PALESTRA 21ª RAIB O PAPEL DAS NOVAS BIOTECNOLOGIAS NO MELHORAMENTO GENÉTICO DO PINHÃO MANSO Daniela de Argollo Marques1, Roseli Aparecida Ferrari2 Instituto Agronômico de Campinas, Centro de P&D de Recursos Genéticos Vegetais. Instituto de Tecnologia dos Alimentos Centro de Ciência e Qualidade de Alimentos. 1 2 Sob uma ótica de sistema de produção sustentável de biocombustíveis é previsto um aumento extraordinário da demanda de oleaginosas no Brasil e no mundo, principalmente tendo em vista a obrigatoriedade da mistura de porcentagens cada vez maiores de biodiesel ao diesel de petróleo (atualmente no Brasil, 3%: B3). Esta demanda só será suprida se forem desenvolvidas variedades com excepcionais características fitossanitárias, agro-morfológicas e fitoquímicas. No caso do pinhão manso (Jatropha curcas), espécie perene, o desenvolvimento destas variedades será acelerado se estudos genéticos e fitoquímicos receberem suporte financeiro e humano, possibilitando a formação e integração de uma rede de pesquisas multidisciplinar. Estudos preliminares com a espécie J. curcas realizados no IAC, nos anos 80, foram recentemente retomados pela nossa equipe em parceria com o ITAL. Introduções de acessos de J. curcas e outras espécies do mesmo gênero têm sido realizadas para ampliação do banco ativo de germoplasma visando dar suporte ao programa de melhoramento genético e desenvolvimento de genótipos superiores de pinhão manso. A chave para o sucesso de todo programa de melhoramento genético é uma adequada variabilidade genética e a avaliação de acessos divergentes com características desejáveis tais como: alta produtividade de sementes; alta taxa de flor feminina em relação à flor masculina, porte reduzido, resistência a pragas e doenças, uniformidade e precocidade de maturação, resistência/tolerância à seca, e, principalmente, alto teor e melhoramento das propriedades químicas e físicas do óleo. Por isso é muito importante o levantamento de informações quanto à diversidade do germoplasma disponível para o estabelecimento de coleções com variação genética representativa do gênero Jatropha. O verdadeiro centro de origem/diversidade da espécie ainda é desconhecido. Vários autores têm apontado o México e América Central como possíveis centros de origem, o que poderia ser comprovado cientificamente através de ferramentas moleculares. Germoplasmas selvagens do gênero Jatropha são encontrados nas Américas, África e Sul da Ásia. O gênero inclui cerca de 175 espécies com variações significativas em relação à resistência/tolerância a pragas e doenças, ao perfil dos ácidos graxos presen- tes no óleo, ao padrão de florescimento e frutificação. Mundialmente, o germoplasma disponível carece de informações quanto à base genética, e apresenta produção variável, alta vulnerabilidade a pragas e doenças e baixa diversidade genética. Poucas variedades têm sido selecionadas em diferentes países: a variedade Cabo Verde, que segundo alguns autores, foi distribuída por todo o mundo; a variedade Nicarágua, com poucos porém grandes frutos e a variedade mexicana não tóxica desprovida de ésteres de forbol cujo óleo pode ser usado para consumo humano e a torta, rica em proteínas, para a ração animal. O melhoramento genético de Jatropha tem como opções a utilização do método convencional aproveitando-se a variabilidade pré-existente ou a geração de variabilidade através de 1) hibridações inter-específicas; 2) indução de mutações; 3) variação somaclonal; 4) transformação genética. O uso da variabilidade genética pré-existente está vinculado ao estudo da extensão desta variabilidade no germoplasma disponível utilizando-se marcadores morfológicos e moleculares tais como RAPD, AFLP, ISSR, SSRs e SCAR (BASHA & SUJATHA, 2007; R ANADA et al., 2008) e concomitante caracterização fitoquímica do óleo e da torta. A maioria dos estudos de avaliação de germoplasma tem sido realizada utilizando materiais coletados de árvores de diferentes regiões, idades e modo de propagação (sementes e estacas). Comparações de características relacionadas à produtividade destes acessos geram conclusões errôneas em relação à superioridade dos materiais identificados, pois são características altamente influenciadas pelo ambiente. Por isso, as avaliações da variabilidade entre acessos de diferentes procedências devem ser realizadas em germoplasma submetido às mesmas práticas agronômicas e a condições edafo-climáticas similares. Posteriormente, a superioridade dos acessos identificados pode ser confirmada através de ensaios de validação em diferentes localidades. Após seleção de plantas elites, estão poderão ser propagadas em escala comercial com auxílio de técnicas de cultura de tecidos associada à biorreatores visando à rápida disponibilização de mudas uniformes, com qualidade genética e fitossanitária. Para acelerar o trabalho de produção de novas variedades é necessário o aumento da variabilidade Biológico, São Paulo, v.70, n.2, p.65-67, jul./dez., 2008 65 66 21ª RAIB genética existente com busca de genes valiosos em espécies selvagens de Jatropha e em espécies distantes, relacionadas ou não com o pinhão manso. Muitos genes de interesse ao melhoramento como os de resistência a pragas e doenças ou os genes relacionados ao metabolismo dos ácidos graxos, não estão disponíveis, devido às barreiras interespecíficas. Barreiras deste tipo podem ser rompidas com o auxílio de técnicas como o resgate de embriões, associadas a séries de retrocruzamentos planejados. No entanto, esta estratégia, além de demorada e cara, está limitada a algumas espécies selvagens. Outras ferramentas biotecnológicas podem ser desenvolvidas e integradas a programas de melhoramento do pinhão manso, destacando-se a obtenção de variantes somaclonais, mutação in vitro e a transformação genética. A exploração da variabilidade gerada por cultivo in vitro (variação somaclonal) e a indução de mutação ex vitro ou in vitro através do uso de mutagênicos físicos (raios gama e UV) ou químicos pode induzir alterações morfológicas em vários caracteres, melhorando assim a arquitetura da planta (SAKAGUCHI & SOMABHI, 1987). A transformação genética tem grande potencial, por tornar factível a introdução de genes de espécies afins ou mesmo espécies, gêneros, famílias mais distintas e genes de origem não vegetal. No entanto, o uso desta tecnologia exige um eficiente protocolo de regeneração in vitro, o que tem sido desenvolvido para J. curcas e outras espécies do gênero (SUJATHA & D HINGRA, 1993; S UJATHA & MUKTA, 1996; S UJATHA & R EDDY, 2000; SUJATHA et al., 2005; JHA et al., 2007; DEORE & JOHNSON, 2008; MARQUES et al., 2008). Através da engenharia genética é possível a transferência de genes relacionados ao aumento da resistência a estresse abióticos, como o gene JcERF, o silenciamento do(s) gene(s) envolvidos no produção do diterpeno tóxico (forbol) resultando em cultivares atóxicos e dos genes delta-9 ou 12 desaturase, proporcionando acúmulo dos ácidos esteárico e oléico, respectivamente. Nossas pesquisas têm focado principalmente o aumento do teor e qualidade do óleo e diminuição ou remoção completa do terpeno tóxico. A toxidez do pinhão manso está relacionada à presença de fatores antinutricionais tais como a curcina (uma proteína inativadora de ribossomos que age como irritante da mucosa gastrointestinal e tem ação hemaglutinante); inibidores de tripsina (enzima necessária à boa digestão das proteínas); fitatos (classe de compostos de ocorrência natural formados durante o processo de maturação de sementes e grãos) e os ésteres de forbol. Os fitatos reduzem a biodisponibilidade no organismo de minerais como: cálcio, ferro, magnésio, manganês, cobre e zinco, principalmente. No entanto, a partir da década de 90, inúmeros estudos científicos internacionais têm mostrado que estes compostos também atuam como potentes agentes antioxidantes. Com exceção dos ésteres de forbol, os demais agentes antinutricionais citados são destruídos pelo calor durante o processo de extração do óleo. Os ésteres de forbol são os principais componentes tóxicos presentes no pinhão manso. São derivados de diterpenos tetracíclicos, restritos às famílias Euphorbiaceae e Thymelaceae. Possuem atividades promotoras de tumor e inflamatórias. Os mecanismos moleculares que regem a atividade promotora de tumor dos ésteres de forbol são diferentes dos mecanismos que desencadeiam a atividade inflamatória. A atividade promotora de tumor parece estar associada à habilidade que os ésteres de forbol apresentam de substituir o diacilglicerol na ativação da proteína quinase C, e também devido à capacidade de estimular a síntese de proteínas, de RNA e de DNA, comportando-se como agentes mitogênicos e estimulando o crescimento celular, mesmo em doses muito baixas. Já a atividade inflamatória dos ésteres de forbol está relacionada à mobilização dos fosfolipídeos, liberação do ácido araquidônico causando a secreção de prostaglandinas, o que leva a uma resposta inflamatória dos tecidos. O efeito da exposição aguda da pele de humanos a estas plantas tóxicas leva à inflamação, e os sintomas pré-inflamatórios são dor e necrose do tecido epitelial. Tumores só se desenvolvem após uma exposição crônica às plantas. Este fenômeno tem sido demonstrado apenas na pele de camundongos. Quando partes das plantas são ingeridas, os sintomas são ardência nos lábios, língua e mucosas orais, seguidos de dores intestinais, vômitos e diarréias severas. O contato com os olhos pode causar conjuntivites e edema (EVANS & EDWARDS, 1987). MAKKAR et al. (1998) trabalhando com variedades tóxicas e não tóxicas de J. curcas, isolaram lectinas, inibidores de tripsina, fitatos e ésteres de forbol das sementes. Observaram que os níveis de lectinas, de fitatos e de inibidores de tripsina são similares para ambas as variedades, mas os níveis de ésteres de forbol diferem drasticamente entre elas. Concluiram que os ésteres de forbol são responsáveis pelos efeitos nocivos que as variedades tóxicas provocam nos seres humanos. Como suporte aos trabalhos que vem sendo realizados pelo IAC voltados para a seleção de variedades altamente produtivas, ricas em óleo e não tóxicas, o ITAL vem se integrando à equipe para o desenvolvimento de metodologia eficiente para a dosagem do teor dos ésteres de forbol, bem como para caracterização quantitativa, física e química do óleo nas sementes das plantas elites selecionadas. Análises preliminares do óleo contido nas plantas amostradas apresentaram como características: índice de iodo entre 93 e 107 e índice de saponificação entre 192 e 193. Os resultados obtidos, até o momento, Biológico, São Paulo, v.70, n.2, p.65-67, jul./dez., 2008 21ª RAIB indicam que as amostras apresentam em sua composição principalmente os ácidos: oléico (C 18:1) (32 – 44%); linoleico (C 18:2) (34 – 49%) e palmítico (C 16:0) (12 -14%), com variação do teor entre as amostras. Observa-se que esta variação não tem influência sobre o índice de saponificação, o qual está relacionado com o peso molecular médio dos ácidos graxos. No entanto, afetam o índice de iodo, que está relacionado com o grau de insaturação dos ácidos graxos e, consequentemente, com a estabilidade oxidativa dos óleos e do biodiesel a ser produzido com esta matériaprima. Neste aspecto, as amostras que apresentam menor índice de iodo terão, provavelmente, maior estabilidade oxidativa. Diante da necessidade do desenvolvimento de cultivares superiores para que J. curcas seja definitivamente considerada como fonte de matéria prima promissora para a produção de biodiesel, consideramos a importância da integração das novas biotecnologias, que aliadas ao programa de melhoramento convencional poderão nos auxiliar no desenvolvimento de cultivares superiores a médio prazo. Ressalta-se também que a união de esforços multidisciplinares é essencial para a conquista de resultados positivos em nossas pesquisas, já que o pinhão é uma planta ainda pouco conhecida sob diversos aspectos. Referências ADAM , S.E.I. & MAGZOUB, M. Toxicity of Jatropha curcas for goats. Toxicology, v.4, p.347-354, 1975. BASHA S.D. & SUJATHA M. Inter and intra-population variability of Jatropha curcas (L.) characterized by RAPD and ISSR markers and development of population-specific SCAR markers, Euphytica, v.156, p.375-386, 2007. DEORE A.J. & J OHNSON T.S. High frequency plant regeneration from leaf-disc cultures of Jatropha curcas L.: an important biodiesel crop, Plant Biotechnol Rep., 2008 EVANS, F.J. & EDWARDS, M.C. Activity correlations in the phorbol ester series. In JURY, S.L.; R EYNOLDS, T.; C UTLER, D. F.; EVANS, F.J. (Ed.). The Euphorbiales chemistry, taxonomy & economic botany. London: Academic Press, 1987. GANDHI, V.M.; CHERIAN , R.M.; MULKY, M.J. 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