THIEME Case Report | Relato de Caso Ultrassonografia da bainha do nervo óptico no diagnóstico da hipertensão intracraniana idiopática Ultrasonographic Evaluation of the Optic Nerve Sheath in the Diagnosis of Idiopathic Intracranial Hypertension Marx Lima de Barros Araújo1 Benjamim Pessoa Vale2 Irapua Ferreira Ricarte3 Lívio Pereira de Macêdo4 Anderson Batista Rodrigues5 Tomásia Henrique Oliveira de Holanda Monteiro5 1 Neurologista, Instituto de Neurociências e Hospital Universitário da Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brazil. 2 Neurocirurgião, Instituto de Neurociências, Teresina, PI, Brazil. 3 Neurologista, Instituto de Neurociências, Teresina, PI, Brazil. 4 Acadêmico de medicina, Faculdade Integral Diferencial, Teresina, PI, Brazil. 5 Acadêmico(a) de Medicina, Universidade Federal do Piauí, Teresina, PI, Brazil. Address for correspondence Marx Lima de Barros Araújo, MD, Instituto de Neurociências, Rua Bartolomeu Vasconcelos, 2.440, Ilhotas, Teresina, PI, Brazil, CEP: 64015-030 (e-mail: [email protected]). Arq Bras Neurocir Resumo Palavras-Chave ► hipertensão intracraniana ► ultrassonografia ► bainha do nervo óptico Abstract Keywords ► intracranial hypertension ► ultrasonography ► optic nerve sheath received September 21, 2015 accepted July 4, 2016 A hipertensão intracraniana (HIC) é uma condição clínica potencialmente grave, podendo ser observada na vigência de vários processos patológicos. O quadro clínico pode manifestar-se com cefaleia, vômito, alterações do nível de consciência, alterações visuais e papiledema. O padrão-ouro para o diagnóstico da HIC permanece sendo através de medida invasiva, com a instalação de dispositivo intracraniano. Técnicas não invasivas, como a ultrassonografia da bainha do nervo óptico (USBNO), têm surgido nos últimos anos com resultados promissores na prática clínica. Os autores relatam o caso de paciente jovem com história de cefaleia progressiva associada a alterações visuais e papiledema, que teve o diagnóstico de hipertensão intracraniana idiopática auxiliado pela utilização da USBNO. Intracranial hypertension (ICH) is a life-threatening condition, which can be observed in several diseases. Clinical presentation is variable, with headache, nausea, vomiting, visual disturbances, papilledema and alteration of the level of consciousness. The gold standard for diagnosis of ICH remains through the implementation of intracranial invasive devices. Non-invasive techniques such the ultrasonography of the optic nerve sheath (USONS) has emerged in recent years with promising results in clinical practice. The authors report a case of a patient with progressive headache associated with visual impairment and papilledema, which had the diagnostic of idiopathic intracranial hypertension using USONS. DOI http://dx.doi.org/ 10.1055/s-0036-1594234. ISSN 0103-5355. Copyright © by Thieme Publicações Ltda, Rio de Janeiro, Brazil Ultrassonografia da bainha do nervo óptico no diagnóstico da HIC idiopática Introdução Araújo et al. líquido cefalorraquidiano (LCR). Portanto, se a circulação do LCR não está bloqueada, um aumento da PIC é transmitido através do espaço subaracnóideo ao redor do nervo óptico, dentro da sua bainha, especialmente no segmento retrobulbar.12 Através deste artigo, relatamos a utilidade da USBNO no diagnóstico de paciente com hipertensão intracraniana idiopática (HII). A hipertensão intracraniana (HIC) é uma complicação frequente em pacientes com patologias neurológicas e está associada a uma elevada morbidade e mortalidade. Por esse motivo, o diagnóstico precoce e a implementação de medidas terapêuticas adequadas são fundamentais para um bom prognóstico.1 Esses pacientes requerem, na maioria das vezes, monitoramento multimodal da pressão intracraniana (PIC), da pressão de perfusão cerebral (PPC), do metabolismo e consumo de oxigênio tecidual, atividade elétrica cerebral e temperatura, que podem ser obtidos através de dispositivos invasivos ou não invasivos.2 Das variáveis citadas, a medição da PIC e sua manutenção abaixo de níveis até 20 mmHg é, de forma isolada, o fator mais importante para um bom desfecho neurológico.3 O padrão-ouro para a aferição e o acompanhamento da PIC permanece sendo através do uso de dispositivos intracranianos, especificamente com a implantação de cateteres. Entretanto, a conduta invasiva desta técnica apresenta múltiplas desvantagens, com potenciais complicações graves (hemorragias, infecções), e a presença necessária de um profissional especializado – no caso, um neurocirurgião – não está disponível na maioria dos serviços. Em muitos casos, mesmo com um neurocirurgião disponível, ainda são observadas contraindicações ao procedimento, como as coagulopatias.4–7 Nos últimos anos, vários métodos não invasivos têm sido desenvolvidos com o intuito de fornecer uma alternativa para o diagnóstico da HIC, como os estudos de neuroimagem e doppler transcraniano.8 Contudo, apesar de trazerem menos riscos de complicações, a acurácia desses métodos permanece limitada. A ultrassonografia da bainha do nervo óptico (USBNO) é uma ferramenta diagnóstica promissora e pode ser utilizada à beira do leito. Uma vez que o nervo óptico é uma continuação do sistema nervoso central, ele está envolto pelo Paciente do sexo masculino, 25 anos, médico, chegou ao consultório de neurologia com história de 10 dias de cefaleia holocraniana, de leve a moderada intensidade, caráter progressivo, relatada como “sensação de peso na cabeça” e associada a alterações visuais descritas como escotomas cintilantes e turvação. Exame físico geral mostrou paciente obeso (IMC ¼ 48 kg/m2), com estrias violáceas no abdome. A avaliação oftalmológica com retinografia evidenciou limites imprecisos do disco óptico bilateralmente, com margens mal delimitadas e exsudatos, compatíveis com papiledema (►Figs. 1 e–2). Não havia redução de acuidade ou campo visual. Exame neurológico não demonstrou alteração da consciência, paralisia de nervos cranianos ou déficit focal. Foram solicitados exames laboratoriais gerais que mostraram apenas alterações nos níveis de colesterol. Não havia distúrbio hormonal. Foi solicitada ressonância magnética do encéfalo para investigação etiológica que mostrou sela túrcica vazia e aumento do espaço liquórico na bainha do nervo óptico, sem outros achados. Com a suspeita clínica de HII, procedeu-se a realização de USBNO, que mostrou resultado sugestivo de HIC, com medidas da bainha do nervo de 0,52 mm à direita (►Fig. 3) e 0,54 mm à esquerda (valor de referência normal adotado no nosso serviço: até 0,48 mm).13 Decidiu-se pela punção lombar, realizada com o paciente em decúbito lateral esquerdo, cuja pressão de abertura foi de 36 Fig. 1 Retinografia, olho direito: disco óptico com bordas mal delimitadas e exsudatos, compatíveis com papiledema. Fig. 2 Retinografia, olho esquerdo: disco óptico com bordas mal delimitadas e exsudatos, compatíveis com papiledema. Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia Relato de Caso Ultrassonografia da bainha do nervo óptico no diagnóstico da HIC idiopática Araújo et al. Discussão Fig. 3 Ultrassonografia da bainha do nervo óptico, olho direito: aumento do diâmetro da bainha do nervo (diâmetro ¼ 0,52 mm; valor de referência adotado no serviço: até 0,48 mm). mmHg. A análise do LCR (citologia, citometria, proteínas totais, glicose, LDH e exames microbiológicos para bactérias e fungos) mostrou-se normal, confirmando o diagnóstico sugerido de HII. Foi iniciado tratamento com acetazolamida na dose inicial de 750 mg/dia (250 mg 3 vezes ao dia), e, como medida não farmacológica, foi orientada redução de peso com dieta e atividade física, devendo o paciente seguir acompanhamento neurológico e oftalmológico. Nova consulta ambulatorial realizada 45 dias após início do tratamento mostrou o paciente com resolução da cefaleia e das alterações visuais. Avaliação oftalmológica com nova retinografia mostrou resolução do papiledema (►Figs. 4 e 5). O paciente estava seguindo acompanhamento nutricional e já havia perdido 8 kg. Fig. 4 Retinografia após 45 dias de tratamento, olho direito: disco óptico com bordas nítidas e sem exsudatos. A HII é uma patologia de etiologia desconhecida que afeta, preferencialmente, mulheres jovens e obesas. O problema fundamental nessa doença é uma PIC cronicamente elevada, e a manifestação neurológica mais importante é o papiledema, que pode levar à atrofia óptica progressiva e cegueira.14 A apresentação de um paciente com sintomas de HIC (cefaleia, alteração visual e papiledema) deve ser considerada uma emergência médica, estando indicada a realização de exame de neuroimagem (preferencialmente, ressonância magnética) para investigar a presença de lesão expansiva intracraniana. Na ausência de lesões detectáveis, torna-se provável o diagnóstico de HII. Esta patologia não está associada a risco específico de mortalidade, porém, observa-se morbidade em decorrência de cefaleia incapacitante e, principalmente, de alterações visuais que podem evoluir para a cegueira.15,16 Estudo realizado por Prunet et al. mostrou que os valores normais do diâmetro da bainha do nervo óptico (DBNO) variam entre 0,30 e 0,49 mm.13 Soldatos et al. mostraram, por meio de um estudo realizado em pacientes com traumatismo cranioencefálico, que há uma correlação adequada entre o DBNO e a HIC, demonstrando que valores acima de 0,54 mm correlacionam-se com aumento da PIC para valores acima de 20 mmHg, com sensibilidade de 71% e especificidade de 100%.17 Roque et al. também estudaram a utilidade da medição do DBNO, apontando como valor de corte o diâmetro de 0,50 mm.18 Conclusão A USBNO é uma técnica não invasiva, de fácil realização à beira do leito, sem complicações associadas, e pode ser útil na investigação e no acompanhamento de pacientes com suspeita clínica e diagnóstico de HII. O estudo da USBNO surge como um procedimento promissor para a avaliação da PIC nos vários contextos de doenças que podem cursar com HIC. Fig. 5 Retinografia após 45 dias de tratamento, olho esquerdo: disco óptico com bordas nítidas e sem exsudatos. Arquivos Brasileiros de Neurocirurgia Ultrassonografia da bainha do nervo óptico no diagnóstico da HIC idiopática Conflitos de Interesse Não há conflitos de interesse a declarar. 10 Referências 11 1 Ropper AH. Hyperosmolar therapy for raised intracranial pres- sure. N Engl J Med 2012;367(8):746–752 2 Raboel PH, Bartek J Jr, Andresen M, Bellander BM, Romner B. 3 4 5 6 7 8 9 Intracranial Pressure Monitoring: Invasive versus Non-Invasive Methods-A Review. Crit Care Res Pract 2012;2012:950393 Treggiari MM, Schutz N, Yanez ND, Romand JA. Role of intracranial pressure values and patterns in predicting outcome in traumatic brain injury: a systematic review. Neurocrit Care 2007;6(2):104–112 The Brain Trauma Foundation. The Brain Trauma Foundation. 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