Revista Eletrônica Intr@ciência PRINCÍPIOS ÉTICOS: MEDIAÇÃO ENTRE A PRÁTICA DOCENTE E O ALUNO SCHENDER, Klim Wertz1 Resumo: Este trabalho trata dos princípios éticos e sua influência na formação cultural de uma sociedade, os quais podem nortear a prática docente. Objetiva-se uma reflexão sobre a existência da cultura individual em relação à social, permitindo que as ideias sejam transmitidas, os valores expostos, de forma não coercitiva, nem imposta como paradigmas únicos a serem seguidos. O respeito à diversidade cultural é um fator culminante para harmonizar relações. Diante disso, acredita-se que os conflitos entre docentes e discentes, por diferenças culturais, podem ser harmonizados com a apreensão dos conceitos éticos e morais. A busca da ausência de qualquer tipo de violência, ao respeitar a liberdade individual, deve ser o objetivo entre professor e aluno na construção de relações que venham promover o bem-estar individual e coletivo. Palavras-chave: Princípios éticos; cultura; relação professor/aluno. Abstract: Understand ethical principles and its influence on the formation of a cultural society may guide the teaching practice. Reflecting on the existence of individual culture in relation to social allow ideas to be transmitted, the values exposed, not coercively, or imposed as a unique paradigm to be followed. Respect for cultural diversity is a factor peak to harmonize relations. It is believed that conflicts between teachers and students, by cultural differences can be harmonized with the seizure of ethical and moral concepts. The search for the absence of any kind of violence, while respecting individual liberty, must be the goal of the teacher and the student in building relationships that will promote the welfare of individual and collective. Keywords: Ethical Principles; culture; teacher / student relationship. INTRODUÇÃO O ser humano é um ser complexo, logo, não é de fácil definição. Entender a si e ao outro faz parte desta complexidade, isto é, cada ser humano é único, no que tange ao seu caráter biológico, genético, bem como suas características pessoais, que podem ser semelhantes a outros indivíduos, porém jamais iguais. Cada ser humano é único, no tempo e no espaço, com características próprias e peculiares. 1 Mestre em Educação pela Unisantos e Professor da Faculdade do Guarujá/SP. _____________________________________________________________________________ 1 Revista Eletrônica Intr@ciência O homem em sua individualidade possui os seus costumes, os seus juízos, sua moralidade, que foram sendo formadas desde o seu nascimento: por seus pais, familiares, amigos, pela cidade, estado, país, e por que não dizer pela influência da globalização. Os mitos sociais, a religião, a educação formal e informal, enfim, são aspectos que influenciam e contribuem de forma positiva ou negativa na formação desse homem. Ignorar os fatos supracitados poderá causar vários conflitos, embora muitos não queiram compreender, mas desejam ser compreendidos, e outros são compreendidos, mas não querem compreender. Para alguns não é observável a intensidade de conflitos, pois não exigem interatividade rotativa, quantitativa, isto é, muitos contatos pessoais. Mas para aqueles que em seus ofícios faz-se necessário manter contatos diretos com outros seres humanos, como por exemplo, os professores, que deparam com constantes conflitos, situações estressantes, sendo que inúmeras vezes não alcançam resultados satisfatórios desgastando ambas as partes da relação (professor/aluno), torna-se imprescindível refletir sobre as ações humanas através da ótica da ética que poderá contribuir para situações de convivência mais harmoniosa. Portanto, deve-se buscar conceitos filosóficos sobre ética, com a propedêutica dos questionamentos, tais como: o que vem a ser ética? O que vem a ser moral? Para Ferreira (2004), há dois conceitos sobre ética: o primeiro tem como significado “Estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana, do ponto de vista do bem e do mal”; e o segundo a define como: “Conjunto de normas e princípios que norteiam a boa conduta do ser humano”. Conforme Chauí (2009, p. 212) ética e moral “referem-se ao conjunto de costumes tradicionais de uma sociedade e, como tais, são considerados valores e obrigações para a conduta de seus membros”. Para Aranha e Martins (1991, p. 303), a ética ou filosofia moral “é a parte da filosofia que se ocupa com a reflexão a respeito dos fundamentos da vida moral [...]. Sendo a moral “o conjunto de regras que determinam o comportamento dos indivíduos na sociedade”. De acordo com Cunha (2007, p.336), ética é o “ramo de conhecimento que estuda a conduta humana, estabelecendo os conceitos do bem e do mal, numa determinada sociedade em determinada época” e moral “relativo aos costumes [...] conjunto de regras de conduta” (p. 532). A filosofia moral ou ética, de acordo com Chauí (2009), nasce quando o indivíduo passa a interrogar os costumes, como origem, validade, qualidade, definições _____________________________________________________________________________ 2 Revista Eletrônica Intr@ciência entre outros, como também a compreensão do senso moral e da consciência moral de cada indivíduo dentro do seu caráter, ou seja, de sua conduta, ações, características pessoais e sentimentos. Para Aranha e Martins (1991), antes da existência do indivíduo a moral já estava constituída, e com sua inserção do indivíduo na sociedade, através do seu nascimento, as normas instituídas orientarão o seu comportamento. Com o tempo suas ações poderão expressar: moralidade ou imoralidade. Embora, a moralidade surge com a finalidade de apaziguar, harmonizar, de trazer garantias de concordância entre os indivíduos que vivem em grupos. Quando um bebê nasce, é inserido no seio da família: pai, mãe, irmãos, primos, tios, avós etc. Dentro dessa família já estão formadas certas características de comportamento, que podem diferir dos avôs aos netos, isto é, à medida que o tempo passa, as coisas mudam e as gerações também vão fazendo suas adaptações a essas mudanças. Essa criança receberá a influência ética e moral da família, crescendo e aceitando os comportamentos como naturais, sem questioná-los. Com a idade de se interagir com outros que não pertecem ao seu rol familiar, poderão surgir questionamentos, comparações sobre os costumes de sua família com outras famílias. Podendo criar conflitos internos, por mudanças, quebra de paradigmas, a saber, a busca de novas sintonias éticas e morais ou não. As ações da criança vão sendo transformadas, à medida que se desenvolvem os lados físico e psíquico, gerando comportamentos que para alguns serão morais, mas para outros imorais, isto é, as diferenças de juízos revelam que existem várias culturas dentro de outras culturas. O professor deve estar ciente dessas transformações supracitadas que ocorrem na família e na sociedade. Caso ignore esses fatos, entrar-se-á em constantes conflitos, por causa de filosofias éticas e morais distintas, construídas por situações histórico-sociais diferentes. Há diversidade cultural acentuada, e isto não pode ser ignorado pelo docente, que deve aprender a lidar com essas diferenças. Não havendo fórmulas fechadas, gerais para toda e qualquer situação. As instituições de ensino são um dos locais em que se dá o encontro dessa diversidade cultural. Entretanto, o professor deverá ser o mediador da sua cultura e a dos seus alunos, bem como de um aluno para o outro aluno. Neste contexto destaca Hoffmann (2006, p. 99 – 100) que o professor ao se deparar com crianças agitadas, jovens desatentos, distraídos, alguns mais briguentos que outros, representam o absolutamente normal em uma sala de aula, considerando ainda as desigualdades sociais e culturais. Não imagino como possamos desejar que todos os alunos apresentem _____________________________________________________________________________ 3 Revista Eletrônica Intr@ciência o mesmo comportamento ou idênticas linhas de conduta. Trabalhar com as diferenças individuais no sentido de uma educação voltada à formação de jovens autônomos, críticos, cooperativos, é responsabilidade dos educadores no seu cotidiano. Dessa forma, o senso moral de cada professor, perante as situações supracitadas requer cuidados. Analisando-se o conceito de senso moral, dado por Chauí (2009), como a maneira de avaliar a própria situação e a dos semelhantes, de acordo com as ideias que se tem de justiça e injustiça, o professor deve conscientizar de que está tão inserido quanto os seus alunos nesse contexto, pois, cada ser humano desenvolve o seu senso moral de acordo com as informações transmitidas pela sociedade durante o seu desenvolvimento físico, psicológico e social. Esse meio determina em suas mensagens, do que é o bem e o que designa o mal. O indivíduo desse meio será influenciado por estas mensagens, seguindo-as em maior ou menor intensidade. É oportuno ressaltar ainda que no interior de sua cultura, em sua tenra idade, o ser humano recebe querendo ou não mensagens, que se não forem acatadas receberá em troca punições. Por conseguinte, à medida que este indivíduo desenvolve-se, atingindo a maturidade, se faz necessário que seja autônomo, isto é, deve ser livre para fazer suas escolhas. Logo, o homem é exposto a constantes situações em que sua consciência moral deve decidir suas ações, ou seja, o exercício da liberdade do agente. Essas ações por sua vez não devem estar atreladas, subjugadas à vontade de outros, e sim por decisão própria, com liberdade de justificar a si mesmo, como para os outros as razões de sua decisão, e assumir suas conseqüências. Pois, para Valls (2008), não há como separar ética de liberdade, ainda que haja responsabilidades preceitos a serem seguidos, o homem é livre para segui-los ou não. Portanto, a consciência moral não está limitada pelos sentimentos de moralidade. Logo, não há bases de “ensino moral” únicas, ou seja, o que é certo hoje poderá ser errado amanhã e vice-versa, então, o indivíduo deverá atingir a autonomia fundamentada em reflexões destes ensinos transmitidos durante a sua infância e juventude, e escolhendo o que é bom ou não para si. No entanto, essas decisões, no entanto, não devem ser limitadas por emoções, mas fundamentadas numa consciência construída com bases formais. Caberá ao professor contribuir expondo novas bases morais para reflexão do educando, pois, muitos nunca refletiram sobre outras possibilidades a não ser aquelas apresentadas pelos seus genitores. Sabendo que “expor” não é sinônimo de “impor”, _____________________________________________________________________________ 4 Revista Eletrônica Intr@ciência embora, seja natural em muitos docentes o desejo de impor seus conceitos, filosofias, cultura, aos seus alunos, como se a sua vida fosse um paradigma a ser seguido. O senso moral quanto à consciência moral alude a valores, a sentimentos que por eles são provocados, conduzindo a decisões e ações que trarão resultados próprios como para os outros sujeitos morais, constituindo a existência intersubjetiva do indivíduo. Atualmente observa-se que as pessoas formadoras da sociedade estão envolvidas em seus próprios interesses, não se importando com o outro. Viver em sociedade é viver em grupo, isto é, a decisão de um indivíduo, componente deste grupo social poderá afetar a todos de forma positiva ou negativa, direta ou indireta. O professor poderá neste caso mediar esta reflexão, trazendo fatos sociais para os alunos, de pessoas que se concentram somente em si, prejudicando vários indivíduos com suas decisões. Pontuando que o individuo “autônomo” é aquele que utilizará da liberdade conscientemente tomando decisões que não afetem negativamente a si e nem aos outros. Os juízos de morais de valor, conforme Chauí (2009) são normativos, expondo normas que estabelecerão o que é bom, determinarão os deveres das ações e sentimentos, fundamentados em critérios de avaliação do que é correto e incorreto. Juízos que obrigam e avaliam as ações e intenções do sujeito. O senso moral e consciência moral são inseparáveis, definindo assim os valores que deverão ser abraçados e desprezados, ou seja, positivos e negativos. A natureza marca os juízos de fato e a cultura marca os juízos de valor. Os fenômenos naturais são independentes da vontade humana, porém, os juízos de valor estão intimamente ligados a fatores culturais. Sendo assim, Chauí (2009, p. 207) define que a cultura nasce “da maneira como os seres humanos interpretam a si mesmos as suas relações com a natureza, lhes acrescentado sentidos novos, alterando-a por meio do trabalho e da técnica, dando-lhe significados simbólicos e valores”. A sociedade estabelece os juízos de valor, construindo nesta base a sua cultura. Assim como determina e define a conduta de seus integrantes, estabelecendo a moral social peculiar, que construirá a consciência moral de cada indivíduo. O homem nasce e é educado em uma cultura já formada, estruturada, com todos os seus valores, naturalizando os padrões determinados por essa sociedade. No entanto, essa naturalização esconde a essência da ética, pois a moral é uma construção históricocultural. Aliás, basta analisar a origem da palavra latina moral, que tem como _____________________________________________________________________________ 5 Revista Eletrônica Intr@ciência significado “o costume”, ou seja, “os hábitos instituídos por uma sociedade em condições históricas determinadas” (CHAUÍ, 2009, p. 207). Muitos dos hábitos, regras, normas, estabelecidos pelos fatores históricos e culturais, poderão ser rompidos, infringidos por alguns dos que integram essa sociedade, gerando diversos problemas sociais, dentre eles: a violência, que se encontra no centro das ideias éticas. Desde a antiguidade tem se procurado caminhos para controlá-la e evitá-la. A saber, diferentes formações sociais e culturais instituíram conjuntos de valores éticos como padrões de conduta, de relações intersubjetivas e interpessoais, de comportamentos sociais que pudessem garantir a segurança física e psíquica de seus membros e conservação do grupo social. (CHAUÍ, 2009, p. 207) Constata-se, ainda, que a violência é definida diferentemente em cada cultura, dependendo do fator tempo e lugar. Para Chaui (2009), a violência se percebe através da força física, bem como a coação psicológica exercida sobre uma pessoa cujos desejos e interesses são contrários à sua consciência e ao seu corpo, traumatizando este ser, que poderá ter como resultado a morte, a loucura, a autoagressão ou a ato de agredir a outros. A violação física e psíquica é entendida como violência, por conseguinte, se faz necessário a sociedade definir o que seja o “mal”, construindo leis que serão erguidas como valores positivos que projetarão muralhas de defesa éticas contra todo o tipo de violência. Dentre as violências encontra-se toda a profanação a cultos, rituais, objetos sagrados, bem como a discriminação econômica, política, cor de pele, social, opção sexual, religiosa e outros. O homem é um sujeito do conhecimento e da ação, não é um objeto ou coisas. O homem é um agente livre, racional, com plena liberdade para se expressar. Mas este ato de expressão tem os seus limites, desde que não viole fisicamente ou psiquicamente outros indivíduos. Logo, se faz necessário a sociedade definir o que é permitido e o que é proibido, estabelecendo suas idéias morais. Deve haver limites, forças controladoras para inibir a violência. Para Chauí (2009), a responsabilidade e a consciência são condições que se tornam indispensáveis à vida ética, portanto, o homem como agente consciente, conhece o permitido e o proibido e tem consciência moral para distinguir as diferenças, reconhecê-las, julgar os valores das condutas e ações e agir de acordo com os valores morais estabelecidos pela sociedade na qual vive e participa. Caracterizando a práxis _____________________________________________________________________________ 6 Revista Eletrônica Intr@ciência ética, na qual o agente é aquilo que ele faz. Portanto, o homem é livre, para tomar suas decisões, ou seja, a sua vontade deve ser livre, não estando sob jugo ou submetida à vontade alheia, nem aos próprios instintos e paixões. O homem não deve ser um sujeito passional. Os valores e as obrigações devem estar contidos nos conteúdos das condutas morais, conhecidas como virtudes, que são exercidas somente por sujeitos morais conscientes da existência ética. A pessoa moral ou ética deve ser livre, consciente de si e dos outros, dotada de vontade, capaz de controlar, e dar orientação aos seus desejos, impulsos, ser responsável sobre suas ações e pensamentos. Porém, este sujeito não pode ser passivo, mas ativo, não se sujeitando a nenhuma forma de governo dos outros ou de si próprio que venha lhe escravizar o corpo e a mente, isto é, o homem deve ser um ser que exerça sua autonomia. Cada cultura tem seus valores éticos ou morais objetivando atingir a excelência que é virtude. Ao caminhar em sentido contrário encontra-se a baixeza das ações e dos sentimentos que é o vício. A ética não está alheia quanto às relações históricas, econômicas, políticas e culturais da ação moral, ao contrário, transforma-se de acordo com as exigências novas de cada cultura e sua sociedade. Para ética os meios justificam os fins, ou seja, tudo aquilo que socialmente não é considerado valor ético deve ser abolido, pois os fins estabelecidos pela sociedade não serão alcançados, sendo assim ações imorais. Aliás, deve-se afastar da mentira, ou outra ação que possa despertar medo nas outras pessoas a fim de conseguir que se alcance um determinado fim, esse, porém não seria um meio justificável, pois desrespeitaria a consciência e a liberdade da pessoa moral. De acordo com Chauí (2009), para se atingir fins éticos são exigidos meios éticos. Conforme Chauí (2009), a presença da moral numa sociedade, não significa a presença ética, através do qual os valores morais são discutidos, problematizados, interpretados e refletidos. O professor deverá despertar em seus alunos através do diálogo, as questões morais e éticas da sua sociedade, entre eles, o grau de violência que vem afetando a muitos. E quais os meios necessários para atingir os fins desejados pela maioria. Meios não fundamentados em paixões, emoções e vontades individualistas, egocêntricas, mas a procura do bem-estar coletivo. Além disso, o homem tem desejos e almeja ser desejado, no entanto, há diferenças entre desejo e vontade. O desejo, para Chauí (2009), seria paixão, _____________________________________________________________________________ 7 Revista Eletrônica Intr@ciência imaginação, satisfação imediata, já a vontade seria a decisão, reflexão, realização no tempo. Porém, a consciência e o desejo referirão as intenções e motivações e a vontade às ações e finalidades. Sendo assim consciência e desejo referem-se a sentimentos internalizados; e a vontade, às ações externalizadas do sujeito moral. Portanto, cabe ao professor deverá apresentar aos seus alunos que na ética o homem é livre, mas também é responsável pelas suas decisões, portanto, devem estar conscientes com expressa Chauí (2009), que o homem é eticamente livre e responsável, sabendo que não pode fazer tudo quanto desejaria e nem desejar tudo quanto pode fazer. Assim, deve aprender a discernir os limites entre o que é permitido e o que é proibido, resguardando a si como aos seus semelhantes. Mas para que isto ocorra, o critério ideal será a ausência da violência tanto interna como externa, resultados das reflexões éticas e morais e suas apreensões, que auxiliarão no discernimento das práticas diárias do indivíduo que se dispõe a inclinar-se para tais reflexões e nas ações cotidianas desejadas pela sociedade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1991. CHAUI, Marilena. Filosofia. 2. ed. São Paulo: Ática, 2009. 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