Estenose Mitral Definição e Etiologia A estenose da válvula mitral é um estreitamento da abertura da válvula mitral que aumenta a resistência ao fluxo da corrente sanguínea do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo. A estenose mitral é quase sempre resultado da febre reumática (95% dos casos). Nos países que contam com serviços sanitários e assistenciais com capacidade para manter as medidas preventivas adequadas, a estenose mitral é atualmente rara, com exceção de pessoas com idade avançada que sofreram de febre reumática durante a infância. Em países com uma estrutura sanitária insuficiente, a febre reumática é frequente e provoca estenose nos adultos, nos jovens e, por vezes, nas crianças. Quando a febre reumática é a causa da estenose da valva mitral, as válvulas que compõem a valva fundem-se de forma parcial. Existem outras causas de estenose mitral, a saber: congênita (muito rara), endocardite infecciosa, amiloidose, tumor carcinóide, LES, artrite reumatóide, doença de Fabry, doença de Whipple, terapia com metisergida e síndrome de Hunter-Hurler. A área normal da valva gira em torno de 4 a 6 cm², começando a apresentar repercussões hemodinâmicas quando esta área encontra-se menor que 2,5 cm². Podemos classificar a gravidade a estenose mitral de acordo com esse parâmetro: • Leve: 1,5 – 2,5 cm² • Moderada: 1,0 – 1,5 cm² • Grave: < 1,0 cm² Fisiopatologia A elevação de pressão atrial esquerda leva ao aumento da pressão venocapilar pulmonar, que produz dispnéia aos esforços, sintoma cardinal da doença. Os primeiros surtos são deflagrados por exercícios, estresse emocional, atividade sexual, infecção ou surto de fibrilação atrial. A taquicardia encurta o tempo de diástole, assim diminui o tempo de enchimento ventricular. Em conseqüência, independente do débito cardíaco, a taquicardia vai elevar o gradiente AV e a pressão atrial esquerda. Isto explica a súbita descompensação de um paciente previamente assintomático durante um surto de fibrilação atrial aguda com alta resposta ventricular. Também explica a melhora clínica após a redução da freqüência cardíaca com uso de digital , beta-bloqueadores ou bloqueadores de canais de cálcio, mesmo que o fluxo mitral se mantenha constante. É importante atentar para o fato da possibilidade de um edema agudo de pulmão (EAP) em casos de aumento significativo da frequência cardíaca. Uma constante hidráulica dita que, para um dado orifício, o gradiente de pressão é relação direta do quadrado do fluxo por este orifício. Assim se o fluxo transvalvar dobrar de valor (exemplo: aumento causado por exercício físico) o gradiente pressórico quadruplica. O aumento da pressão venocapilar pulmonar gera hipertensão arterial pulmonar (HAP), primeiramente passiva. Com o tempo, ocorre intensa vasoconstrição e alterações na parede dos vasos, complicando com HAP “reativa”. Nesta fase, mesmo com a correção cirúrgica da valvopatia, não há possibilidade de reversão total da hipertensão pulmonar. O aumento de pressão no sistema pulmonar gera sobrecarga de ventrículo direito que, ao longo do tempo, pode se tornar insuficiente. Sinais e Sintomas O pulso arterial em geral é normal, podendo ser reduzido em pacientes mais graves com volume sistólico já reduzido. O pulso venoso pode mostrar uma onda a proeminente quando o ritmo é sinusal, indicando sobrecarga do átrio direito, nos casos de hipertensão pulmonar com sobrecarga de ventrículo direito. Nos pacientes em fibrilação atrial o colapso x é substituído por um platô e apenas uma onda grande onda V é discernível. Onda v gigante pode ser encontrada nos casos de insuficiência do ventrículo direito decorrente de HAP grave. O ictus não é proeminente. A palpação de ondas de enchimento diastólico fala muito contra a presença de estenose mitral grave. O choque de B1 (Sinal de Bard) é sentido na presença de um folheto anterior ainda móvel. Pode-se sentir choque de B2 no foco pulmonar, em decorrência da HAP. Da mesma forma, pode-se evidenciar um ictus de ventrículo direito proeminente. O paciente com estenose mitral grave, por conta do baixo débito e vasoconstrição periférica, pode apresentar uma área de rubor malar violáceo, o que convencionou-se chamar de “Facies mitralis” (Figura 1). Figura 1 Na ausculta há um sopro diastólico, mais precisamente mesodiastólico, que apresenta um reforço pré-sistólico, sendo a B1 proeminente (tende a desaparecer a hiperfonese após a calcificação dos folhetos). Isto reflete a dificuldade que o fluxo de sangue encontra para passar através de uma estrutura valvar anormalmente estreita, durante o enchimento do ventrículo esquerdo, na diástole. P2 pode estar aumentada na presença de hipertensão pulmonar. Gradualmente B2 pode se tornar única. Na estenose mitral isolada não há 3º bulha. Ao se abrir a valva, podemos ouvir um som de alta frequência chamado estalido de abertura (O). O sopro de estenose mitral se caracteriza por um sopro no foco mitral, de baixa frequência em ruflar, melhor audível com a campânula do estetoscópio sem pressão sobre a pele. O sopro fica mais evidente na posição de semidecúbito lateral esquerdo (Posição de Pachon). É um sopro que aumenta com o exercícios físicos e diminui com a manobra de Valsalva e durante a inspiração. É importante ressaltar que a intensidade do sopro não tem relação com a estenose, mas sim a duração do mesmo no ciclo cardíaco. O reforço pré-sistólico desaparece quando em fibrilação atrial. Há situações que podem simular uma estenose mitral verdadeira, como o sopro de Austin Flint (presente na insuficiência aórtica), onde há restrição à abertura dos folhetos da mitral devido a intenso fluxo regurgitante da valva aórtica, resultando numa estenose mitral relativa. Caso semelhante é o que se observa na febre reumática aguda (Sopro de Carey Coombs), onde o edema da valva pode provocar também resistência ao fluxo sanguíneo para o ventrículo esquerdo. Na insuficiência mitral grave pode haver estenose mitral relativa por hiperfluxo. Em todos esses casos não há hiperfonese de primeira bulha nem estalido de abertura, dados característicos de estenose mitral verdadeira. Há uma condição conhecida como “estenose mitral silenciosa”, que seriam situações onde não se consegue ouvir o sopro, por conta de DPOC, obesidade e outras afecções que afetam o diâmetro AP do tórax. Critérios de Gravidade • Hipofonese de B1 • Desaparecimento do estalido de abertura • Índice mitral de Wells: QB1 – A2O o Quando o índice for positivo (de 0 a 5) à Área mitral < 1cm² o Quando o índice for negativo (de -1 a -4) à Área mitral > 1cm². Exames Complementares • Telerradiografia de tórax o PA – Duplo contorno na silhueta direita do coração. – Sinal da bailarina (deslocamento superior do brônquio fonte E) – Abaulamento do 40 arco cardíaco esquerdo (Figura 2) o Perfil – Deslocamento posterior do esôfago contrastado (Figura 3) o Alterações pulmonares – Inversão do padrão vascular – Linhas B de Kerley (Figura 4) – Edema intersticial. Figura 2 Figura 3 Figura 4 • Eletrocardiograma: (Figura 5) o Fibrilação atrial o Onda P larga e bífida em D2 (P mitrale) o Índice de Morris em V1 o Sobrecarga de VD Figura 5 • Ecocardiograma Figura 6 o Escore de Block ( 4 a 16 pontos) ü Grau de calcificação valvar ü Grau de espessamento ü Mobilidade das cúspides ü Acometimento do aparelho subvalvar Tratamento • Medicamentoso – Betabloqueador (droga de escolha) – Antagonista do cálcio (Contra-indicação ao BB) – Diuréticos – Anticoagulante: FA/Trombo AE • Intervencionista (Figura 7) – Valvoplastia Percutânea com Balão (Escore de Block <8, sem trombo AE ou Ins. Mitral moderada a grave) – Comissurotomia Cirúrgica Aberta ( Com trombo AE) – Troca Valvar (Escore de Block > 11/Ins. Mitral moderada a grave) Figura 7 Bibliografia • Otto, CM; Bonow, RO. Valvular heart disease. In Braunwald’s Heart Disease. 8th ed. Saundersa. 2008; • O’Gara, P; Braunwald, E. Valvular heart disease. In Harrison’s Principles of Internal Medicine, 17th ed. McGraw-Hill, 2008; • Zarco, P; Salmerón, O. Exploração Clínica do Coração, 2ª ed. Livraria Atheneu, 1987.