Teorema. Um número primo impar p é soma de dois - MAT-UnB

Propaganda
Um resultado de teoria dos números (algebrica).
Teorema. Um número primo impar p é soma de dois quadrados a2 + b2 (com
a, b ∈ Z) se e somente se p ≡ 1 mod 4.
Demonstração. Se p = a2 + b2 então um entre a e b e par e o outro é impar
(se fossem ambos pares ou ambos impares então a2 + b2 seria par), por exemplo
suponha a par e b impar (o outro caso é analogo). Então a2 ≡ 0 mod 4 e b ≡ 1
ou 3 módulo 4, assim b2 ≡ 1 mod 4 então a2 + b2 ≡ 1 mod 4.
Suponha agora que p ≡ 1 mod 4. Então p é redutı́vel em Z[i], assim existem
a + ib, c + id ∈ Z[i] tais que p = (a + ib)(c + id) logo tomando as normas
p2 = N (p) = N ((a + ib)(c + id)) = N (a + ib)N (c + id) = (a2 + b2 )(c2 + d2 ).
Como Z é UFD e p é irredutı́vel em Z, e a2 + b2 , c2 + d2 são positı́vos, devemos
ter a2 + b2 = p = c2 + d2 .
Por exemplo 5 = 12 + 22 , 13 = 22 + 32 , 17 = 12 + 42 , 29 = 22 + 52 . Por
exemplo 11, 19, 23 não são somas de dois quadrados.
Um corpo finito.
O argumento principal da demonstração da caracterização dos irredutı́veis
de Z[i] é o seguinte:
Fp [X]/(X 2 + 1) ∼
=
Z[X]
∼
= Z[i]/(p).
(p, X 2 + 1)
Se trata de observar que no calculo do quociênte de Z[X] módulo (p, X 2 + 1)
(o ideal gerado por p e X 2 + 1) podemos reduzir primeiro módulo p e depois
módulo (X 2 + 1) o vice-versa (lembrando que Z[i] ∼
= Z[X]/(X 2 + 1)).
Agora queremos entender um pouco melhor o quociênte Fp [X]/(X 2 + 1), por
exemplo estudamos o caso p = 3. Sabemos que X 2 + 1 é irredutı́vel em F3 [X]
(pois 3 ≡ 3 mod 4, ou mais simplesmente, porque X 2 + 1 é um polinômio de
grau 2 sem raizes em F3 : 02 + 1 = 1 6= 0, 11 + 1 = 2 6= 0, 22 + 1 = 2 6= 0). Logo
K := F3 [X]/(X 2 + 1)
é um corpo. Queremos entender melhor os elementos de K e as operações de
soma e produto em K.
Um elemento generico de K é uma classe P (X)+(X 2 +1). Fazendo a divisão
com resto de P (X) por X 2 + 1 obtemos P (X) = (X 2 + 1)Q(X) + R(X) com
R(X) de grau < 2 ou R(X) = 0, assim R(X) = aX + b com a, b ∈ F3 . Observe
que P (X)+(X 2 +1) = (X 2 +1)Q(X)+R(X)+(X 2 +1) = R(X)+(X 2 +1), logo
na verdade os elementos de K têm a forma aX + b + (X 2 + 1) (o que acabamos
de mostrar é que existem representantes de grau < 2). Em particular podemos
contar os elementos de K: temos 3 possibilidades para a e 3 possibilidades para
1
b (pois a, b ∈ F3 ) logo |K| = 32 = 9. K é um corpo com 9 elementos. Em
particular existem corpos com 9 elementos (K é um exemplo).
Agora queremos entender as operações em K. Seja α := X + (X 2 + 1) ∈ K.
Usar α simplifica muito a notação pois aX + b + (X 2 + 1) = aα + b. Logo
K = {0, 1, 2, α, α + 1, α + 2, 2α, 2α + 1, 2α + 2}.
A soma de dois elementos de K se faz da forma usual lembrando que 3 = 0,
assim por exemplo (2α + 1) + (2α + 2) = 4α + 3 = α. Entender a multiplicação
é mais interessante. Observe que α é raiz do polinômio Y 2 + 1 ∈ K[Y ], de fato
α2 +1 = (X +(X 2 +1))2 +(1+(X 2 +1)) = X 2 +1+(X 2 +1) = (X 2 +1) = 0 ∈ K.
Em outras palavras α2 = −1. Isso nos permite de multiplicar elementos de K,
por exemplo
(2α+1)(α+2)(α+1) = (2α2 +5α+2)(α+1) = (2α)(α+1) = 2α2 +2α = 2α+1.
Agora podemos responder a uma outra pergunta interessante. Sabemos que K
é um corpo com 9 elementos, em particular
K ∗ = K − {0} = {1, 2, α, α + 1, α + 2, 2α, 2α + 1, 2α + 2}
é um grupo multiplicativo finito. Sabemos que isso implica que K ∗ é cı́clico (é
um subgrupo de K ∗ ). Vamos agora encontrar um gerador de K ∗ . Para fazer
isso calculamos as potências dos elementos de K ∗ . Como |K ∗ | = 8, um gerador
de K ∗ é exatamente um elemento de K ∗ de ordem 8. As potências de 2 são
21 = 2 e 22 = 1, logo o(2) = 2 (2 tem ordem 2) e 2 não é um gerador de
K ∗ : h2i 6= K ∗ . As potências de α são α1 = α, α2 = −1, α3 = −α, α4 = 1,
logo o(α) = 4 (α tem ordem 4) e α não é um gerador de K ∗ : hαi 6= K ∗ .
As potências de α + 1 são (α + 1)1 = α + 1, (α + 1)2 = α2 + 2α + 1 = 2α,
(α+1)3 = 2α(α+1) = 2α2 +2α = 2α+1, (α+1)4 = (α+1)(2α+1) = 2α2 +1 = 2.
Isso implica que o(α + 1) > 4. Por outro lado o(α + 1) divide |K ∗ | = 8 (pelo
teorema de Lagrange) logo o(α + 1) = 8. Isso mostra que α + 1 é um gerador
de K ∗ : hα + 1i = K ∗ .
Observe que como todo elemento de K tem a forma a·α+b·1 com a, b ∈ F3 , K
é um espaço vetorial de dimensão 2 sobre F3 : dimF3 (K) = 2. Uma F3 -base de K
é {1, α}. Nas próximas aulas veremos que mais em geral se P (X) é um polinômio
irredutı́vel de grau n de F [X] (com F corpo) então K := F [X]/(P (X)) é um
corpo, dimF (K) = n e definido α = X + (P (X)), α é raiz de P (Y ) e uma base
de K sobre F é {1, α, α2 , . . . , αn−1 }.
Polinômios irredutı́veis em Z[X] e em Q[X].
Somos interessados em estudar corpos. Já vimos que se K é um corpo então
um quociênte K[X]/(P (X)) é um corpo se e somente se P (X) é irredutı́vel em
K[X]. Queremos estudar alguns criterios de irredutibilidade no caso K = Q.
2
Teorema (Criterio de Eisenstein). Seja f (X) = an X n + . . . + a1 X + a0 um
polinômio de Z[X] de grau n ≥ 1. Se existe um número primo p tal que p não
divide an , p divide a0 , a1 , . . . , an−1 e p2 não divide a0 então f (X) é irredutı́vel
em Q[X].
Demonstração. Observe que podemos supor f (X) primitivo. De fato, f =
c(f )f1 com f1 primitivo (c(f ) é o conteudo de f , o maior divisor comum dos
coeficientes de f ) e p não divide c(f ) (pois p não divide an ), logo as hipóteses
sobre p e f valem também para p e f1 . Além disso c(f ) é invertı́vel em Q (pois
c(f ) 6= 0) logo a irredutibilidade de f é equivalente à irredutibilidade de f1 .
Suponha então f (X) primitivo. Pelo lema de Gauss a irredutibilidade de f
em Q[X] é equivalente à irredutiblidade de f em Z[X]. Como f é primitivo,
uma fatoração própria de f consiste de fatores de grau ≥ 1. Suponha que f
tenha uma tal fatoração, assim f (X) = g(X)h(X) é igual a
(αs X s + αs−1 X s−1 + . . . + α1 X + α0 ) · (βt X t + βt−1 X t−1 + . . . + β1 X + β0 ).
Temos αs 6= 0, βt 6= 0, 1 ≤ t ≤ n − 1 e 1 ≤ s ≤ n − 1. g(X) tem grau s e h(X)
tem grau t. Além disso a0 = α0 β0 e an = αs βt . Como p divide a0 e p2 não
divide a0 , p divide um entre α0 e β0 e não divide o outro, por exemplo suponha
que p divida α0 e que p não divida β0 (o outro caso é analogo). Como p não
divide an = αs βt , p não divide αs e p não divide βt . Seja 1 ≤ u ≤ s ≤ n − 1 o
menor inteiro tal que p não divide αu (um tal u existe pois p divide α0 mas não
divide αs ). Temos
au = α0 βu + α1 βu−1 + . . . + αu−1 β1 + αu β0 .
Como p divide αi para todo i = 0, 1, . . . , u − 1, existe um inteiro m tal que
au = pm + αu β0 . Por outro lado p não divide αu β0 (pois p não divide αu e p
não divide β0 ), logo como au −pm = αu β0 , p não divide au . Como 1 ≤ u ≤ n−1,
isso contradiz a hipótese (p divide a0 , a1 , . . . , an−1 ).
Então por exemplo os polinômios seguintes são irredutı́veis em Z[X] e Q[X].
A irredutibilidade em Q[X] segue do criterio de Eisenstein, a irredutibilidade em
Z[X] segue do lema de Gauss observando que os polinômios dados são primitivos.
• X 4 + 45X + 15 (criterio de Eisenstein aplicado a p = 3 ou p = 5).
• X n − 2 (criterio de Eisenstein aplicado a p = 2).
• X n − 2X + 2 (criterio de Eisenstein aplicado a p = 2).
Vamos ver um caso em que o criterio de Eisenstein não pode ser aplicado.
Seja
f (X) = X 4 − X 2 − 3 ∈ Z[X].
Vamos mostrar que f (X) é irredutı́vel em Z[X] e em Q[X]. Pelo lema de Gauss,
como f (X) é primitivo, a irredutibilidade em Z[X] é equivalente à irredutibilidade em Q[X]. Vamos mostrar a irredutibilidade em Z[X]. Observe que se
f (X) é redutı́vel então admite com certeza um fator de grau 1 ou 2.
3
Não existência de fatores de grau 1. Suponha de ter um fator de grau 1 de
f (X). Observe que f (X) é um polinômio monico, isto é, o coeficiente de grau
máximo de f (X) é 1. Como os produtos dos coeficientes de grau máximo dos
fatores é igual ao coeficiente de grau máximo de f (X), que é 1, os coeficientes
de grau máximo dos fatores são invertı́veis, logo são ±1, assim um fator de grau
1 tem a forma ±(X − a), com a ∈ Z, assim f (a) = 0. Temos então 0 = f (a) =
a4 − a2 − 3 assim 3 = a4 − a2 = a(a3 − a) logo a divide 3. As possibilidades
são a ∈ {1, −1, 3, −3}. Por outro lado f (1) = −3 6= 0, f (−1) = −3 6= 0,
f (3) = 69 6= 0, f (−3) = 69 6= 0. Logo f não tem fatores de grau 1.
Não existência de fatores de grau 2. Como f é monico, uma fatoração em
fatores de grau 2 tem a forma
X 4 − X 2 − 3 = f (X) = (X 2 + aX + b)(X 2 + cX + d)
onde a, b, c, d ∈ Z. De fato, estamos trabalhando em Z[X], f é monico logo os
coeficientes de grau máximo dos fatores são ±1 e (−g(X))(−h(X)) = g(X)h(X).
Fazendo o produto temos que f (X) = X 4 − X 2 − 3 é igual a
(X 2 + aX + b)(X 2 + cX + d) = X 4 + (a + c)X 3 + (d + ac + b)X 2 + (ad + bc)X + bd
logo por definição de polinômio temos a + c = 0, d + ac + b = −1, ad + bc = 0,
bd = −3. Assim c = −a e a terceria equação dá a(d − b) = 0. Logo a = 0 ou
d − b = 0. No segundo caso d = b e −3 = bd = b2 é uma contradição (pois
b ∈ Z). Logo a = 0, c = −a = 0 e d + b = −1, bd = −3. Como b divide −3
temos b ∈ {1, −1, 3, −3} assim d = −1 − b vale −2, 0, −4, 2 nos quatro casos.
Em todo caso bd 6= −3, contradição. Logo f não tem fatores de grau 2.
Exercı́cios na próxima pagina.
4
Exercı́cios.
1. Mostre que existem infinitos números primos congruentes a 1 módulo 4.
[Dica: suponha por contradição que tenha só um número finito deles,
p1 , . . . , pk , e seja m := 2p1 . . . pk . Seja p um número primo que divide
m2 + 1. Mostre que m + pZ ∈ Fp tem ordem 4 em F∗p e deduza que p ≡ 1
mod 4 usando o teorema de Lagrange.]
2. Seja K := F5 [X]/(X 2 + 2). Mostre que K é um corpo finito, calcule |K|
e encontre um gerador do grupo multiplicativo cı́clico K ∗ .
3. Seja K := F2 [X]/(X 2 + X + 1). Mostre que K é um corpo finito, calcule
|K| e encontre um gerador do grupo multiplicativo cı́clico K ∗ .
4. Seja K := F2 [X]/(X 3 + X + 1). Mostre que K é um corpo finito, calcule
|K| e encontre um gerador do grupo multiplicativo cı́clico K ∗ .
5. Seja K := F3 [X]/(X 3 + 2X + 1). Mostre que K é um corpo finito, calcule
|K| e encontre um gerador do grupo multiplicativo cı́clico K ∗ .
6. Mostre que 2X 10 + 25X 3 + 10X 2 − 30 é irredutı́vel em Q[X] e em Z[X].
7. Mostre que se p é um número primo e n é um inteiro ≥ 1, o polinômio
X n − p é irredutı́vel em Z[X] e em Q[X].
8. Mostre que 3X 5 + 18X 2 + 24X + 6 é irredutı́vel em Q[X]. É irredutı́vel
em Z[X]?
9. Mostre que X 3 + X + 4 é irredutı́vel em Q[X] e em Z[X].
10. Mostre que 7X 3 +12X 2 +3X +45 é irredutı́vel em Z[X] e em Q[X]. [Dica:
considere a redução módulo 2.]
11. Mostre que X 4 + 1 é irredutı́vel em Z[X] e em Q[X].
12. Mostre que se P (X) ∈ Z[X] e a ∈ Z então P (X) é irredutı́vel se e somente
se P (X + a) é irredutı́vel.
13. Mostre que P (X) = X 4 + 1 é irredutı́vel em Z[X] e em Q[X] considerando
P (X + 1) (cf. o exercı́cio anterior).
5
Download