Varejo compacto Valor Econômico - segunda-feira, 21 de março de 2016 Seção: Empresas / Autor: Por Felipe Datt Por Felipe Datt | Para o Valor, de São Paulo "Não há espaço para acomodação na indústria de franchising." A frase de Cristina Franco, presidente da Associação Brasileira de Franchising (ABF), dá o exato o tom de como o segmento, responsáv el por um faturamento de R$ 139,5 bilhões em 2015, busca se armar p a r a enfrentar uma das piores crises econômicas - e políticas - da história recente do país, marcada pela retração de 3,8% no Produto Interno Bruto (PIB), taxas de desemprego que flertam com os dois dígitos, uma inflação longe de ser domada e a confiança dos consumidores beirando recordes negativos. A deterioração desses indicadores forma uma conjuntura mais do que imperfeita para um segmento acostumado, nos últimos dez anos, a entregar avanços anuais de receitas em ritmo chinês, a exemplo dos 20,7% registrados em 2012. Patrícia Camacam decidiu investir em uma franquia da Miss Hollywood: serviço "adequado à realidade das pessoas" O crescimento nominal de 8,3% no faturamento entre 2015 e 2014 manteve a toada de desaceleração verificada desde então - é o segundo ano seguido de avanço inferior a dois dígitos. Para 2016, a expectativa da ABF é que as receitas tenham incremento ainda menor, entre 6% e 8%, percentuais que, a depender da lentidão dos desdobramentos em Brasília, podem sofrer revisão ainda no primeiro semestre. Se por um lado o segmento não é imune à crise, por outro, se mostra maduro para enfrentála. Afinal, poucos ramos da economia conseguiram entregar um crescimento de receita superior a 8% em 2015. "Ciclos econômicos existem e percebemos a desaceleração da economia ainda em 2012. Desde então, utilizamos as convenções de franqueadores para repensar o mercado e buscar informações de como nos comportar em diferentes momentos da economia, inclusive os de crise. As marcas passaram a adotar diferentes estratégias", relembra Cristina. O ano de 2015 ficou marcado por uma maior aproximação entre franqueados e franqueadores que, longe dos anos de bonança, passaram a olhar com lupa indicadores de performance, de gestão de estoque e finanças e os controles de custos em suas unidades. A adaptabilidade foi a palavra da vez, em um movimento que se repete em 2016. Em muitos casos, planos de expansão agressivos foram revistos. Houve também grande esforço das redes para não repassar a inflação ou a variação do dólar ao consumidor, o que exigiu uma boa dose de negociações com a cadeia de fornecedores. A rede de lavanderias 5àSec, da qual Cristina Franco é CEO, conseguiu um fornecedores. A rede de lavanderias 5àSec, da qual Cristina Franco é CEO, conseguiu um inédito acordo com a matriz na França para homologar fornecedores locais de detergentes e outros itens de limpeza para fazer frente ao alto custo dos importados. Diversas redes apostaram em promoções ou na substituição de itens premium por mercadorias com tíquetes que coubessem no bolso do consumidor. "O franchising é um segmento líquido, dinâmico e que permite adaptações, não apenas em preço e produto, como no formato de negócios. As redes passaram a criar formatos diferenciados, permitindo colocar uma loja em um mercado que não é tão grande, mas que comporta uma franquia daquele tamanho", diz Claudia Bittencourt, diretora do Grupo Bittencourt. Esses negócios mais enxutos e econômicos - ou "franquias compactas", no jargão do setor também foram encarados como uma oportunidade de atrair novos investidores com menos dinheiro no bolso ou com receio de fazer um grande aporte nesse momento. Foi o que ocorreu com a rede de franquias Hope Lingerie, com 153 lojas em operação. O diretor de expansão Sylvio Korytowski explica que, ao perceber, já no segundo semestre de 2014, a sinalização de enfraquecimento da economia, a marca decidiu repensar o modelo de negócio. "Já era certo que o desemprego aumentaria e haveria pessoas com dinheiro no bolso, mas talvez não o suficiente para investir em um modelo tradicional. Criamos, assim, um modelo com investimento muito menor", diz Korytowski. Com investimentos de R$ 280 mil, a Hope 1.0 ajudou a impulsionar o crescimento da rede em 2015 - o fechamento de 40 novos contratos no ano é um recorde histórico de venda de franquias na marca. O resultado surpreendente levou a Hope Lingerie, em meados do ano passado, a criar um modelo ainda mais econômico, batizado Hope Store, que requer R$ 180 mil de aporte e tem como objetivo atender cidades entre 50 mil e 100 mil habitantes. "O resultado foi tão positivo que o modelo de loja padrão, que custava R$ 400 mil, foi aposentado", diz. O sucesso das franquias compactas encontra semelhança em outro modelo que ganha força junto aos empreendedores: as microfranquias, classificação dada aos negócios cujos investimentos não ultrapassam R$ 80 mil. Com instalações mais simples, muitas vezes operando no modelo 'home-based', atraem um grande contingente de interessados sobretudo em momentos de crise. É o empreendedorismo de necessidade dando as caras. Em busca de maior estabilidade financeira, a esteticista e biomédica Patrícia Camacam, 43, decidiu investir em uma franquia da Miss Hollywood, que oferece serviços de beleza, como corte de cabelo e manicure, a preços populares. Alguns fatores pesaram na escolha. "Eu buscava um negócio de um segmento que eu dominasse, que estivesse dentro das minhas possibilidades financeiras e, sobretudo por conta da fase crítica d a economia, que oferecesse um serviço que estivesse adequado à realidade das pessoas. Os preços fixos entre R$ 16,90 e R$ 19,90 estão dentro da possibilidade da maioria das mulheres", diz. A empreendedora já obteve o retorno do investimento, feito em 2014, de pouco menos de R$ 50 mil. "Esses negócios se popularizam em momentos de desemprego. Para o empreendedor, a dica é ter cuidado para avaliar o negócio não pelo valor do investimento, mas pela característica da operação e a seriedade da marca", alerta Marcus Rizzo, consultor mas pela característica da operação e a seriedade da marca", alerta Marcus Rizzo, consultor da Rizzo Franchise. Crise à parte, é consenso que o ramo de franquias está longe da saturação. Números apontados por Rizzo mostram que a "taxa de produtividade" de franquias , que mede o número de unidades por franqueador, ainda é baixa no Brasil, muito inferior à verificado nos EUA. "No Brasil, a taxa é de 40 unidades por franqueador. Nos EUA, mercado com duas mil marcas e 1,5 milhão de unidades, a produtividade média é de 700 lojas por franqueador. Há muitos buracos de mercado que ainda podem ser acessados aqui", diz. De fato, a presença do franchising nos municípios brasileiros atingiu um índice de apenas 40% no ano passado, ante os 37% de 2014, o que indica um grande espaço para crescimento. Ao final daquele ano, eram 3.073 marcas em operação, avanço de 4,5% ante o ano anterior, com 138,3 mil unidades franqueadas, crescimento de 10,1% nesse mesmo comparativo - um saldo positivo de 12,7 mil novas unidades. Em busca de maior capilaridade, há um movimento intenso de interiorização, com muitas redes chegando a cidades com menos de 50 mil habitantes - muitas vezes, com modelos mais compactos que se encaixam à demanda dessas localidades. Em paralelo, o crescimento do setor se deu de maneira mais acentuada nas regiões Nordeste e CentroOeste. "É preciso considerar que a base avançou muito ao longo dos últimos anos. Assim, é mais difícil o setor crescer no mesmo ritmo de antes", completa Rizzo. http://www.valor.com.br/empresas/4489522/varejo-compacto