ética no marketing e nos negócios

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ÉTICA NO MARKETING E NOS NEGÓCIOS
ÊNIO PADILHA
Você gostaria que sua filha casasse com um homem de marketing?
A pergunta acima é o título de um artigo publicado por R. N.
Farmer no Journal of Marketing, em janeiro de 1967. Nesse artigo o
autor identificava as duas principais acusações às quais o marketing
estava submetido: falta de ética e irrelevância (D’ANGELO, 2003,
p.58). A pergunta reflete a desconfiança que existia e que ainda existe na cabeça de muita gente sobre os objetivos do marketing e as intenções de quem o pratica. Deriva daí uma série de outras perguntas
que freqüentemente são feitas com maior ou menor grau de explicitação: Existirá compatibilidade entre marketing e ética? É possível ter
um bom marketing e, ao mesmo tempo, ter um bom produto, que atenda as necessidades e desejos do cliente e não apenas as necessidades e desejos de quem produz e vende? Ter um bom marketing não
seria um indicativo de que o produto tem algum defeito e que precisa,
de alguma forma, ser mascarado?
As perguntas podem parecer tolas quando analisadas superficialmente. Pode parecer que são resultantes apenas do desconhecimento do que é, realmente, o marketing e da confusão que geralmente se
faz com propaganda e publicidade, sua face mais conhecida. No entanto, uma análise mais detalhada do assunto verá que, primeiro, uma
atividade gerencial (é isso o que é o marketing, em última análise)
não pode ser avaliada pela sua intenção primária e sim pelos seus resultados. Segundo, muitas pessoas e organizações realmente lançam
mão de recursos do marketing para, no fim das contas, lesar, de al-
guma forma, seus clientes, o que demonstra, em alguma medida, que
o marketing é, no mínimo, um instrumento potencialmente capaz de
atender os interesses de pessoas e organizações mal-intencionadas.
Uma das principais dificuldades para convencer um profissional
ou empresário honesto de que ele deve lançar mão das práticas (conceitos e técnicas) de marketing para melhorar o seu desempenho no
mercado é justamente o fato de que a maioria deles entende que não
existe compatibilidade entre marketing e ética. Muitos ainda consideram que o marketing é um recurso desonroso. Algo utilizado por
quem tem um produto sem qualidade ou tem a intenção de levar
vantagens não merecidas. Existe um conceito que é, em larga
medida, dominante: "quem produz com eficiência e qualidade não
precisa de marketing”. O marketing, nessa linha de pensamento,
serve apenas para “dourar pílulas, esconder defeitos do produto e
enganar os clientes!".
Evidentemente, embora seja muito difícil inocentar plenamente
o marketing de todas essas acusações, desconfianças ou preconceitos,
ele não é, por outro lado, um vilão que deva ser execrado e isolado
como peste. A maioria das pessoas entende o marketing apenas como “um conjunto de técnicas, dicas e truques para transformar um
produto (qualquer produto) em um sucesso de vendas”. Pensa no
marketing como algo que faz um produto ser mais vendido. No entanto, o melhor marketing não é o que faz o produto ser o mais vendido e sim o que faz o seu produto ser o mais comprado. Há uma sutil, porém dramática, diferença entre essas duas coisas. Nesse sentido, é importante lembrar que o marketing, em última análise, tem por
objetivo suprimir a função de vendas de um produto (KOTLER,
1999). Em outras palavras, quanto mais eficiente for o marketing,
menos o produto precisa ser vendido, porque o produto será mais desejado, procurado e comprado.
No entanto, como eventual herdeiro da função vendas, o marketing carrega em si todas as marcas que esta atividade reuniu ao longo
de milhares e milhares de anos. Todos os estigmas de vendedores,
em todos os tempos, acabam sendo parte da imagem de quem trabalha com marketing. Platão e Aristóteles atacavam lojistas e comer-
ciantes, dizendo que eram “não amigáveis e inconfiáveis”. Outros
pensadores de Atenas os definiam como “trapaceiros”, “dissimulados” ou “parasitas” (D’ANGELO, 2003, p.58). Entre os vendedores
clássicos que fizeram sucesso e fortuna na primeira metade do século
XX, alguns citados por Frank Bettger no seu famosíssimo livro “Do
Fracasso ao Sucesso na Arte de Vender” muitos, infelizmente, contribuíram para sustentar e mesmo ampliar a visão que se tem de que o
vendedor não está interessado na felicidade do comprador. Preocupase apenas com a venda e, com isso, a solução imediata de um problema pontual: a conquista do lucro.
Portanto, embora o marketing não tenha por objetivo vender um
produto e sim promover o interesse nos clientes de tal maneira que o
produto acabe sendo comprado, pode-se dizer que, no fim das contas,
estamos falando da mesma coisa: vendas. A diferença é que antes
(primeira metade do século XX, antes do surgimento do marketing),
quando as industrias produziam o que queriam produzir e os vendedores eram encarregados de “colocar” os produtos no mercado, o jogo era mais aberto. Havia a clara definição dos objetivos. O marketing introduziu as sutilezas e os mecanismos de ação indireta sobre a
mente do cliente.
Marketing não é apenas um conjunto de políticas de promoção
(da organização, da marca ou do produto) que passa por ações de
propaganda, publicidade e merchandising. Essas coisas não garantem, sozinhas, o sucesso de nenhum produto ou empreendimento.
Para que uma organização possa usufruir os benefícios do marketing,
é preciso que ela desenvolva estratégias e ações em muitas outras políticas de mercado como, por exemplo, a política de Produto (o que
vai ser vendido, com que nível de qualidade...), a política de Preços
(quanto vai custar, se existe ou não negociação de preços, critérios
para descontos, condições de pagamento...), a política de Ponto Comercial (região geográfica a ser atendida, forma de distribuição do
produto, canais de acesso do cliente à empresa...) e muitas outras políticas que têm como objetivos viabilizar a relação produtiva (leia-se
"resultados") entre a organização e seu mercado.
A concepção, o desenvolvimento, a produção, a definição de
preços e das políticas de negociação, a distribuição, a divulgação e as
vendas são etapas nas quais as questões de ética estão presentes, mas
nem sempre são levadas em conta ou tomadas como elementos determinantes das decisões importantes. Isto significa, em última análise, que praticamente em todas as ações de uma organização, desde a
concepção do produto até o pós-venda é permeada pelos conceitos e
pelas ações do marketing. E cada um desses pontos ou estágios são
territórios em que a ética pode ser vislumbrada, acatada ou atacada.
Muitos produtos são concebidos apenas para dar lucros para
quem os produz, sem a discussão sobre sua necessidade, utilidade, ou
relevância. A propaganda, muitas vezes, age sobre as mentes dos
clientes com o objetivo de criar necessidades, anseios e desejos que
possam ser atendidos e satisfeitos pelos produtos que se pretende
produzir; A comunicação de muitas empresas explora fraquezas emocionais do seu público-alvo; A propaganda de muitos produtos
estimula o desperdício e promove a permanente insatisfação dos consumidores mantendo-os em permanente estado de dominação e incitando-os a gastos desnecessários; O discurso da propaganda é, muitas vezes, omisso, exagerado e, não raro, enganoso, tendo as empresas apenas o cuidado de se manterem estritamente de acordo com os
códigos e com as leis, fazendo valer o princípio romano do caveat
emptor segundo o qual “cada um que cuide de si”. Cabe ao consumidor munir-se de informações e cuidados para tomar a decisão de
compra, não recaindo sobre o ofertante responsabilidades maiores,
além de atuar dentro dos limites da lei (SMITH, 1995; GREYSER,
1997 apud D’ANGELO, 2003, P.60).
Nos últimos 20 anos essas discussões têm sido muito mais freqüentes, especialmente em função da crescente capacidade que tem o
publico consumidor de obter informações e de se orientar por ela. Se
antes uma empresa era considerada boa se produzia com qualidade e
obtinha lucros consideráveis, hoje existe uma tendência a se recuperar a abordagem aristotélica dos negócios em que a boa empresa não
é apenas aquela que apresenta lucro, mas a que também oferece um
ambiente moralmente gratificante, em que as pessoas boas podem
desenvolver seus conhecimentos especializados e também suas virtudes (ARRUDA, WHITAKER e RAMOS, 2003. p. 57). Muitas ações
nesse sentido são empreendidas, incluindo a criação de associações e
normas internacionais como a SA8000 (Social Accountability –
Mundial), FLA (Fair Labor Association - EUA), WRAP (Worldwide
Responsible, Apparel Production – EUA), ETI (Etbical Trading Iniciative – Reino Unido) e CCC (Clean Clothes Campaign – Europa),
todas com o objetivo de estabelecer critérios e mecanismos de controle sobre a responsabilidade social das organizações (LEIPZIGER,
2003, p.27-30). Essas organizações visam rever a visão utilitarista,
apontada como predominante no marketing, segundo a qual “os fins
justificam os meios”. O que se busca é a vertente deontológica em
que os meios utilizados para se atingir os objetivos são tão importantes quanto os próprios objetivos (KOTLER, 1972 apud D’ANGELO,
2003, p.64). Portanto, não basta fazer bem feito. É preciso que “o fazer” também seja bem feito. Por “bem feito” entenda-se de acordo
com princípios éticos.
O obstáculo que se enfrenta, neste ponto, é a definição desses
princípios éticos, posto que se trata de tema complexo e subjetivo,
sujeito a diferenças de interpretação, que variam conforme as circunstâncias e as percepções pessoais dos envolvidos (conforme diversos autores citados por D’ANGELO, 2003, p.64). Cria-se, assim
a expectativa de que os profissionais de marketing poderiam orientar
suas ações a partir da interpretação e posição adotada pelo mercado e
pela sociedade. Isto parece bom, mas, infelizmente, alguns trabalhos
verificaram, por exemplo, que os consumidores aplicam critérios de
julgamento ético conforme as circunstâncias, tendendo a reagir de
maneira diferente, conforme a situação e os resultados produzidos
(D’ANGELO, 2003, p.66). Isto pode ser facilmente percebido ao verificar as reações das torcidas rivais em um jogo de futebol. Há uma
sincera percepção, eventualmente errada, em cada um dos lados, de
que este ou aquele lance foi anotado com justiça ou não.
Além disso, o recente estudo desenvolvido por Urdan e Zuñiga
(2001) traz à tona o preocupante resultado de que não existe vínculo
causal entre a importância atribuída pelos comsumidores ao compor-
tamento ético das empresas e a disposição para recompensar os éticos
(comprando seus produtos) ou punir os não éticos (boicotando seus
produtos). Segundo o mencionado estudo, os clientes, de uma maneira geral, acabam decidindo a compra utilizando outros critérios,
mesmo quando estão conscientes sobre o assunto.
Portanto, as diversas perguntas que estão apresentadas nos primeiros parágrafos deste artigo não têm respostas simples. Existe,
sim compatibilidade entre ética e marketing. É possível, em muitos
casos, desenvolver estratégias e ações de marketing baseadas na verdade, na honestidade, em bons princípios e na intenção de atingir o
bem comum; É possível que os meios sejam tão límpidos quanto os
fins a que se destinam.
E, sim, eu, de minha parte, gostaria que minha filha casasse
com um homem de marketing. Desde que fosse um bom homem. E
eu acredito que bons homens têm espaço no marketing como na medicina, na engenharia, na administração, na política, nas artes e em
toda parte.
REFERÊNCIAS
1. ARRUDA, M.C., WHITAKER, M. e RAMOS, J. M.: Fundamentos de
ética empresarial e econômica. 2a ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 53 - 63.
2. BETTGER, F. Do fracasso ao sucesso na arte de vender, 11a ed. São
Paulo: Ibrasa, 1978
3. D’ANGELO, A. A ética no marketing. In: RAC – Revista de Administração Contemporânea, Vol. 7, n. 04, p 55-75, out/dez, 2003
4. KOTLER, P. Marketing para o século XXI, 10a ed. São Paulo: Futura,
1999
5. LEIPZIGER, D. SA 8000. O guia definitivo para a nova norma social.
Rio de Janeiro: Qualitymark, 2003
6. URDAN, A.T.; ZÚÑIGA, K.H. O consumidor recompensa o comportamento ético empresarial? In: ENCONTRO ANUAL DA ANPAD, 25.,
Campinas: ANPAD, 2001. 1 CD-ROM
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