Lições da Ásia - pré e pós crise LUCIANO COUTINHO Crescimento sustentado, ritmo acelerado de formação de capital, juros baixos por longos períodos, formação de grandes empresas nacionais, participação crescente nas exportações mundiais, estabilidade de preços e finanças públicas sob controle. Essas trajetórias, combinadas virtuosamente, descrevem o desempenho observado de algumas economias asiáticas nos anos 70, 80 e parte dos 90. Qual o segredo? Em primeiro lugar, balanços de pagamentos com o exterior equilibrados, com baixa ou nenhuma dependência do ingresso de capitais financeiros externos, outorgando um grau elevado de autonomia na gestão das respectivas políticas monetárias. Em segundo lugar, elevadas taxas de poupança doméstica e déficits públicos reduzidos. Em conjunto, essas duas condições explicam a capacidade de sustentar taxas de juros reduzidas por anos a fio. Por trás dos balanços de pagamentos equilibrados, garantidos por um desempenho exportador muito dinâmico, encontram(vam)-se taxas de câmbio subvalorizadas ou, no mínimo, confortáveis (cuja administração requer um mínimo de controle sobre os fluxos de capitais e sobre os mercados de câmbio). O quadro acima descrito corresponde - segundo a avaliação mais recente do próprio Banco Mundial - à experiência da China nos últimos 20 anos. Corresponde também à experiência da Coréia do Sul (e de outras economias da região) nos anos 70, 80 e início dos 90, até que a adoção de uma política de paridade fixa com o dólar (na segunda metade da década) levou à sobrevalorização da taxa de câmbio, à vulnerabilização do balanço de pagamentos e à indulgência imprevidente para com crescentes empréstimos de curto prazo, que, bruscamente revertidos no fim de 1997, arrastaram a economia para uma amarga recessão no ano passado. A Coréia, no entanto, parece ter aprendido a lição: realizou uma impressionante reversão - de um déficit comercial de US$ 8,5 bilhões em 1997 para um superávit de US$ 39 bilhões em 1998. Suas reservas de divisas, sólidas, saltaram de US$ 8,8 bilhões no fim de 1997 para US$ 52 bilhões em dezembro do ano passado. O governo coreano pretende manter, doravante, um superávit comercial expressivo, a ser obtido por uma política de competitividade industrial em setores de alto valor agregado, intensivos em conhecimento. Na China, que não se afastou do modelo virtuoso, o superávit comercial chegou próximo a US$ 50 bilhões no ano passado, com um balanço de pagamentos equilibrado. Essa opção de política -de não depender dos capitais financeiros externos e de apoiar-se em taxas elevadas de poupança doméstica (acima de 30% do PIB)não significa fechamento ou hostilidade vis-à-vis os investimentos estrangeiros diretos. Ao contrário, os investidores de longo prazo afluem com mais confiança, diante da solidez dos balanços de pagamentos e do reduzido risco de câmbio. O Brasil do Plano Real adotou uma política antípoda, de câmbio sobrevalorizado e juros elevados, com alta vulnerabilidade do setor externo e investimentos diretos estrangeiros atraídos em larga medida pela venda de patrimônio preexistente (privatizações e "take overs" das empresas nacionais). Descurou, também, do controle das contas públicas -o que, combinado com juros altos, provocou uma avassaladora expansão da dívida interna. Arrostando um alto risco de caotização da economia, o governo rendeu-se à desvalorização da taxa de câmbio. A questão relevante, agora, é: será que a lição asiática foi aprendida? Uma avaliação do nosso balanço de pagamentos mostra um desafio difícil. Em decorrência do elevado volume de passivos externos já acumulados (mais de US$ 320 bilhões entre dívidas externas dos setores público e privado e o estoque de ativos de propriedade estrangeiro no país), gera-se uma substancial remessa de divisas para pagamentos de juros, lucros e outras formas de remuneração. Para enfrentar essas necessidades (crescentes) de dólares sem depender do ingresso maciço de novas dívidas e capitais, é indispensável a geração persistente de superávits comerciais de escala superior a 2% do PIB (e.g. mais de US$ 16 bilhões ao ano) ao longo dos próximos anos. Uma simulação (não confundir com projeção) do balanço de pagamentos elaborada pela LCA Consultores mostra claramente que mesmo um desempenho exportador muito positivo, de 7,5% a.a. nos próximos anos, não seria suficiente para reduzir a vulnerabilidade. Note-se que as hipóteses da simulação não são pessimistas -os investimentos estrangeiros diretos se mantêm elevados mesmo após o atual ciclo de privatizações e as importações não crescem muito acima do PIB. Para sustentar o desenvolvimento, as exportações precisariam crescer a um ritmo igual ou superior a 10% a.a.. A desvalorização real da taxa de câmbio ajudará bastante, mas não parece suficiente para assegurar esse formidável desempenho sem o concurso de políticas industrial, agrícola, de comércio exterior e tecnologia muito firmes e bem articuladas. Há, além disso, o outro desafio simultâneo: financiar o aumento dos investimentos com mais poupança doméstica. A lição asiática -de que "capital se faz em casa"- exige uma nova política, a da busca da sustentabilidade do desenvolvimento, que nada tem a ver com a opção pelo aprofundamento das "reformas" neoliberais.