Helládio Francisco Capisano - www.psicossomatica-sp.org.br 16

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Helládio Francisco Capisano - www.psicossomatica-sp.org.br
16 - O Doente Psicossomático
No Processo Humano as doenças rotuladas como "psicossomáticas" resultam da fuga de
psicose transitória. Os pacientes pelo temor da vida psíquica convertem as manifestações
emocionais reprimidas em lesões do soma, de cujos sintomas se queixam. Durante tratamento
analítico a psicose vivida entre analisando e analista permite desaparecimento dos sintomas e
abrandamento das lesões estruturais.
Advertência na Investigação do Doente Psicossomático
Em princípio não existiria relação de objeto nos transtornos psicossomáticos pelo bloqueio
existente no inconsciente que impede a filtragem de seus produtos. Estabelece-se uma
regressão como se estendesse até o corpo, dando ilusão de comunicação direta com o
inconsciente, o que é inteiramente falso.
Sabemos que os sintomas somáticos traduzem irregularidades no funcionamento mental,
todavia não há contato com o inconsciente, de tal modo que a transferência supostamente
proporcionada pelo paciente é uma armadilha para o analista, que ouve palavras de simpatia,
amor, aversão, atração, ódio, rejeição, etc. mas nada de conteúdo inconsciente.
Explica-se tal ocorrência porque o paciente tem falhas na elaboração psíquica. Os sintomas
somáticos, a semelhança de um acting traduzem essa lacuna do psiquismo.
Dimensão do Funcionamento Mental
Nesta altura, para entendimento dos fenômenos psicossomáticos cabem noções do
funcionamento mental, sobretudo quando se considera a prática clínica do processo analítico
em duas visões: de globalização e de diferenciação.
No exercício da analise sob visão de globalização a pratica se realiza em função da relação de
objeto com mecanismos de transferência e contratransferência, diminuindo-se o papel da
pulsão. Trata-se de comunicação onde o paciente é tomado como um todo e traduzida em
termos de ansiedade, angústia, fantasias e mecanismos de defesa, perdendo-se a dimensão do
funcionamento mental pelo não aproveitamento de pormenores dos mecanismos psíquicos.
São a favor dessa pratica da relação de objeto não só o seu introdutor Fairbarn, Widlocher e
Melanie Klein.
No exercício da análise sob visão de diferenciação a prática inclui o conceito de pulsão
dispondo-se o afeto como seu componente de descarga podendo estar ligado a uma
representação como no exemplo clássico descrito por Joan Riviérie: Um bebê ficava muito
ansioso quando a mãe entrava no quarto. Após três anos, a criança pode falar sobre esse
episódio, quando encontrou, no armário de sua mãe, um sapato velho, com sola solta dando
impressão que a genitora poderia comê-lo. Tem-se conceito de energia na descrição desse
episodio, bem como conceito de representação e de palavra. Freud pode reconhecer a
importância de uma só palavra, fazer analise em torno dela e concluir que em certo momento
o inconsciente sofre modificações por um só vocábulo.
Reconhece-se o valor da comunicação pela linguagem em função dos inúmeros enunciados
que uma só palavra encerra. Leva-se em conta de forma rigorosa o significado das palavras,
pois a cadeia da linguagem nos dá acesso ao inconsciente. A interpretação segue a trilha dos
vocábulos que a associação livre fornece.
A favor do conceito de pulsão e conseqüentemente ligados aos conceitos de energia e
diferenciação se alinham Greenl Laplanche e Anzieu.
Procura-se na prática clinica acoplar a teoria da relação de objeto com visão globalizada com a
teoria da diferenciação mental.
Representação
Poder-se-ia dizer que alguma excitação pode partir da esfera somática e ir de encontro a
barreira somatopsíquica e a seguir penetrar no psiquismo, onde vai encontrar excitação, que
chegam derivadas da pulsão.
Seria descrito o conceito limite entre o somático e o psíquico quando aparece a pulsão, que
surge como representante psíquico das excitações que nascem no interior do corpo e chegam
ao psíquico.
A pulsão surge como medida de exigência de trabalho imposta ao psíquico devido seu vinculo
com o corporal.
Tudo se passa como mensagem de noticias pouco alvissareiras do corpo, pedindo ajuda ao se
ouvir uma paciente exclamando: "se o senhor tem méritos, pelo que eu li em revista cientifica,
posso aceitar ter em mim uma perturbação psicossomática".
A paciente parece dizer que algo não vai bem com ela. Seria o primeiro sinal psíquico da pulsão
manifestada sob a forma de tensão, mas sem representação. E, todavia, mensagem de quem
espera uma resposta em função de sofrimento.
O que vai ocorrer? O que vai suceder com a tensão da pulsão? Procurar no psiquismo um
objeto que outrora trouxe alívio? Começamos tirando do latim a palavra representatione na
procura de algo que se reproduz apreendido pelo pensamento, pela imaginação ou pelos
sentidos.
Assim o representante psíquico ao aliar-se com a representação da coisa vai constituir o
representante-representação investido de grande energia econômica, dinâmica e tópica.
Seria este o caráter do desejo, o caráter da compulsão, o caráter da manifestação inconsciente
contra a qual a vontade nada pode fazer.
Mas, o representante-representação estando ainda insatisfeito tenta passar para a consciência
mas encontra a segunda barreira somatopsíquica ou o limite inferior do inconsciente.
O representante-representação, face às relações com a repressão, é reprimido e obrigado a
trabalhar porque uma representação não permanece no inconsciente como estava no inicio.
Há grande dinamismo, pois se transforma, disfarça-se, condensa-se, desloca-se por ser o único
modo de ter êxito para atravessar a fronteira.
Toda representação em estado bruto não passa pela barreira. Será reprimida. Ultrapassará
somente com nome falso.
Na passagem ao sistema consciente devemos lidar não apenas com representações de coisas
mas com a relação:
representação de palavras
representação de coisa + afeto
quando se dá a passagem para a linguagem do sistema primário para secundário.
A representação da coisa inconsciente é carregada de onda energética e tem relação com a
representação da coisa consciente, que traz consigo energia, portanto dispondo de potencial
dinâmico e potencial de transferência. Existiria, assim representação de transferência e
transferência de representação.
Todos esses potenciais se encontram na linguagem. O analista procura servir-se de todas as
ambigüidades possíveis, pois através da linguagem encontra o único caminho do inconsciente.
O trabalho analítico, rico em analise de transferência, se faz com o confronto da representação
da coisa com a coisa inconsciente.
A representação da coisa é o único elemento comum entre o sistema inconsciente e o sistema
consciente. Nesse espaço, nessa diferença encontramos o acesso aos conflitos inconscientes.
Suas Lacunas e Necessidade de Ajuda
O doente psicossomático não tendo emoções foge do mundo interno e faz, adaptações em
posição distante da realidade externa.
Ele ilude e se ilude, em relação ao principio da realidade. Não suporta frustrações porque não
agüenta a dor mental e foge da experiência emocional porque tem medo da vida e chora pelo
corpo (3).
Ele não percebe, não sente, não ouve e não fala porque não usa a sua mente.
Tudo é percebido, sentido, ouvido e falado pelo analista, utilizado como instrutor, que usa sua
mente.
O paciente perdeu tudo, só tem o corpo. Necessita de ajuda pois encontra- se sem palavras
para as emoções e sem símbolos para os estados somáticos, Montagna (5).
Agora, quer recuperar o que o corpo tomou conta, a representação, mas não sabe recuperar
sozinho.
O analista serve de instrumento. Cabe a ele entrar em sintonia com o paciente e, ao mesmo
tempo, fazer sentir como ter postura, expressão facial, amor, ódio, fantasias, etc.
O paciente vai sentir o que o analista sente, onde todos, com experiência reafirmam essa
assertiva Pally (6).
O analista, quando em sintonia, organiza o paciente anatomicamente, ao abrir espaço para o
psíquico, onde só havia corpo. Vai substituir a mãe que falhou na função de pensar e usou o
paciente como extensão de si própria, com características narcisicas MC Dougall (4).
O analista vai recriar dentro do paciente o que está morto dentro dele, organizando sua
memória, abrindo espaço para novas representações. O pai estaria possivelmente,
desqualificado e ausente em seu mundo de representações.
O paciente e o analista estariam, guardadas as devidas proporções, a disposição do "reverie",
deficiente ou incapaz de atenção, memória, julgamento, imagens capazes de propiciar
associações, etc.
Estratégia dos Distúrbios Psicossomáticos
O doente psicossomático faz adaptações em posição distante da realidade externa, sem
contato emocional e fugindo do mundo interno. Ele ilude o desenvolvimento do principio da
realidade, não tolera a dor mental e foge da experiência emocional, porque não sabe falar. O
que ele percebe, sente ouve e fala não é dele. Tudo é percebido, sentido, ouvido e falado pelo
analista. Não usa sua mente, mas a do analista. Tudo ele perdeu e agora quer recuperar o que
o somático tomou conta, a criação da representação.
O analista serve de instrumento. Ele vai sentir, fantasiar, ter afetos, etc. para o paciente. Tudo
vai sendo despertado dentro do paciente para que este possa perceber dentro de si e
apreender a realidade.
A chave dos distúrbios psicossomáticos deve ser procurada no funcionamento pré-natal, que
deixa vestígios na vida uterina, mas obscurecidas pela cisão do nascimento.
Esses vestígios pré-natais parecem derivados de uma herança indesejável, porque constituem
parte das forças hostis ao crescimento mental.
Seria de se supor que a sensibilidade do feto não agüentaria certas tarefas excessivas por
serem ainda muito precoces.
O bebê intra-uterino, muito sensível ao desprazer, tenta ficar livre da “proto-idéias", que
possibilitam, no futuro, pôr-se em contato com os “fatos" da experiência da realidade.
Captar, em análise, os elementos pré-natais dependeria da capacidade de percepção, cujo
alcance é muito rudimentar.
Os estados mentais pré-natais e as proto-emoções podem romper barreiras (cisões) e produzir
manifestações psicossomáticas.
As forças hostis ao crescimento mental e ao conhecimento podem propiciar irrupções
psicossomáticas, uma vez que a mente é aquisição tardia e pouco evoluída em relação a
herança animal. Talvez, por esse motivo, as manifestações psicossomáticas compartilham com
o funcionamento psicótico, como o "modelo" da mente constituída por personagens pré e pósnatais.
Sofrimento Proporcionando Simbolização
A mente enfrentando o sofrimento ganha o desenvolvimento simbólico. A oposição entre
amor, ódio, conhecimento e o pensar, acerca da experiência emocional, permite a construção
de símbolos. Tal acontecimento decorre da possibilidade de tolerar a depressão da posição
depressiva.
Os símbolos, despojados do significado e da emoção, criam a desmentalização e a mentira.
O encontro entre a mente do bebê e a mente da mãe com capacidade de devaneio propicia a
operação mental que é o pensamento. A mentira é vinculo que destrói a mente de ambas.
Os signos indicam objetos, coisas, etc. e também os representa.
A simbolização é uma capacidade inata que só pode se desenvolver num vinculo humano. As
progressivas qualidades simbólicas partem do corpo com dados sensoriais em estado bruto e
carente de significado. Mas, na seqüência, com a percepção da experiência emocional é
possível alcançar os ideogramas oníricos, equiparações simbólicas como o pré-simbolo,
chegando aos pensamentos ligados em narrativas e aos novos pensamentos.
Essa transformação simbólica é necessidade básica como atividade primaria.
O paciente e o analista, diz Bucci (2) põem na sua relação núcleos afetivos que são
compartilhados na experiência bi-pessoal, que se renova continuamente, através de códigos
de processamentos sub-simbolico, simbólico não verbal e simbólico verbal como levando do
corpo ao psíquico.
A satisfação de expressar idéias, e o prazer de simbolizar constituem capacidades inatas da
espécie humana.
Em uma relação parasitaria, a mente primitiva despoja a mente evoluída das conquistas
simbólicas.
O processo de simbolização tem duplo sentido: por ser observado em uma direção tornandose cada vez mais complexo em sua evolução e em outro sentido caminhando para degradação,
deteriorando-se.
É sabido que a onipotência, a violência e a mentira exacerbam o ódio à verdade da mente. O
desenvolvimento simbólico pode ser usado a serviço de conseguir mentiras e enganar as
pessoas. Têm-se exemplos nacionais, o execrável, mestre em criticas destrutivas, desejando
sempre o mal a alguém e a malvadeza, impiedosa provocando intrigas, confusão e revolta.
A passagem de alterações do corpo para mente, tal como o não verbal para expressão
simbólica retira o peso e liberta o fenômeno do processo humano, antes aderido ao soma.
O alivio do sofrimento seria desligar, do corpo alterado, o sintoma, e, conectá-lo ao símbolo
não verbal e depois o símbolo verbal, em última instância tirando do soma e conduzindo ao
psíquico.
Poder-se-ia supor, dentre múltiplos códigos de pensamentos, retirar o signo da concretude
somática, através da energia das emoções, para a abstração simbólica onde há significação.
Considerações sobre Experiência Clínica
As experiências com o corpo, difíceis de serem expressas por palavras, seriam como palpá-lo,
toca, cheirá-lo, talvez como elementos sub-simbólicos.
Paciente de 35 anos, casada, com um filho, engenheira, portadora de gastroenterocolopatia
funcional, chega ao consultório, e andando, antes de acomodar-se, diz "sua casa é agradável e
gostosa". Logo, a seguir, entra em narrativa, descrevendo episodio do dia anterior, quando
muito ansiosa, esperava a chegada, com muito atraso, do marido, para jantar. "o senhor não
pode supor, quanta coisa eu disse, dentro da minha cabeça, sobre essa espera. Todavia, antes
dele chegar, tive diarréia com três a quatro evacuações pastosas, precedidas de cólicas
abdominais terríveis. Na hora em que meu marido chegou, não disse uma palavra.
Em seguida, olha-me dizendo: "ele chegou e tudo foi aqui, e, aponta o abdômen todo. Olha, foi
aqui mesmo e nada mais".
A- mostra-me que perdeu tudo, até o bom de sua casa. Possui somente o corpo, onde o ruim
se localiza.
Sua indicação parece mostrar desejo de transformação da opção significa para sub-símbolos,
ainda em concretude.
Criação de Espaço Mental Rara Memorizar
Em outra oportunidade, consegue lembrar-se de palavras proferidas em sessão e que diziam
respeito à pessoa da paciente, atendida por mim, quando de um impedimento dela. Por outro
lado, acha curioso, em certo dia, ter-se esquecido de levar seu filho ao escritório do marido,
pois ambos iriam à uma reunião.
Como analista estaria, como nos conta Montagna (5), em disponibilidade para recriar em sua
mente alguma área obtida por afeto, para memorizar, ficando surpresa por sentir em sua
mente algo diferente do que acontece com o aparelho digestivo.
Organização mental
Como moldura dos episódios clínicos dessa paciente, destaque-se a organização em sua
mente, quando percepção, visão e audição vinculadas abrem caminho significativo: "ontem,
me foi possível, quando daqui sai, ter percebido, olhando para o senhor e ouvindo suas
palavras, a chegada de uma idéia jamais ocorrida em minha vida: eu também existo como meu
marido e meu filho".
No dia seguinte, ao entrar, caminhando para sentar-se, ainda de pé, disse: "como está muito
frio, creio, para vir para cá, devo-me cobrir com uma manta".
Depois de acomodada, poucos instantes a seguir, principia a falar: "não sai da minha cabeça
aquele episodio, já lhe contei quando eu esperava muito inquieta o chegar, usei o celular e
desabafei, mesmo estando longe, falei, falei, falei,... na hora eu não disse. Formidável o
celular!!!"
Perguntei-Ihe sobre o receio daquele momento. Responde-me ter medo das palavras, no
sentido geral!!.
Manifestei-me dizendo: agora, ao chegar, conta-me que percebendo que existe, pede-me
ampara-Ia cobrindo-a com uma manta pelo receio de que eu possa falar e minhas palavras
possam machucá-la, neste momento.
Comentários
Propõe, pela sua grande ansiedade, que falemos pelo celular, seu instrumento de proteção,
que pode usá-lo, desligando-se de mim, quando não lhe agrado ao falar.
A paciente parece não poder admitir que depende de um objeto externo. O celular é
instrumento, em que ela produz e consome, de tudo que depende em sua vida, por essa razão
é... formidável.
O processo psicossomático é dominado por consequências de fatos físicos. Ficam distantes as
seqüências dos episódios mentais, porque nenhum é conseqüência de outro.
Pode-se partir do soma para o psiquismo, como da conseqüência para a seqüência.
A paciente esta muito distante para superar a tripeça: frustrações, depressão e culpa.
A expectativa de evolução favorável da paciente consiste na sua capacidade de suportar a dor
da frustração, de ouvir o que não deseja.
Sua capacidade de verbalizar somente vai aparecer, o que queremos comprovar, somente
depois de passar por depressão e reconhecer-se culpada pelos acontecimentos específicos de
sua vida.
A ligação entre paciente e analista não é mensurável. Há algo profundo na comunicação. Às
vezes, falamos sem saber o que falamos. Talvez, a conotação mais fácil seria a procura de
palavras simples indicadoras de dois objetos relacionados.
A interpretação reside na analise das palavras, sua trajetória e no jogo bi-pessoal analistaanalisando como caminho para o inconsciente.
Quem é o sujeito?
Na exposição desta experiência clinica cabe dizer: "você e eu e não você- isto (abdômen) e eu",
numa relação racional entre dois seres humanos, sem um intruso (abdômen)!
O intruso interrompe a percepção dela própria e a minha. A paciente reside em outro
município. A distancia é grande para chegar ao consultório e nunca chega atrasada. Chegar
depois do horário marcado talvez não agradasse a ela e nem à mim, com o sinal que estaria
errando.
Mas quem é o sujeito? Ela, o abdômen ou eu?
Abre-se novo espaço em sua mente
Em nova sessão, introduz-se na sala e ainda de pé, fala: "tive muitas saudades de sexta-feira
para cá. Não me foi possível vir, pois submeti-me à uma endoscopia. Nesse intervalo de tempo
pensei no que estávamos conversando aqui e, ao mesmo tempo, o que acontece entre eu e o
meu marido. Eu quando vou responder, procuro antes escolher as palavras para falar o que é
certo. Tenho constantemente essa preocupação porque fico espremida dentro de minha
cabeça para selecionar aquilo que é correto".
Respondo-lhe, que me pede aumentar sua capacidade mental, abrindo espaço, para receber- e
não evacuar pelos intestinos -palavras por mim pronunciadas, diferentes das suas.
Ao que, a paciente logo comunica: "se o senhor abre espaço na minha mente eu não preciso
mais ficar espremida, angustiada!!!"
Então, poderia me ouvir, sem medo?
Diz a paciente: '\enquanto o senhor falava de novo espaço -eu senti qualquer coisa na barriga,
mas logo passou..."
A Violência de nossos dias
Acho terrível a violência nos dias de hoje. Não poucas vezes, quando saio de carro, de repente
paro em um semáforo. Olho para um lado e vejo alguém - um sujeito, em outro carro,
observando-me como se fosse me assaltar!
Subitamente, o sinal verde permite me livrar desse susto! Penso ser um assalto de brincadeira.
Eu entrego o meu relógio e pago minhas culpas.
Esse seu relato está ligado a nossa relação aqui? Eu contei por contar uma brincadeira como
outra qualquer...
Parece, em sua h isto ria, pagar para livrar-se de alguma coisa sua? Não sei bem o que seja...
Receia que seja eu o sujeito que assalte por atributos que tem?
Bem, bem, bem. Temo uma coisa dentro de mim e não sei o que é. Talvez, um receio que
sempre tive, desde moça, de provocar atenção e ser atraída por muitos rapazes...
Um desejo seu posto em mim?
Talvez... não sei.
Uso de antidepressivos durante as férias
Um dia antes de entrar em férias esteve em consulta com gastroenterologista, que lhe
receitou antidepressivo, podendo tomar quando necessário.
A paciente relata que decidiu tomar desde o primeiro dia de férias. Começou com meio
comprimido tendo diarréia durante cerca de uma semana. Cessada a diarréia, passou a tomar
um comprimido ao dia, na suposição de que poderia encurtar o processo analítico.
Chega no primeiro dia, após as férias, cerca de 30 minutos antes, dizendo que vem fazendo
sobre si mesmo um processo de pressão para abreviar o tratamento comigo, uma vez que está
muito tensa sobrecarregada de tarefas muito numerosas em seu trabalho, queixando-se da
distancia de onde mora e dificuldades de transito que enfrenta e que isso não dá para
agüentar!
A- O que pensa sobre a coincidência de tomar antidepressivo a partir do primeiro dia de
férias?
P- Penso que o antidepressivo apressa o processo do tratamento!
A- Sua diarréia coincide com alguma coisa?
P- Não sei. Não tenho idéia!
A- Se o antidepressivo melhora o aparelho digestivo não acha estranho ter diarréia?
P- Não sei nada. Apenas tensa, confusa, ansiosa e preocupada de que não dou conta do
trabalho exatamente, agora, que dispensaram vários funcionários e tudo cai em cima de
mim!*
Descobre a hostilidade de um homem
Na sessão seguinte, encontra explicações em um homem agressivo. Desde criança, minha mãe
fazia criticas, porque eu punha tudo para fora, com muita raiva e ódio! Me transformou em
outra mulher que devia ouvir e não rechaçar as pessoas intempestivamente. Quando comecei
a trabalhar como advogada, tinha colega sócia, que tolerava desaforos por uma ou duas horas
de algum cliente muito perturbado. Eu seguia no mesmo tom. Desfiz a sociedade. Passei, em
concurso, para Oficial de Justiça. Nessa função, encontrei hoje, um homem muito agressivo,
quando lhe fiz entrega de uma intimação. Soltou impropérios que me abalaram incontinente
aqui na minha barriga. Entendi na hora que devo ser diferente e não aquela que tolera tudo.
A- Não seria eu o homem agressivo que disse algo que não gostou, e que lhe teria feito alguma
pressão?
P- Não o senhor falou o que é justo. Pode ter sido duro, mas foi carinhoso. Esse homem não,
foi rude, tempestuoso e mau. Senti logo a dor na barriga. Percebi que devo mudar, não devo
continuar assim. Agora, parece que estou entendendo.
Suas tarefas
Desde cedo estou preocupada se consigo dar conta do que tenho afazer durante o dia. Fico
ansiosa com o volume de processos à despachar, e, se tudo vou fazer no prazo que estipulei! A
minha preocupação é desde que acordo até à noite. Estou sempre assim!
Lembro-me quando criança tinha alergia bem aqui na barriga. Depois de desaparecer a alergia
veio a coceira no mesmo lugar e é aqui hoje que estou me lembrando de ter cólicas intestinais
e diarréia.
A- Fala-me de coisas e do corpo, que me mostra tomando conta de tudo. Parece que nada
sente ao estar junto comigo?
P- Eu falo sobre as tarefas Que desenho de manhã até à noite. Sou assim!
* Com essas perguntas, procurei emprestar, sem êxito, meu Ego para elaboração psíquica de
suas funções somáticas.
Medo de viver a vida
P- O senhor parece um lorde. ..sua observação sobre o uso de antidepressivo me pareceu tê-Io
chocado e, ao mesmo tempo, decepcionado com minha evolução até o inicio das férias.
A- O antidepressivo afogou possibilidades de viver sua separação comigo, mas neste momento
consegue me ver... mas sem dizer o que sente.
P- Refleti sobre a tolice que fiz, como se eu tivesse me proposto a perder minha identidade
com o uso de antidepressivo.
Eu recebi informação por telefone, que meu sobrinho sofrera um acidente e fora
hospitalizado. De repente, tive uma sensação estranha dentro de mim, como alguma coisa já
experimentada no passado e que não sei o que é! Nada senti no abdômen.
Não tive repercussão alguma no aparelho digestivo. Mas, essa sensação... Incontinenti, tive
desejo de ir vê-Io no Hospital.
A- o receio de viver uma emoção foi dissipado ao fazer alguma coisa concreta: ir ao Hospital?
P- Não tinha pensado nisso. Ao chegar ao Hospital vejo o rosto de meu sobrinho: uma metade
cheia de escoriações, sangue,olho saltado avermelhado, impressionante, a oub"a metade
normal, sem qualquer lesão, lisa, perfeita.
A- Poderia perceber as suas duas metades: uma, a mente que lhe causa muito medo e a outra,
o corpo domesticado por suas exigências?
P- Puxa! Que coisa! Olho para o sobrinho vejo seus olhos vermelhos como se fosse chorar. Eu
me contenho, faço tudo para não impressioná-lo. Consigo não chorar!
A- Supõe o choro como alguma coisa má?
P- Ele poderia, ao me ver chorando, pensar: "eu enlouqueci!!!"
A- Sentimentos e emoções traduziram loucura! Por essa razão se empenha na separação da
mente louca com o corpo supostamente sadio?
P- Começo a entender o meu medo de viver a vida!
A- Sua experiência parece ajuda-Ia a conhecer-se um pouco mais.
Considerações
Não se ajustam as mensagens corpo-mente. O soma não consegue representação simbólica no
aparelho mental. O seu corpo parece anulado como fonte vital de informações provocando
lacunas no crescimento mental.
Em conseqüência, seu plano de vida, não oferecendo episódios de sensações e emoções, gera
crises somáticas.
O imaginado "viver a vida" esconde pulsão de morte como tributo a ser pago pela sua grande
capacidade de trabalho.
Sua linguagem pré e paraverbal fornecem dados sobre a cisão mente-corpo. Quando o corpo
não consegue representação simbólica ( episódios do acidente do sobrinho, quando
hospitalizado) a paciente é impulsionada a fazer coisa!.
-Perdeu tudo. Só tem o corpo, parecendo ter vida regida por código visceral.Talvez, o medo de
viver abriria caminho do soma ao símbolo. A analise, em sua evolução, pode proporcionar
transformações com o surgimento de mensagens com significados. É idéia estimulante do
crescimento, que pode, segundo Bion, envelhecer rapidamente.
Resumo
O grande desafio da Medicina Psicossomática, de nossos dias, é descobrir conexões sinápticas
que articulem as emoções geradas pelos sistemas neurais, ainda não registradas pela nossa
percepção profunda, com as mesmas emoções de nossas constelações psíquicas que
utilizamos nos cuidados bi-pessoais ou grupais dos transtornos psicossomáticos.
A grande esperança é transmitir a todas as pessoas capacitadas para esses cuidados não
esqueceram que o doente psicossomático tem uma impotência régia : não usa a sua mente e,
como tal, foge de toda experiência emocional porque o que percebe, sente, ouve e fala, não
pertencem a ele.
***************
Referências
1. Bion, W. (2000) Cogitações, edição Francesca Bion. Tradução de E.H.Sandler e P.C.Sandler,
Imago Ed, 16 -30.
2. Bucci, W (1997) Symptoms and symbols. A multiple code theory of somatization.
psychoanalytic Inquiry, 151- 72.
3. Capisano, H. (1978) Afetos na enfermidade psicossomática. Contribuições psicanalíticas a
Medicina Psicossomática. II Encontro Argentino Brasileiro de Medicina Psicossomática.
Vol. 1.21 -49.
4. MC Dougal, J. (2001) Teatros do Corpos, Ed, Martins Fontes, S.Paulo.
5. Montagna, P (2001) Afeto, somatização, simbolização e a situação analítica. Ver. Brás.
Psicanalítica, Vol. 35(1) : 77 -88.
6. Pally, R. (1998) Emotional processing: the mind-body connection. Internat. Joum. PsychoAnal, 349- 62.
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