câmbio, balanço de pagamentos e as perpectivas da economia

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CARTA ECONÔMICA
Setembro de 2010
Por George Bezerra
CÂMBIO, BALANÇO DE PAGAMENTOS E AS PERPECTIVAS DA ECONOMIA BRASILEIRA
Entre 2003 e 2007 o Brasil registrou superávits no balanço de pagamentos em transações correntes e os investimentos
estrangeiros registraram um forte aumento, o que resultou não somente no abatimento da dívida pública externa, mas
contribuiu de forma decisiva para diminuir a relação Dívida Líquida Total/PIB, nesse período. A partir de 2008 o país
passou a registrar déficits em transações correntes, que serão crescentes, durante alguns anos, não somente em
dólares, mas também como percentagem do PIB. Por que ocorreu esta mudança e qual o seu significado e implicações
para o desempenho da economia brasileira nos próximos anos?
No período 2003-2008 a taxa média de crescimento do PIB brasileiro ainda foi relativamente baixa (embora um
pouco maior que nos anos anteriores), e as exportações cresceram a taxas muito elevadas, devido à forte expansão da
economia mundial e à demanda por commodities da China. Por isso foi possível obter superávits em transações correntes.
Mas a partir de 2008 o mundo e a demanda pelas exportações brasileiras passaram a crescer a taxas bem menores. E
se espera que o Brasil passe a crescer a taxas maiores, a partir de 2010. Isto exigirá (entre muitas outras coisas) uma
combinação de duas condições: aumento da taxa de poupança doméstica e/ou aumento da poupança externa.
A Contabilidade Nacional nos indica que, para qualquer país, um excesso da absorção doméstica (Consumo +
Investimentos + Gastos Públicos) sobre o PIB equivale a um déficit no balanço de pagamentos em transações correntes
(excesso das importações sobre as exportações de mercadorias e serviços). E também que o excesso da absorção
doméstica em relação ao PIB equivale ao excesso do investimento total sobre a poupança doméstica. Ou seja, como
parece intuitivo, o excesso do investimento total sobre a poupança doméstica (poupança do setor privado + poupança
do setor público) tem que ser complementado pela poupança externa.
No que concerne à poupança doméstica brasileira em relação ao PIB, sabe-se que sua componente privada tende
a crescer de forma lenta (mesmo com a economia em crescimento) e que o aumento da poupança pública exigiria um
acréscimo do superávit primário em intensidade que também não parece estar nos planos do próximo governo. Portanto,
o aumento dos investimentos necessário para viabilizar um maior crescimento do PIB passa a exigir o aumento da
poupança externa (que é, como vimos, o déficit do balanço de pagamentos em transações correntes).
Com base nos dados e relações que descrevemos acima tem sido muito comum uma explicação, entre os economistas,
da razão pela qual a taxa de câmbio tem se valorizado tanto no Brasil. Diz-se que tem ocorrido esta valorização porque
ela se fez necessária para gerar o aumento do déficit em transações correntes que é exigido para viabilizar o crescimento
do PIB mais elevado. A explicação está correta. Mas é excessivamente simplificada. Vale a pena explorar melhor esse tipo
de explicação.
O saldo do balanço de pagamentos em transações correntes menos os investimentos estrangeiros diretos (líquidos)
em cada ano corresponde à variação da dívida externa líquida, no mesmo período (e a totalidade desse déficit corresponde
ao aumento do chamado passivo externo líquido). Ou seja, o déficit em transações correntes complementa a poupança
doméstica, mas também gera a dívida externa líquida e um passivo externo líquido. Portanto, existem limites claros para
viabilizar o maior crescimento sustentado do PIB por meio do aumento do déficit em transações correntes. Pois é preciso
que os credores e investidores externos estejam dispostos a financiá-lo.
Portanto, uma explicação mais esclarecedora seria colocada nos seguintes termos: quando um país se torna
relativamente mais atraente frente ao resto do mundo e/ou quando a taxa de juros à qual ele remunera os recursos
externos, ajustada pelo risco, se torna mais atraente, aumenta a entrada líquida de capitais no balanço de pagamentos.
Isto sim, produz uma valorização real da taxa de câmbio (a moeda local passa a valer mais em relação ao conjunto das
moedas estrangeiras). E esta valorização contribui para elevar o déficit em transações correntes, ou seja, aumentar
a poupança externa. Este aumento da poupança externa viabiliza o aumento dos investimentos, que contribui para
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aumentar o crescimento do PIB. Este maior crescimento do PIB, por sua vez, tende a aumentar ainda mais o déficit em
transações correntes.
Ou seja, a valorização do câmbio e a obtenção do financiamento externo para financiar o déficit no balanço de
pagamentos não resultam de um simples ato de vontade de um país que deseja crescer mais. Para que isto ocorra de
forma sustentada é necessário que a economia se torne mais atraente aos olhos dos investidores e credores estrangeiros.
Até onde pode se estender este processo e com que intensidade? A resposta não pode ser precisa, pois o crescimento
da dívida externa precisa se dar a um ritmo compatível com a capacidade do país de pagar os juros e as amortizações,
ao longo do tempo. Mas isto sempre dependerá da obtenção de novos financiamentos, o que imporá uma exigência
permanente: a credibilidade do governo e da política econômica. Além disso, alguns indicadores de solvência, como a
relação entre a dívida externa líquida e as exportações, são monitorados e devem respeitar certos limites.
Mas uma coisa é segura: a taxa de investimentos terá que subir dos atuais 19% do PIB para algo mais próximo de 25%,
para viabilizar um crescimento em torno de 5% nos próximos anos. Durante mais alguns anos isto poderá ser ajudado
pelo aumento da poupança externa. Mas, no médio e longo prazo, as contribuições das poupanças privada e pública
terão que aumentar. Isto tornará inevitável a redução das despesas correntes do governo em relação ao PIB.
A Experiência dos Anos Seguintes ao Lançamento do Plano Real
Entre 1994 e 1998 o Brasil também expandiu rapidamente seus déficits no balanço de pagamentos em transações
correntes. Mas as diferenças daquela época em relação ao que ocorrerá nos próximos anos são grandes e sua
compreensão é relevante para avaliações sobre esta nova fase da economia brasileira.
Nos primeiros meses após o lançamento do Plano Real não somente houve uma melhora da avaliação sobre os
fundamentos da economia, mas a taxa de juros real foi mantida em níveis extraordinariamente elevados, já que a grande
prioridade era o combate à inflação. Esta combinação produziu uma forte valorização da taxa de câmbio, já que, de início,
ela pôde flutuar livremente.
Na fase seguinte a taxa de câmbio passou a ser controlada pelo governo (sendo usada como âncora para o controle da
inflação), enquanto a política fiscal se manteve excessivamente expansionista. Dessa forma, a expansão do déficit em
transações correntes se deu de maneira artificial e seu financiamento exigia também a manutenção dos juros internos
em níveis elevados (o que, por sua vez, dificultava o aumento da taxa de crescimento do PIB). Tais distorções não podiam
se manter por muito tempo e desembocaram na desvalorização forçada da taxa de câmbio, em janeiro de 1999.
Já a valorização da moeda brasileira nos últimos anos tem se dado num ambiente em que vigora um câmbio
efetivamente flutuante e no qual a taxa real de juros tende para o nível mais baixo das últimas décadas.
A valorização do real frente às principais moedas do mundo foi causada em parte pela profunda crise nos EEUU e na
Zona do Euro. Além disso, o Brasil continua sendo altamente beneficiado pelo crescimento da China, que segue puxando o
crescimento mundial. Ao longo dos últimos anos o Brasil tem sido o principal fornecedor de commodities – com destaque
para o minério de ferro – para aquele país. Esta vantagem tende a se consolidar nos próximos anos, nesta nova fase da
economia chinesa, que registrará um forte aumento adicional da demanda por alimentos. A China, portanto, continua
sustentando um formidável aumento dos nossos termos de troca.
Outros fatores que também têm contribuído para a valorização da taxa de câmbio são os seguintes:
1. o governo do Presidente Lula, desde o seu primeiro mandato, ao contrário dos que muitos temiam, manteve
e consolidou os três pilares básicos da política econômica do governo anterior: o regime de metas de
inflação, o câmbio flexível e os superávits primários das contas públicas;
2. este governo lidou muito bem com a crise externa ocorrida em 2008. O banco central agiu com rapidez e
eficiência e a política fiscal também ajudou (apesar de manter e acumular algumas distorções graves);
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3. a posição privilegiada do país, em termos de disponibilidade de recursos naturais, foi ainda mais melhorada
diante das novas descobertas de enormes reservas de petróleo.
Por outro lado, persistem enormes distorções na economia. A carga tributária e a má qualidade dos serviços públicos
exibem uma combinação que é certamente uma das piores do mundo; os gastos correntes continuam crescendo a
taxas elevadas, enquanto o investimento público em infra-estrutura é insuficiente; mantém-se a péssima qualidade da
educação; as reformas estruturais indispensáveis para viabilizar um crescimento sustentado foram deixadas de lado
(desde o segundo mandato do governo anterior).
Desde 1980 até recentemente o Brasil cresceu a taxas incrivelmente baixas, apesar de todas as vantagens
comparativas de que dispõe em termos de recursos naturais e capacidade empresarial. Só existe uma justificativa para
um desempenho tão frustrante: erros e omissões gravíssimos na condução da política econômica – especialmente de
1975 a 1994.
Agora o Brasil tem novamente espaço para expandir sua dívida externa, obtendo maiores poupanças do exterior,
durante alguns anos. Isto de forma alguma será condição suficiente para assegurar um crescimento sustentado e nos
transformar, finalmente, num país do presente. Pois esta transição terá que ser aproveitada, não somente para uma
gradual substituição da poupança externa pelo aumento das poupanças pública e privada, como pela existência de um
ambiente geral favorável aos próprios investimentos – o que também exigirá a retomada das reformas estruturais.
Mas a oportunidade para o novo governo será uma realidade, mesmo diante de uma perspectiva bastante sombria
para o desempenho do mundo desenvolvido, nos próximos anos. Afinal, o que nos cabe é completar um dever de casa
que há décadas vem sendo postergado.
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