Amor e outras ciencias - Portal do Envelhecimento

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“Amor” e outras “ciências”
Por Gislaine Gil
N
a ciência biológica, a teoria da evolução das espécies de Charles
Darwin (BROWNE, 2007) anunciava a programação do ser vivo para
amar e procriar. O que é programação para amar e procriar?
Animais são programados para reproduzir, logo escolhem o
animal mais bem dotado para a procriação e fazem sua corte.
Mas calma. Amar é outra história para o ser humano; apesar de
também haver a exibição à pessoa amada, o amor envolve
experiências subjetivas.
O amor aproxima as pessoas, inclusive aproximações improváveis, pois as que
normalmente seriam rejeitadas, por não serem as melhores da espécie, são
amadas por outros. Sempre haverá certo alguém para outro alguém, segundo o
neurocientista Robert Lent (2008).
Seguindo a trajetória de neurocientistas, o amor é uma invasão de dopamina
que ativa os centros de recompensa do cérebro e produz prazer. As principais
regiões ativadas são a ínsula e o núcleo acumbente. Mas a grande descoberta
foi que, ao mesmo tempo em que há ativação dessas regiões, outras áreas são
desativadas no lobo frontal do cérebro. As regiões frontais são associadas ao
raciocínio, à busca das ações mais adequadas. Desativar essas regiões
significa perder o controle, segundo o neurocientista Antônio Damásio (2013).
Na ciência humana a psicanálise de Sigmund Freud (MELO, 2010) estuda as
ligações amorosas que estabelecemos com o outro representado em Eros,
como a pulsão sexual com tendência à preservação da vida, ou seja, à pulsão
de vida.
Seja ao falar de neuroquímica, seja ao falar de pulsão, é certo
que há sempre um paradoxo trabalhando em conjunto na
história do amor. Onde há circuito para o amor, há o circuito
para a perda de controle que expõe o ser; onde há pulsão de
vida, há pulsão de morte, também conhecida como Tânato,
que levaria à segregação de tudo o que é vivo, à destruição,
sendo manifestada pela agressividade, que poderá estar
voltada para si mesmo e para o outro.
Embora pareçam concepções opostas, a pulsão de vida e a pulsão de morte
estão conectadas, fundidas, e onde há pulsão de vida encontramos pulsão de
morte, assim como onde há amor há perda de controle. A conexão só
terminaria com a morte física da pessoa.
REVISTA PORTAL de Divulgação (São Paulo), 33, Ano III, jun. 2013. ISSN 2178-3454. www.portaldoenvelhecimento.org.br/revista
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Muitos, quando pensam em envelhecimento, erroneamente pensam nessa
morte em vida, na degeneração do corpo, na morte da sexualidade, do desejo,
restando à pessoa que envelhece somente pulsão de morte e perda do
controle de todas as instâncias interligadas à esfera biopsicossocial - não tem
mais ereção, não sai mais para dançar, só fala em doença.
No filme “Amour” (HANEKE, 2012) revela-se a
contradição do panorama real e simbólico, no qual
pulsão de vida e morte, amor e perda de controle se
misturam, num circuito entre psicanálise, neurociências e
arte da vida.
Nele, um casal de octogenários vive o curso da vida, experimentando o prazer
pela música, pela comida, pelo vinho, ambos cercados de objetos que
conquistaram ao longo de sua existência, como livros, quadros e louça de
cozinha. E o melhor, compartilham o prazer da companhia do outro. Portanto, a
dopamina enriquece constantemente o cérebro e a pulsão de vida é gerada.
Com um derrame ocasionado em Anne, uma das protagonistas octogenárias
do filme, esse contexto se altera e pulsões contrárias coexistem. Eles se
fecham, pois a mulher não quer parar em hospitais ou asilos, e cuidadoras são
dispensadas.
“Do arrepio do medo na iminência da morte, ao
orgasmo pela convivência a dois, a pessoa que
envelhece é capaz de corar, suar, ofegar, o coração
bater mais rapidamente e entristecer-se, pois a vida é
assim uma contradição - “é um contentamento
descontente”, como diria Camões”.
Logo, na semana dos namorados “há que se discutir a sexualidade; questões a
respeito do corpo, representações sociais da velhice, trajetórias de vida e a
constituição dos afetos, entre outros aspectos importantes, para compreender o
processo de envelhecer na contemporaneidade. Desmistificar e reprogramar a
teoria darwiniana, abraçando o lema: “É no amor e em sua dualidade que se
vive em qualquer idade”.
Feliz Mês dos Namorados!
Referências
BROWNE, J. A Origem das Espécies de Darwin: uma biografia. Jorge Zahar
Editor, Rio de Janeiro, 2007.
LENT, R. Neurociências da Mente e Comportamento. Guanabara Koogan, São
Paulo, 2008.
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DAMÁSIO, A. O sentimento de si. Publicação Europa América, Rio de Janeiro,
2003.
MELO, L.O.F. Psicanálise para todos. Premius Editora, São Paulo, 2010.
HANEKE,
M.
Amour.
Palm
(www.amourthemovie.com), 2012.
d´Or
-
Festival
de
Cannes.
CAMÕES, L.V. Poema: Amor é um fogo que arde sem se ver.
Data de recebimento: 17/05/2013; Data de aceite: 17/05/2013.
____________________________
Gislaine Gil - Neuropsicóloga pelo IPq do HC da Faculdade de Medicina da
USP, mestranda em Gerontologia, área de concentração Gerontologia Social
pela PUC-SP, integrante do check-up da maturidade do Fleury e coordenadora
do Programa de Estímulo à Atenção e à Memória do Hospital Alemão Oswaldo
Cruz. E-mail: [email protected].
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