PDF Português - Revista Adolescência e Saúde

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RELATO DE CASO
Ana Cristina
Gonçalves Ribeiro
Ferreira Barros1
Diana Baptista1
Ângela Silva2
Acne e cefaleias - uma relação que não
deve ser esquecida
Olga Pereira3
Carla Laranjeira4
Acne and headache - a relationship that should not be forgotten
> RESUMO
Objetivo: As cefaleias podem traduzir patologia grave, e a presença de sinais e sintomas de hipertensão intracraniana (HIC)
alerta para a necessidade de investigação etiológica. Descreve-se o caso de uma adolescente com cefaleias e medicada com
minociclina, fármaco amplamente utilizado em dermatologia. Descrição de caso: Adolescente de 12 anos com cefaleias,
náuseas e vómitos, de agravamento progressivo, associados à diplopia horizontal intermitente e zumbido pulsátil. Medicada
nas 6 semanas prévias com minociclina oral e adapaleno tópico por acne. Ao exame objetivo constatada limitação na abdução do olho direito e edema bilateral da papila, simétrico, não inflamatório. O estudo imagiológico excluiu massas intracranianas e foi realizada punção lombar com medição da pressão intracraniana (PIC) que se revelou superior a 50 cm de água.
O vírus Epstein-Barr foi o único achado positivo no despiste infeccioso do líquido cefalorraquidiano. Iniciou acetazolamida e
suspendeu a minociclina, com melhora dos sintomas. Comentário: Dada a prevalência de acne nos adolescentes e a prescrição de tetraciclinas no seu tratamento, é essencial estar alerta para os sinais de HIC, de modo a instituir um tratamento
atempado que previna a perda visual permanente.
> PALAVRAS-CHAVE
Pseudotumor cerebral, minociclina, infecções por vírus Epstein-Barr, cefaleia, acne, adolescente.
> ABSTRACT
Objective: Headaches can reflect serious pathologies, and the signs and symptoms of intracranial hypertension (ICH) indicate
the need for etiological investigation. This case study describes an adolescent girl with headaches taking minocycline, a
drug widely used in dermatology. Case description: A twelve-year-old female with progressively more severe headaches,
nausea and vomiting, with horizontal diplopia and intermittent pulsatile tinnitus, medicated with oral minocycline and
topical adapalene for acne over the previous six weeks. An objective examination revealed abduction limitation of the
right eye and symmetrical non-inflammatory bilateral papilledema. The imaging study excluded intracranial mass and
intracranial pressure at the lumbar puncture, higher than 50 cm of water. The Epstein-Barr virus was the only positive finding
in the infectious examination of the cerebrospinal fluid. After switching to acetazolamide and taking her off minocycline, the
symptoms improved. Remark: Due to the prevalence of acne among adolescents and the prescription of tetracyclines for its
treatment, it is vital to be alert for signs of ICH, with rapid treatment preventing permanent loss of sight.
> KEY WORDS
Pseudotumor cerebri, minocycline, infection by Epstein-Barr virus, headache, acne, adolescent.
1
Médica - Interna de Pediatria. Centro Hospitalar do Alto Ave. Guimarães, Portugal.
2
Médica - Assistente Hospitalar de Neurologia. Centro Hospitalar do Alto Ave. Guimarães, Portugal.
3
Médica - Assistente Hospitalar de Dermatologia. Centro Hospitalar do Alto Ave. Guimarães, Portugal.
4
Médica - Assistente Hospitalar de Pediatria. Centro Hospitalar do Alto Ave. Guimarães, Portugal.
Ana Cristina Barros ([email protected]) - Rua Óscar da Silva, n.º 88, 3º A, 4200-432 - Porto, Portugal.
Recebido em 8/01/2012 - Aprovado em 10/02/2012
Adolesc. Saude, Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, p. 54-58, jan/mar 2012
Adolescência & Saúde
Barros et al.
> INTRODUÇÃO
As cefaleias podem traduzir patologia grave,
sobretudo se acompanhadas de sinais e sintomas
de hipertensão intracraniana (HIC)1, que, até prova em contrário deve-se à presença de uma massa
intra-craniana2. A HIC idiopática é caracterizada,
segundo os critérios de Dandy modificados3,4,5,
por sinais e sintomas de aumento da pressão intracraniana (PIC); exame neurológico normal (exceto
paresia do VI par); pressão de abertura do líquido
cefalorraquidiano (LCR) > 25 cm de água em decúbito lateral; análise citoquímica do LCR normal;
estudo imagiológico cerebral normal; e exclusão
de causas sistêmicas de HIC. A incidência anual
de HIC idiopática em adultos é de 1-2/100.000
pessoas, podendo chegar a 20/100.000 em mulheres obesas1,6. Após a puberdade verifica-se um
predomínio no sexo feminino e em indivíduos
obesos1,4,5,6,7,8. A idade de início da HIC idiopática
em pediatria é variável, havendo relatos de casos a
partir dos 3 meses (média de idade de 7,7 anos)9.
> CASO CLÍNICO
Adolescente de 12 anos, do sexo feminino,
com quadro de cefaleias frontoparietais opressivas, náuseas e vômitos com 7 dias de evolução e
de agravamento progressivo. Nas 24 horas prévias à observação apresentava diplopia horizontal intermitente e zumbido pulsátil. Sem história
de febre nem traumatismo. Sem queixas respiratórias ou genito-urinárias. Sem imunizações ou
alterações recentes de peso. Estava medicada
com minociclina oral (100 mg/dia) e adapaleno
tópico há 6 semanas por acne.
Ao exame objetivo, apresentava razoável
aspecto geral, consciente, colaborante e orientado. Estava apirética e hemodinamicamente estável. Normoponderal. Sem sinais de desidratação.
Comedões abertos e lesões pápulo-pustulosas
na face. No exame neurológico constatou-se
limitação na abdução do olho direito e edema
bilateral da papila, simétrico, não inflamatório.
A acuidade visual e campimetria eram normais.
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Analiticamente, sem alterações no hemoleucograma e contagem plaquetária. Proteína
C reativa e velocidade de sedimentação normais. Ionograma, função renal e transamínases
sem alterações. Cinética de ferro e estudo da
coagulação sem alterações, bem como cortisol e função tiroideia. Sem evidência serológica de infecção aguda [vírus Epstein-Barr (EBV),
citomegalovírus (CMV), vírus herpes simplex
(HSV) 1 e 2, toxoplasmose e Mycoplasma pneumoniae]. Anticorpos anticitoplasma neutrofílico,
anticorpos anti-nucleares, anticorpos anti-DNA
de cadeia dupla e anticorpos antifosfolipídios
negativos. Complemento e imunoglobulinas
sem alterações. Exame sumário de urina sem alterações. Realizou tomografia axial computadorizada (normal), ressonância magnética cerebral
(normal) e angioressonância magnética cerebral
(normal). A pressão de abertura do LCR na punção lombar, em decúbito lateral, foi superior a
50 cm de água. A análise citoquímica foi normal
e o exame bacteriológico negativo. A pesquisa
de vírus no LCR foi positiva para o EBV (10 cópias/ml) e negativa para os restantes vírus (enterovírus, CMV e HSV). Perante o diagnóstico de
hipertensão intracraniana, iniciou acetazolamida
(250 mg, bidiário) e suspendeu minociclina, verificando-se redução da frequência e intensidade
das cefaleias e episódios de diplopia, desaparecimento do zumbido pulsátil, náuseas e vômitos.
Cerca de 8 meses após a internação, permanecia
sem queixas de cefaleias e sem alterações visuais
(acuidade visual e campimetria sem alterações),
mantendo terapêutica com acetazolamida.
DISCUSSÃO >
Os sintomas mais frequentes de HIC são
as cefaleias (90-99%), a perda visual transitória
(70%) e o zumbido pulsátil intracraniano (60%),
ocorrendo também fotópsias (54%), diplopia
(38%) e perda visual (30%), que pode ser severa em 25-30% dos casos2,3,4,5. Sintomas menos
frequentes são a rigidez e dor cervical, náuseas e
vômitos. A paresia do nervo abducente ocorre em
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10-20% dos casos, havendo relatos de paresias de
outros nervos cranianos (III, IV, V e VII)3. O edema
da papila devido a HIC habitualmente é simétrico,
mas pode ser unilateral e francamente assimétrico1. A atrofia do nervo óptico resulta de edema
crônico da papila com consequente cegueira per-
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manente, sendo esta a maior morbilidade da HIC
não tratada1,4,5,6. Por isso, a designação HIC benigna não será a mais adequada quando se trata de
um diagnóstico de exclusão, sendo o termo idiopática mais apropriado6. Na Tabela 1 descrevemse as causas de aumento da PIC.
Tabela 1. CAUSAS DE AUMENTO DA PRESSÃO INTRACRANIANA
Substâncias exógenas
 Amiodarona
 Indometacina, Cetoprofeno
 Antibióticos (trimetropim-sulfametoxazol, ácido
nalidíxico, sulfonamidas, penicilina, tetraciclina*
(minociclina e doxiciclina), nitrofurantoína)
 Chumbo, lítio
 Carbidopa, levodopa
 Fenitoína
 Corticosteroides (tópicos ou sistêmicos)
Ciclosporina
 Vitamina A (> 100 000 U/dia)/ácido retinoico*
 Danazol
 Hormonas tiroideias (levotiroxina)
 Implantes de levonorgestrel, Contraceptivos orais,
Oxitocina
 Isotretinoína
 Hormona de crescimento*
Doenças sistêmicas
 Anemia por deficiência de ferro
 Doença de Addison
 Insuficiência respiratória crônica
 Doença de Cushing
 Apneia do sono
 Síndrome de Turner
 Febre familiar mediterrânica
 Hipoparatiroidismo
 Hipertensão arterial
 Panhipopituitarismo
 Obesidade
 Hipocalcemia devido a déficit de vitamina D
 Esclerose múltipla
 Hipo ou hipertiroidismo
 Lúpus eritematoso sistêmico
 Acromegalia
 Síndrome de anticorpos antifosfolipídios
 Síndrome de Behçet
 Síndrome de ovário policístico
 Síndrome de Reye
 Alterações da coagulação
 Sarcoidose
 Púrpura trombocitopênica
 Vírus da imunodeficiência humana
 Uremia
Alterações na drenagem venosa cerebral
 Trombose dos seios venosos cerebrais
(sagital e lateral) - asséptica (estados de
hipercoagulabilidade) ou séptica (otite média,
mastoidite)
 Tumores extravasculares
 Aumento da pressão no coração direito (cor
pulmonale)
 Síndrome da veia cava superior
 Dissecção cervical bilateral radical
*Fármacos mais fortemente associados com aumento da pressão intracraniana.
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A HIC é um efeito lateral raro, mas bem
estabelecido, da terapia com minociclina1,4.
A sua alta lipossolubilidade facilita a penetração na barreira hematoencefálica, reduzindo
a capacidade de reabsorção de LCR nas granulações aracnoideias1,2,4,10. No entanto, para
o desenvolvimento de HIC com o uso de minociclina, parecem ser necessários outros fatores de risco e poderá até existir uma predisposição genética2,11,12. O risco é maior quando
se usam simultaneamente retinoides como a
isotretinoína. Na maioria dos casos os sintomas surgem 1 a 2 meses após o início do tratamento, podendo variar entre 2 semanas e 18
meses1,6,10,13. Trabalhos recentes sugerem que a
PIC permanece elevada entre 2 a 5 semanas
após a suspensão das tetraciclinas14, enquanto
outros mostram que o edema da papila pode
manter-se por vários meses6.
No caso clínico descrito, parece que o uso
de minociclina foi o fator causal de HIC. Apesar
de ter sido encontrado material genético de EBV
no LCR, não houve manifestações clínicas de
mononucleose infecciosa nem de infecção do sistema nervoso central (SNC) pelo EBV. O estudo
serológico do sangue excluiu infecção aguda por
EBV e o LCR apresentava composição citoquímica
normal. A imagiologia cerebral não tinha alterações no parênquima cerebral, excluindo-se assim
meningoencefalite. A carga vírica do EBV (detectada por PCR) foi demasiado baixa (10 cópias/ml)
para ser considerada infecção aguda do SNC (>
10 000 cópias/ml15), pelo que o vírus não parece
ter sido o responsável pela HIC. O EBV, à semelhança dos outros vírus do grupo herpes, pode
ficar latente, sem que a detecção do seu material
genético signifique que seja o agente causal da
doença16. Assim, a quantificação da carga vírica
é um parâmetro útil para avaliar o significado
clínico da presença do EBV no LCR, ajudando a
diagnosticar infecção aguda15,17.
O tratamento da HIC é dirigido à remoção
do fator precipitante e tem como objetivo preservar a função do nervo óptico e melhorar os
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sintomas, sendo necessário o acompanhamento
por oftalmologia e neurologia1.
Os diuréticos como a acetazolamida (25
mg/kg/dia, dose máxima 100 mg/kg/dia ou 2g/
dia; ou tratamento inicial com 250 mg/dia, aumentando gradualmente até dose máxima de
500 mg 4x/dia) reduzem a produção de LCR,
constituindo a medicação mais utilizada e eficaz1. Deve haver monitorização do hemograma
com contagem de plaquetas, eletrólitos séricos e
realização de ecografia renal devido aos efeitos
adversos a nível hematológico (pancitopenia),
alterações do equilíbrio ácido-base e iônico (hipocalemia e acidose) e possibilidade de formação de cálculos renais em tratamentos superiores a 6 meses, respectivamente. A furosemida é
a alternativa quando existe intolerância aos inibidores da anidrase carbônica4.
A prednisolona (2 mg/kg/dia durante 2 semanas, com desmame em 2 semanas) está indicada quando a etiologia da HIC é inflamatória, o
edema da papila é severo e há risco de compromisso visual ou quando a acetazolamida isolada
é ineficaz1. No caso de haver perda visual, pode
ser útil realizar um curto ciclo de corticoide
como uma medida temporária antes do tratamento cirúrgico. No entanto, devido aos efeitos
adversos, não deve ser considerada uma solução
em longo prazo, pois além de causar aumento
de peso com consequente agravamento da HIC,
pode-se verificar efeito rebound no desmame1.
O tratamento cirúrgico está indicado
quando há agravamento das alterações visuais
apesar da terapêutica médica (fenestração da
bainha do nervo óptico e derivação ventrículo
ou lombo-peritoneal)1.
A complicação mais grave da HIC é a perda
visual, que pode ser súbita ou gradual e ocorrer
em qualquer fase da doença1. O prognóstico da
HIC induzida por minociclina é muito variável,
existindo relatos de casos em que a evolução é
benigna, resolvendo-se espontaneamente após
descontinuação do antibiótico, enquanto noutros há perda visual permanente1,14.
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> CONCLUSÃO
Dada a prevalência de acne nos adolescentes e a prescrição de tetraciclinas no seu tratamento, devem ser explicados os sinais de alarme
de hipertensão intracraniana, nomeadamente
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cefaleias e alterações visuais. Apesar do uso frequente da minociclina na terapêutica da acne,
a hipertensão intracraniana é uma complicação
rara e por isso devem ser excluídas causas secundárias. A instituição do tratamento em tempo
hábil previne a perda visual permanente.
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