Temas macroeconômicos nº 1 - maio/2013 Quando as políticas fracassam e quando as políticas funcionam Alfredo Binnie1 Há algum tempo o governo federal tem lançado mão de uma série de medidas a fim de estimular o consumo. A lista é grande e inclui: a queda da taxa Selic; aumento das despesas públicas; indexação do salário mínimo; diversas desonerações fiscais a bens de consumo; subsídio da Petrobrás à gasolina; mudanças regulatórias e fiscais focadas em diminuir o custo de serviços públicos; e expansão das concessões de crédito dos bancos públicos. O intuito é fazer o Brasil crescer. Quando esse movimento iniciou, alguns economistas previram maior crescimento do produto e da inflação. A inflação veio, o produto não. Assim, por perder seu principal objetivo, é natural concluir que a política econômica simplesmente não funcionou. Ainda que parcialmente correto, esse diagnóstico deixa de notar o que é mais importante. A principal evidência do fracasso das políticas de incentivo ao consumo seria a resposta supostamente fraca desse indicador. O crescimento recente de menos de 3% ao ano é quase metade do crescimento de anos anteriores (gráfico 1). Curiosamente, o consumo como percentual do PIB teve comportamento oposto, e hoje está no maior nível desde 2002. O que explica essa aparente contradição? A resposta está nos preços. Enquanto o crescimento do consumo e do PIB é medido em termos reais, ou seja, em quantidade, a participação do consumo no PIB é medida em termos nominais, ou seja, em reais (R$). Na década passada, os preços de commodities subiram muito, logo a relação entre preços de exportações contra importações (i.e, os termos de troca) se tornou muito vantajosa para o país. Como consequência, a taxa de câmbio se valorizou. Tudo isso fez o índice de preços do PIB crescer mais do que o índice de preços da parcela do consumo. Isto é, um choque exógeno de preços possibilitou um avanço real do consumo bem superior ao da produção, mas a relação consumo/PIB praticamente não se alterou quando ambos são medidos em moeda corrente (gráfico 2). De 2011 pra cá, no entanto, a situação mudou. Os preços das commodities exportadas pelo país não continuaram a subir. A relação de termos de troca, da qual obtivemos um estupendo ganho na década passada, passou a cair. O que antes era um combustível para a economia começou a atrapalhar. Apesar disso, o governo federal continuou estimulando a demanda. O consumo, impulsionado pelas diversas medidas de política econômica, continuou aumentando e apropriando uma parcela crescente da renda nacional: a poupança chegou ao nível mais baixo desde o ano 2000 (gráfico 3). 1 Economista-chefe da Kapitalo Investimentos. Temas macroeconômicos nº 1 - maio/2013 A queda abrupta da poupança nacional tem que ter como contrapartida a queda da taxa de investimento ou aumento da absorção de poupança externa, que nada mais é do que uma ampliação do déficit externo. Durante os últimos dois anos aconteceu um pouco de cada: a conta corrente deteriorou-se e a taxa de investimento caiu rapidamente. O baixo crescimento potencial do PIB e a queda dos termos de troca funcionaram como barreiras à demanda, que é insistentemente atiçada pela política econômica. A consequência é que o aumento do consumo acabou ocupando o lugar dos investimentos e ao mesmo tempo “vazando” via déficits externos. Em outras palavras, se até 2011 o país praticou menores resultados externos para financiar investimentos, hoje essas duas contas estão piorando concomitantemente pra financiar o consumo (gráfico 4). Sabemos que nunca é possível escapar das tautologias da contabilidade nacional. Mas durante uma década, o Brasil viveu a ilusão de que era possível gastar sempre mais do que se produz. Isso foi possível enquanto o mundo ajudou, mas aparentemente essa época acabou. A insistência na política de incentivo ao consumo não fez, e muito provavelmente não fará, a economia crescer. Porém, ela não é inócua, e tem o efeito de reduzir a taxa de investimento, reduzir o crescimento futuro e aumentar a vulnerabilidade externa da economia brasileira. O economista brasileiro Mário Henrique Simonsen certa vez afirmou: “A condução da economia moderna tem apenas dois problemas: quando as políticas fracassam e quando as políticas funcionam”. No Brasil de hoje, o segundo problema é o pior. 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