ALFABETIZAÇÃO MATEMÁTICA: CONTRIBUIÇÕES PRÁTICAS VIVENCIADAS NA FORMAÇÃO CONTINUADA Ângela Rita Christofolo de Mello, Profa. UNEMAT/CEFAPRO/Juara/MT, Doutoranda em Educação pela UNIMEP RESUMO: O diagnóstico das necessidades formativas dos professores do I e do II Ciclos, pertencentes ao Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica do Pólo de Juara/MT, realizado pela professora da Área de Alfabetização, no final do ano de 2008, mostrou a necessidade de se trabalhar estratégias pedagógicas diversificadas, relacionadas aos conceitos matemáticos de forma integrada e contextualizada. Nesse sentido, no primeiro semestre de 2009, o Centro de Formação e Atualização dos Profissionais da Educação Básica do Pólo de Juara, desenvolveu na Área da Alfabetização, um Projeto de Intervenção Pedagógica com o objetivo de trabalhar com os professores do I e do II Ciclos, algumas abordagens metodológicas da Alfabetização Matemática, seguidas de estratégias didáticas. Os encontros tiveram duração de vinte horas, divididas em quatro momentos de quatro horas, em que foram apresentados os eixos do ensino da matemática: espaço e forma; grandezas e medidas, números e operações e tratamento da informação, seguidos de estratégias didático-pedagógicas e de abordagens metodológicas relacionadas aos conceitos trabalhados. Em relação às abordagens metodológicas, tivemos como referências a teoria do desenvolvimento humano de Piaget e Vygotsky, de acordo com os estudos de Kamii, Antunes, Kishimoto e Polya. Os recursos avaliativos utilizados durante e ao final do curso, mostraram que os conceitos e as estratégias didático-pedagógicas trabalhadas, contribuíram significativamente para que os educadores pudessem melhorar o seu processo de intervenção, dinamizando a sua atuação docente. Palavras-chaves: Formação Continuada; Alfabetização Matemática; Estratégias de Ensino. Objetivo: Trabalhar com os professores do I e do II Ciclos abordagens metodológicas e estratégias didático-pedagógicas voltadas para a Alfabetização Matemática em cursos de formação continuada, conforme as necessidades formativas dos docentes expressadas em uma avaliação diagnóstica realizada no final do ano de 2008. A formação teve como foco principal o universo da sala de aula. Metodologia: Com o objetivo de propiciar aos professores do I Ciclo até a 2ª fase do II Ciclo, momentos de reflexão e interação com troca de experiências relacionadas à Alfabetização Matemática, trabalhamos conteúdos e estratégias didático-pedagógicas com fundamentos relacionados aos conceitos de espaço e formas; grandezas e medidas; números e operações e de tratamento da informação. Os referidos eixos foram trabalhados em quatro momentos em que foram utilizadas várias estratégias didático-pedagógicas como: aulas expositivas dialogadas; trabalhos em equipes, oficinas, leituras interativas, dinâmicas de grupo, seminários de apresentação, registros escritos e estratégias avaliativas ao final de cada encontro de formação continuada. Os conteúdos trabalhados foram: - A construção do conceito de espaço no 1º e no 2º Ciclos: posição, direção e sentido, grandeza, semelhança e diferença, classificação de objetos a partir de critérios próprios, relação de semelhança entre sólidos geométricos e outros elementos do mundo físico; - Grandezas e medidas no 1º e no 2º Ciclos: conceito de tempo, conceito de medidas, problemas envolvendo os conceitos de grandezas e medidas, poesia matemática; - Construção do número no 1º e no 2º Ciclos: Trajetória conceitual, número e operações, sistema de numeração decimal, valor posicional, observando regularidades, jogos envolvendo calculadora, problemas envolvendo as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão; - Tratamento da informação 1º e 2º Ciclos: Interpretação e utilização de dados obtidos em tabelas e gráficos, na resolução de situações problemas. - Oficinas: Socialização e confecção de alguns jogos com sugestões de estratégias didáticas que podem ser utilizadas no ensino de conteúdos matemáticos. Resultados: Os professores participaram ativamente de todo o processo, lendo os textos selecionados, discutindo, refletindo, apresentando conteúdos, capacidades e estratégias de ensino, socializando experiências positivas e negativas, e, posteriormente, planejando situações problemas envolvendo diferentes estratégias didáticas relacionadas aos conteúdos matemáticos indicados para os anos iniciais do Ensino Fundamental, que foram socializadas por meio de seminários. Acreditamos que os conceitos e as estratégias didático-pedagógicas trabalhadas, contribuíram significativamente para que as educadoras pudessem melhorar o seu processo de intervenção pedagógica, dinamizando a sua atuação docente. Isso porque, de acordo com as avaliações realizadas durante e ao final da formação, as professoras afirmaram que as expectativas foram superadas e as necessidades formativas contempladas. Segundo as contribuições das professoras o que enriqueceu a formação oferecida, foi à constante associação entre as abordagens teóricas e metodológicas e os conhecimentos práticos. Todos os eixos trabalhados foram fundamentados, apresentadas as capacidades respectivas e sugestões de atividades que poderiam ser trabalhadas em sala. As professoras também tiveram a oportunidade de realizar várias atividades em equipes. Nestes momentos, foram selecionadas as capacidades relacionadas ao eixo que estava sendo trabalhado, e, pedido às docentes que planejassem atividades práticas, que posteriormente foram socializadas com indicações de estratégias de ensino. Diante desta experiência, ficou evidente a necessidade da formação continuada que, com base nas experiências dos professores, construídas no dia-a-dia da atividade docente, propicie nos cursos oferecidos, recursos didáticos e metodológicos que possam subsidiar o processo de ensino e de aprendizagem e contemplar as necessidades formativas de educadores e educandos. Neste sentido, Tardif (2002) enfatiza que os cursos de formação de professores precisam ser repensados e uma nova articulação, um novo equilíbrio entre os conhecimentos produzidos pelas universidades a respeito do ensino e os saberes desenvolvidos pelos professores em suas práticas cotidianas, deve ser proposto. Para isto, o grupo de professores precisaria impor o seu saber experienciado e “os formadores universitários dirigirem-se para a escola dos professores de profissão para aprenderem como ensinar o que é ensino”, (p.55). A maioria das professoras afirmou não trabalhar os conteúdos matemáticos de forma integrada e contextualizada, por meio de situações problemas, por ter dificuldade em associar os conteúdos à realidade e a sua aplicabilidade no dia-a-dia. Então, o desenvolvimento deste projeto de intervenção pedagógica, nos possibilitou um olhar mais crítico e reflexivo em nossa atuação como professoras formadoras, em que é imprescindível nos aproximarmos cada vez mais do ambiente escolar e do interior das salas de aula, a fim de conhecer as dificuldades pedagógicas das professoras e auxiliá-las da melhor forma possível, para que o ensino se torne mais dinâmico e significativo. Segundo Zeichner (1993), o conceito de professor reflexivo reconhece a riqueza da experiência que reside na prática dos bons professores [...], que o processo de aprender a ensinar se prolonga durante toda a carreira do professor, portanto, os formadores de professores têm a obrigação de ajudar os futuros professores e os já professores a interiorizarem, durante a formação inicial e continuada a disposição e a capacidade de estudarem a maneira como ensinam e de melhorá-la com o tempo, responsabilizando-se pelo seu próprio desenvolvimento profissional (ZEICHNER, 1993, p.17) Todavia, é por meio da sua atuação docente, da forma como conduz as aulas e os encontros de formação continuada e das estratégias didático-pedagógicas que utiliza que o professor formador poderá cumprir esta sua obrigação. Considerações Finais: A história da Educação brasileira conta que a escola laica, pública, gratuita foi uma conquista de lutas seculares. Porém, a luta por uma educação de qualidade continua sendo um dos maiores desafios da contemporaneidade. Este desafio nos faz pensar na construção de uma escola que propicie a experiência profunda e total da cidadania para todos. Uma escola que se construa a cada dia, com muito otimismo, alegria e determinação. Gómez (1992) reforça esta realidade ao afirmar que o processo de escolarização na sociedade ocidental, de certa forma, foi democratizado e o acesso a Educação Básica está assegurado a todos os cidadãos. No entanto, a grande luta é pela qualidade do ensino que ainda está muito distante dos indicadores desejados. Neste contexto, a maior responsabilidade por esta educação de qualidade, é atribuída ao professor, no interior da sala de aula, sem desconsiderar, é claro, a influência de outros fatores externos. Na tentativa de resolver o problema do fracasso escolar, são oferecidos inúmeros cursos de formação inicial, capacitação, atualização e qualificação docente. No entanto, não podemos esquecer que somos frutos de uma escola tradicional em que o professor era o detentor de todo o saber e o aluno um mero receptor de conteúdos prédeterminados e apresentados como verdades imutáveis. Certamente por isso, professores da formação inicial e continuada de professores têm tanta dificuldade para oferecer um ensino, considerado por Gómez como “reflexivo”. Até trabalham as concepções progressistas de ensino, falam como deve ser este trabalho, porém a atuação em sala, a forma como direcionam o trabalho, quase sempre contraria os fundamentos das atuais teorias do desenvolvimento humano por eles apresentadas. Gómez (1992) fala que na racionalidade técnica ou instrumental, primeiro aprende-se os conteúdos científicos básicos aplicáveis, para depois aprender competências e capacidades de aplicação. A aprendizagem é embasada na teoria comportamentalista em que o aprendiz é estimulado a responder a estímulos de ordem técnica e mecânica. Gómez afirma que a maioria dos programas de formação de professores baseia-se neste modelo. Porém, o modelo de racionalidade técnica é incompleto, porque segundo Schön (1983) apud Gómez (1992), ele ignora as competências e as práticas requeridas em situações divergentes. Todavia, nem por isso deve ser totalmente desprezado, pois em muitas situações a única forma de intervenção eficaz consiste na aplicação das teorias e técnicas resultantes da investigação básica e aplicada. O que não se pode, é considerar a atividade prática do professor, como uma atividade exclusiva e prioritariamente técnica. É mais correcto encará-la como uma actividade reflexiva e artística, na qual cabem algumas aplicações concretas de carácter técnico (Gómez, 1992, p. 100). Muitos estudiosos da educação realizaram estudos e apresentaram o que foi denominado por Gómez como “A racionalidade prática: reflexão-na-ação”, como forma de superar o papel do professor como profissional técnico instrumental. O professor atua num ambiente complexo em que os educandos encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento cognitivo, vêm de diferentes espaços sociais, com diferentes culturas, credos e oportunidades de aprendizagem, portanto, não há salas homogêneas, o que requer do educador muita dinâmicas no jeito de ensinar e no domínio de diferentes práticas interventivas, para oportunizar a todos, uma aprendizagem significativa e também, para contornar problemas de ordem comportamentais. Desse modo, “o êxito do profissional depende da sua capacidade para manejar a complexidade e resolver problemas práticos, através da integração inteligente e criativa do conhecimento e da técnica” (Yinger, 1986 apud Gómez, 1992, p. 102). Então, o professor precisa além de dominar o conteúdo ou o conceito a ser ensinado, refletir constantemente sobre as estratégias de ensino por ele adotadas, na tentativa de encontrar o melhor jeito de propiciar condições de aprendizagem a todos os educandos. Essa capacidade é analisada por Schön (1992) como um processo de reflexão-na-ação, de forma que o saber docente é construído no dia-a-dia da atividade docente. Neste processo de reflexão-na-ação, a fundamentação teórica do educador é de suma importância, pois toda prática educativa é fundamentada em uma concepção de ensino, mesmo que o educador, muitas vezes, não tenha consciência disso. Assim, a formação continuada é de suma importância para o educador, que, quando não inserido neste processo, corre o risco de fossilizar o seu conhecimento prático, empobrecendo a cada dia a sua reflexão na e sobre a ação. Diante disso, o modelo técnico de formação de professores deveria ser substituído pelo modelo reflexivo e artístico de formação de professores em que a prática adquire o papel central de todo o currículo. Contrariamente às teorias provenientes da racionalidade técnica, que situam a prática no final do currículo de modo a possibilitar uma aplicação dos conhecimentos adquiridos, no modelo reflexivo, segundo Yinger (1986) apud Gómez (1992, p. 111), “o processo de formação de professores deve começar pelo estudo e análise do acto de ensinar”. Contudo, o conhecimento na ação só é pertinente se for flexível e se apoiar na reflexão na e sobre a ação. Trata-se de partir da prática para desencadear uma reflexão séria sobre o conjunto das questões educativas, desde as rotinas às técnicas, passando pelas teorias e pelos valores (Gómez, 1992, p. 112). Desse modo, os cursos de formação de professores devem priorizar em seus currículos, situações em que os futuros professores possam submergir-se no mundo complexo da sala de aula desde o primeiro momento, quando ingressa no curso, para que possa compreendê-lo de forma crítica e vital, implicando-se efetiva e cognitivamente em interações da situação real, questionando as suas próprias crenças e explicações, propondo e experimentando alternativas, participando na reconstrução permanente da realidade escolar. Desse modo, a prática educativa exige um novo modelo de investigação, onde tenha lugar a complexidade do real, do interior das salas de aula. Para isto a reflexão pode iniciar-se pelas experiências vividas enquanto alunos, sem distanciar-se dos espaços escolares com todos os conflitos que eles apresentam e desafios que este “universo” impõe. Foi com esta compreensão que o referido projeto de intervenção foi desenvolvido. Os professores tiveram a oportunidade de falar do trabalho que realizam, colocar suas angustias, suas dificuldades, os problemas que enfrentam cotidianamente e socializar as experiências vivenciadas no ensino da Matemática para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Segundo Charlot (2002) o problema dos cursos de formação inicial e continuada de professores é saber o papel que cumpre a teoria, na invenção da prática. Neste sentido, ele explica que o que os professores esperam é que o pesquisador apresente a eles uma teoria que fale de sua prática, que faz sentido fora da teoria do pesquisador, uma teoria que fala a parir da realidade vivenciada no dia-a-dia da atividade docente, uma teoria que conhece e sabe do que está falando, que considera todas as peculiaridades e singularidades do contexto socioeducativo. Para que isto aconteça, segundo Charlot, é preciso organizar um diálogo entre os dois tipos de teoria: a prática e a científica, ou seja, um diálogo que possibilite tanto aos professores (práticos), como aos pesquisadores saírem do teorismo. Desse modo, os professores podem refletir acerca de categorias do senso comum que usam para falar de suas práticas, ao passo que os pesquisadores têm a oportunidade de explicar aos professores do que estão falando quando teorizam suas pesquisas e trabalhos educacionais. Desse modo, para o desenvolvimento do referido projeto de intervenção pedagógica, nosso esforço seguiu nesta direção, entretanto cabe destacar que para que este tipo de formação seja viabilizada, os formadores precisam ter experiências no Ensino Fundamental. Agradecimentos: A todas as professoras e a todos os professores pertencentes ao Centro de Formação e Atualização dos Profissionais na Educação Básica do Polo de Juara/MT, que com muita perseverança, coragem e determinação fazem da sala de aula um espaço de aprendizagens significativas para os educandos. Professores e professoras, colegas de trabalho que com seus relatos de experiências vivenciadas no dia-a-dia da atividade docente, não nos deixa distanciar da realidade educacional e nos permite refletir e aprender a cada dia, numa tentativa de superação dos problemas existentes nos contextos educativos. REFERENCIAS: SHARLOT, Bernard. Formação de professores: a pesquisa e a política educacional in PIMENTA, S. G. & GHEDIN, E. (Org.) Professor Reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo, Cortez, 2002. GÓMEZ, Angel Pérez. O pensamento prático do professor: a formação do professor como profissional reflexivo In NÓVOA, A.(org.) Os professores e sua formação. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1992. SCHÖN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos, In NÓVOA, A.(org.) Os professores e sua formação. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1992. TARDIF, Murice. Saberes Docentes e Formação Profissional, 5ª Ed., Petrópolis, RJ. Vozes, 2002. ZEICHNER, K. M. A Formação Reflexiva de Professores: idéias e práticas. Lisboa, Educa, 1993.