. – Algumas vozes movimentam-se em diferentes alturas formando uma combinação harmoniosa de dois sons.. Isso acontece porque duas vozes se diferenciam; geralmente em quartas. » Se se agrega mais um linha teria uma quarta mais uma quinta: A D a • Usa o termo symphonia para o sistema e capulatio para as relações harmônicas. • A quarta abaixo é chamada organum sub você e a acima supra vocem. A diafonia do cantus resulta da utilização da quinta, quarta e terceiras (maior e menor). • Diz que nem todos os modos eclesiásticos se adaptam à escrita do organum. Discute as possibilidades de usar determinados intervalos de acordo com os modos. • Rejeita o uso de quintas no organum, logo das oitavas duplas. O intervalo preferido do organum de Guido é a quarta. A evolução da teoria musical: Guido D’Arezzo • Notação – Guido foi decisivo para o sistema de notação musical • Ao redor de 1025, informa que havia hábito de traçarem linhas paralelas, com signos entre elas. • Guido propôs pintarem duas linhas (Fa e Dó), mantendo-se a relação entre as outras notas. – Clave musical Sistema hexacordal • Hexacordes Base do sistema tonal gregoriano Sistema criado por Guido D’Arezzo para o ensino da leitura à primeira vista Obtém-se pela aproximação de três tetracórdios ligados pelo mesmo semitom; dó ré MI FA ré MI FA sol dó ré MI FA sol lá MI FA sol lá Dó Ré Mi Fá Sol Lá Si Dó Fa Sol La Sib Notas principais do hexacorde. São suas notas finais ou cadenciais Esse sistema é uma evolução do trabalho de Hucbaldo cujo princípio era criar uma linha correspondente a cada corda da cítara. Propõe uma série de sílabas, ut-re-mi-fa-sol-la para ajudar os cantores a memorizar a seqüêcia de tons e semitons. Assim estabelece um hexacórdio formado por T-T-S-T-T O sistema de Guido baseava-se na mobilidade dentro de um sistema chamado Gammaut. O princípio era a sucessão de hexacórdios formando um sistema de duas oitavas mais uma sexta. Os hexacórdios eram de três gêneros: • Natural – Dó a Lá • Duro – Sol a Mi. Esse nome era devido à nota Sí • Mole – Fá a Ré. Devido a bemolização do Sí para evitar o trítono. • Guido aplicou a solmização ao sistema gammut. – Os antigos teóricos fundamentaram o sistema gregoriano sobre o sistema Teleion dos gregos. • Todo o hexacorde, na solmização, recebia a mesma seqüência de notas. – Substituiu as antigas letras pelas sílabas do hino de São João Solmização • Mutanza Sistema de encadeamento dos hexacordes O conjunto musical na qual moviam-se os músicos, de acordo com o sistema gammaut, ia do sol2 (representado pela palavra grega ) ao mi5. Nesse sistema, algumas notas pertenciam a vários hexacordes. O Dó4, por exemplo, pertence ao 3º hexacorde (iniciado no Fa3), ao 4º (iniciado no Sol4) e ao 5º (iniciado no Dó4). O princípio da mutanza é utilizar uma nota como ponte entre um hexacorde e outro. Por exemplo, se se está cantando no âmbito do 4º hexacorde, mas a melodia é mais aguda. Usa-se, então, uma nota comum ao hex. seguinte e se muda o seu nome. Assim a quinta nota desse hexacorde (Sol) passa a ser a segunda do quinto, ou seja, Ré. Mantem-se assim a relação TT-S-T-T, caracterizada pelo intervalo Mi-Fá. As notas recebem denominação em relação a essa participação em vários hexacordes. Por exemplo, o Sol4 chama-se Gsolreut; o Dó4 Csolfaut etc. Isso pode determinar várias finalis mais que uma finalis para um mesmo modo, ou seja, cada modo pode corresponder a diversas notas reais. No repertório gregoriano é rara a peça que permanece dentro de um só hexacorde. O gamut de Guido Análise Tonal • Análise do hexacorde – Chama-se análise tonal o ato de determinar em qual hexacorde está escrita uma peça gregoriana. • Isso se obtém examinando o semitom característico de cada hexacorde. • Modulações tonais – São os passos que dentro de uma peça pode ocorrer de um hexacorde para outro. • Essa modulação se obtém pela aparição do semitom característico do hexacorde. – Se pode afirmar, em grosso modo, que ocorre uma modulação quando surge uma nota estranha ao hexacorde. Por ex. um trecho no hexacorde natura (natural) ao ocorrer uma nota Sí indica a modulação para o hexacorde duro (bequadro). Estabelecimento do hexacorde natura (hx2), no giro Fá-Mi-Ré, e pela extensão até Lá Retorno ao hx 2 Nota ponte Lá (alámiré). No hx2 chama Lá, No hx3, Mi. Modulação para o hx 3 (Fá). Hexacorde mole, averiguado pelo intervalo Lá - Sib Modo plagal De Fá (VI) Modo autêntico de Fá (V).