IV Domingo do Advento (Ano A) O texto – Mt 1,18-24 18 19 20 21 22 23 24 Ora, a origem de JESUS CRISTO foi assim: sua mãe, Maria, estando desposada com José, antes de viverem juntos, notou-se que tinha concebido pelo poder do ESPÍRITO SANTO. José, seu esposo, que era um homem justo e não querendo difamá-la, resolveu deixá-la secretamente. Andando ele a pensar nestas coisas, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe em sonhos, dizendo: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é (obra) do ESPÍRITO SANTO. Ela dará à luz um filho, e tu o chamarás com o nome JESUS, porque ELE SALVARÁ O POVO DOS SEUS PECADOS». Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho; e hão-de chamá-lo EMANUEL, que significa: DEUS CONNOSCO. Despertando do sono, fez como lhe ordenou o anjo do Senhor, e recebeu sua esposa. Breve comentário A longa lista genealógica com que começa o evangelho segundo Mateus termina com a figura de «José, esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, chamado Cristo». A intenção é inserir Jesus, mais do que como um personagem da História da Salvação, como aquele para quem tudo se encaminha. Porém, Jesus, conhecido como «filho de José, esposo de Maria», não é apenas «o Cristo» (Messias), o «filho de David». Um dado de fé tradicional da comunidade primitiva proclama-o como «filho de Deus» e é esta verdade que o texto procura explicar. Muitos judeus não cristãos não aceitavam que Jesus fosse verdadeiramente descendente de David. Por outro lado, o aspecto da «concepção virginal» de Jesus pelo poder do Espírito, algo difícil de aceitar na época e ainda hoje, surge também como um elemento tradicional da comunidade primitiva. O texto de Mateus procura conciliar todos estes dados para fazer uma apresentação da verdadeira identidade de Jesus. O texto começa por apresentar a concepção de Jesus «pelo poder do Espírito Santo» durante o tempo que medeia entre o noivado hebraico (’erûsìn ou qiddushîn), já por si verdadeiro casamento, e a convivência matrimonial inaugurada com a introdução da esposa em casa (nissû’în). Este facto cria o pressuposto para a revelação divina que explica a «origem» verdadeira de Jesus e define o papel de José. A situação de conflito que José experimenta é expressa pelas duas qualificações: esposo de Maria e «justo». Se José tivesse agido segundo as exigências da lei da época, deveria ter denunciado Maria e possivelmente teria sido apedrejada. A gravidez antes do matrimónio é irregular e, segundo a lei da pureza legal, deia ser castigada com a pena de morte (Dt 22,20). Mas José, porque é justo, não obedece as exigências da lei da pureza. A sua justiça é maior. Em vez de denunciar, prefere respeitar o mistério que não compreende e decide abandonar Maria em segredo. A justiça maior de José salva a vida quer de Maria quer de Jesus. O antigo libelo de divórcio era o documento com o qual o homem deixava livre para futuro matrimónio a mulher que até esse momento era sua esposa. Era escrito e assinado por duas testemunhas, contendo a fórmula principal: «tu ficas livre para te casares com qualquer homem». Devia estar escrita em hebraico com 12 linhas, além das duas meias linhas onde assinavam as testemunhas. Este escrito devia ser entregue a sós à mulher, sem testemunhas. Deve ser a este libelo que se refere Mateus quando afirma que quis repudiá-la secretamente, ou seja, sem testemunhas. Apesar de esta decisão ter algumas incongruências, toda a atenção de Mateus volta-se para o sentido de «justo» que deixa de ser considerado numa dimensão ético-legal para a profunda dimensão de «justo» como aquele que cumpre plenamente a revelação da vontade de Deus. Nesta situação, Deus envia-lhe uma mensagem através dum sonho e dum anjo (que significa precisamente mensageiro, quer no hebraico mala'k quer no grego angelos) do Senhor: no Antigo Testamento era deste modo que Deus falava aos patriarcas e intervinha para dar a conhecer os seus planos de salvação. Assim, tudo o que o mensageiro refere tem o esquema clássico do anúncio do nascimento dum filho, começando pelo termo eis e com a indicação da criança e de algum pormenor sobre a sua identidade (Ismael: Gn 16,11-12, Isaac: Gn 17,19, Salomão: 1Cr 22,9-10, Josias: 1Rs 13,2 e o texto de Is 7,14-17 que Mateus cita no v. 22, proposto neste domingo como primeira leitura, para o jovem príncipe filho de Acaz. Segundo as palavras da revelação divina, José tem um papel duplo: acolher Maria como sua esposa e dar a paternidade legal ao filho que nascerá. No primeiro caso, a justificação da ordem-convite é dada pela revelação da origem divina do filho de Maria: «o que nela de gerou é (obra) do Espírito Santo». No caso da paternidade legal – dar o nome ao filho – a motivação vem da revelação do nome «Jesus», em que se resume a sua missão salvífica: «pois ele salvará o povo dos seus pecados». A origem divina de Jesus e a sua missão salvífica são condensados no nome «Jesus», do termo hebraico Yeshûa (Yehoshua’) que significa «Yahweh salva» ou «Yahweh é salvação». Agora se compreende porque é que José é interpelado pelo anjo como «filho de David». Acolhendo Maria como sua esposa, que espera um filho de origem divina, ele deve dar-lhe aquela paternidade legal que lhe garante o estatuto histórico de descendência davídica, na linha das esperanças messiânicas de alguns ambientes judaicos. Assim, a revelação divina não é para resolver um drama espiritual dos esposos, mas uma mensagem comunicada aos leitores para que reconheçam a verdadeira identidade de Jesus: o salvador de origem divina que cumpre as esperanças messiânicas. Para acentuar o significado cristológico desta revelação divina o autor acrescenta um texto bíblico que tem o valor de reflexão teológica, introduzido por uma fórmula que ocorre mais quinze vezes ao longo do evangelho: «Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta». A citação de Isaías 7,14 vem interpretar o nome «Jesus», o Senhor salvador, mediante o título profético e messiânico de «Emanuel», Deus connosco, ao mesmo tempo que acentua a concepção virginal de Jesus como sinal para a fé cristã que reconhece em Jesus, o filho de Maria, a manifestação definitiva salvífica de Deus, conforme as palavras do Senhor ressuscitado: «Eis que eu estou convosco todos os dias até ao fim dos tempos» (Mt 28,20). O texto conclui-se com a fiel execução da ordem divina por parte de José que realiza a sua dupla tarefa no projecto de salvação: acolher Maria como sua esposa e reconhecer o filho por ela gerado, dando-lhe o nome que lhe foi revelado pelo anjo. P. Franclim Pacheco Diocese de Aveiro