UNIVERSIDADE DE MARÍLIA GLAUCIA SILVA LEITE O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL DE GARANTIA DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL MARÍLIA 2013 GLAUCIA SILVA LEITE O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL DE GARANTIA DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação da Profa. Dra. Maria de Fátima Ribeiro. MARÍLIA 2013 Ficha catalográfica Leite, Glaucia Silva O cooperativismo como instrumento constitucional de garantia do desenvolvimento nacional./ Glaucia Silva Leite – Marília: UNIMAR, 2013. 116p. Dissertação (Mestrado em Direito) – Curso de direito da Universidade de Marília, 2013. 1. Cooperativismo 2. Desenvolvimento Econômico 3. Intervenção Estatal 4. OCB I. Leite, Glaucia Silva CDD: 342.226 GLAUCIA SILVA LEITE O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL DE GARANTIA DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, sob a orientação da Profa. Dra. Maria de Fátima Ribeiro. Aprovada pela Banca Examinadora em ____/____/______ _________________________________________ Profa. Dra. Maria de Fátima Ribeiro Orientadora __________________________________________ Profa. Dra. Ana Paula Martins Amaral __________________________________________ Profa. Dra. Marisa Rossignoli Ao meu marido Ivan, companheiro incansável que me acompanhou durante todo o mestrado, Aos meus filhos amados João Marcos e Maria Fernanda, pilastras do meu ser, motivo de orgulho em minha vida, À minha mãe Shirley, grande incentivadora e que nunca deixou de acreditar que eu fosse capaz de concluir este mestrado, Ao meu pai Paulo, fonte de inspiração em minha vida profissional. AGRADECIMENTOS A Deus, por ter me dado condições de efetuar este mestrado e à intercessão de Nossa Senhora. À professora doutora Maria de Fátima, que, pacientemente, me orientou com dedicação. O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL DE GARANTIA DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo demonstrar o papel do cooperativismo no Brasil, como instrumento integrante da ordem econômica capaz de contribuir para o desenvolvimento nacional. A proposta para tanto é a intervenção do Estado no cooperativismo, conforme prevê o art. 174 da Constituição Federal de 1988, e a atualização legislativa do setor, considerando o fato de que a Lei nº 5.764/1971 que regulamenta o cooperativismo nacional não estar mais de acordo com a real situação das cooperativas na atualidade. Por meio da referida lei se estabeleceriam mais atribuições à Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB). Outro passo seria a desvinculação do sistema do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, vinculando-se a outro Ministério, considerando-se seu atual perfil. Assim, a OCB, mais fortalecida, poderá outorgar aos cooperados e às cooperativas de modo indiscriminado o atendimento devido, promovendo a educação cooperativista e a orientação de todos os envolvidos, além de orientação tributária e legislativa. Apoiado dessa forma, o setor tenderá a crescer e promover a distribuição equitativa de renda, gerando recursos financeiros e econômicos, para seus cooperados e para toda a sociedade, melhorando a qualidade de vida dessa população, podendo ser excelente ferramenta para alçar o objetivo fundamental da República previsto no art. 3º, III, da Constituição Federal, qual seja: a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais. Neste trabalho, a metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e exploratória, com base em livros e artigos, além da documental, com método descritivo e analítico. Utilizou-se, também a pesquisa dogmático-jurídica, tendo como base livros e artigos jurídicos de diversos autores, legislação, jurisprudências e documentos governamentais e de estudos econômicos. Palavras-chave: Cooperativismo. Desenvolvimento. Intervenção estatal. OCB. COOPERATIVES AS A CONSTITUTIONAL GUARANTEE OF THE NATIONAL DEVELOPMENT ABSTRACT: This paper aims to demonstrate the role of cooperative in Brazil, as an integral instrument of the economy capable of contributing to national development. The proposal for this is the Government intervention in the sector, as cited in the article 174 of the Federal Constitution of 1988 and update the legislative sector, considering the fact that Law No. 5.764/1971 regulating national cooperative no longer agrees with the real situation of cooperatives nowadays. Through this law wider attributions would be given to the Organization of Brazilian Cooperatives (OBC). Another step would be to untie the system of the Ministry of Agriculture, Livestock and Supply, linking to another Ministry, considering its current profile. However, OBC becoming stronger may grant to the cooperative indiscriminately due care, promoting cooperative education and guidance of all concerned, as well as tax and legislative guidance. Supported in this way, the sector is likely to grow and promote the equitable distribution of income. Thus creating financial and economic resources to their members and its society, improving the quality of life of this population may be a great tool to boost the fundamental aim of the State as cited in the article 3, III, of the Federal Constitution: The eradication of poverty and to reduce social and regional inequalities. The methodology used was the literature research and exploratory, based on books and articles, in addition to the documentary with descriptive and analytical method. Research legal-dogmatic was also used, based on books and legal articles by various authors, legislation, case law and government documents, and economic studies. Keywords: Cooperative. Development. State intervention. OBC. LISTA DE ABREVIATURAS ABCOOP Art. art. BACEN BNDES CC CEF CNC COFINS COOPERJOVEM DENACOOP FAO FATES FGTS FIDA GTDN IPTU IRLL IRPJ MP OCE OEA OIT ONU ONUBR OQS PAC PL PMA PROCAPCRED SESCOOP TJLP UNASCO - Aliança Brasileira de Cooperativas Artigo artigo Banco Central do Brasil Banco Nacional do Desenvolvimento Social Código Civil Caixa Econômica Federal Aliança Brasileira de Cooperativas Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social Projeto de Capacitação para Jovens e Crianças Departamento de Cooperativismo e Associativismo Rural Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social Fundo de Garantia por Tempo de Serviço Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste Imposto Predial e Territorial Urbano Imposto de Renda Sobre Lucro Líquido Imposto de Renda Pessoa Jurídica Medida Provisória Organizações Cooperativas Estaduais Organização dos Estados Americanos Organização Internacional do Trabalho Organização das Nações Unidas Organização das Nações Unidas no Brasil Organização do Quadro Social Programa de Aceleração do Crescimento Projeto de Lei Programa Mundial de Alimentos Programa de Capitalização das Cooperativas de Crédito Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo Taxa de Juros de Longo Prazo União Nacional das Associações Cooperativas SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 9 1 COOPERATIVISMO............................................................................................ 1.1 PENSAMENTOS E IDEAIS: O COOPERATIVISMO ATRAVÉS DOS TEMPOS............................................................................................................... 1.2 O COOPERATIVISMO NO BRASIL.................................................................. 1.2.1 Breves linhas sobre a estruturação do cooperativismo brasileiro e a Organização das Cooperativas Brasileiras.......................................................... 1.3 PRINCÍPIOS DO COOPERATIVISMO............................................................... 1.4 DEFINIÇÃO, CONCEITOS CLASSIFICAÇÃO DAS COOPERATIVAS......... 11 2 O COOPERATIVISMO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA... 2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988............................................................ 2.2 AS PREVISÕES CONSTITUCIONAIS SOBRE O COOPERATIVISMO.......... 2.3 OS OBJETIVOS DA REPÚBLICA E O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTAL PARA A SUA CONSECUÇÃO............................................ 2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS: INSERÇÃO DO COOPERATIVISMO EM SEU CONTEXTO................................................................................................... 2.5 O COOPERATIVISMO E A TRIBUTAÇÃO....................................................... 12 22 35 39 45 53 54 65 68 74 80 3 COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO DA ORDEM ECONÔMICA PARA GARANTIA DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL.......................... 3.1 ASPECTOS DO COOPERATIVISMO NA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA........................................................................................................ 3.2 COOPERATIVISMO E O ESTADO DITO INTERVENTOR........................... 3.2.1 Políticas públicas para o setor cooperativista...................................................... 3.3 O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO NACIONAL................................................................... 101 CONCLUSÃO............................................................................................................. 107 REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 109 85 87 91 96 INTRODUÇÃO O cooperativismo é um sistema associativo no qual pessoas livres se unem, somando suas forças de produção, sua capacidade de consumo e suas economias, no intuito de evoluírem econômica e socialmente, elevando seu padrão de vida e, igualmente, beneficiando a sociedade por meio do aumento e barateamento da produção, do consumo e do crédito. Constitucionalmente, o cooperativismo nunca esteve tão fortalecido, basta verificar o disposto no art. 5º, XVIII da Constituição Federal (CF) de 1988 que elevou o ideal cooperativista a um patamar nunca antes reconhecido, tratando-o como fundamento básico na esfera econômico-social. Esse reconhecimento constitucional do cooperativismo coincidiu com um momento histórico, de âmbito nacional e internacional, de inegável avanço no tocante à liberdade, à democracia e à justiça social, valores estes de caráter genuinamente coletivo e que culminaram igualmente com os ideais de cooperação, essencial para o desenvolvimento nacional. A noção de desenvolvimento implica aumento de bem-estar com mudança na estrutura econômica e social; envolve toda a sociedade, em todos seus aspectos. Dessa forma, o desenvolvimento local compreende, segundo Carvalho1, a mobilização voluntária, cujo objetivo é originar ações com as quais se produzam sinergias entre agentes, tendo em vista qualificar os meios de vida e assegurar o bem-estar social, e como local entende-se uma comunidade ou região, não somente significando município ou Estado. Destarte, a união dos locais, como comunidades, regiões e outras, se configura como importante caminho para o desenvolvimento nacional. Nesse sentido é que para que essas ações possibilitem a plena realização do desenvolvimento nacional por meio das cooperativas, são necessários uma melhor organização e o fortalecimento do setor, que possa regular as atividades das cooperativas. O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a importância do setor cooperativista para o desenvolvimento nacional principalmente pela redução das desigualdades regionais e sociais. Observa-se que a melhor organização e regulação do setor permitirá uma união de forças, amparando os cooperados e as cooperativas, fiscalizando suas atividades, no sentido de evitar fraudes e prejuízos aos cooperados e à sociedade, promovendo a educação cooperativista e a orientação de todos os envolvidos. Apoiado dessa forma, o setor tenderá a 1 CARVALHO, Eveline B. S. Estímulo à estratégia cooperativa como condição para o desenvolvimento local. Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 31, n. 3 p. 384-395, jul./set. 2000. 10 crescer e promover a distribuição equitativa de renda, gerando recursos financeiros e econômicos, para seus cooperados e para toda a sociedade, melhorando, portanto, a qualidade de vida dessa população, podendo ser uma ferramenta para alçar o objetivo fundamental da República previsto no art. 3º, III, da CF/1988, qual seja, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais. Na consecução deste trabalho, inicialmente, apresenta-se uma verificação histórica das cooperativas e seus princípios. Para tanto, foram levantados, na literatura especializada, os fundamentos básicos e históricos com relação ao cooperativismo de uma maneira geral. Posteriormente, o cooperativismo e a Constituição Federal brasileira foram objetos de análise minuciosa, discorrendo sobre os objetivos da República e traçando um comparativo entre os princípios norteadores do cooperativismo, dentro dos direitos fundamentais e o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo, finalizando com o cooperativismo inserido na ordem econômica brasileira. Finalmente, refletiu-se sobre a preocupação com a eficiência das cooperativas e com a necessidade de dar respostas legais para esse problema em prol do desenvolvimento nacional. A intervenção estatal é apresentada como um meio para se alcançar a eficiência das cooperativas. 1 COOPERATIVISMO O Brasil é um país de dimensões continentais, apresentando, dentro de suas configurações, diversas peculiaridades socioeconômicas e geográficas, que o caracterizam como heterogêneo e de grandes desigualdades espaciais. O país tem regiões diferenciadas, cada uma com clima, tipo de terra e recursos naturais próprios, que modificam os fatores de produção, resultando em renda per capita específica para cada uma de suas regiões. Uma das graves consequências das disparidades regionais e sociais que o Brasil ostenta é o seu nível superlativo de pobreza, decorrente da desigual apropriação e distribuição de bens e riquezas, em contraste com a abundância de recursos e com o potencial produtivo do país. A persistência das desigualdades ao longo da história brasileira denota que elas estão enraizadas, ante as quais políticas de crescimento econômico e medidas compensatórias dirigidas à população de baixa renda não têm surtido efeitos decisivos e prolongados2. A pobreza não está localizada na insuficiente produção econômica, mas em sua má distribuição. Ela reside nos processos de reiteração das desigualdades que explicam por que, ao cabo de sucessivas fases de alternância entre estagnação e crescimento, o Brasil deixou de ser um país pobre e dependente, para se converter em uma das principais economias mundiais, desvinculando-se da pecha de ser considerado um país com um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano (IDHs)3. No entanto, a desigualdade regional e social persiste. Importante salientar que a desigualdade impede o crescimento econômico, por outro lado, tampouco, o crescimento econômico pode diminuir as desigualdades ou mesmo promover o nivelamento de renda ou sua divisão de forma mais justa. As políticas públicas no Brasil têm sido destinadas à diminuição dessas desigualdades, concentrando-se nas áreas de saúde, educação, habitação, entre outras, mas não têm sido capazes de produzir mudanças profundas na distribuição da renda e na erradicação da pobreza. Precisam estar direcionadas aos setores mais pobres para que induzam o desenvolvimento deles e gerem efeitos redistributivos diretos. Essas políticas públicas devem estar vinculadas a ações que aumentem a produtividade das atividades que proporcionem geração de renda, e também resgatem a cidadania da pessoa humana, essencialmentedos mais 2 ASSEBURG, Hans Benno; GAIGER, Luiz Inácio. A economia solidária diante das desigualdades. DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 50, n. 3, 2007, p. 499-533. 3 MEDEIROS, Marcelo. O que faz os ricos ricos: o outro lado da desigualdade brasileira. São Paulo, Hucitec/Anpocs, 2005. 12 pobres, de modo que lhes toque “uma trajetória de elevação mais acelerada dos seus rendimentos”4. Para Santos, as políticas públicas utilizadas atualmente no país carecem de elementos que fomentem a transformação da atual condição de desigualdade. Uma das alternativas para promover essa mudança e proporcionar melhores condições de empregabilidade e educação para a população, preceituando as questões objetivas e subjetivas do conceito teórico da hierarquia das necessidades humanas, quais sejam, comida, água, moradia, segurança, proteção, pertencimento-amor, autoestima elevada, autorrealização subsidiadas pela filosofia e pelos princípios cooperativistas5. Segundo Barros, o cooperativismo seria importante instrumento de redução dessas desigualdades, posto que a cooperação reduz custos e “[...] eleva à eficiência econômica e o crescimento”.6 O cooperativismo está compreendido como um dos fundamentos básicos do desenvolvimento econômico social do país na Constituição Federal de 1988 e esta, por assim o reconhecer, elevou-o ao mais alto nível da legislação brasileira, concedendo-lhe proteção e apoio, almejando seu crescimento e fortalecimento. Para entender o verdadeiro motivo pelo qual os ideais cooperativistas ganharam destaque no contexto constitucional, é necessário analisar seus fundamentos e princípios, pois aí residem os anseios do legislador constituinte, ao apontar a cooperação como instrumento eficaz para a consecução dos objetivos da República, mormente o da garantia do desenvolvimento nacional. 1.1 PENSAMENTOS E IDEAIS: O COOPERATIVISMO ATRAVÉS DOS TEMPOS Desde o primórdio dos tempos, o ideário cooperativista, baseado na solidariedade e na ajuda mútua, se fez presente nas mais diversas manifestações sociais, sendo inerente às relações e atividades humanas ainda que de forma sutil e imatura. 4 SALM, Cláudio. Sobre a recente queda da desigualdade de renda no Brasil: uma leitura crítica. In: BARROS, R.; FOGUEL, M.; ULYSSEA, G. (Orgs.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Rio de Janeiro: IPEA, 2007, p. 279-297. 5 SANTOS, Reginaldo C. O cooperativismo como forma de desenvolvimento humano e de inclusão social: um estudo de caso. 2009. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social)Fundação Visconde de Cairu. Salvador, Bahia, 2009. p. 10. 6 BARROS, Alexandre R. Desigualdades regionais do Brasil: natureza, causas, origens e soluções. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. p. 5. 13 Oliveira reforça essa informação em uma passagem, que revela a existência desses indícios cooperativistas durante o Império Babilônico (1792 a.C.–539 a.C.), relatando detalhes curiosos: No Império Babilônico (que floresceu mais tarde), na comarca banhada pelo Tigre e pelo Eufrates, há pontos de referências mais determinados para admitir a existência de associações cooperativas. No famoso Código de Hammurabi há formas que revestem esse caráter. É de supor que no comércio e nas indústrias babilônicas existissem também organizações de caráter cooperativo. E, dado o desenvolvimento dos bancos na Babilônia, é possível que existissem cooperativas de crédito para pequenos agricultores e industriais.7 Na Palestina, entre os anos de 356 a 426 d.C., existia um compromisso de ajuda mútua, por meio de um tratado denominado Bavá Camá, do qual se constatou a existência de associações de mutualidade entre caravanas de mercadores para o seguro do gado asino8. A doutrina também apresenta outras passagens históricas que relatam exemplos de expressões cooperativistas no decorrer das civilizações: Os babilônios, por exemplo, já praticavam uma certa forma de arrendamento de terras para a exploração em comum; os gregos e os romanos conheciam sociedades de auxílio-mútuo para funerais, seguros etc.; os primeiros cristãos esboçaram rudimentos das cooperativas de consumo ao escolher um grupo de pessoas encarregadas de aprovisionamento de gêneros alimentícios. A produção e o consumo em comum, típicos dos monastérios medievais são interpretados como cooperativas integrais por alguns estudiosos. Outros indicam as corporações de ofícios e as sociedades de auxílio mútuo da Idade Média como esquemas 9 elementares de cooperativas ou pré-cooperativas. Outra passagem que reafirma a existência desses indícios cooperativistas, nesse período histórico, igualmente traz alguns detalhes curiosos: No Império Babilônico (que floresceu mais tarde), na comarca banhada pelo Tigre e pelo Eufrates, há pontos de referências mais determinados para admitir a existência de associações cooperativas. No famoso Código de Hammurabi há formas que revestem esse caráter. É de supor que no comércio e nas indústrias babilônicas existissem também organizações de caráter cooperativo. E, dado o desenvolvimento dos bancos na Babilônia, é possível que existissem cooperativas de crédito para 10 pequenos agricultores e industriais. Nesse período histórico, a economia ainda permanecia tão fragmentária e desorganizada que sequer é possível denominar-lhe um sistema econômico. A atividade 7 OLIVEIRA, Nestor Braz de. Cooperativismo: guia prático. 2. ed. rev. Porto Alegre: OCERGS, 1984. p. 18. Ibidem, p. 18. 9 PINHO. Op. cit., p. 125-126. 10 OLIVEIRA. Op. cit., p. 18. 8 14 econômica resumia-se em segmentos doméstico-pastoris, muito peculiares às sociedades primitivas11. Baseava-se predominantemente na agricultura familiar de subsistência e de regadio, com o cultivo de cereais, sendo atividades secundárias, o comércio e o artesanato. Até mesmo nas embrionárias civilizações Astecas e Incas foram encontrados vestígios de certas formas de cooperação em suas primitivas manifestações. A investigação de sua rotina e de seus sistemas econômico e social comprova a existência do espírito cooperativo entre esses povos, o que faz interessante a sua análise: Era a organização agrária que sustentava o regime dos Astecas, e tinha as seguintes características, muito próximas das dos Incas: O Rei se reservava a soberania sobre as terras, repartindo-as entre seus súditos para seu, deles, uso e desfrute; a propriedade era de tipo familiar e se transmitia dos pais aos filhos; pagos os tributos ao Rei e Senhor local, o resto do produto da terra era da família. [...] os caracteres cooperativos são encontrados nos seguintes fatos: 1 – não eram assalariados do Rei, mas homens livres que desfrutavam do produto do seu esforço; 2 – construíam coletivamente seus sistemas de irrigação; 3 – combatiam as pragas coletivamente; 4 – construíam obras de defesa e embelezamento no lugar que lhes correspondia; 5 – perdia a colheita de alguém, emprestavam-se sementes entre si e a operação era realizada pelo Senhor local; 6 – celebravam coletivamente suas festas religiosas. A essência da constituição gentílica era, inegavelmente, a cooperação de seus membros para a produção. O Império Incásico, assentado sobre a base econômica do labor coletivo de todos os homens e mulheres capazes de trabalhar, atendia as necessidades da população de forma tal que não se conhecia a miséria, não havia desocupados nem velhos desempregados. [...] Nos ayllus, o trabalho era comum, uma espécie de cooperativa integral moderna. Eram sociedades agrícolas nas quais se dividiam os produtos segundo o trabalho prestado e as necessidades de cada um. Expandindo-se pelo continente, os incas levavam ou estimulavam essa forma de trabalho cooperativo, dividindo o trabalho e fazendo a exploração de numerosas indústrias sobre um plano cooperativo. O Estado 12 apoiava modalidades de cooperativas de produção semelhantes às atuais. Consta que ayllus eram unidades sociais do Império Inca, onde se firmavam vínculos de sangue, no trabalho em comum da terra e na igualdade de crenças, e esse modelo social fundado no espírito solidário permanece vivo até hoje no Peru. A civilização Inca tinha sua organização econômica assemelhada ao modo de produção asiático, visto que todos os níveis da sociedade pagavam tributos ao imperador, baseando-se, assim, no modo de produção comunal-tributário. Admirável o alto grau de solidariedade e cooperação humana alcançado por civilizações tão primitivas. 11 LAJUGIE, Joseph. Os sistemas econômicos. Tradução de Geraldo Gerson de Souza. 7. ed. São Paulo: Difel, 1981. p. 17. 12 OLIVEIRA, Nestor Braz de. Cooperativismo: guia prático. 2. ed. rev. Porto Alegre: OCERGS, 1984. p. 19-20, grifo do autor. 15 O fato é que a cooperação já se fazia de certa forma eficiente desde a Idade Média, tempo em que a economia tinha seu desenvolvimento baseado em grupos profissionais13. Era a época da economia urbana artesanal, na qual não mais cabia o regime da coerção, do trabalho forçado, como a escravidão ou a servidão, e a sociedade dava espaço a um regime de profissões fechadas e organizadas. Foi a concretização do regime corporativo, que exerceu um papel fundamental na história econômica da maioria dos países europeus. Nessa época, por exemplo, os artesãos trabalhavam em casa e não em fábricas. Nestas, ao contrário, eram contratados outros operários com salário inferior, o que resultava em uma maior produção e com menor custo. Em contrapartida, tal processo dificultava a competição com os artesãos, propiciando, dessa forma, o desemprego e tantos outros problemas sociais decorrentes. Contudo, esse passado da cooperação não foi tomado como objeto de um profundo e sistemático estudo, já que esses fatos não propiciariam resultados considerados relevantes do ponto de vista econômico. Mas, ainda que não tenha sido matéria de destaque, tem-se a constatação de que o ideal cooperativista apresentava suas primeiras luzes no decorrer dos tempos, pois a influência de seus preceitos se entrelaça nas teses defendidas por filósofos e revolucionários de grande renome para a história da humanidade. Uma das primeiras manifestações doutrinárias, considerada como uma das precursoras do ideário cooperativista, foi a de Plockboy, em 1659: PLOCKBOY, um holandês que estava morando na Inglaterra procurou desenvolver uma associação econômica preservando a propriedade, como característica singular, objetivando atender às necessidades daquelas pessoas que faziam parte dessa sociedade. Na época do início do desenvolvimento industrial, ele procurou aglutinar agricultores e operários. Foi mestre na arte do incentivo com o objetivo de fazer que as pessoas excluídas da sociedade pudessem criar uma sociedade em defesa de seus 14 interesses coletivos. Tal como ocorreu com as ideias difundidas por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), ao ressaltar a necessidade de agregação como condição para o não perecimento do ser: Ora, como os homens não podem engendrar novas forças, mas somente unir e dirigir aquelas que existem, não têm nenhum outro modo, para se conservarem, que o de formar por agregação um conjunto de forças que possa sobrepujar a resistência, de acioná-las para um único objetivo e fazê-las operar em concreto. 13 CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do Sistema Cooperativo brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 23. 14 KOSLOVSKI, João Paulo. A evolução histórica das cooperativas. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger (Coord.). Cooperativas e tributação. Curitiba: Juruá, 2001. p. 19. 16 Este conjunto de forças só pode nascer do concurso de muitos, mas, como é que cada homem poderia engajar a força e a liberdade, primeiros instrumentos de sua conservação, sem se prejudicar e sem negligenciar os cuidados que se deve? Esta dificuldade, segundo minha opinião, poderá ser enunciada nestes termos: Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum a pessoa e os bens de cada associado, e pela qual cada um, se unindo a todos, obedeça apenas, 15 portanto, a si mesmo, e permaneça tão livre quanto antes. Percebem-se quão próximos estão os preceitos rousseaunianos do ideário de cooperação, no qual cada um se coloca para o todo e aproveita o todo de cada um. Ao compartilharem fundamentos, fortalecem, ainda mais, o argumento de que a cooperação é inerente ao ser social e este deve fazer uso dessa prerrogativa em seu benefício e da coletividade. Entretanto, a formação da doutrina cooperativista só veio ser consolidada na segunda metade do século XVIII, após a explosão da Revolução Industrial, quando seus ideais floresceram graças ao momento propício à época para seu desenvolvimento. Esse movimento revolucionário realmente foi um marco não só para o cooperativismo, mas para a economia como um todo: Ela se mostrou tão decisiva para todo o futuro da economia capitalista, tão radical como a transformação da estrutura e organização da indústria, que levou alguns a considerá-la como as dores do parto do capitalismo moderno, e, portanto, o momento mais decisivo no desenvolvimento econômico e social desde a Idade Média. Não obstante, o conhecimento e juízo mais maduros de hoje indicam claramente que aquilo que a Revolução Industrial representou foi a transição de um estágio inicial e ainda imaturo do capitalismo, em que o modo de produção précapitalista fora penetrado pela influencia do capital, subordinado ao mesmo, despido de sua independência como forma econômica, mas ainda não inteiramente transformado, para um estágio em que o capitalismo, com base na transformação técnica, atingira seu próprio processo especifico de produção, apoiado na unidade de produção em grande escala e coletiva da fábrica, efetuando assim um divórcio final do produtor quanto à participação de que ainda dispunha nos meios de produção e 16 estabelecendo uma relação simples e direta entre capitalistas e assalariados. Foi por intermédio dessas transformações advindas da Revolução Industrial que surgiram o comunismo, o sindicalismo e, como resposta às dificuldades enfrentadas pela classe operária, o cooperativismo, como uma forma democrática de produzir e distribuir riquezas e como solução ao combate do desemprego17. 15 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de Mário Pugliesi; Norberto de Paula Lima. São Paulo: Hemus, 1981. p. 26-27. 16 DOBB apud CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do Sistema Cooperativo brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 23. 17 DOBB apud CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do Sistema Cooperativo brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 23-24. 17 O capitalismo nessa época baseava-se no regime liberal, que, por seus métodos de produção de substituição de trabalho manual por processos mais produtivos, como maquinismo e divisão de trabalho, resultou em duas consequências antagônicas: o progresso gerador de riqueza e bem-estar e o surgimento de crises periódicas de superprodução18. A classe operária foi quem na realidade sofreu as auguras desse regime econômico, denominado de capitalismo liberal, porquanto, diante do pouco caso do Estado perante as questões sociais, houve um total descaso à situação do trabalhador e suas condições de trabalho, o qual sofreu com esse regime de liberdade incontrolada que desencadeou seu aniquilamento pela ausência de condições de trabalho. A doutrina defende que foi o sentimento de repulsa ao descaso estatal diante das barbáries que vinham ocorrendo com a classe trabalhadora que fez nascer o cooperativismo, e, por isso, a expansão definitiva das cooperativas está intimamente ligada ao período histórico da Revolução Industrial. O movimento cooperativo moderno, assim denominado pela doutrina, surgiu concomitantemente em quatro países da Europa, com organizações de objetivos econômicos diversos, mas inspiradas sempre pelos mesmos princípios de solidariedade que lhe deram origem. Inicialmente a Inglaterra, em seguida a Suíça e depois a Alemanha e a França, que foram os berços das primeiras sociedades cooperativas: Enquanto na Inglaterra e na Suíça, surgiram e se disseminavam as cooperativas de consumo, na Alemanha se formavam simultaneamente, em dois pontos diversos, as primeiras cooperativas de crédito e na França se ensaiavam as primeiras tentativas 19 de cooperativas de produção. Essas sociedades começaram a ser aceitas, multiplicando-se em outros países, por influência de pensadores que formavam uma corrente liberal e que eram denominados socialistas utópicos. Sobre esse movimento, comenta Maurer Júnior: Surgem doutrinadores que elaboram programas sociais, como já no século XVII o “Quaker” John Bellers, que sugere a criação de casas “comunais” e industrias associadas. Robert Owen (1771-1858), diretamente influenciado por Bellers, tornou-se o dirigente de uma fábrica de New Lanark, de propriedade de um “quaker”. Aí preocupa-se com o bem estar dos trabalhadores, dedicando-se intensamente à sua educação, reduzindo as horas de trabalho, organizando armazéns onde pudessem adquirir produtos a preços módicos. Mais tarde criou, nos Estados Unidos, uma colônia de caráter comunista – a New Harmony -, que terminou em malogro. William Thomson, irlandês e discípulo de Owen, mas dotado de talento mais prático do que o seu mestre, escreveu, em 1822, uma obra intitulada “Inquérito sobre os 18 19 OLIVEIRA, Nestor B. de. Cooperativismo: guia prático. 2. ed. rev. Porto Alegre: OCERGS, 1984. p. 19-20. MAURER JÚNIOR, Theodoro Henrique. O cooperativismo: uma economia humana. São Paulo: 1966. p. 25. 18 princípios da distribuição da riqueza mais conducente à felicidade humana”, na qual expunha uma economia cooperativa de caráter voluntário. Pelo mesmo tempo, William King, médico de Brighton e cristão devotado, grande amigo dos trabalhadores, promoveu a organização de numerosas cooperativas. Como resultado de seu esforço, sobretudo, chegaram a constituir-se cerca de trezentas cooperativas. Desde 1828 até 1830 editou um jornal de propaganda, The Co-operator. Tanto ele, como Thomson e Owen, pensavam sobretudo em comunidades cooperativas, antes que nas nossas cooperativas modernas, se bem que King já insistisse na importância dos armazéns de distribuição no varejo como fator de 20 renovação econômica. Koslovski complementa citando ainda alguns revolucionários que também disseminavam a ideia cooperativista em seu país: Nascido em 1772, o francês Charles FOURIER, que era discípulo de Owen, buscava a solução do problema social através da vida em grupos comunitários, criando as famosas falanges de 400 a 2.000 pessoas, que não tinham o caráter de comunismo, mas tinham um trabalho comunitário importante. Um aspecto a destacar é que Fourier definiu que os produtos obtidos pela economia coletiva seriam divididos observando três aspectos principais: o trabalho manual, o capital, e o talento; o talento começa a aparecer como fator importante para a organização e disciplina das sociedades cooperativas. Ainda na França, Philippe BUCHEZ pregou as cooperativas industriais dentro de uma mesma categoria e desenvolveu um sistema objetivando resolver os problemas econômicos e sociais de uma mesma categoria; e, entre 1840 a 1850, Louis BLANC, agitador político, foi um homem de ideias brilhantes que deu praticidade à 21 cooperação na França. Pinho assevera que “os socialistas utópicos buscavam uma sociedade mais equitativa por meio de associações voluntárias (daí, a corrente associativista, com Owen e outros) ou de modificações da organização da produção industrial e do trabalho, ou de modificações do regime de trocas etc.”22 e, por isso, foram capazes de exercer grande influência sobre o cooperativismo. Esses pensadores trouxeram um sopro de renovação social inspirada pela consciência cristã e alicerçada em um sistema econômico cooperativo que transcendeu toda a Europa. Dentre eles, urge ressaltar Robert Owen, o ateísta intitulado socialista utópico, que se destaca como o precursor moderno do cooperativismo, tornando-se referência mundial no assunto: Robert Owen foi o precursor das cooperativas de produção; a sua atuação o política surgiu em face de um período desestruturador da sociedade, como foi o período da Revolução Industrial. [...] com base nas suas experiências práticas, Owen procura demonstrar o problema da distribuição da riqueza no capitalismo, procura também demonstrar a importância 20 MAURER JÚNIOR, Theodoro Henrique. O cooperativismo: uma economia humana. São Paulo: 1966. p. 25. KOSLOVSKI, João Paulo. A evolução histórica das cooperativas. In: GRUPENMACHER, Betina T. (Coord.). Cooperativas e tributação. Curitiba: Juruá, 2001. p. 20. 22 PINHO, Diva Benevides. Economia e cooperativismo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 74. 21 19 da educação como promotora do desenvolvimento de um novo homem, demonstrando a influencia do meio, na constituição dos indivíduos e o potencial transformador da engenharia social. Para Robert Owen, o aspecto industrial das coisas exigia um novo tipo de organização da sociedade, que não fosse calcada unicamente na remuneração assalariada miserável e limitada, a subsistência da força de trabalho. Esta nova organização deveria incorporar outros elementos na organização do trabalho, incluindo uma nova arquitetura social, que garantisse o tempo livre, o lazer e o ócio criativos, disponíveis, na sociedade capitalista de seu tempo, apenas para uma parcelada elite dominante.23 Por se manifestar contrário ao sistema capitalista, ao combater o lucro e a concorrência, principais responsáveis pelos males e injustiças sociais vigentes à época, Robert Owen exerceu relevante influência sobre os ideais defendidos pelos Pioneiros de Rochdale24. Interessa saber que o movimento e as ideias de alguns dos participantes do socialismo utópico muito colaboram com o surgimento da Cooperativa de Rochdale, esta considerada como expoente e matiz simbólico e discursivo, para a prática e doutrinas legitimadoras da vertente cooperativista tradicional25. Então, 1844 é tido como o ano oficial do nascimento do cooperativismo, pois, nessa data, os vinte e oito tecelões de Rochdale, na Inglaterra, sistematizaram as regras fundamentais a respeito do funcionamento das cooperativas. Pinho narra esse encontro: [...] surgiu em Rochdale (distrito de Lancashire, na Inglaterra), a matriz do Cooperativismo de Consumo, como fruto da iniciativa de vinte e oito tecelões, que buscavam um meio de melhorar sua precária situação econômica. Reuniram-se pela primeira vez, em dezembro de 1843, para discutir as possíveis soluções de seus problemas de sobrevivência. Optaram pela fundação de armazém cooperativo. Ideia defendida ardorosamente por vários deles. Durante todo um ano fizeram economia para conseguir o capital social. Finalmente, a 24 de dezembro de 1844, inauguraram o armazém cooperativo, que iniciava suas atividades com capital de 28 libras. Localizado em Toad Lane, em Rochdale, apresentava aos associados 26 pequena quantidade de manteiga, farinha de trigo e aveia. Posteriormente, a Sociedade dos Pioneiros de Rochdale conseguiu ampliar muito a sua área de atuação, partindo do consumo para diversos outros segmentos e ramos de atividade, chegando a atingir trinta mil associados em seu apogeu, e esse sucesso se deve pela justeza de seus princípios e de seus métodos administrativos27. 23 VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Cooperativismo: nova abordagem sócio-jurídica. Curitiba: Juruá: 2011. p. 61-62. 24 PINHO, Diva Benevides. Economia e cooperativismo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 75. 25 VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Op. cit., p. 69. 26 PINHO, Diva Benevides. O pensamento cooperativo e o cooperativismo brasileiro. São Paulo: CNPq, 1982. p. 31-32. 27 VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Op. cit., p.70. 20 Interessante trazer em foco a observação condizente comentada por Oliveira ao tratar sobre o nascimento do cooperativo puro: Os que deveriam encontrar a fórmula, por assim dizer mágica, não seriam, como bem disse o notável cooperativista argentino Repetto, “nem doutores, nem engenheiros, nem sequer procuradores, profissões que, na época, tinham sensível importância”. Os que a encontraram foram 28 rudes tecelões de mãos calejadas, de Rochdale, Inglaterra, que sofreram o aviltamento dos salários diante da mão-de-obra excedente ou, enfrentando o desemprego, reuniram-se, segundo conta Holyoake, numa tarde úmida, sombria e triste de novembro do ano de 1843, para debater as suas dificuldades. Sob a inspiração de um deles, Howarth, um simples curtidor que fora discípulo de Robert Owen, organizaram um novo sistema de vida, a primeira associação baseada 28 no Cooperativismo puro. Mas, por trás de tanta simplicidade, havia um projeto concreto e bem-estruturado, repleto de ideias advindas do movimento denominado socialismo utópico, que exigiu todo um planejamento de seus associados que, pacientemente, por um ano se prepararam, pouparam e formaram um singelo capital social. O projeto dos Pioneiros partia da constatação de que eram explorados pelos donos dos meios de produção e dos armazéns, por isso da imposição deles queriam se desamarrar. As compras em comum abririam, imaginavam, um modo novo para sobrevivência um pouco mais digna, se pudessem comprar mais barato os bens de subsistência básicos. Os consumidores (ponta extrema de todo processo econômico) – assim consideravam os Pioneiros – eram escravizados duas vezes: no trabalho sem limite de horas e de esforço a serviço dos patrões, e na submissão àqueles que detinham o capital e só pensavam em lucro. Mantida essa situação, a tendência seria o crescimento incontido e vergonhoso da miserabilidade humana. O projeto dos Pioneiros significou uma reação pacifica ao que se podia denominar de ação 29 opressora dos agentes econômicos e políticos da época. E o legado formulado por esses simples trabalhadores, de um modo geral, fundamenta ainda hoje o movimento cooperativista em todo o mundo. Foi o conteúdo dos estatutos rochdalianos que previu, ainda que de forma simplificada, os princípios condizentes à estrutura e ao funcionamento da cooperativa de consumo, que posteriormente dariam origem aos fundamentos da doutrina cooperativista30. Os pioneiros tiveram ampla e clara visão de futuro ao imaginar, planejar e realizar um projeto de união de pessoas para resolver seus problemas comuns. Projeto contra a miserabilidade, contra a ganância, contra a opressão. Projeto de valorização das 28 OLIVEIRA, Nestor B. de. Cooperativismo: guia prático. 2. ed. rev. Porto Alegre: OCERGS, 1984. p. 27. MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 25. Grifo do autor. 30 Idem, ibidem. 29 21 pessoas. Na luta para vencer as vicissitudes, agarraram-se à tábua firme da 31 cooperação, na filosofia do todos-juntos. Viu-se então que, desde a Antiguidade até o século XVIII, diversas tentativas isoladas e utópicas visaram à ajuda mútua e à cooperação. Contudo, nenhuma delas foi suficientemente relevante para propor uma transformação capaz de influenciar as manifestações sociais da época. Porém, foi só por meio do cooperativismo, compreendido como um ideal de organização socioeconômica democrática, proposto pela experiência de Rochdale, que surgiram fórmulas que permitiram a criação de estruturas adequadas para viabilizar esse ideal. A partir de então, o cooperativismo expandiu-se pelo mundo, surgindo a necessidade de criação de um órgão congregador das cooperativas que eram criadas. Desse modo, em 1895, é instituída a Aliança Cooperativa Internacional (ACI), determinada a unificar os interesses das cooperativas de âmbito global32. Interessa salientar que o cooperativismo, com as devidas adaptações, foi implantado nas regiões rurais e por algum tempo nas regiões urbanas da então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) − os kolkhozy −, experiência que persistiu até o final do regime. Os kolkhozy eram inicialmente agrupamentos de camponeses que exploravam cooperativas. Tais camponeses possuíam o usufruto indiviso da terra, dos animais e das máquinas que integravam o kolkhoz. Nessas cooperativas, o trabalho era organizado coletivamente e a renda dividida entre os cooperados. Assim, conforme Lajugie, Cada membro do kolkhoz conserva o usufruto individual de sua residência, de sua capoeira e de sua horta, e explora-os a seu bel-prazer. Após a entrega das quantidades prescritas pelo plano, tem ele o direito de vender, individualmente, os produtos que lhe tocaram em pagamento de seu trabalho, e os provenientes de sua 33 pequena economia familial, no mercado kolkhoziano. Não se deve deixar de tratar dos kibutzim em Israel, na prática do cooperativismo integral, assim ressalta Véras Neto: Entre as formas de cooperativas “integrais destacam-se especialmente os Kibutzin israelitas, cuja importância econômica e social é colocada em evidencia justamente 31 Idem, ibidem, p. 30. CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do Sistema Cooperativo brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 27. 33 LAJUGIE, Joseph. Os sistemas econômicos. 7. ed. São Paulo: Difel, 1981p. 124. 32 22 em um país onde o movimento cooperativista é extremamente variado e complexo. Israel, como se sabe, é cognominado muito apropriadamente de “pais das mil e uma cooperativas quer no setor agrícola (como os Kibutzin e os diversos tipos de moschavim), industrial (desde as cooperativas de artesãos às grandes industrias modernas) de consumo (que se encarregam do abastecimento dos centros urbanos) quer no setor de serviços em geral (transporte de passageiros e de mercadorias, 34 restaurantes, hotéis, estabelecimentos de diversões, centros culturais etc.). Atualmente, pode-se constatar a existência de cooperativas em praticamente todo o mundo, sendo certa a sua inserção nas Constituição de vários países, independentemente do sistema econômico, como é o caso do Brasil, México, Cuba, Espanha, Portugal, China, entre outros. Igualmente, organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações Unidas (ONU), desde meados do século XX, reconhecem, apoiam e conclamam o cooperativismo, “[...] por reconhecerem no sistema cooperativo o meio capaz de fomentar o progresso econômico e social [...]”.35 É de se observar um especial avanço do cooperativismo na atualidade nos Estados Unidos, onde existem mais de 120 milhões de cooperados, bem como no Canadá e na Noruega, países em que 33% dos cidadãos integram o sistema cooperativo36. Apesar das crises vivenciadas nos últimos anos, na Europa, mesmo que de forma heterogênea, o cooperativismo vem se expandindo, talvez até pela existência, desde 2003, de um marco legal unificador, a partir da entrada em vigência do Regulamento do Conselho nº 1.435, de 22 de julho de 2003, que regula a criação da figura da Sociedade Cooperativa Europeia37. O progresso do movimento cooperativista, em maior ou menor grau, revela o reconhecimento de um sistema capaz de promover o desenvolvimento econômico e social de comunidades e nações. 1.2 O COOPERATIVISMO NO BRASIL Neste capítulo faz-se menção a algumas leis que tratam do cooperativismo. No entanto, o rol não é exaustivo, considerando-se que não é o objetivo do presente estudo a análise circunstanciada do conteúdo legislativo sobre o tema. 34 VÉRAS NETO apud PINHO, Diva Benevides. O pensamento cooperativo e o cooperativismo brasileiro. São Paulo: CNPq, 1982. p. 31-32. 35 CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do Sistema Cooperativo brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 34. 36 Idem, ibidem, p. 30. 37 Disponível em: <http://www.cooperamais.org/index.php/pt/homepage-8/europa-pt>. Acesso em: 3 nov. 2012. 23 As primeiras ideias de cooperação surgidas no país vieram com os jesuítas, no início do século XVII, que utilizavam métodos europeus para catequização e organização do trabalho indígena, de forma que estes realizassem o trabalho de forma coletiva. Entretanto, os indígenas já trabalhavam com base no auxílio mútuo, prática consolidada entre eles38. Koslovski corrobora com essa afirmação: “[...] os jesuítas, que disseminaram a ideia da cooperação, criando um modelo de sociedade solidária com base no trabalho coletivo entre os indígenas”.39 A Colônia Teresa Cristina, no interior do Paraná, fundada em 1847, é considerada como o marco inicial do cooperativismo no Brasil40. Ela foi criada para solucionar os problemas enfrentados pelos colonos brasileiros, por exemplo, o difícil acesso ao mercado e a pouca valorização dos produtos agrícolas, que impediam novas oportunidades de acesso aos bens culturais e ao mercado formal. Doutrina Schallenberger que: Católicos e evangélicos luteranos tiveram uma similar percepção do problema: para superar as suas limitações; os colonos deveriam unir-se em associações ou sociedades. Surgiu assim e desta apreensão, sob a liderança do padre Theodor Amstad, em 1900, a Associação Rio-grandense de Agricultores -Bauerverein -, detalhadamente estudada por Rambo (1988). Essa associação teve um caráter interconfessional e ocupou-se de questões centrais como: promoção da vida associativa, assistência social, formação de poupança e crédito agrícola, colonização 41 e melhorias no universo da produção familiar. Apesar de todos os esforços, a Colônia Tereza Cristina não progrediu. Anos mais tarde, imigrantes poloneses, ucranianos, alemães e alguns brasileiros se instalaram na mesma região e fundaram a Colônia Cândido de Abreu, que progrediu graças à atuação de seus moradores, sendo elevada à categoria de município em novembro de 195442. Observa-se, portanto, que as ações cooperativistas dessa época possibilitaram o desenvolvimento da região. A abolição da escravatura e, sequencialmente, a proclamação da República e a promulgação de sua Constituição formaram um terreno fértil para a germinação do cooperativismo. Pinho traça algumas considerações sobre o assunto: 38 KLEIN, Fabrício. O apoio e o estímulo ao cooperativismo na Constituição Federal. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 165-166. 39 KOSLOVSKI, João Paulo. A evolução histórica das cooperativas. In: GRUPENMACHER, Betina T. (Coord.). Cooperativas e tributação. Curitiba: Juruá, 2001. p. 20. 40 Idem, ibidem, p. 21. 41 SCHALLENBERGER, Emeldo. Cooperativismo e desenvolvimento comunitário. Revista Mediações, Londrina, v. 8, n. 2, p. 17, jul./dez. 2003.. 42 Idem ibidem, p. 18. 24 [...] além da maioria da mão-de-obra ser escrava, os poucos trabalhadores europeus que começavam a se instalar nos principais centros urbanos do País (especialmente Rio de Janeiro e São Paulo) sentiam maior necessidade de organizar associações mutualistas e reivindicativas. É que na sociedade patriarcal da época, de bases rurais e imposição autocrática, os poucos trabalhadores livres não dispunham de qualquer amparo previdenciário ou trabalhista. A partir de 1891, entretanto, alguns fatores contribuíram para o aparecimento das primeiras cooperativas brasileiras: de um lado, 43 a Constituição Republicana de 1891 assegurou a liberdade de associação e o Estado começou a legislar sobre o associativismo rural; de outro lado, os graves problemas que caracterizaram a crise estrutural do fim do Império e começo da 44 República levaram à recomendação do Cooperativismo. Destarte, as sociedades cooperativas, nos padrões atuais, somente surgiram após a promulgação da Constituição de 1891, que, em seu art. 72, § 8º, assegurou a liberdade de associação: Art. 72 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 8º - A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública.45 Ainda que não se tenha tratado especificamente do cooperativismo, essa previsão constitucional permitiu que o Estado começasse a legislar sobre o associativismo rural. Em consequência dos graves problemas enfrentados pela transição entre Império e República, o ideário cooperativista passou a ser recomendado pela economia da época46. Nos anos seguintes, outras cooperativas e não só de consumo foram se estabelecendo, advindas principalmente da região Centro-Sul do país, como relatam Pinho e Klein: [...] foi no setor de consumo dos centros urbanos que surgiram as primeiras cooperativas brasileiras, no fim do século XIX: a Associação Cooperativa dos Empregados da Companhia Telefônica, em Limeira, no Estado de São Paulo (1891); a Cooperativa Militar de Consumo no Rio de Janeiro, então Distrito Federal (1894), 47 a Cooperativa do Proletariado Industrial de Camaragibe, em Pernambuco (1895) e 48 a Cooperativa de Consumo dos Empregados da Cia. Paulista de Campinas (1897). 43 BRASIL. Constituição (1891). Diário Oficial [da] República dos Estados Unidos do Brasil. 24 fev. 1891. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em: 21 set. 2012 44 PINHO, Diva Benevides. O pensamento cooperativo e o cooperativismo brasileiro. São Paulo: CNPq 1982. p. 118-119. 45 BRASIL. Op. cit. 46 PINHO, Diva Benevides. Op. cit. p. 121. 47 Idem, ibidem, p. 119. 48 KLEIN, Fabrício. O apoio e o estímulo ao cooperativismo na Constituição Federal. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 167-168. 25 Como ocorreu na Europa, a evolução do cooperativismo brasileiro está intimamente ligada aos acontecimentos históricos que formularam um contexto socioeconômico favorável a sua implantação. A partir de 1902, surgem as primeiras experiências das caixas rurais do modelo Raiffeisen, no Rio Grande do Sul, e, em 1903, a promulgação do Decreto nº 979, de 6 de janeiro de 190349, facultou aos profissionais da agricultura e indústrias rurais a organização de sindicatos para defesa de seus interesses. Ainda que esse diploma legislativo não tratasse especificamente do cooperativismo, por usar em sua redação o termo “sindicatos”, este é considerado o março legislativo inicial do cooperativismo no Brasil, pois o seu conteúdo continha o ideal do mutualismo, tão característico das organizações cooperativistas. Além disso, embora essa norma esteja voltada à oficialização dos sindicatos rurais, em seu art. 10, é possível comprovar a intenção de se incentivar o mútuo ao fazer inserir a existência de caixas de crédito, cooperativas de produção e de consumo50. Sobre essa norma, esclarece Kolovski: Em relação à legislação, tivemos a primeira em 1903, no Decreto Legislativo 979, enquanto que a primeira cooperativa foi constituída anteriormente. A primeira cooperativa, portanto, teve a sua constituição baseada em uma legislação que não era uma legislação cooperativista.51 Por tais motivos é que a doutrina reconhece o Decreto nº 979/1903, como o ato normativo que deu início ao reconhecimento do cooperativismo pelo Congresso Nacional brasileiro. Todavia, a primeira norma que efetivamente inseriu e normatizou a existência de cooperativa no ordenamento jurídico foi o Decreto nº 1.637, de 5 de janeiro de 1907. Este previu a criação dos sindicatos profissionais e sociedades cooperativas especificamente, inserindo a expressão no contexto da norma e expandiu a criação de sindicatos a outros setores profissionais e de sociedades cooperativas, além da atividade rural. Ademais, em seu texto, já aprofunda um pouco mais a matéria, ao vedar a participação de terceiros nas sociedades cooperativas e tratar da variação de capital52. Ressalta Klein53 que uma das características do ordenamento jurídico brasileiro da década de 1900 era de que as 49 BRASIL. Decreto n. 979, de 6 de janeiro de 1903. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ decreto/Historicos/DPL/DPL979.htmimpressao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 50 CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 42. 51 KOSLOVSKI, João Paulo. A evolução histórica das cooperativas. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger (Coord.). Cooperativas e tributação. Curitiba: Juruá, 2001. p. 23. 52 Idem, Ibidem, p. 23. 53 KLEIN, Fabrício. O apoio e o estímulo ao cooperativismo na Constituição Federal. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008, p. 171. 26 cooperativas eram instituídas independentemente de qualquer legislação; primeiro fundava-se a cooperativa, depois se criava a lei que a disciplinava. Ressaltam Silva et al.54 que, no início do século XX, o cooperativismo sofreu as pressões da economia internacional aliada aos processos de organização dos estados-nação na América. Instaurou-se uma forma de atuar do Estado em que a questão social das áreas rurais e de colonização passou a ser elemento tangencial e secundário nas propostas e nos projetos de desenvolvimento. Nas três primeiras décadas, os imigrantes tiveram um papel de destaque porque foram capazes de desenvolver suas próprias soluções para questões de fundo. Tal fato marcou o cooperativismo de forma singular, porque o associativismo se evidencia como alternativa concreta para evitar a dissociação crescente da vida cotidiana (universo instrumental da economia) dos valores e sentidos que pautavam o comportamento das pessoas (universo simbólico das culturas) e o vazio social e político das áreas/regiões de colonização. Nesse período, o cooperativismo traduz ações estratégicas individuais e coletivas cuja meta não é criar outra ordem social, mas acelerar as mudanças, o movimento, a circulação de capitais, bens, serviços, informações, atuando como substituto do Estado na promoção do desenvolvimento nas áreas rurais. Também, em 1907, foram criadas as primeiras cooperativas agropecuárias no Brasil, sendo pioneiro o Estado de Minas Gerais55, mais especificamente do café, tendo o apoio do então governador João Pinheiro, idealizador de um projeto cooperativista que rendeu ao café mineiro isenções fiscais e estímulos materiais56. Corrobora Kolovski, Em 1907 foram constituídas as primeiras cooperativas agropecuárias no país, em Minas Gerais, basicamente todas elas respaldadas na cultura do café, inclusive como apoio importante do governador, na época, João Pinheiro. O governo deu suporte para que essas cooperativas pudessem funcionar de forma adequada, dando sustentação a esse setor. Depois tivemos as cooperativas do Sul do país, principalmente as vinculadas às colônias de imigrantes [...].57 Ainda que tenham existido vários fatores que o favoreceu, o processo cooperativista brasileiro mostrou-se lento, isto por causa, fundamentalmente, da falta de respaldo oficial desde sua origem. Essa falta de intervenção estatal também propiciou, no início do século XX, 54 SILVA, Emanuel Sampaio et al. Panorama do cooperativismo brasileiro: história, cenários e tendências. uniRcoop, v. 1, n. 2, p. 86-88, 2003. 55 Idem, ibidem, p. 78. 56 KLEIN, Fabrício. O apoio e o estímulo ao cooperativismo na Constituição Federal. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 169. 57 KOSLOVSKI, João Paulo. A evolução histórica das cooperativas. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger (Coord.). Cooperativas e tributação. Curitiba: Juruá, 2001. p. 22. 27 a integração dessas cooperativas com movimentos de caráter anarquista, o que fez com que essas sociedades desvirtuassem de seu fim e não alcançassem o desenvolvimento almejado. Conforme lecionam Teixeira Júnior e Ciotti58, ao comentarem o Decreto nº 1.637/1907, as cooperativas podiam ser constituídas como sociedades anônimas, em nome coletivo ou em comandita, e seriam reguladas pelas leis desses tipos societários, juntamente com as modificações estabelecidas pelo referido Decreto. Klein59 esclarece que o atual regime jurídico disponível veio com o Decreto nº 22.239/1932. Dessa forma, a partir de 1932, a legislação brasileira, exercendo uma função política, foi capaz de consolidar a intervenção do Estado na estrutura fundiária do país e promover um crescimento considerável no movimento cooperativo. Tanto que o governo Getúlio Vargas, ainda que mantivesse o controle estatal, trouxe nítido caráter protecionista e incentivador aos movimentos profissionais, característica típica do regime da época, revogando o Decreto nº 22.239/32 por meio da edição do Decreto nº 24.647, de 10 de julho de 193460. Véras Neto comenta os objetivos dessa manifestação legislativa: O estímulo ao cooperativismo objetivava principalmente garantir o surgimento de uma camada de pequenos proprietários; o Estado reconhecia formalmente o cooperativismo através dos mecanismos jurídicos representados pelo novo aparato legal, racionalmente elaborado a partir do governo Vargas. A partir das novas premissas legais, várias cooperativas buscaram assim a sua regularização jurídica, mesmo após o fracasso das primeiras experiências cooperativas no início do século, crendo na nova estrutura legal e no incentivo governamental constituído na Era Vargas. A criação de cooperativas foi estimulada, principalmente a daquelas cooperativas formadas por colonos nos Estados do sul brasileiro, com mais ênfase, no Estado do Rio Grande do Sul.61 As décadas de 1940 e 1970 foram um período caracterizado como de tutela e controle. Essa nova configuração do comportamento social se consolidou, fincando raízes na ação social e no próprio processo social. Do surgimento de cooperativas de eletrificação rural e telefonia (1941), das primeiras federações de cooperativas (1952) e do desdobramento acentuado das cooperativas de produção (madeira, tritícolas, 1956), percebe-se a 58 KLEIN, Fabrício. O apoio e o estímulo ao cooperativismo na Constituição Federal. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 173. 59 Idem, ibidem, p. 173. 60 CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 46. 61 VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Cooperativismo: nova abordagem sócio-jurídica. Curitiba: Juruá: 2011. p. 104. 28 complexidade do movimento na emergência de empreendimentos tão diversificados quanto complementares. A nova configuração da economia marcada pelo cenário internacional de pós-guerra concorre para uma política governamental de incentivo às cooperativas de produção, que desenha, a partir do setor produtivo rural (mais significativo economicamente), um cooperativismo crescente, mas cada vez mais dependente das políticas do Estado62. Em consequência das políticas do Governo Federal da época, concedendo isenções tributárias e facilidades de crédito, houve um crescimento significativo de um movimento cooperativismo passivo que reagiu apenas aos estímulos de um modelo econômico determinado pelo Estado. Foi nesse período que surgiram as cooperativas habitacionais (1963) e ocorreu o declínio das cooperativas de crédito rural, motivado pela lei de Reforma Bancária de 1964, causando o desaparecimento de quase todas as cooperativas. Nesse período, o cooperativismo deixou de ser um espaço plural e democrático para se transformar em um instrumento das políticas governamentais e de apoio ao modelo econômico agroexportador63. A regulamentação das cooperativas como sociedade fez com que ocorresse estagnação no setor, visto que o Estado adotou rígidas medidas em relação ao cooperativismo, refletindo a situação vivenciada pelos brasileiros nesse período histórico, com a tomada do poder civil pelos militares, em 1964, época em que a política brasileira passou a ser regida por Atos Institucionais e não pela Constituição Federal de 194664,65. A partir de então, se iniciou o terceiro período do cooperativismo no Brasil, caracterizado pelo centralismo estatal e pelas restrições ao funcionamento de cooperativas de seguro, de crédito, entre outras66. O primeiro passo ocorreu com a revogação, pelo então Presidente Castello Branco, do Decreto nº 24.647/1934 por meio do Decreto-lei nº 59, de 21 de novembro de 1966,67 que apresentou a definição da política nacional de cooperativismo e também criou o Conselho Nacional do Cooperativismo. Logo após, iniciou-se o período de 62 SILVA, Emanuel Sampaio et al. Panorama do cooperativismo brasileiro: história, cenários e tendências. uniRcoop, v. 1, n. 2, 2003. p. 88-89. 63 Idem, ibidem, p. 90. 64 MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 71. 65 BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil 18 set. 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 66 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 225. 67 BRASIL. Decreto-lei n. 59/1966. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes. action?id=191026&tipoDocumento= DEL&tipoTexto=PUB>. Acesso em: 21 set. 2012. 29 renovação estrutural, com a criação da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e, posteriormente, o advento da Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 197168. Para Koslovski69, a fase áurea do cooperativismo ocorreu de 1971 até 1984, época na qual o setor tinha apoio governamental, programa de organização fortemente apoiado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), na época, tido como órgão regulador do cooperativismo, recursos fartos e apoio no desenvolvimento de projetos para organização, disciplinamento e crescimento do setor. É dessa época, inclusive, o surgimento de vários ramos do cooperativismo, como cooperativas de crédito, médicas, entre outras. O processo de modernização e industrialização da agricultura fez emergir outros setores do cooperativismo nacional, como as cooperativas de crédito e o de saúde, na década de 1970 e 1980. Neste ínterim, o setor industrial e o de serviços passam a ser os principais responsáveis pelo produto interno bruto (PIB) brasileiro, incrementando a participação, em termos percentuais, das cooperativas de trabalho no setor cooperativo brasileiro. A partir da década de 1970, o setor de serviços inicia seu desenvolvimento no cooperativismo brasileiro e passa a ter uma crescente participação no PIB70. No entanto, o setor cooperativista de produção rural nunca perdeu seu lugar de principal objeto de dedicação estatal quando se trata de cooperativismo. Apesar disso, a desigualdade econômica brasileira permaneceu elevada entre 1970 e 200071. Assim, ao final dos anos de 1990, a sociedade mostrava-se segmentada em dois grupos distintos: “uma massa homogênea, formada por uma população de baixa renda e uma pequena, porém rica, elite”.72 Outra característica evidente nesse período, e que se caracteriza até os dias atuais, é a concentração de renda nas regiões Sul e Sudeste em detrimento das demais, sobremaneira, em relação à região Norte e interior do Nordeste. 68 BRASIL. Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5764.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 69 KOSLOVSKI, João Paulo. A evolução histórica das cooperativas. In: GRUPENMACHER, Betina T. (Coord.). Cooperativas e tributação. Curitiba: Juruá, 2001.p. 24. 70 SILVA, Emanuel Sampaio et al. Panorama do cooperativismo brasileiro: história, cenários e tendências. uniRcoop, v. 1, nº 2, 2003, p. 90. 71 NERI, Marcelo. A Dinâmica da Distribuição Trabalhista. In BARROS, R.; FOGUEL, M.; ULYSSEA, G. (Orgs.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Rio de Janeiro: IPEA, 2007. p. 207235. 72 MEDEIROS, Marcelo. O que faz os ricos ricos: o outro lado da desigualdade brasileira. São Paulo, Hucitec/Anpocs, 2005. p. 249. 30 A Lei nº 5.764/1971, já citada, é a reguladora do sistema cooperativo brasileiro até os dias atuais, ainda que existam várias ressalvas sobre as revogações surgidas com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Menezes doutrina que: A Lei n. 5.764/71 foi elaborada dentro do Ministério da Agricultura com o assessoramento de grupos militantes do Movimento. A nova lei veio com claras características intervencionistas do Estado, a partir da exigência de registro prévio das cooperativas para funcionamento. Criou o Conselho Nacional de Cooperativismo – CNC, de função normatizadora (o CNC deixou de existir a partir da Constituição de 1988), no qual se deveriam 73 cadastrar todas as cooperativas, além do registro obrigatório na OCB. Importa ressaltar que a Lei nº 5.764/1971 foi aprovada e sancionada na vigência do Ato Institucional nº 5 (AI-5), caracterizado pela imposição de um regime extremamente autoritário, com a figura de um Estado altamente intervencionista, que tinha como objetivo o controle da organização da sociedade civil. Por isso, nada mais natural que a lei regulamentadora das atividades cooperativistas, advinda dessa época histórica, contivesse algumas restrições decorrentes da forte intervenção estatal em seu funcionamento. Contudo, diante de um novo momento político, sobreveio a Constituição Federal de 1988, resultado de uma Assembleia Nacional Constituinte eleita democraticamente, carregada de ideais, dentre eles, a liberdade de organização da sociedade e a mínima intervenção estatal sobre tais entidades, confrontando, desta forma, as determinações da lei infraconstitucional. Véras Neto, a respeito da questão da recepção Constitucional da Lei nº 5.764/1971, estabelece: De acordo com Waldirio Bulgarelli, hoje há uma certeza jurídica no que se refere ao fato de que a lei 5.764/71 foi revogada apenas em alguns dos seus trechos que, não foram recepcionados, pois se chocaram com a Constituição Federal, o que foi o caso das normas intervencionistas daquele diploma legal [...].74 Ocorre que o referido diploma tornou-se ineficiente, não há como respaldar o setor cooperativo em uma lei editada em um momento econômico e social tão distinto do que agora se vivencia, além de se encontrar retalhada pela colisão de ideologia com o diploma constitucional. 73 74 MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 75. VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Cooperativismo: nova abordagem sociojurídica. Curitiba: Juruá: 2011. p. 272. 31 É importante ressaltar que alguns dos problemas evidenciados no cooperativismo brasileiro na atualidade decorrem em parte dessa ausência de legislação adequada, pois a Lei nº 5.764/1971, que hipoteticamente regulamenta o setor no Brasil, tornou-se obsoleta. A revogação parcial ocorrida em face do advento da Constituição Federal de 198875 acabou por fazer desaparecer órgãos importantes que regulamentavam o setor, sem, contudo, outorgar a outro organismo de forma adequada as atribuições desses órgãos extintos. Tal situação acabou por deixar o setor sem um órgão forte que de fato o regulamentasse, pois, apesar da não extinção da OCB com o advento da Constituição Federal, esse órgão não possui atribuições regulatórias essenciais para nortear o setor, de forma que este possa desenvolver-se na medida em que se espera, como se verá mais adiante. A Constituição Federal de 198876 contemplou o cooperativismo nos seguintes dispositivos: art. 5º, XVIII; art. 146, III; art. 174 § 2º ao 4º; art. 187, VI e art. 192, dispositivos estes que serão estudados adiante. A partir de então se iniciou um novo momento e a expectativa de um novo papel para o cooperativismo nacional, considerando-se a sua inserção no texto constitucional como instrumento da ordem econômica. É importante ressaltar que houve um crescimento de cooperativas na década de 1990, que está relacionado à elevação da taxa de desemprego e à aceleração do processo de terceirização que impeliram os trabalhadores a buscar novas formas de organização. No final da década de 1990, com o avanço das discussões em torno da economia solidária, terceiro setor e a problemática de inserção dos excluídos no mercado de trabalho, surgem novos ramos de cooperativas que começam a ocupar um espaço de destaque tanto no mercado como no movimento cooperativista77. Foi nessa época que surgiram algumas legislações e alterações de leis para regular o setor, por exemplo, a Lei nº 8.949, de 9 de dezembro de 199478, que acrescentou o parágrafo único ao art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), declarando a inexistência de vínculo empregatício entre as cooperativas e seus associados e entre estes e os tomadores de serviços daquelas. Urge salientar, porém, que, por conta de atitudes inescrupulosas de alguns que utilizaram indevidamente de tal alteração legislativa, em 2012, houve edição de nova lei, como se verá, que regulamentou melhor o assunto. 75 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 76 Idem, ibidem. 77 SILVA, Emanuel Sampaio et al. Panorama do cooperativismo brasileiro: história, cenários e tendências. uniRcoop, v. 1, nº 2, 2003, p. 91. 78 BRASIL. Lei nº 8.949, de 9 de dezembro de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 12 dez. 1994. Acrescenta parágrafo ao art. 422 da consolidação das Leis do Trabalho - CLT para declarar a inexistência de vínculo empregatício entre as cooperativas e seus associados. Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1994/8949.htm>. Acesso em: 25 mar. 2013. 32 Outra legislação de relevância é a Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 199579, que, em seu art. 64, altera alíquota de imposto de renda na fonte, para 1,5% das importâncias pagas ou creditadas por pessoas jurídicas às cooperativas de trabalho, relativas a serviços pessoais que lhes forem prestados por associados destas ou colocados à disposição. Permite, ainda, a compensação com o imposto retido pelas cooperativas de trabalho, referente aos rendimentos dos cooperados. Já a Lei Complementar nº 84, de 18 de janeiro de 199680, já revogada, fixou, em seu art. 1º, II, a alíquota de 15% sobre as importâncias recebidas pelos cooperados das cooperativas de trabalho, para manutenção da Seguridade Social. Em 3 de setembro de 1998, foi criado pela Medida Provisória nº 1.71581, posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 3.017, de 6 de abril de 1999, o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP), que integra o sistema cooperativista nacional. Esse órgão visa a promover o desenvolvimento do cooperativismo de forma integrada e sustentável, por meio da formação profissional, da promoção social e do monitoramento das cooperativas, respeitando sua diversidade, contribuindo para sua competitividade e melhorando a qualidade de vida dos cooperados, empregados e familiares. Os objetivos desse Serviço são organizar, administrar e executar o ensino de formação profissional, a promoção social dos empregados de cooperativas, cooperados e de seus familiares, e o monitoramento das cooperativas em todo o território nacional; operacionalizar o monitoramento, a supervisão, a auditoria e o controle em cooperativas; assistir as sociedades cooperativas empregadoras na elaboração e execução de programas de treinamento e na realização de aprendizagem metódica e contínua; estabelecer e difundir metodologias adequadas à formação profissional e promoção social do empregado de cooperativa, do dirigente de cooperativa, do cooperado e de seus familiares; exercer a coordenação, a supervisão e a realização de programas e de projetos de formação profissional e de gestão em cooperativas, para empregados, associados e seus familiares; colaborar com o poder público em assuntos relacionados à formação profissional e à gestão cooperativista e outras atividades 79 BRASIL. Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995. Altera a legislação tributária Federal e dá outras providências. Alterada pela Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. Alterada pela Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, de 23 jan. 1995. Disponível em <http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/leis/Ant2001/lei898195.htm>. Acesso em: 25 mar. 2013. 80 BRASIL. Lei Complementar Nº 84, de 18 de janeiro de 1996. Revogada pela Lei nº 9.876, de 26.22.99. Institui fonte de custeio para a manutenção da Seguridade Social, na forma do § 4º do art. 195 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp84.htm>. Acesso em: 25 mar. 2013. 81 BRASIL. Medida provisória nº 1.715-2, de 29 de outubro de 1998. Dispõe sobre o Programa de Revitalização de Cooperativas de Produção Agropecuária - RECOOP, autoriza a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo - SESCOOP, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.portaltributario.com.br/legislacao/mp1715.htm>. Acesso em: 23 mar. 2013. 33 correlatas; divulgar a doutrina e a filosofia cooperativistas como forma de desenvolvimento integral das pessoas; promover e realizar estudos, pesquisas e projetos relacionados ao desenvolvimento humano, ao monitoramento e à promoção social, de acordo com os interesses das sociedades cooperativas e de seus integrantes82. Apesar de informações do próprio SESCOOP em relação a vários cursos de capacitação, entre outros trabalhos, verifica-se que tais medidas não têm sido suficientes para as necessidades do setor, principalmente no que se refere à educação para o cooperativismo. Em que pese a importância do SESCOOP para o Sistema Cooperativo Nacional, porquanto poderia ser o instrumento ideal para sanar os problemas do cooperativismo brasileiro. Verifica-se a necessidade de medidas concretas para sua atuação, pois, o que lhe foi outorgado, por meio de seus objetivos, operacionalizar o monitoramento, a supervisão, a auditoria e o controle em cooperativas, bem como criar planos de ação para estabelecer a verdadeira doutrina cooperativista, por meio de cursos de capacitação contínuos, deve ocorrer de forma consistente de modo a impulsionar o setor. Não se poderia deixar de tratar no presente estudo da Lei nº 9.867, de 10 de novembro de 1999, que trata das cooperativas sociais no Brasil. Em que pese doutrinadores como Becho serem taxativos no entendimento de que elas não podem ser consideradas cooperativas, não devendo sequer submeter-se à Lei do Cooperativismo. As distinções com as agora denominadas cooperativas sociais são evidentes. Dentre tantas diferenças, começamos por apontar a iniciativa. É razoável supor que cooperativas sociais não serão formadas pelas pessoas em desvantagem (termo do tipo politicamente correto). A lei não esclarece, mas parece serem por cidadãos ou órgãos públicos preocupados com a inserção dos em desvantagem na sociedade e no mercado de trabalho. Já as cooperativas verdadeiras são formadas por cooperados, que se reúnem com 83 objetivos específicos e de ordem econômica. As referidas cooperativas sociais são constituídas visando à inserção de pessoas em desvantagem no mercado econômico, por meio do trabalho, e fundamentam-se no interesse geral da comunidade em promover a pessoa humana e a integração social dos cidadãos. O referido diploma legal prevê que estão incluídas entre suas atividades, a organização e gestão de serviços sociossanitários e educativos; o desenvolvimento de atividades agrícolas, industriais, comerciais e de serviços. 82 SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM DO COOPERATIVISMO – SESCOOP. Capacitação e aperfeiçoamento para as cooperativas. 2013. Disponível em: <http://www.ocb.org.br/site/sescoop/index.asp>. Acesso em: 12 ago. 2012. 83 BECHO, Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo. São Paulo: Dialética, 2002. p. 144. 34 Claro está que, apesar da denominação de “cooperativas”, sua concepção destoa do ideário cooperativista. O advento da Lei nº 12.690, de 19 de julho de 2012, trouxe grande euforia para o cooperativismo brasileiro, considerando-se que seu intuito é a regulamentação das cooperativas de trabalho, entendido como um dos setores mais complicados do cooperativismo nacional, diante do grande número de ações fraudulentas praticadas por falsos cooperativistas. A denominada Lei das cooperativas de trabalho dispõe sobre a organização e o funcionamento das cooperativas de trabalho; institui o Programa Nacional de Fomento às Cooperativas de Trabalho (PRONACOOP), e revoga o parágrafo único do art. 442 da CLT, aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Como referido, alguns dos principais problemas enfrentados pelo setor são as falsas cooperativas, denominadas cooperativas “gato”, que não passam de cooperativas de fachada, que limitam a utilizar mão de obra, fraudando o fisco e os próprios trabalhadores que em momento algum podem ser denominados de cooperados84. É certo que, em algumas matérias, a Lei nº 12.690/2012 estabelece novas obrigações e dispõe de maneira diferente da Lei nº 5.764/1971 (Lei do Cooperativismo). Contudo, havendo conflito entre os diplomas legais ao disciplinar um mesmo instituto, prevalece o disposto na nova legislação (Lei nº 12.690/2012). Dentre as principais alterações e inovações trazidas pela Lei nº 12.690/2012 às cooperativas de trabalho, merecem destaque85: a redução do número mínimo de sócios para constituição de uma cooperativa de trabalho; instituição de direitos mínimos dos sócios; duração do trabalho de oito horas, ressalvadas escalas e plantões, que poderão ser compensados; repouso semanal e anual remunerados; retirada para o trabalho noturno superior ao diurno; adicional para atividades insalubres ou perigosas; seguro acidente do trabalho; observância obrigatória das normas de saúde e segurança do trabalho em vigor, dentre outros; eleição de uma coordenação, com mandato de um ano, para as cooperativas de trabalho da modalidade serviços; utilização obrigatória da expressão “cooperativa de trabalho” no nome da cooperativa; obrigatoriedade de realização de ao menos uma assembleia geral especial anual, sem exclusão das já previstas na Lei nº 5.764/1971 (Ordinária e Extraordinária), entre outras. 84 BORRÉ, Tiago. A participação das “cooperativas de mão-de-obra” em licitações públicas: limites. Revista da Advocacia Geral da União, Brasília, DF, ano ix, n. 24, p. 245-258, abr./jun. 2010. 85 Idem, ibidem. 35 Como visto, a trajetória do cooperativismo no Brasil já vem de tempos, não é recente. Atualmente, no entanto, apenas a edição de leis não é suficiente; há necessidade premente de reforma do setor, com o fortalecimento de órgãos que de fato regulamentem o cooperativismo no Brasil, estimulando seu desenvolvimento e consequentemente a economia nacional. 1.2.1 Breves linhas sobre a estruturação do cooperativismo brasileiro e a Organização das Cooperativas Brasileiras Considerando que a forma com se estruturam as cooperativas no Brasil não é o cerne deste trabalho, apresenta-se a organização estrutural do cooperativismo nacional de modo para que apenas se conheça seu lineamento, para facilitar a leitura deste estudo. Inicialmente deve-se verificar que os associados são a mola propulsora do cooperativismo, razão pela qual a Organização do Quadro Social (OQS) é um importante programa, pois possui um contexto educacional, informativo e integrador, sendo um instrumento democrático dentro da cooperativa. O art. 6º da Lei nº 5.764/1971 dispõe sobre a estrutura organizacional do cooperativismo e assim prevê a cooperativa singular ou de primeiro grau em seu inciso I. O objetivo da cooperativa singular é a prestação direta de serviços aos associados. “Trata-se da primeira unidade em si mesma, com seu grupo social”86. A cooperativa singular é constituída por um mínimo de 20 pessoas físicas, no entanto, excepcionalmente, podem ser admitidas pessoas jurídicas cujas atividades-fim identifiquem-se com as das pessoas físicas associadas. Recente exceção estabelece quanto ao número de associados à Lei nº 12.690/2012, sobre as cooperativas de trabalho, que em seu art. 6º prevê a possibilidade de funcionamento com o número mínimo de sete associados. As cooperativas centrais e federações de cooperativas, também denominadas como de segundo grau, estão previstas no mesmo art. 6º. da Lei nº 5.764/1971, mais especificamente no inciso II, e são aquelas constituídas pelas cooperativas singulares em número mínimo de três cooperativas singulares, podendo excepcionalmente admitir associados individuais. Seu objetivo precípuo é a prestação de serviços às cooperativas singulares que lhes estão filiadas. Menezes esclarece: A central pode realizar para as suas filiadas muitas das atividades que cada uma delas faria individualmente, mas com operações mais numerosas e, por isso mesmo, custos maiores. Logo filiadas a uma central, as cooperativas podem ganhar em 86 MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 181. 36 escala, reduzir custos e fortalecer estratégias de mercado pela união de projetos e de forças, como por exemplo, prestando serviços de contabilidade, unificando sistemas 87 operacionais, realizando auditorias etc. Por fim, a estruturação cooperativista nacional prevê as confederações de cooperativas, também denominadas de terceiro grau, conforme inciso III do art. 6º. da Lei nº 5.764/1971. Constituem-se de, no mínimo, três federações de cooperativas e, à principio, seu objetivo é a prestação de serviços às centrais e federações vinculadas. Porém, como bem observa Menezes, cabe à “confederação exercer papel orientador e coordenador das atividades das filiadas nas grandes linhas, especialmente no campo das negociações em alto nível, representação política e defesa dos grandes projetos”88 Conforme previsão normativa da referida Lei, as sociedades cooperativas devem estruturar-se internamente; nesse sentido é necessário um estatuto social e capital social. É de se verificar, porém, a obrigatoriedade de outros instrumentos e procedimentos peculiares a esse tipo de sociedade, como é que o caso dos órgãos sociais. Nesse sentido, tem-se a Assembleia Geral, que é tida pelo setor como o órgão maior das cooperativas. A Assembleia Geral “tomará toda e qualquer decisão de interesse da sociedade. Além da responsabilidade coletiva que se expressa pela reunião de todos, ou da maioria, nas discussões e nas deliberações”.89 Têm-se ainda as Assembleias Gerais Ordinárias e as Assembleias Gerais Extraordinárias. Integram também a estrutura interna da sociedade cooperativa, como órgãos da administração, o conselho de administração, “considerado órgão superior da administração da cooperativa. É de sua competência a decisão sobre qualquer interesse da cooperativa e de seus cooperados nos termos da legislação, do Estatuto Social e das determinações da Assembleia Geral”90, e o conselho fiscal, que é formado por três membros efetivos e três suplentes. Esses membros são eleitos precipuamente para fiscalizar a administração, as atividades e as operações das cooperativas. “Tem por objetivo representar a Assembleia Geral no desempenho de funções durante um período de doze meses.”91 Segundo a OCB, importante para o bom funcionamento da cooperativa é o comitê educativo, núcleo cooperativo ou conselhos consultivos: 87 MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 181. Idem, Ibidem. 89 Disponível em <http://www.ocb.org.br/site/cooperativismo/por_dentro_da_cooperativa.asp>. Acesso em: 23 mar. 2013. 90 Idem, Ibidem. 91 Disponível em <http://www.ocb.org.br/site/cooperativismo/por_dentro_da_cooperativa.asp>. Acesso em: 23 mar. 2013. 88 37 O Comitê Educativo, Núcleo Cooperativo Ou Conselhos Consultivos – temporário ou permanente, constitui-se em órgão auxiliar da administração. Pode ser criado por meio da Assembléia Geral com a finalidade de realizar estudos e apresentar soluções sobre situações específicas. Pode adotar, modificar ou fazer cumprir questões, inclusive no caso da coordenação e programas de educação cooperativista junto aos cooperados, familiares e membros da comunidade da área de ação da cooperativa.92 Conforme determina o art. 44 da Lei das Cooperativas, a Assembleia Geral Ordinária deverá obrigatoriamente efetuar a demonstração de resultado do exercício, ou seja, no final de cada exercício social deve ser apresentado, na Assembleia Geral, o Balanço Geral e a Demonstração do Resultado, contendo informações sobre as sobras que se tratam dos resultados dos ingressos menos os dispêndios. Tais sobras são retornadas ao associado após as deduções dos fundos, de acordo com a lei e o estatuto da cooperativa; e também informações sobre o fundo indivisível, que se trata de valor em moeda corrente que pertence aos associados e não pode ser distribuído e sim destinado ao fundo de reserva para ser utilizado no desenvolvimento da cooperativa e cobertura de perdas futuras e também ao Fundo de Assistência Técnica Educacional e Social (FATES), bem como a outros fundos que poderão ser criados com a Aprovação da Assembleia Geral93. É importante salientar que todas as cooperativas no Brasil estão vinculadas às respectivas Organizações Cooperativas Estaduais (OCEs) , que se vinculam à OCB. A criação da OCB deu-se de forma bastante interessante. No final dos anos de 1960, duas instituições apresentavam-se como representantes do cooperativismo brasileiro: a Aliança Brasileira de Cooperativas (ABCOOP) e a União Nacional das Associações Cooperativas (UNASCO). Tal disputa, por óbvio, enfraquecia o movimento cooperativo nacional. Assim, visando a fortalecer o sistema, com a ingerência do Ministério da Agricultura, em 1969, as duas entidades uniram-se no sentido de firmar um protocolo de intenções para a criação de um órgão único que representasse todos aqueles que integravam os movimentos cooperativos. Em decorrência desse protocolo, na cidade de Belo Horizonte, MG, em 2 de dezembro de 1969, durante a sessão de abertura do 4º Congresso Brasileiro de Cooperativismo, foi anunciada oficialmente a criação da OCB94. Ressalta-se que a OCB é uma sociedade civil, de natureza privada, sem fins lucrativos, de duração indeterminada, com sede na Capital da República.95. 92 Idem, ibidem. Idem, Ibidem. 94 MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 73. 95 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 249. 93 38 Como verificado anteriormente, a princípio, a OCB exercia um papel de certa forma representativo, considerando-se o regime político da época, que era o militarismo, no qual nenhum órgão possuía independência ou autonomia de forma efetiva. Ocorre que, ainda no regime militar, com o advento da Lei nº 5.764/1971, que trata do cooperativismo no Brasil, foram instituídos outros órgãos no sistema cooperativista aos quais foram atribuídas funções e prerrogativas no universo cooperativista brasileiro, como era o caso do Conselho Nacional do Cooperativismo (CNC), que possuía, entre outras, a atribuição de editar atos normativos para a atividade cooperativista. Urge salientar que a Lei nº 5.764/1971 é clara em atribuir à OCB um caráter técnico consultivo, devendo, entre outras funções, efetuar o registro de todas as cooperativas brasileiras. Conforme verificado anteriormente, com o advento da CF/198896 e por causa do caráter mais liberal desse novo diploma constitucional, a Lei do cooperativismo foi revogada parcialmente, uma vez que trazia em seu bojo previsões normativas que retratavam o sistema político da época, ou seja, intervencionista. Por ocasião da promulgação da nova Constituição, muito se discutiu sobre a revogação total ou parcial da Lei nº 5.764/1971; no entanto, decidiu-se pela revogação parcial. Ora, na ocasião proclamava-se a redemocratização nacional e a permanência de uma legislação que refletisse um caráter interventor soava como heresia. Basta verificar que a própria Constituição Federal vedou expressamente a exigência de autorização para a criação de cooperativas, bem como qualquer interferência em seu funcionamento, nos moldes do que prevê o inciso XVIII do art. 5º97. Nesse sentido é que a Lei nº 5.764/1971 foi parcialmente revogada e assim se iniciou o desamparo legislativo do setor cooperativista e a desestruturação jurídica da OCB É claro que, para o sistema cooperativista, a recepção “retalhada” da norma não foi a alternativa ideal, mesmo porque o sistema tornou-se “capenga”, mesmo porque, apesar da manutenção da OCB, este, como já demonstrado, é tido como órgão técnico consultivo, ou seja, sem forças para regular o sistema. A esse respeito, Becho: Dentre tantos órgãos que foram desmantelados, da antiga estrutura dse poder, restou a Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB, que estava prevista na Lei das Sociedades Cooperativas, artigos, 105 a 108. Todavia, a interpretação desses artigos 96 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 97 BECHO, Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo. São Paulo: Dialética, 2002. p. 145. 39 com a norma constitucional não tem sido fácil, muito menos unanime. Com isso, não se sabe seguramente qual o papel jurídico dessa instituição, o que tem acarretado sérios problemas para todo o sistema. Muitos dos problemas que existem atualmente, como as verdadeiras perseguições ao cooperativismo perpetradas por órgãos públicos do quilate de uma Secretaria da Receita Federal ou do Ministério Público do Trabalho, poderiam não existir se tivéssemos uma clareza jurídica quanto ao que estamos tratando. Temos sérias dúvidas se a existência de um organismo de representação e controle prévio ou simultâneo do cooperativismo, que aferisse por exemplo a legalidade na aplicação da legislação viria a corrigir sérios equívocos da atualidade, que estão a prejudicar seriamente todas as cooperativas brasileiras, notadamente as mais corretas.98 Movimentos nacionais vêm se notabilizando em oposição à OCB, mormente em relação a questões da unicidade de representação do setor, contestação quanto à obrigatoriedade do registro e ainda quanto ao pagamento da contribuição cooperativista99. Tal situação denota a fragilidade do órgão, vitima da ausência de base jurídica que lhe dê sustentáculo para seu fortalecimento e controle do setor. Nesse sentido, é que uma nova legislação se faz premente de modo a regulamentar de forma adequada a OCB ou outro órgão que lhe venha substituir. Necessário, porém, que a legislação que venha regulamentar o setor cooperativista no Brasil outorgue poderes a esse órgão representativo do setor, seja ou não a OCB, estabelecendo suas atribuições entre as quais a de regulação do setor no Brasil; porquanto é evidente que os problemas que atingem atualmente o cooperativismo no Brasil decorrem essencialmente da falta de atribuições especificas da OCB, considerado órgão representativo do cooperativismo nacional. Sem legislação adequada que indique qual o papel jurídico desse órgão, nas palavras de Becho, não há como esperar o exercício de funções que sequer lhe são afeitas, tampouco o exercício de regulação do setor que é que se espera. Porquanto, tal regulação é necessária ao cooperativismo brasileiro, para que, entre outros, este possa desenvolver-se adequadamente dentro de diretrizes a serem estabelecidas de modo uniforme para o setor como um todo. 1.3 PRINCÍPIOS DO COOPERATIVISMO O surgimento do cooperativismo refletiu o momento econômico vivenciado à época, qual seja, o capitalismo liberal. Cenzi, a respeito, efetua as seguintes considerações: 98 BECHO, Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo. São Paulo: Dialética, 2002. p. 145-146. Grifo do autor. 99 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 250. 40 Vê-se, então, que com o surgimento efetivo da Sociedade de Rochdale, em fins de 1844, implantou-se um marco histórico as relações entre empregado e empregador, surgindo em definitivo um novo modelo de sociedade, por certo híbrido em face dos regimes e teorias econômicas reinantes, e de cujos 100 princípios ali estabelecidos muito se mantêm até os dias atuais. Incontestável a importância da iniciativa próspera de Rochdale na evolução do sistema cooperativo, tendo reflexos de amplitude mundial. Como dito, essa experiência desencadeou um fenômeno sabiamente retratado no trecho a seguir: A obra dos Pioneiros de Rochdale despertou a atenção de outros trabalhadores, de estudiosos, de governos, das igrejas cristãs, de políticos. Foi-se vendo que as pessoas, organizada e cooperativamente, eram capazes de fazer muito para si e para outros, no difícil mundo da sobrevivência. Uma empolgação lenta, mas convincente por causa dos resultados. Foi assim que, já antes de findar o século XIX, pensadores, políticos, sociólogos, começaram a estudar e – melhor ainda – a divulgar e orientar a organização cooperativa como um fato novo, como entidade capaz de resolver problemas econômicos e sociais 101 de vasta camada das populações, especialmente dos mais fracos. Observa-se que as notícias da prosperidade alcançada pelos rochdalianos movimentaram o mundo e, consequentemente, despertaram interesses dos mais diversos setores da economia e da sociedade. Alguns estudiosos se empenharam em acompanhar mais proximamente a evolução do sistema cooperativista e dentre estes se destaca Charles Gide, que foi um dos principais sistematizadores da doutrina cooperativista e representante da Escola Nîmes. Os estudos realizados sobre a prática das atividades cooperativistas fortaleceram a ideia de se compilarem os fundamentos do cooperativismo para se formar um conjunto de princípios capazes de nortear todo o sistema cooperativo, propondo diretrizes e reforçando os objetivos que se deseja alcançar por meio desse ideal. Tal intenção se confirmou no momento em que a Aliança Cooperativa Internacional, (ACI), no Congresso de Paris, em 1937, resgata a essencialidade dos princípios instituídos em 1844 para a constituição desse sistema. Pinho faz o seguinte apontamento: [...] A missão da ACI centra-se em quatro principais objetivos: a) influir cooperativamente sobre as políticas governamentais e legislações nacionais; b) ajudar o desenvolvimento institucional das cooperativas em nível nacional, reformando-o e/ou ajudando-o a criar organizações nacionais de cúpula para orientar as cooperativas; c)concentrar-se no desenvolvimento dos recursos humanos, em nível nacional e regional; d) mobilizar recursos, estimular agências de 100 CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 28. 101 MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 90. 41 desenvolvimento para suporte das cooperativas e coordenar movimentos de 102 assistência às cooperativas. Conveniente contemplar que, dentre as missões elencadas pela ACI, está, justamente, a busca pelo desenvolvimento nacional e regional, objetivo este também assumido pela Constituição Federal de 1988103 e que tem o cooperativismo apontado em sua redação como instrumento de redução dessa problemática social. Outra das missões da ACI, para este trabalho de extrema relevância, refere-se ao estímulo às agências de desenvolvimento para suporte das cooperativas. É importante observar que o reconhecimento por parte da ACI da necessidade de tais agências demonstra claramente a sua importância, pois que se trata de elemento agregador e representativo do setor, fortalecendo-o. A Aliança Cooperativa Internacional foi incumbida da tarefa de normatizar e divulgar os preceitos da doutrina cooperativista, fundamentalmente no tocante aos princípios, trabalho este realizado com eficiência ao longo de todo o período de sua existência,. Dessa forma, a ACI promoveu diversos congressos internacionais com o propósito de enquadrar o tema cooperação no momento histórico vivenciado, procurando adequar seus estudos e atender às manifestações sociais sugeridas por cooperativistas e pesquisadores. Ao comemorar cem anos de existência, a ACI realizou, em setembro de 1995, um congresso para deliberar sobre “O reestudo dos valores e princípios do cooperativismo e a formulação da identidade cooperativa com os olhos voltados para o futuro, o terceiro milênio” em Manchester, na Inglaterra, e reuniu aproximadamente 1.600 delegados, representantes das cooperativas de vários países e também do Brasil104, apresentando os seguintes resultados: Esse o norteamento que orientou a proclamação do Congresso Centenário de Manchester: dar expressão nova às pedras angulares que os Pioneiros de Rochdale assentaram em 1844. A essência dos valores e princípios é a mesma, novas são as expressões, com o propósito de tornar mais claras e reconhecidas nossas convicções e nossas práticas num mundo de feições e engrenagens novas. Resultou disso uma proclamação de valores e princípios, que passaram a traduzir a identidade 105 cooperativa segundo as Deliberações de Manchester. Dentre as deliberações feitas nesse evento, ficou instituído o seguinte: a definição de cooperativa, bem como os valores e os princípios do cooperativismo. Conveniente observar 102 PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 69. Grifo nosso. 103 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 104 MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 93. 105 MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 93-94. 42 que, ao dar nova roupagem aos princípios, a ACI optou por não mais dividi-los em fundamentais e acessórios, tal como fazia até a revisão datada de 1966. Bulgarelli, ao tratar sobre o cooperativismo, ressalta o valor desses princípios perante a implementação do sistema cooperativista nas mais diversas economias mundiais: Numa visão geral esses princípios exprimem o alto sentido social do sistema cooperativo. As cooperativas, desta forma, se apresentam como entidades de inspiração democrática, em que o capital não constitui o determinante da participação associativa, mas, mero instrumento para a realização dos seus objetivos; elas são dirigidas democraticamente e controladas por todos os associados; não perseguem lucros e seus excedentes são distribuídos proporcionalmente às operações de cada associado; nelas se observa a neutralidade político-religiosa, o capital é remunerado por uma taxa mínima de juros e os hábitos de economia dos associados são estimulados pelas aquisições a dinheiro, dando-se destaque ao aperfeiçoamento do homem, pela educação.106 Por serem as linhas orientadoras, por meio das quais as cooperativas levam os seus valores à prática107 e por esse motivo ter reconhecida a sua maior importância, os princípios do cooperativismo são aqui analisados. O primeiro princípio, denominado princípio da adesão voluntária e livre, antes denominado apenas como “adesão livre”, aduz que “cooperativas são organizações voluntárias abertas a todas as pessoas aptas a usar seus serviços e dispostas a aceitar responsabilidades de sócio, sem discriminação social, racial, política ou religiosa e de gênero”108. Também denominado como “porta aberta ou princípio voluntário” pela doutrina mais antiga, esse princípio traz algumas peculiaridades em sua aplicação, pois “sofre restrições nas cooperativas profissionais, porquanto, a qualificação profissional, aí, é um prérequisito obrigatório”109. O segundo princípio, denominado de princípio da gestão democrática pelos membros, abrange o seguinte preceito: As cooperativas são organizações democráticas, controladas pelos seus membros, que participam ativamente na formulação das suas políticas e na tomada de decisões. Os homens e as mulheres, eleitos como representantes dos demais membros, são responsáveis perante estes. Nas cooperativas de primeiro grau os membros têm igual direito de voto (um membro, um voto); 106 BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 12-13. 107 Idem, ibidem, p. 94. 108 VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Cooperativismo: nova abordagem sócio-jurídica. Curitiba: Juruá: 2011. p. 97. 109 NORONHA, A. Vasconcelos. Cooperativismo. Guarulhos: Cupulo, 1976. p. 29. 43 as cooperativas de grau superior são também organizadas de maneira 110 democrática. O terceiro princípio refere-se à participação econômica dos membros e assim se fundamenta: Os associados contribuem equitativamente e controlam democraticamente o capital de sua cooperativa. Ao menos parte desse capital é, geralmente, de propriedade comum da cooperativa. Os associados geralmente recebem benefícios limitados pelo capital subscrito, quando houver, como condição de associação. Os sócios destinam as sobras para algumas das seguintes finalidades: desenvolver sua cooperativa, possibilitando a formação de reservas, onde, ao menos, parte das quais sejam indivisíveis; beneficiar os associados na proporção de suas transações com a cooperativa; e sustentar outras atividades aprovadas pela sociedade (associação).111 É de se observar que a doutrina americana intitula esse princípio também como parte do “princípio da equidade”. Esse princípio protege a atividade cooperativista de especulação, não permitindo, jamais, que um associado tome proveito da situação de cooperador em benefício próprio, vindo a prejudicar seus parceiros associados e terceiros que não participem dessa relação. O quarto princípio é o da autonomia e independência e decorre da liberdade pertinente de ser cooperado. Portanto, a proposta foi a seguinte: As cooperativas são organizações autônomas para ajuda mútua, controladas por seus membros. Entretanto em acordo operacional com outras entidades, inclusive governamentais, ou recebendo capital de origem externa, elas devem fazê-lo em termos que preservem o seu controle democrático pelos sócios e mantenham a sua autonomia.112 Verifica-se que a autonomia opõe-se ao paternalismo, ainda que receba capital externo, por ser adepta da liberdade individual. É sinônimo de liberdade. Tal princípio cooperativista reflete-se no inciso XVIII do art. 5º. da CF/1988, que veda qualquer forma de interferência no funcionamento das cooperativas. Contudo, compreende-se que a independência defendida como princípio está ligada à forma de organização e administração competente a seus membros, visto que, ainda que a cooperativa receba verbas de pessoas ou incorporações externas ao vínculo cooperativista, a 110 MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 94. SOUZA, Edson Galdino Vilela de. Cooperativismo de crédito no Brasil. globalização, Estado e cidadania. Curitiba: Juruá, 2008. p. 165. 112 VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Cooperativismo: nova abordagem sócio-jurídica. Curitiba: Juruá: 2011. p. 98. 111 44 tais entes não é dada permissão para nenhum tipo de interferência, permanecendo o controle sempre nas mãos dos cooperados. O quinto princípio, denominado princípio da educação, formação e informação, referese ao reconhecimento da necessidade de se investir nesse princípio como forma de garantir o sucesso e a sequência do empreendimento cooperativista: As cooperativas fornecem educação e treinamento a seus sócios, aos representantes eleitos, aos administradores e empregados, para que eles possam contribuir efetivamente ao desenvolvimento de sua cooperativa. Eles informam ao público em geral – particularmente aos jovens e líderes de opinião – sobre a natureza e os benefícios da cooperação.113 Na última alteração aos princípios feita pela ACI, foram acrescentados à educação também o treinamento e a informação. Para garantir o cumprimento da referida meta no Brasil, é previsto que as cooperativas devam reservar um percentual de suas sobras líquidas para aplicar em educação. Esse princípio é fundamental no Brasil, visto que não há entre os brasileiros um entendimento adequado do que venha ser cooperativismo. Persiste inclusive, entre os que se autodesignam cooperativistas, uma noção equivocada a respeito do assunto. A falta de educação para o cooperativismo vem acarretado sérios problemas para o setor, porquanto o indivíduo, ao adentrar no sistema, deve entender as suas especificidades, porquanto tal não equivale ao sistema capitalista. Logo, valores como lucro, individualismo e outros não se aplicam ao cooperativismo. A educação para o cooperativismo é um instrumento fundamental para os dirigentes, que devem ser capacitados de forma contínua para exercer tal função. Não são poucos os casos no Brasil de dirigentes despreparados para exercer a função. Além do que é evidente que as denominadas cooperativas “gato” derivam da má compreensão do sistema, porquanto com a educação para o cooperativismo, e, com certeza, tais situações devem desaparecer. O sexto princípio é o da intercooperação e possui o seguinte fundamento: “trabalhando em conjunto através das estruturas locais, regionais e internacionais, as cooperativas servem de forma mais eficaz aos seus membros e dão força ao Movimento Cooperativista”114. No contexto internacional, o exemplo da concretização desse princípio é a atuação da ACI; já em âmbito nacional, tem-se a OCB, e essa última receberá atenção especial no 113 SOUZA, Edson Galdino Vilela de. Cooperativismo de crédito no Brasil. Globalização, Estado e cidadania. Curitiba: Juruá, 2008. p. 165. 114 MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 94. 45 decorrer do desenvolvimento da pesquisa por causa do seu papel no sistema cooperativista brasileiro. O sétimo princípio, denominado princípio do interesse pela comunidade, garante a solução da problemática proposta pelo presente estudo. “As cooperativas trabalham para o desenvolvimento sustentável de suas comunidades, através de políticas aprovadas por seus associados”115, e este é o resultado que se espera do cooperativismo no Brasil. Portanto, no momento oportuno esse princípio será apresentado com maior rigor, como meio concedido às cooperativas para se reduzirem as desigualdades sociais e regionais. Ao concretizar a aplicação desse princípio no mundo fático, o objetivo constitucional almejado estará prestes a ser alcançado. Por enquanto, basta refletir sobre esses princípios e perceber que o cooperativismo é capaz de implantar um sistema de produção e distribuição de riquezas, baseado em valores éticos e democráticos que, ao instigar a participação e o debate, permite a formação de cidadania que possibilitará a elevação dos padrões de inclusão social, respeito humano e igualdade116. Após perfilhar o conteúdo pertinente aos princípios, acredita-se ter formado a capacitação necessária para dar sequência nos estudos e aprimorar o conhecimento do que venha a ser o cooperativismo como movimento, doutrina, espécie de sociedade, ou mesmo filosofia de vida, próximo tópico a ser trabalhado. 1.4 DEFINIÇÃO, CONCEITOS CLASSIFICAÇÃO DAS COOPERATIVAS Apontam-se neste item, os conceitos e a definição de cooperativismo e cooperativas, além de suas classificações, conceituando-as e enumerando suas características fundamentais. Inicialmente, urge realizar a análise etimológica das palavras cooperação, cooperativismo e cooperativa: Etimologicamente esses três termos derivam do verbo cooperar (do latim cooperari, de cum e operari) que significa operar juntamente com alguém. Em cooperação, substantivo feminino, devido ao sufixo indicativo de ação, encontramos o sentido de ação de cooperar, prestação de auxílio pra um fim comum. Já em cooperativismo, o sufixo ismo, de origem grega, denota sistema, doutrina e também estado, situação que visa à renovação social através da cooperação. E cooperativa, substantivação do feminino de cooperativo, significa a que coopera, havendo sido usada inicialmente 117 como adjetivo (em expressões como, por exemplo, sociedade cooperativa). 115 SOUZA, Edson Galdino Vilela de. Cooperativismo de crédito no Brasil: globalização, Estado e cidadania. Curitiba: Juruá, 2008. p. 165. 116 Idem, ibidem, p. 165. 117 PINHO, Diva Benevides. Que é cooperativismo. São Paulo: Buriti, 1966. p. 43-44. 46 Das palavras de Pinho118 e, ainda, do conteúdo advindo dos princípios norteadores, é possível estabelecer que o cooperativismo é um sistema associativo no qual pessoas livres se aglutinam, somando suas forças de produção, sua capacidade de consumo e suas economias no intuito de evoluírem econômica e socialmente, elevando seu padrão de vida e, igualmente, de beneficiar a sociedade por meio do aumento e barateamento da produção, do consumo e do crédito119. Pinho é quem melhor aborda os aspectos do cooperativismo: Movimento nascido nos meios populares da Europa Ocidental de meados do século XIX, para uma ação pacífica de defesa e de emancipação sócio-econômica de trabalhadores urbanos e rurais; Doutrina surgida originariamente em oposição ao capitalismo desbragado, mas que depois reagiu também contra os sistemas econômicos que se instalaram em vários países, embasados em crescente intervencionismo estatal ou no socialismo revolucionário; e Técnica organizadora 120 dos usuários-empresários cooperativados. Em outro viés, Nascimento defende: Para melhor entendimento, poderia ser considerado como um regime econômico, com grande eficácia para corrigir disfunções dos sistemas econômicos e a forma correta para que os indivíduos realizem, em grupo, objetivos econômicos que teriam 121 dificuldades de alcançá-los sozinhos. Quanto ao conceito dado para as cooperativas, inicia-se pelas considerações feitas pela Aliança Cooperativista Internacional, por se tratar do órgão de representação internacional do movimento e que tem como principal objetivo uniformizar entendimento sobre o assunto: Cooperativa é uma associação autônoma de pessoas que se unem, voluntariamente, para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio de uma empresa de propriedade coletiva e democraticamente gerida. As cooperativas baseiam-se em valores de ajuda mútua e responsabilidade, democracia, igualdade, equidade e solidariedade. Na tradição de seus fundadores, os membros das cooperativas acreditam nos valores éticos da honestidade, transparência, 122 responsabilidade social e preocupação pelo seu semelhante. Dessa noção defendida pela ACI, formulou-se a definição legal de cooperativas no Brasil, previsto no art. 4º da Lei nº 5.764/1971: As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos 118 Idem, ibidem, p. 43-44. NORONHA, A. Vasconcelos. Cooperativismo. Guarulhos: Cupulo, 1976. p. 15. 120 Idem, ibidem, p. 24. Grifo do autor. 121 NASCIMENTO, Fernando Rios do. Cooperativismo como alternativa de mudança: uma abordagem normativa. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 11. 122 MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 94. 119 47 associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características: [...]. Trata-se da Lei vigente que rege as cooperativas em todo o território brasileiro. No entanto, é de salientar que existiram vários projetos de lei, sendo um dos mais importantes, o de nº 171/1999, do Senado Federal, com o intuito de substituir a atual legislação cooperativista. Nesse projeto propunha-se a seguinte definição: A cooperativa é sociedade civil de pessoas, de forma jurídica própria, não sujeita à falência, constituída para prestação de serviços aos associados através do exercício de uma ou mais atividades econômicas sem objetivo de lucro e com as seguintes 123 características: [...] Sobre essa proposta de modificação conceitual, a doutrina cooperativista tece alguns comentários, entre os quais: Não sendo a cooperativa uma sociedade de capital, mas de pessoas, é preciso também ficar claro, desde já, que ela não dispensa capital (capital financeiro, como alguns gostam de frisar) para estruturar-se e desenvolver-se. A cooperativa se insere no mundo dos negócios em favor de seus membros, e o mundo dos negócios, sejam eles de pequeno ou grande porte, requer capital para estruturar-se empresariamente e vencer nos mercados, segundo as manhas e artimanhas da competitividade. Igualmente, a cooperativa não pode dispensar tecnologia moderna (de produção e operações) e desenvolvimento profissional de seus membros – para ser bemsucedida. A cooperativa tem de acompanhar as exigências sociopolíticas e empresariais do tempo presente. Mesmo sendo uma unidade simples, pequena, não 124 pode isolar-se nem parar no tempo. A partir dessa definição, juristas brasileiros formularam críticas no intuito de aprofundar os estudos da natureza das cooperativas apresentando um conceito formal, bem como procurando diferenciá-las das sociedades mercantis: Nas sociedades cooperativas, como já pusemos em relevo, a affectio societatis está em função do intuitus personae, já que a sociedade gira em torno de pessoas que a compõem; tanto que a participação do associado é dupla: como associado e como cliente, ou seja, como usuário dos serviços da sociedade, e a sua estrutura é plenamente democrática, sendo a contribuição patrimonial limitada e até inexistente, em muitos casos, como nas cooperativas em que não há capital social. Desta forma, os sócios prestam contribuição-patrimonial-limitada ou ilimitada e contribuição 125 pessoal máxima. A doutrina procura, insistentemente, diferenciar as cooperativas das demais formas de sociedades comerciais para que não haja prejuízo na efetivação dos princípios do 123 BRASIL. Projeto de Lei nº 171, de 25 de março de /1999. Dispõe sobre as sociedades cooperativas. Disponível em <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=37104&tp=1>. Acesso em: 25 mar. 2013. 124 MENEZES, Antônio. Op. cit., p. 41-42. 125 BULGARELLI, Waldírio. Sociedades comerciais. São Paulo: Atlas, 1989. p. 79. 48 cooperativismo na prática da sua atividade econômica. Por tal razão é que os elementos conceituais das cooperativas sempre estão contrapostos aos elementos das sociedades mercantis: As cooperativas são sociedades de pessoas constituídas para prestarem serviços aos associados ou cooperativados, distinguindo-se das demais sociedades ou empresas que atuam no setor econômico em razão de apresentarem características específicas que as distanciam totalmente do modelo de empresa capitalista comum, assumindo grande relevo, neste contexto, o fato de não distribuírem lucros aos associados. Trata-se de uma espécie de gerenciamento, de assessoramento dos cooperados. Assim, seus membros a constituem com o objetivo de desempenharem, em benefício 126 comum, determinada atividade. Nesse embate, seguem comparações: [...] enquadrar as cooperativas na legislação comercial e aos usos e costumes do comércio é desvirtuar os objetivos da sociedade. Nas cooperativas a adesão é voluntária, a sociedade não passa a existir na praxe em função de um contrato e sim por força e desejo de um grupo de pessoas em formar uma instituição, que em proveito comum, sem objetivos de lucro, venha melhorar a atividade dentro do gênero social a que tenha o grupo de pessoas optado; a soberania da sociedade está no voto. A formação da cooperativa é de pessoas e não de capital, o que define sua natureza jurídica própria é a especialidade da lei. O capital social do associado da cooperativa não possui condão especulativo, e sim de alavancagem do objetivo social, voltado totalmente aos interesses das pessoas que buscaram nesta formação societária seu autodesenvolvimento. A autogestão define a instituição como de caráter eminentemente social, o vínculo associativo determina o perfil societário como atípico, ou seja, formação de pessoas, objeto as pessoas, finalidade as 127 pessoas. Considerando as cooperativas no cerne da redação do Código Civil de 2002, Andrighi vem defendendo a autonomia do direito cooperativo e apresenta ensinamentos salutares ao discernimento da questão: As particularidades que assistem às sociedades cooperativa levantaram, assim, questionamentos referentes aos ramos do Direito aplicáveis à sua natureza. O fato de se apresentarem como uma nova categoria de sociedade, que ensejou novos tipos de relações jurídicas com seus associados e com terceiros e, principalmente, sua atuação e operacionalidade distinta das sociedades tanto civis como comerciais, com objetivos singulares e características próprias, fez entender que as regras destinadas a reger as cooperativas não se enquadravam quer no campo do Direito Civil, quer no campo de Direito Comercial, Social ou Administrativo, fazendo surgir um novo 128 ramo, qual seja, o do Direito Cooperativo. 126 BASTOS, Celso Ribeiro. A Constituição de 1988 e seus problemas. São Paulo: LTr, 1997. p. 73. DOMINGUES, Jane Aparecida Stefanes (Org.). Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2002, p. 52-53. 128 ANDRIGHI, Fátima Nancy. Cooperativismo e o Novo Código Civil. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 51. 127 49 As cooperativas, como é possível observar, são organizações econômicas e sociais, de caráter bastante peculiar, que prestam os mais variados serviços a seus associados e, por essa multiplicidade, tende-se a reuni-las em grupos de uma mesma espécie que compartilham características semelhantes em suas atividades. Nesse sentido é que subsiste em nosso sistema legislativo grande lacuna em relação à questão conceitual atinente ao cooperativismo e às cooperativas, sendo, pois, necessária, sem demora, a edição de legislação infraconstitucional que respalde o cooperativismo brasileiro de modo, como já afirmado, que não só defina de forma adequada o setor, mas também o possa fortalecer de modo adequado para que se alcem as finalidades que se esperam, entre os quais, e principalmente, a contribuição adequada no desenvolvimento nacional. No entanto, na ausência de tal norma, sujeita-se à Lei nº 5.764/1971, rota e retalhada por força de sua parcial revogação, considerando que seu texto original não se coadunava com a Constituição em vigor. O art. 10, da Lei nº 5.764/1971, prevê que as cooperativas se classificam de acordo com “o objeto ou pela natureza das atividades desenvolvidas por elas ou por seus associados”.129 Dessa forma, as modalidades enumeradas a seguir não formam um rol taxativo e nem excludente, simplesmente apontam os tipos de sociedades mais comumente encontrados na prática do cooperativismo brasileiro. Segundo a OCB130, existem 13 ramos cooperativas no Brasil. Inicia-se a apresentação pelas que são mais importantes para o presente estudo, por causa da vinculação com o tema, para as quais também se dedica um maior aprofundamento. Santos131 define que são cooperativas de trabalho aquelas que, constituídas entre operários de uma determinada profissão ou de ofícios vários de uma mesma classe, têm como finalidade primordial melhorar os salários e as condições de trabalho pessoal de seus associados e, dispensando a intervenção de um patrão ou empresário, se propõem contratar obras, tarefas, trabalho ou serviço público ou particular, coletivamente por todos ou por grupos de alguns. A recente Lei nº 12.690/2012 destacou a espécie correspondente à cooperativa de trabalho, ali conceituada como sendo a sociedade cooperativa constituída por trabalhadores 129 BRASIL. Lei nº 5.764 de 16.12.1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 dez. 1971. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/lei5764.htm>. Acesso em 23 mar. 2013. 130 Disponível em: <http://www.ocb.org.br/site/ramos/index.asp>. Acesso em: 25 mar. 2013. 131 SANTOS, Reginaldo C. O cooperativismo como forma de desenvolvimento humano e de inclusão social: um estudo de caso. 2009. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social)Fundação Visconde de Cairu, Salvador, Bahia, 2009. p. 49. 50 para “o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho” (art. 2º)132. O advento dessa Lei busca colocar fim a sério problema existente no país e que desmoraliza o setor cooperativista. Trata-se das “coopergatos”, ou cooperativas fraudulentas que visam, sob a fachada de cooperativas de trabalho, a fraudar a previdência social e o fisco. No entanto, graças a essa nova legislação, espera-se que tais problemas possam, se não desaparecerem, ao menos diminuir consideravelmente. Por óbvio que tal não ocorrerá com a simples existência da norma; serão necessárias ações interventivas do Estado, considerando-se o caráter econômico dessa espécie de cooperativa. Importa ressaltar que as cooperativas de trabalho podem ser um importante instrumento para o desenvolvimento nacional, considerando-se seu caráter de alternativa ao desemprego, razão pela qual deve haver um estímulo a essa espécie de cooperativismo. As cooperativas de consumo são a espécie mais antiga da história da Europa e também do Brasil. As cooperativas que compõem essa modalidade dedicam-se à aquisição de artigos de consumo em geral e bens duráveis em beneficio de seus associados. Podem apresentar-se na forma de armazéns de pequeno porte e até de grandes empreendimentos, como supermercados133. Constata-se que foi a experiência dos Pioneiros de Rochdale que se transformou no símbolo do cooperativismo de consumo, tendo seu exemplo até hoje seguido por cooperativas do mundo inteiro. Contudo, ressalta-se que a plenitude de seu desenvolvimento foi alcançada pelos países escandinavos, por meio de movimento de oposição aos trustes e aos cartéis existentes na época, obrigando-os a reduzir seus preços134. Mais um exemplo de que o cooperativismo é utilizado para combater as imperfeições do sistema econômico capitalista, ao defender os consumidores dos aumentos abusivos de preços que tanto os prejudicam. Quanto aos outros ramos do cooperativismo no Brasil, segundo Becho135, Agropecuário: composto pelas cooperativas de produtores rurais ou agropastoris e de pesca. Cujos meios de produção pertencem ao cooperante. Credito: composto pelas cooperativas destinadas a promover a poupança e financiar necessidades ou empreendimentos dos seus cooperantes. Educacional: composto pelas cooperativas de professores, cooperativas de alunos de escola agrícola, cooperativas de pais de alunos e cooperativas de atividades afins. 132 SISTEMA OCB–CNCOOP, OCB E SESCOOP. Cooperativismo de trabalho: comentários à Lei nº 12.690/2012. Palavra do Presidente: 2012: novos tempos para o cooperativismo de trabalho. 2012. Disponível em: <http://www.sescoopsp.org.br/sms/files/file/Cooperativismo%20de%20Trabalho%20%20Coment% C3%83%C2%A1rios%20Sobre%20a% 20Lei%2012690-12.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2013. 133 MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 108. 134 PINHO, Diva Benevides. Que é cooperativismo. São Paulo: Buriti, 1966. p. 61. 135 BECHO, Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo. São Paulo: Dialética, 2002. p. 140-141. 51 Especial: composto pelas cooperativas constituídas por pessoas que precisam ser tuteladas. Habitacional: composto pelas cooperativas destinadas à construção, à manutenção e á administração de conjuntos habitacionais para seu quadro social. Infra-estrutura: composto pelas cooperativas com a finalidade de pesquisar, extrair, lavrar, industrializar, comercializar, importar e exportar produtos minerais. Produção: composto pelas cooperativas dedicadas à produção de um ou mais tipos de bens e mercadorias, sendo os meios de produção propriedade coletiva, através da pessoa jurídica e não propriedade individual do cooperante. Saúde: composto pelas cooperativas que se dedicam à preservação e à recuperação da saúde humana. Turismo e Lazer: composto pelas cooperativas que desenvolvem atividades na área do turismo e lazer. Outros: composto pelas cooperativas eu não se enquadrem nos ramos acima definidos. Apesar das severas críticas a respeito dessa classificação, adota-se a mesma neste estudo, considerando-se que é a oficialmente utilizada pela OCB. Outrossim, é importante observar que todas as experiências de cooperativas narradas fazem parte de um quadro evolutivo, não precisando, dessa maneira, que uma cooperativa se amolde rigorosamente a qualquer uma dessas classificações enumeradas. É possível, inclusive, enquadrar uma cooperativa em mais de uma das classificações apresentadas, simultaneamente, quando passam a serem denominadas de “cooperativas mistas”. O importante é que constituam associações cooperativas destinadas a suprir seus membros de bens e serviços, bem como promover determinados programas educativos e sociais, sempre apoiados em seus princípios norteadores, os quais lhes emprestam características peculiares que as diferenciam das demais sociedades. Anotam-se, na realidade, que as cooperativas se apresentam como uma natureza jurídica sui generis. Nessa linha Becho esclarece: Como se vê, as cooperativas buscam uma cooperação para a obtenção de um fim econômico e não a interposição lucrativa das sociedades. Todavia, há quem nela vislumbre como Verrucoli, um misto de sociedade e associação, por haver atribuição de voto de cada sócio, que é relevante ao fenômeno associativo ante o princípio da mutualidade, enquanto outros entendem como uma sociedade onde se tem união 136 autônoma organizada corporativamente para intercâmbios associativos” Ressalta-se que praticar atividade econômica não significa perseguir necessariamente ao lucro, característica esta totalmente fora dos objetivos das cooperativas. Assim, as sociedades cooperativas possuem fins econômicos, não podendo ser classificadas como associações. Já com relação à natureza civil ou comercial, Becho entende que: 136 BECHO, Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo.São Paulo: Renovar, 2002. p.41. 52 Deixando de lado o termo associação para a união de pessoas sem intenção de auferir vantagem econômica, com atividades próprias da lei civil, as sociedades poderão ser civis, comerciais ou cooperativas. Nas civis entrarão as uniões de pessoas em bases econômicas, mas sem a intenção de praticar atos de Comércio. É o caso das uniões de profissionais liberais, como as bancas de advocacia ou os escritórios de arquitetura. As sociedades comerciais serão aquelas uniões econômicas para a prática de comércio, para a realização de atos mercantis, com o objetivo de alcançar, por definição, o lucro.137 As indústrias e as lojas comerciais são as referências por excelência. Já as sociedades cooperativas serão aquelas uniões, de regra econômica, de interesse não lucrativo, norteadas por princípios próprios e com características diferentes das demais. A explicação do doutrinador Becho deixa clara sua posição no sentido de reconhecer a independência do direito cooperativo, com normas, características, objetivos e fins próprios. Bulgarelli trata o tema da mesma forma: Por se apresentar como uma nova categoria de sociedade por ter criado novos tipos de relações jurídicas com seus associados e com terceiros e por operar de forma diferente das sociedades tanto civis como comerciais, com objetivos próprios e característicos, passou-se a entender que as regras destinadas a reger as cooperativas não constituíam mero apêndice ou prolongamento dos sistemas de Direito Civil, Comercial, Social ou Administrativo, mas, sim continham os elementos 138 caracterizadores de um novo ramo do Direito: o Direito Cooperativo. Respaldando as afirmações, o referido trecho enaltece a existência de uma natureza jurídica das cooperativas como sendo de um Direito Cooperativo. Do exposto, verifica-se que as cooperativas são sociedades de natureza jurídica própria, e que os atos cooperativos não se enquadram especificamente no contexto do Direito Comercial, do Direito Civil, do Direito Administrativo nem do Direito Trabalhista. Dentro desses entendimentos vivem as sociedades cooperativas, com suas características próprias e singulares, não se confundindo com sociedades civis ou comerciais. De forma conclusiva, partindo-se da premissa que, de acordo com a Ciência do Direito, para ser considerado um ramo autônomo do Direito é necessário que existam características, normas e princípios disciplinadores próprios, entende-se que o Direito Cooperativo pode ser considerado autônomo e com uma natureza jurídica própria. 137 138 Idem, ibidem, p.40. BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. São Paulo: Renovar, 1998. p. 20. 2 O COOPERATIVISMO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA Como demonstrado em momento anterior, a situação do cooperativismo no Brasil encontra-se em uma fase bastante peculiar visto que a legislação que o regulamenta foi recepcionada apenas parcialmente pela Constituição Federal de 1988. É que a Lei n. 5.764/1971 - denominada Lei das Cooperativas - foi aprovada e sancionada na vigência do AI-5, caracterizado pela imposição de um regime extremamente autoritário, com a figura de um Estado altamente intervencionista, que tinha como objetivo o controle da organização da sociedade civil. Por isso, nada mais natural que a lei regulamentadora das atividades cooperativistas, advinda dessa época histórica, contivesse algumas restrições decorrentes da forte intervenção estatal em seu funcionamento. Contudo, sobreveio a Constituição Federal de 1988139, resultado de uma Assembleia Nacional Constituinte eleita democraticamente, carregada de ideais, dentre eles, a liberdade de organização da sociedade e a mínima intervenção estatal sobre tais entidades, confrontando, desta forma, as determinações da lei infraconstitucional. Insta salientar que os dispositivos constitucionais, indiscutivelmente, deram ao cooperativismo um tratamento privilegiado, elevando-o a fundamento básico na esfera econômico-social. E assim comenta a doutrina: Ainda que na Constituição de 1988 não exista propriamente um setor cooperativo, a exemplo do que acontece com o reconhecimento do setor cooperativo e social na Constituição portuguesa de 1976, visto como um setor de propriedade dos meios de produção ao lado dos setores públicos e privado [...], não é possível deixar-se de reconhecer que o cooperativismo é hoje, no Brasil, elevado à categoria constitucional privilegiada, gozando de tratamento diferenciado e incentivado como uma alternativa de organização econômica com potencial de efetivação do valor social do trabalho, da cidadania e da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que a justiça social possa realizar-se de maneira mais eficaz.140 Com o que representa o cooperativismo em seus ideais e princípios norteadores, faz ver que há perfeita sintonia entre o que se quer para o Estado brasileiro e o que oferece a cooperação141. 139 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 140 ROSSI, Amélia do Carmo Sampaio. Cooperativismo à luz dos princípios constitucionais. Curitiba: Juruá, 2005, p. 135. 141 MEINEN, Ênio. Aspectos jurídicos do cooperativismo. In: DOMINGUES Jane Aparecida Stefanes (Org.). Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2002. p. 26. 54 Os princípios que orientam o cooperativismo, adesão livre e voluntária; gestão democrática; participação econômica dos membros; autonomia e independência; educação, formação e informação; intercooperação e interesse pela comunidade, já referidos em capítulo anterior, fundamentam-se na democracia, na justiça social, na solidariedade e na equidade, base principiológica da Constituição Federal de 1988142 e que constituem elementos propulsores para o desenvolvimento nacional.143 Assim não há de se olvidar a respeito do reconhecimento por parte do legislador constituinte, no que se refere ao cooperativismo, mormente de seu potencial como agente econômico. 2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A Constituição Federal de 1988144 reflete no Brasil um movimento de alcance global. Não se iniciou por acaso, tampouco em breve espaço de tempo. Assim, necessário certo delineamento sobre a ideia de Estado, para que certos conceitos sejam expostos, permitindo uma melhor compreensão dos ideais defendidos pela Carta Maior. A ideia de Estado, como uma forma específica de sociedade política, surgiu no século XVI, em decorrência das transformações vividas pela sociedade política da época. Maquiavel foi quem propôs a nomenclatura, considerando o resultado do processo evolutivo da organização do poder, como esclarece Bastos: A despeito de existirem todos os antecedentes arrolados, que se empenham em descrever certas características conducentes a arquitetar, para cada época histórica, através dos séculos, uma ideia de Estado, o fato é que, somente no século XVI, especificamente no chamado período do Renascimento, é que surge, em sua verdadeira acepção, o que conhecemos atualmente por Estado. E foi precisamente Maquiavel, [...] que, de modo pioneiro, conferiu à palavra Estado seu significado autêntico, ao cunhá-la e imprimir-lhe essência e conteúdo, embora sem apresentar 145 propriamente uma definição. A formação do Estado moderno teve como principal característica a concentração do poder em uma única pessoa que era o monarca. Esse representante monárquico detinha o poder de deliberar sobre as questões de Estado. 142 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 143 CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 86-87. 144 BRASIL. Op. cit. 145 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 5. 55 Já no final do século XVIII, nasce o Estado de Direito, um Estado contemporâneo que trouxe consigo um propósito claro, o de evitar o arbítrio dos governantes, aqueles detentores únicos do poder. Conforme Ferreira Filho: A reação de colonos ingleses na América do Norte e a insurreição do terceiro estado na França tiveram a mesma motivação: o descontentamento contra um poder que – ao menos isso lhes parecia – atuava sem lei nem regras. O poder despótico na caracterização de Montesquieu.146 Idealizado por Montesquieu147, o Estado de Direito aparece com a determinação de que o Poder Político está preso e subordinado a um Direito Objetivo, que exprime o justo e que é fruto da própria natureza das coisas. A supremacia do Direito espelha-se no primado da Constituição. Por meio dela é que se busca instituir o governo não arbitrário, organizado segundo normas que não pode alterar, limitado pelo respeito devido aos direitos do homem. Assim surge outro movimento, de caráter político e jurídico, originário da intenção de se limitar o poder estatal. É o nascimento do Constitucionalismo: A origem formal do constitucionalismo está ligada às Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da América, em 1787, após a Independência das 13 Colônias, e da França, em 1791, a partir da Revolução Francesa, apresentando dois traços marcantes: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio da previsão de direitos e garantias fundamentais.148 O Constitucionalismo é entendido como um movimento político por estar vinculado a valores como liberdade política, possibilidade de limitar os poderes dos governantes e, ainda, o de outorgar melhor qualidade de vida aos indivíduos. Por meio desse movimento que rapidamente se espalhou por várias nações, inclusive no Brasil, advém o modelo normativo denominado constituição. O vocábulo “constituição”, em sua semântica, não corresponde ao sentido jurídico que lhe foi emprestado por sua intenção ideológica. Contudo, o que interessa neste momento é o conceito jurídico, e Ferreira Filho apresenta o seguinte: Por organização jurídica fundamental, por Constituição em sentido jurídico, entende-se o conjunto de regras concernentes à forma do Estado, à forma do poder, 146 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 1. 147 Apud FERREIRA FILHO, ibidem, p. 1. 148 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. atual. com a EC n. 31/00. São Paulo: Atlas, 2001. p. 33. 56 ao modo de aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos, aos limites de sua ação.149 Percebe-se que tal conceito se enquadra no perfil proposto pelo movimento político que deu origem a essa forma normativa, mas, com o tempo, o papel desse diploma legal aumentou, tornando-se um pouco mais complexo, fazendo com que seus estudiosos propusessem uma divisão didática conceitual. Há, então, a distinção do termo “constituição” em duas acepções: o conceito material e o conceito formal da qual se reveste: Do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais. Tudo quanto for, enfim, conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento da ordem política exprime o aspecto material da Constituição. O conceito formal. As constituições não raro inserem matéria de aparência constitucional. Assim se designa exclusivamente por haver sido introduzida na Constituição, enxertada no seu corpo normativo e não porque se refira aos elementos básicos ou institucionais da organização política. Entre essa matéria pois a gozar da garantia e do valor superior que lhe confere o texto constitucional. De certo tal não aconteceria se ela houvesse sido deferida à legislação ordinária.150 Bastos melhor explica as consequências advindas da distinção entre os conceitos de constituição material e formal: Em sentido diametralmente oposto ao substancial, surge o conceito formal de Constituição. Constituição, neste sentido, seria um conjunto de normas legislativa que distinguem das não constitucionais em razão de serem produzidas por um processo legislativo mais dificultoso, vale dizer, um processo formativo mais árduo e mais solene. [...] Assim, convém observar que poderão verificar-se normas constitucionais apenas sob o aspecto formal. Isso ocorre em todos aqueles casos em que determinadas regras jurídicas, de natureza na substancialmente constitucional, tenham sido inseridas na Constituição em sentido formal, para obter aquela tutela especial e típica da Constituição.151 Destarte, verifica-se que o Estado de Direito nada mais é que um Estado constitucional, e, assim, pode-se dizer mais explicitamente, se necessário for, que o que se tem atualmente é um modelo de Estado constitucional de Direito. Não se pode esquecer que o Brasil integrou, apesar de um pouco mais tarde, neste denominado movimento político revolucionário que ensejou a adoção da Constituição como instrumento normativo capaz de organizar o Estado, estruturando-o e delimitando seus poderes políticos. 149 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 14. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1985. p. 11. 150 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 63-64. Grifo do autor. 151 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 46. 57 A doutrina reconhece que a evolução constitucional do Brasil é delineada em três fases históricas facilmente identificadas pela caracterização de seus valores políticos, jurídicos e ideológicos, e são elas: [...] o constitucionalismo do império, vinculada ao modelo constitucional francês e inglês do século XIX; o constitucionalismo da Primeira República, representando uma ruptura e atrelando-se ao modelo norte-americano e, finalmente; o constitucionalismo do Estado social, modelo em curso que se fundamenta no 152 constitucionalismo alemão do século XX. O processo constitucional brasileiro é composto de elementos que representam cada uma dessas fases, incorporando-a de forma cumulativa e gradativa, não sendo possível, desta forma, compreender o atual sistema constitucional sem levar em conta essas influências históricas ideológicas. Por isso, é necessário se ater, ainda que superficialmente, no estudo desses modelos constitucionalistas, com o intuito de identificação de seu caráter ideológico, para uma melhor compreensão do quadro atual da Constituição Federal de 1988153. O primeiro modelo, com inspirações francesa e inglesa, que inclusive deu início ao movimento constitucionalista, propunha a organização do Estado e a limitação do poder estatal, por meio do direito e garantias fundamentais. Eram basicamente essas duas condições a serem preenchidas nesse sistema: [...] Só merece o nome se preencher concomitantemente duas condições: dividir o exercício do poder segundo a fórmula de Montesquieu, criando um sistema de freios e contrapesos; não ir além dos limites que lhe traçam os direitos fundamentais.154 De fato, a Constituição Política do Império do Brasil155, de 25 de março de 1824, buscou obedecer às condições mencionadas, e no tocante à matéria de organização de poderes houve alguns ajustes, como narra Bonavides: Dominada pelas sugestões constitucionais provenientes da França, a Constituição Imperial do Brasil foi a única Constituição do mundo, salvo notícia em contrário, que explicitamente perfilhou a repartição tetradimensional de poderes, ou seja, trocou o modelo de Montesquieu pelo de Benjamim Constant, embora de modo mais quantitativo e formal do que qualitativo e material. Com efeito, ao Executivo, Legislativo e Judiciário, acrescentou o Poder Moderador, de que era titular o Imperador e que compunha a chave de toda a organização política do Império. Em rigor, como redundou de sua aplicação constitucional, era ele o Poder dos Poderes, o eixo mais visível de toda a centralização de Governo e de Estado na época imperial. 152 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 327. BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 154 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 3 155 BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil. 25 mar. 1824. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm>. Acesso em: 21 set. 2012 153 58 Disso resultou, pela carência de autonomia provincial suficiente e pela ausência de poderes descentralizados, a funesta desintegração política do regime monárquico, substituído em 1889 pelo sistema republicano de governo.156 Nas palavras de Bastos, esse período constitucional brasileiro teria recebido essencialmente a forte influência do liberalismo, uma corrente de pensamento que influenciou determinados momentos históricos. O autor assim expõe: Não se pode compreender a Constituição Imperial de 1824 senão à luz das ideias liberais tão em voga à época. [...]. A Constituição outorgada de 1824, embora sem deixar de trazer consigo características que hoje não seriam aceitáveis como democráticas, era marcada, sem dúvida, por um grande liberalismo que se retratava, sobretudo, no rol dos direitos individuais que era praticamente o que havia de mais moderno na época, como também na adoção da separação de poderes que, além dos três clássicos, acrescentava um quarto: o Poder Moderador.157 Ainda que possuísse tais características, deve-se reconhecer que essa Constituição trouxe em seu texto uma declaração de direitos individuais e garantias que, em sua essência, permaneceu nas constituições subsequentes158. Com o transcorrer do tempo, houve então a desintegração política do regime monárquico que acarretou a sua substituição, em 1889, pelo sistema republicano de governo e com o advento da República iniciou-se a segunda fase constitucional brasileira, o constitucionalismo da Primeira República. Conforme Bonavides, desse período afetado pelo exemplo norte-americano, descreve-se: O novo Estado constitucional já não pretendia oscilar formalmente como um pêndulo entre as prerrogativas do absolutismo decadente e as franquias participativas do governo representativo. Converteu-se com a Constituição de 24 de fevereiro de 1891 num Estado que possuía a plenitude formal das instituições liberais, em alguns aspectos deveras relevantes, trasladadas literalmente da Constituição americana, debaixo da influência de Rui Barbosa, um jurista confessadamente admirador da organização política dos Estados Unidos. Com efeito, os princípios chaves que faziam a estrutura do novo Estado diametralmente oposta àquela vigente no Império eram doravante: o sistema republicano, a forma presidencial de governo, a forma federativa de Estado e o funcionamento de uma suprema corte, apta a decretar a inconstitucionalidade dos atos do poder; enfim, todas aquelas técnicas de exercício da autoridade preconizadas na época pelo chamado ideal de democracia republicana imperante nos Estados Unidos e dali importadas para coroar uma certa modalidade de Estado liberal, que representava a ruptura com o modelo autocrático do absolutismo monárquico e se inspirava em valores de estabilidade jurídica vinculados ao conceito individualista de liberdade.159 A Constituição de 1891, que em seu art. 72, § 8º, assegurou a liberdade de associação: 156 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 329. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 104. 158 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 70. 159 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 330-1. 157 59 Art. 72 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...]; § 8º - A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública.160 Pinho161 referenda que o Estado não estabeleceu regras específicas para as cooperativas no início do século XX e Klein162 complementa que o atual regime jurídico disponível veio com o Decreto nº 22.239/1932. Ainda que inspirada em um modelo promissor, a Constituição de 1891163 não havia como prosperar. Ela recebeu um duro golpe advindo da própria realidade que ela pretendia regulamentar. Dessa forma, desde que entrou em vigor, foram frequentes as crises, chegando a ponto de ser necessária a decretação do estado de sítio. Ademais, a própria sociedade, mais informada, não apostava em suas virtudes, havendo assim vários manifestos para suprimi-la ou, pelo menos, modificá-la164, o que de fato aconteceu, quando eclodiu a reforma do Texto Constitucional em 1926, trazendo uma conotação racionalista, autoritária à Constituição de 1891, contrariando aqueles princípios que lhe deram origem, resultando em seu enfraquecimento, oportunizando a eclosão do movimento de 1930, que encerrou o período da Primeira República. A partir de então, iniciou-se o constitucionalismo do Estado social que teve como principal referência a Constituição de Weimar, ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1919, quando a Alemanha se viu totalmente desestruturada política e socialmente. Então, propôs-se uma Constituição marcada pelo espírito “social”, modelo seguido e imitado por todas as nações, inclusive pelo Brasil, que o adotou por meio da Constituição de 1934165,166. O governo Getúlio Vargas, ainda que mantivesse o controle estatal, trouxe nítido caráter protecionista e incentivador aos movimentos profissionais, característica típica do regime da época. Bonavides assim reconhece: 160 BRASIL. Constituição(1891). Diário da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituicao91.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 161 PINHO, Carlos Marques. O Estado brasileiro e as cooperativas. In: PINHO, Diva Benevides (Coord.). A problemática cooperativista no desenvolvimento econômico. São Paulo: CNPq 1982. p. 108. 162 Idem, ibidem, p. 173. 163 BRASIL. Ibidem. 164 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 116. 165 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 48-49. 166 BRASIL. Constituição (1934).Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 16 jul. 1934. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 60 Com a Constituição de 1934 chega-se à fase que mais de perto nos interessa porquanto nela se insere a penetração de uma nova correte de princípios, até então ignorados do direito constitucional positivo vigente no País. Esses princípios consagravam um pensamento diferente em matéria de direitos fundamentais da pessoa humana, a saber, faziam ressaltar o aspecto social, sem dúvida grandemente descurado pelas Constituições precedentes. O social aí assinalava a presença e a influência do modelo de Weimar numa variação substancial de orientação e de rumos para o constitucionalismo brasileiro.167 Sucedeu-se, então, a substituição da velha democracia liberal e instituiu-se a democracia social sob o paradigma da Constituição de Weimar, porém, a bandeira social não vingou por muito tempo, sendo logo sucedida pela Constituição de 1937168, uma norma outorgada, fruto de um golpe de Estado, que se espelhava no modelo fascista e de cunho eminentemente autoritário169. O resgate do ideário social ocorreu quando se aprovou a Constituição de 1946170 e seu texto foi digno de elogios, tal como registrado por Bastos: A Constituição de 1946 se insere entre as melhores, senão a melhor, de todas que tivemos. Tecnicamente é muito correta e do ponto de vista ideológico traçava nitidamente uma linha de pensamento libertária no campo político sem descurar da abertura para o campo social que foi recuperada da Constituição de 1934.171,172 Todavia, novamente o modelo de constitucionalismo social foi substituído por uma Constituição semiautoritária, em 1967173, que refletia a ascensão das Forças Armadas ao poder em decorrência da Revolução de 1964, que instituiu a ditadura militar no Brasil. Nenhuma constituição republicana havia dado tantos poderes ao Presidente da República quanto essa última, o que só se agravou com a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, que reforçou tal propósito174. 167 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 332. BRASIL. Constituição (1937).Constituição dos Estados Unidos do Brasil. 10 nov. 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao37.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 169 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 124. 170 BRASIL. Constituição (1946).Constituição dos Estados Unidos do Brasil. 18 set.1946 . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em: 21 set. 2012 171 BASTOS. Op. cit., p. 132. 172 BRASIL. Constituição (1934).Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 16 jul. 1934. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 173 Idem. Constituição (1967).Constituição da República Federativa do Brasil. 24 jan.1967. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 174 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 333. 168 61 Quanto aos direitos individuais, sofreram duro golpe, pois a nova ordem revolucionária possibilitou de suspensão dos direitos políticos de forma exagerada, e aqueles consequentemente eram também atingidos175. O constitucionalismo social só volta a imperar após o fim do período de ditadura militar e a eleição de um presidente civil. Ainda que este não tenha assumido, seu vice, José Sarney, assumiu e, cumprindo com o compromisso feito em campanha, convocou uma Assembleia Nacional Constituinte. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988176 foi promulgada em 5 de outubro, instituindo um Estado legitimamente social. Assim comenta Bonavides: 177 é basicamente em muitas de suas dimensões A Constituição de 1988 essenciais uma Constituição do Estado social. [...] muito avançou o Estado social da Carta de 1988, com o mandado de injunção, o mandado de segurança coletivo e a inconstitucionalidade por omissão. O Estado social brasileiro é portanto de terceira geração, em face desses aperfeiçoamentos: um Estado que não concede apenas direitos sociais básicos, mas os garante.178 Ainda muito se discute sobre a questão dos direitos e garantias constitucionais no Brasil, visto que a previsão textual dos direitos e garantias mostra-se perfeitamente completa em seu aspecto formal, entretanto, o que resta prejudicada é a sua efetivação jurídica. Sena Segundo defende essa tese, aduzindo o seguinte: O Estado brasileiro, por meio de sua Carta Política maior, reconhece e prescreve vários direitos e garantias, o que significa dizer que a questão não é mais de ordem existencial, ou quanto aos efeitos (amplitude) destes direitos e garantias, mas sim de executoriedade efetiva (concretização), plena realização no seio do sistema já formalmente estabelecido.179 Contudo, para melhor compreensão dessa discrepância entre o que está escrito e o que se põe em prática do texto constitucional, deve-se levar em consideração o momento histórico 175 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 74. 176 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 177 Idem, ibidem. 178 BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 336-338. 179 SENA SEGUNDO, Oswalter de Andrade. O princípio constitucional da redução das desigualdades regionais e sociais e sua efetivação jurídico-política na ordem econômica. Revista Direito e Liberdade, v. 7 n. 3, p. 2, 1994. Disponível em: <http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/ article/view/94>. Acesso em: 5 ago. 2012. 62 no qual surgiu a atual Carta Constitucional e Maria José Jaime, ao fazer a apresentação do livro “A nova Constituição”, bem o descreve nos seguintes relatos: A Constituição foi elaborada num momento particularmente tenso da realidade brasileira, ainda dominada por elites do capital, tecnocráticas, políticas e militares. O crescimento do movimento social coincidindo com rachaduras nas forças dominantes e a crise própria das transições possibilitaram que a decisão dos conteúdos não se desse de forma fechada, eficiente e sob controle cabal do poder constituído. Novos atores fizeram-se presentes na cena política e em disputas, tensionamentos ou negociações em torno da ordem a ser definida.180 De fato, a Constituição vigente foi idealizada e confeccionada em um momento verdadeiramente impulsionado por um resgate democrático e de recuperação de diretrizes sociais, de certa forma em um ambiente de euforia política pelo fim da ditadura militar e pelo sucesso do movimento das “Diretas Já”. A influência recebida das experiências constitucionais internacionais também resultou na implementação formal de muitos direitos e garantias, bem como de diretrizes, concepções e princípios, um tanto quanto estranhos ao momento histórico, institucional e, principalmente, cultural que a sociedade brasileira vivia na década de 1980. [...] houve incompatibilidade histórica e institucional entre alguns valores, princípios, ideias e programas que foram recepcionados em um texto constitucional extremamente analítico e programático, cujos valores ideológicos tidos como avançados e importantes não se coadunavam com o Estado, as instituições e a sociedade daquela época. Aqui, não se refere ao aspecto puramente cronológico, ou seja, não é que aquele texto constitucional era apenas “avançado” para a nossa realidade prática e de organização política. A questão vai além e atinge a ideia de que nossas experiências sociais e culturais, até esse momento, não tinham sofrido a necessária “evolução” e “adaptação natural” aos vários valores e direitos (aqui incluídos as garantias constitucionais) que eram ofertados à nação naquele momento.181 Assim, as normas constitucionais brasileiras são capazes de produzir as condições e os pressupostos reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos direitos fundamentais, o que se vê talvez, seja uma falta de vontade política que se consubstancia na não aplicação de tais 180 COELHO, João Gilberto Lucas; OLIVEIRA, Antônio Carlos Nantes de. A nova constituição: avaliação do texto e perfil dos constituintes. Rio de Janeiro: Revan; Instituto de Estudos Sócio-Econômicos, 1989. p. 15. 181 SENA SEGUNDO, Oswalter de Andrade. O princípio constitucional da redução das desigualdades regionais e sociais e sua efetivação jurídico-política na ordem econômica. Revista Direito e Liberdade, v. 7 n. 3, p. 2, 1994. Disponível em: <http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/ article/view/94>. Acesso em: 5 ago. 2012. 63 normas, e, como bem exposto, “precisamos de um Estado cada vez mais forte para garantir os direitos num contexto hostil de globalização neoliberal”.182 Mas para tanto, é necessário reconhecer o quadro de dependência do indivíduo em relação ao Estado, desde que este esteja disposto a cumprir com sua tarefa, pois sem tal condição não se consolidará a democracia nem a liberdade. Seguindo com as inovações trazidas ao ordenamento jurídico pátrio, a Carta de 1988 igualmente institui um Estado Democrático de Direito, estruturado fundamentalmente na prerrogativa de integral participação de todos e da cada uma das pessoas na vida política do país. Decorrente dos movimentos políticos do final do século XIX, início do XX, vem para transformar o velho e formal Estado de Direito em um Estado Democrático, com principal objetivo de submeter o Estado não apenas à vontade da lei, mas também à vontade popular e aos fins propostos pelos cidadãos183. Autores como Bastos parabenizam a iniciativa ao reconhecer o seguinte: É em boa hora que a Constituição acolhe estes dois princípios: o Democrático e o do Estado de Direito. Pois, como visto, o princípio republicano, por si só, não se tem demonstrado capaz de resguardar a soberania popular, a submissão do administrador à vontade da lei, em resumo, não tem conseguido preservar o princípio democrático nem o do Estado de Direito.184 Streck, ao buscar o enquadramento do Estado Democrático de Direito na jurisdição constitucional, também reconhece sua relevância: A renovada supremacia da Constituição vai além do controle de constitucionalidade e da tutela mais eficaz da esfera individual de liberdade. Com as Constituições democráticas do século XX assume um lugar de destaque outro aspecto, qual seja, o da Constituição como norma diretiva fundamental, que dirige aos poderes públicos e condiciona os particulares de tal maneira que assegura a realização dos valores constitucionais (direitos sociais, direito à educação, à subsistência ou ao trabalho). A nova concepção de constitucionalismo une precisamente a ideia de Constituição como norma fundamental de garantia, com a noção de Constituição enquanto norma diretiva fundamental.185 182 STRECK, Lenio Luiz. As constituições sociais e a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental. In: CAMARGO, Margarida Maria Lacombe (Org.). 1988-1998: uma década de Constituição. São Paulo: Renovar, 1998. p. 317. 183 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 164. 184 Idem, ibidem, p. 163. 185 Idem, ibidem, p. 163. 64 Não se pode olvidar, pois, do caráter interventor da CF/1988186, mormente no que se refere à ordem econômica. A adoção de tal posicionamento por parte do Estado decorre de um modelo de constitucionalismo moderno em que o Estado se investe na qualidade de interventor em determinados contextos, inclusive e principalmente no econômico. Na verdade o dirigismo estatal continua hoje atuante, embora os poderes públicos procurem introduzir o sentido planificador, cuja internacionalidade, ultrapassando as medidas e preocupações exclusivamente dirigistas, procura coordenar de uma forma sistemática todas as atividades humanas (econômicas, sociais e culturais) com o propósito de atingir determinados 187 objetivos pré-fixados. A ideia principal é a de assegurar o bem-estar social, por meio de funções como a de agente regulador da atividade econômica, para, por exemplo, evitar abusos por parte de agentes econômicos, que, por meio de sua hipersuficiência, possa prejudicar a sociedade. Não que o Estado não possa exercer diretamente as funções de agente econômico, conforme prevê o art. 173 da CF/1988188. Mas se frisa, a principal característica da CF/1988189 é o seu caráter social, sendo certo que nesse sentido está integrado o homem, com suas conquistas atinentes aos direitos fundamentais, sociais e também econômicos, pois dele depende para buscar, no mínimo, a própria sobrevivência. 2.2 AS PREVISÕES CONSTITUCIONAIS SOBRE O COOPERATIVISMO Como já citado, a Constituição Federal possui, em seu bojo, previsões atinentes ao cooperativismo nos seguintes dispositivos: art. 5º, XVIII; art. 146, III; art. 174 § 2º a 4º; art. 187, VI e art. 192. É de se observar que a inserção desse instituto dentro do diploma constitucional constitui a demonstração da importância do setor cooperativista no âmbito da ordem econômica nacional e o seu papel no desenvolvimento da nação. 186 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 187 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 15. 188 BRASIL. Op. cit. 189 Idem, ibidem. 65 O art. 5º, da Constituição Federal de 1988190, trata dos direitos e garantias fundamentais incluindo em seu texto o cooperativismo em seu inciso XVIII, o que demonstra seu papel preponderante no estabelecimento de uma economia social e sua instrumentalidade no desenvolvimento nacional, se aplicado de forma adequada. Art. 5º Todo são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]; XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, as cooperativas, independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento. Há de se observar um conteúdo essencialmente liberal no contexto desse inciso. Importante ressaltar que a Lei que regulamenta o cooperativismo nacional, Lei nº 5.764/1971, de conteúdo inegavelmente intervencionista, dado o momento político de seu advento, expressamente determinava que a criação das cooperativas somente se daria mediante expressa autorização. Outrossim, como verificado anteriormente, tais cooperativas sofriam interferências diretas do Estado em seu funcionamento. Assim, diante da perspectiva que aflorava perante a assembleia nacional constituinte, o setor movimentou-se e, aproveitando a bandeira da democracia, fez inserir, no texto constitucional, os brados encerrados no peito de tantos cooperativistas que não conseguiam, então, expressar o ideário cooperativista. De fato, percebe-se que nesse dispositivo constitucional está inserido o 4º princípio da ACI, nos moldes do Congresso de Manchester de 1995, ou seja, o princípio da autonomia e independência das cooperativas, que deve ser opor ao paternalismo, porquanto a responsabilidade final pelas resoluções de longo alcance cabe aos membros da sociedade local, o mesmo no tocante à independência, que veda que seja dada permissão a qualquer pessoa ou entidade externa à cooperativa para interferir na organização e administração da cooperativa. Não é demais analisar, porém, que o citado dispositivo constitucional veda a interferência na administração da cooperativa, sendo certo, todavia, que não é por isso que deixará de haver um controle do setor. 190 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 66 A falta de entendimento inicial sobre o assunto, diante do disposto no inciso XVIII do art. 5º da CF/1988191, a princípio, causou certo entendimento de liberdade total. O que se tornou um grande problema, porquanto contribuiu para o enfraquecimento do setor no que se refere a uma organização central e coesa capaz de dialogar com os diversos ramos, buscando respaldar o sistema de forma uniforme. Outrossim, outras mazelas decorreram da falsa compreensão desse dispositivo, relacionadas à falta de séria atuação por parte de alguns dirigentes, ao aumento de cooperativas fraudulentas, entre outras. Observa, no entanto, Veras Neto que a liberdade atribuída pelo referido inciso à formação e estruturação das sociedades cooperativas não implica renuncia a uma eventual fiscalização destas, de forma a evitar a criação e a existência das chamadas cooperativas “gatos”, ou seja, aquelas cooperativas fraudulentas que, por exemplo, aliciam mão de obra em desrespeito à legislação e à proteção dos interesses dos trabalhadores. Aqui, ressalva o professor, atuam as Delegacias Regionais do trabalho e os fiscais do 192 trabalho. É importante observar que essa lição não considerou a Lei nº 12.690/2012, que trata das cooperativas de trabalho. Porquanto, tal diploma ainda não existia, além do que é muito cedo para se previrem as consequências dessa Lei, no que se refere às denominadas “coopergato”; portanto, dependerá de sua efetiva aplicação para que os resultados sejam satisfatórios. Não se pode perder de vista é que atos regulatórios devem existir para o setor, entre os quais a fiscalização, sendo, pois, essências para o próprio desenvolvimento das cooperativas, não devendo ser entendidos como interferência em seu funcionamento. A CF/1988193, em outro dispositivo, previu a outorga de tratamento diferenciado ao cooperativismo. Nesse sentido é que a letra “c” do inciso III do art. 146 da lei complementar disporá sobre o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo. De forma sucinta, considerando que o tema será tratado com mais propriedade em capítulo próprio, verifica-se nesse dispositivo a tentativa do legislador constituinte em fomentar o cooperativismo. 191 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 192 ROSSI, Amélia do Carmo Sampaio. Cooperativismo à luz dos princípios constitucionais. Curitiba: Juruá, 2005. p. 131. Grifo da autora. 193 BRASIL. Op. cit. 67 No art. 174, CF/1988, está inserto o grande momento constitucional do cooperativismo, denotando o seu reconhecimento como elemento integrante da ordem econômica e que deverá contar com o apoio e estímulo do Estado por meio de legislação que lhe seja concernente. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. [...] § 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo. § 3º - O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros. § 4º - As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.194 A leitura do presente dispositivo não deve cingir-se ao disposto no § 2º cuja previsão é atinente ao fomento por parte do Estado. Na realidade, o que se espera é que o cooperativismo, devidamente incentivado por força do que estabelece o § 2º, possa desempenhar seu papel como agente econômico, dentro dos regramentos impostos, nos termos do que estabelece o art. 174, caput, onde o Estado desempenha um papel interventor indireto na economia. Nesse caso, urge a existência de um órgão representativo do Estado, para que possa regular o setor, fiscalizando, incentivando e planejando. Quanto à atividade garimpeira prevista nos parágrafos 3º e 4º, verifica-se a expressa previsão constitucional de favorecimento por parte do Estado a sua organização, outorgandolhes prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra. Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de 195 transportes, levando em conta, especialmente: [...] VI - o cooperativismo; Esse artigo insere o cooperativismo como elemento da política agrícola nacional. É de se observar que, em 1991, por meio da Lei nº 8.171, foi implementada a política agrícola no Brasil. Tal diploma é bastante receptivo ao cooperativismo, estabelecendo espaço para ele em diversos momentos, inclusive instituindo lugar no Conselho Nacional de Políticas Agrícolas para dois membros da OCB. 194 195 BRASIL. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 67. Obra coletiva da Editora Saraiva. BRASIL. Op. cit., p. 69. 68 Sobre as cooperativas de crédito, estas também se encontram inseridas no texto constitucional: Art. 192 O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, em todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do 196 capital estrangeiro nas instituições que o integram. Verifica-se nesse dispositivo constitucional a expressa previsão de que o sistema financeiro nacional estrutura-se de modo a concretizar a promoção do desenvolvimento do país e a servir os interesses da coletividade. Obviamente que ainda há muito de se progredir nesse sentido, pois, em face dos altos juros praticados neste país, não se pode afirmar que o sistema financeiro nacional serve aos interesses da coletividade, mas, o que interessa ao presente estudo é a situação do cooperativismo. Pode-se observar, portanto, que houve um grande avanço para o setor por causa das previsões constitucionais descritas. No entanto, o cooperativismo brasileiro ainda não se “empoderou” das prerrogativas que lhe foram outorgadas ou, mesmo, interpretou-as de forma equivocada. Tem-se como certo que o advento de uma nova norma infraconstitucional, que efetuando um diagnóstico adequado dos problemas enfrentados pelo cooperativismo no Brasil, apresente soluções, principalmente respaldando o setor de modo a estimular o potencial desse instrumento, que pode contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais. 2.3 OS OBJETIVOS DA REPÚBLICA E O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTAL PARA A SUA CONSECUÇÃO A Constituição de 1988197 é “um texto que contém desenhos normativos a respeito do futuro”,198 estabelecendo metas que devem ser alcançadas pelo Estado brasileiro, fornecendo embasamento jurídico a mudanças de cunho socioeconômico, dando fundamento constitucional às políticas públicas que visam ao bem-estar da coletividade como um todo. 196 BRASIL. Vade Mecum. Obra coletiva da Editora Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 70. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 198 LESSA, Renato apresentando PILATTI, Adriano. A constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores, ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris/PUC/Rio, 2008. p. xii. 197 69 O desenvolvimento nacional consubstancia-se no somatório de valores não somente de ordem econômica, mas também político e social, incluindo-se implicitamente nos objetivos almejados pela norma jurídica fundante, em seu art. 3°. Expõe Grau, ao tratar do desenvolvimento nacional: 199 A garantia do desenvolvimento nacional, art. 3º, inciso II, da CF/88 , é outro objetivo fundamental da Republica. A ideia de desenvolvimento, segundo autor esta na dinamicidade das mutações qualitativas e quantitativas, um processo de mobilidade social contínuo e intermitente. O desenvolvimento, portanto, não supõe apenas crescimento econômico, mas elevação do nível cultural e intelectual da comunidade, dadas as mudanças sociais. Garantir o desenvolvimento nacional é primordial ao papel do Estado, necessitando, segundo Fabio Konder Comparato, de um mínimo de programação de políticas publicas de longo prazo, pois o subdesenvolvimento é um estado dinâmico de desequilíbrio econômico e de desarticulação social, que por sua vez leva ao imperativo de uma política nacional para todos os setores da vida social. Assim, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais são objetivos da Republica atinentes à promoção do desenvolvimento econômico. Sendo o escopo da ordem econômica, neste sentido, o de assegurar a todos a existência digna, através da promoção do bem de todos e da dignidade da pessoa humana. Modelo este do 200 e que postula por mais “Welfare State” que é sustentado na Constituição de 1988 201 bem-estar para a sociedade. Tem-se, pois, que o desenvolvimento nacional é objetivo fundamental da República, na forma como dispõe o art. 3º da CF/1988202, que possui forte sentimento social. Nesse contexto é que restam inseridos, no ordenamento constitucional pátrio, exatamente em seu art. 3º, os denominados objetivos da República Federativa do Brasil, também chamados pela doutrina de “objetivos fundamentais” da República, tal como a seguir elencado: [...]: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e 203 quaisquer outras formas de discriminação. Sem buscar efetuar qualquer valoração, mas apenas para dar implemento ao presente estudo, concentra-se aqui a atenção no objetivo previsto no inciso III do art. 3º. da 199 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 200 BRASIL. Op. cit. 201 GRAU, Eros Roberto Rossi. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 195. 202 BRASIL. Op. cit. 203 BRASIL. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 9. Obra coletiva da Editora Saraiva. 70 CF/1988204, que é a erradicação da pobreza e marginalização e redução das desigualdades regionais e sociais. É que se considerando a essência do cooperativismo, que é a de agregar pessoas buscando atender as suas necessidades econômicas, por meio de seu esforço e risco, e também o baixo investimento para se criar uma cooperativa, pode-se então ter um instrumental de combate à pobreza e ainda de redução das desigualdades regionais. Não há nenhuma novidade em se afirmar que a erradicação da pobreza é fator essencial para o desenvolvimento de um país, seja ele qual for. No entanto, a redução das desigualdades regionais, que é um fator que também impede o desenvolvimento nacional, é característica de países como o Brasil, de dimensões continentais, com um sistema político como o que aqui existe. Diante de tal diagnóstico, ou seja, após a constatação da existência de tal disparidade, a ponto de se criar obstáculo no desenvolvimento da nação brasileira, entendeu o legislador constituinte por inserir a redução das desigualdades regionais como objetivo da República, como uma das formas de auferir o desenvolvimento nacional. Vários fatores contribuíram para a existência das desigualdades regionais, mas, segundo Bercovici: O processo de desenvolvimento econômico do Brasil acabou transformando algumas Regiões em polos de desenvolvimento e deixou outras em estagnação econômica. Esta situação de desequilíbrio conserva dentro do mesmo território regiões com inúmeras disparidades:’A medula dessa questão é a seguinte: o Brasil é um extenso território ocupado de modo irregular, apresentando combinações diversas de fatores e recursos, em sistemas econômicos com distintas potencialidades; desenvolver simultaneamente esses sistemas significa dividir em demasia os recursos e reduzir a intensidade média de crescimento do conjunto, Verifica-se assim, que é necessário concentrar os recursos escassos nas regiões de maiores potencialidades, a fim de criar um núcleo suficientemente poderoso que 205 sirva de base do desenvolvimento das outras regiões. Complementando a lição de Bercovici, Guimarães e Lima206 reiteram que o problema das desigualdades regionais brasileiras não é novo. Entende-se que a primeira interpretação teórica significativa sobre a questão data da década de 1950, com o famoso relatório do GTDN (1967), escrito por Celso Furtado, em 1958. Apesar de muito estudado, o problema 204 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 205 BRECOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento. uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005. p.88. 206 GUIMARÃES, André Luiz de Souza; LIMA, Jorge Cláudio Cavalcante de Oliveira. Desenvolvimento com redução da desigualdade regional: uma abordagem geométrica. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 16, n. 31, p. 113-138, jun. 2009. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/ bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/rev3105.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2013. 71 permanece sem solução adequada. O Brasil continua a ser um país marcado por desigualdades regionais e sociais. Um modelo de desenvolvimento social não é composto da mera soma de recursos isolados. É a soma de vários contextos. Por exemplo, a organização dos fatores de produção será um determinante-chave para os retornos obtidos de uma dada quantidade de capital físico e humano acumulados, como no cooperativismo de pequenos produtores. Ou ainda, a capacidade de uma comunidade se organizar diante de uma situação adversa é determinante dos seus efeitos de curto e de longo prazo sobre a sua população. Esse processo passa não só pela mobilização interna da comunidade, como pela capacidade de governos articularem com as aspirações da comunidade e dos seus membros. Este é um exemplo de desenvolvimento, que, em um primeiro momento, se apresenta sem importância, mas que vai se refletir no desenvolvimento nacional a partir do momento em que existirem cooperativas suficientes ou mesmo outras formas eficientes de redução de desigualdades sociais e regionais por meio da geração de renda, entre outros207. Vai daí que a questão das desigualdades está instalada no Brasil, emperrando o seu desenvolvimento. Há de se observar ainda que o problema se avoluma, diante do crescimento populacional, o que acaba por reduzir ainda mais os parcos recursos existentes nessas regiões. Diante disso é que a CF/1988208 tratou do assunto diretamente. Tal fato é inédito, porquanto nenhuma das constituições anteriores havia efetuado qualquer previsão sobre o assunto. “A Constituição de 1988, em seu art. 43, previu a existência das Regiões, com o objetivo de promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades regionais.”209 Verifica-se, pois, que a problemática das desigualdades regionais está inserta no texto constitucional em vários momentos, inclusive nos dispositivos atinentes à ordem econômica. De acordo com o art. 170 da Constituição, à ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, com finalidade de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames de justiça social, cabe observar, dentre outros princípios, o da: “VII – redução das desigualdades regionais e sociais”. As desigualdades regionais e sociais poderão ser reduzidas, por meio de ações estatais que visem à integração das pessoas excluídas do sistema econômico, outorgando-lhes oportunidade de trabalho, de geração de renda para a 207 GUIMARÃES, André Luiz de Souza; LIMA, Jorge Cláudio Cavalcante de Oliveira. Desenvolvimento com redução da desigualdade regional: uma abordagem geométrica. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 16, n. 31, p. 113-138, jun. 2009. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/ bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/rev3105.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2013. 208 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 209 Idem, ibidem, p. 98-99. 72 própria subsistência e de sua família e, ainda, integrando-as socialmente, por meio de ações como educação, formação, capacitação, acesso à informação, entre outras. Assim é que o cooperativismo pode ser considerado um caminho para se buscar o ideal constitucional que é o desenvolvimento, porquanto, possui, de fato, como finalidade, o desenvolvimento econômico e social de seus cooperados e da comunidade na qual está integrado, embasado por um conjunto de valores e princípios, principalmente os voltados para a solidariedade, a democracia e a igualdade, visando a possibilitar a integração social dessas pessoas que integram essa massa de marginalizados economicamente, possibilitando-lhes acesso a meios de sobrevivência e geração de renda210. Segundo a analogia tradicional de políticas sociais, as ações compensatórias “dão o peixe” enquanto as estruturais dão “a vara de pescar”. Ou seja, transfere-se não a renda per se, mas a capacidade de geração de renda é inerente à posse do bem de capital. Já a rede de pesca transcende a vara no sentido de simbolizar um bem capital de natureza comunitária. A adesão às cooperativas cresce com outras variáveis positivamente correlacionadas com a lucratividade dos negócios. O microcrédito tem se destacado no uso e fomento de redes de solidariedade na sua metodologia de operação. Essa metodologia resolve o problema da carência de garantias reais entre produtores pobres, cria sistema de partilha de riscos e constitui uma verdadeira usina de embriões de cooperativas, responsáveis pela redução das desigualdades em prol do desenvolvimento nacional, conforme estabelecido pela Constituição Federal de 1988211, sendo considerado um direito fundamental212. Nesse sentido, observa-se que, pela primeira vez na história brasileira, o cooperativismo ganhou proteção de status constitucional, merecendo destaque em vários artigos da referida Constituição, pois, como aduzem Silva e Silva Filho213, o cooperativismo serve de instrumento de melhoria das condições sociais, econômicas, culturais e jurídicas, cujos princípios se ajustam perfeitamente aos ideais da República. 210 ANNIBELLI, Mariana Baggio. A ordem econômica e o cooperativismo. Revista Eletrônica do CEJUR, Curitiba, PR, ano 2, v. 1, n. 3, ago./dez. 2008. 211 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.. 212 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Mapa de ativos: combate sustentável à pobreza: Brasil, conceitos e propostas. dez. 2011. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, IBGE/Centro de Políticas Sociais. Disponível em: <http://www.exclusion.net/images/pdf/389_robud_ relatorio_principal_combate_pobreza.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2013. 213 SILVA, José Carlos Bastos; SILVA FILHO, José Carlos Bastos. Cooperação como princípio constitucional positivo. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Ato cooperativo e seu adequado tratamento tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. p. 79 e ss. 73 Destarte, o advento da Constituição de 1988214 foi a consagração do Estado Democrático de Direito Brasileiro, cujos princípios basilares se sustentam no exercício dos direitos sociais e individuais, na liberdade, na segurança e no bem-estar, na igualdade e no desenvolvimento. Tais valores foram arquitetados pela supremacia, haja vista que seu ápice é uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, conforme previsão constante no art. 3º, da Carta Maior. Por isso, é imprescindível a análise da vontade do constituinte originário no que concerne ao estímulo que o Poder Público deve oferecer às cooperativas, principalmente, o que se refere à efetividade dos objetivos da República (art. 3º, CF/1988)215. Meinen afirma: O cotejo desses postulados – vocação essencial da nação brasileira – com o que representa o cooperativismo, faz ver que há perfeita sintonia entre o que se quer para o Estado brasileiro e o que oferece a cooperação. Com efeito, fundamentos como cidadania, dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, livre iniciativa e pluralismo político, bem assim, objetivos como liberdade, justiça, solidariedade, desenvolvimento, redução de desigualdades, promoção do bem comum ou coletivo e não-discriminação compõe exatamente o rol de valores e princípios do 216 cooperativismo, assim secularmente consagrados! Na redação do art. 3º da Constituição Republicana217, encontra-se a efetivação do verdadeiro cooperativismo, visto que ele promove vários dos preceitos contidos no cooperativismo. Corrobora Rossi218 quando diz que o referido artigo traz a possibilidade de o cooperativismo ser a alternativa para promover a inserção dos indivíduos marginalizados no processo econômico-produtivo, podendo ser instrumento de efetivação da igualdade material e social. Desta forma, se os preceitos que norteiam o cooperativismo fundamentam-se na democracia, na justiça social, na solidariedade e na equidade219, é possível dizer, então, que, de maneira geral e ampla, foram contemplados na Constituição Federal de 1988 e devem contribuir com o Estado Democrático brasileiro no alcance de seus objetivos fundamentais, mormente o desenvolvimento nacional por meio da redução das desigualdades regionais e 214 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 215 Idem, ibidem. 216 MEINEN, Ênio. Aspectos jurídicos do cooperativismo. In: DOMINGUES Jane Aparecida Stefanes (Org.). Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2002. p. 26. v. 1. 217 BRASIL. Constituição (1891).Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil. 24 fev.1891. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao91.htm>. Acesso em: 21 set. 2012 218 ROSSI, Amélia do Carmo Sampaio. Cooperativismo à luz dos princípios constitucionais. 1. ed. 5. tiragem. Curitiba: Juruá, 2009. p. 140. 219 CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009.p. 86. 74 sociais, mas, para tanto, há necessidade de sérios ajustes a serem efetuados no setor, por meio do fortalecimento do órgão representativo do setor. 2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS: INSERÇÃO DO COOPERATIVISMO EM SEU CONTEXTO A inserção de dispositivos específicos ao cooperativismo na redação da Carta Constitucional advém das influências da doutrina cooperativista. A intenção dos constituintes foi utilizar as cooperativas como instrumento para melhorar a condição econômica da população. Dessa forma, as cooperativas não poderiam deixar de ser inseridas no capítulo que trata dos direitos fundamentais, por serem uma das hipóteses de materialização dos direitos e garantias fundamentais. A noção de direitos fundamentais também está interligada à ideia de Estado de Direito e Constituição desde o século XVIII, com as revoluções burguesas e os novos paradigmas lançados por documento, como a histórica Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão220. Entretanto, a doutrina que deu origem aos direitos do Homem, que representa importante aspecto do Constitucionalismo, não surgiu no século XVIII como se acredita, pois ela, na realidade, é uma versão aprimorada da doutrina do direito natural que se deflagrou ainda na Antiguidade. Ferreira Filho apresenta tais considerações: Remoto ancestral da doutrina dos direitos fundamentais é, na Antiguidade, a referência a um Direito superior, não estabelecido pelos homens nas dado a estes pelos deuses. Neste passo cabe a citação habitual à Antígona, de Sófocles, em que isso é, literalmente, exposto, em termos inolvidáveis. A mesma ideia, com 221 tratamento sistemático, acha-se no diálogo De legibus, de Cícero. A partir dessa época, desenvolveu-se a concepção de um Direito independente da vontade humana e tal ideia perdurou por toda a Idade Média, prevalecendo até o final do século XVIII. Esse entendimento só foi substituído pela doutrina desenvolvida pela Escola do Direito Natural e das Gentes, guiada pelo pensamento Iluminista e, posteriormente, expresso nas Declarações. Novamente, Ferreira Filho traz apontamentos salutares: 220 SANTOS, Flávio Augusto de Oliveira. O desenvolvimento sustentável como direito fundamental à luz da Constituição de 1988. Revista de Direito Brasileira. Vladmir Oliveira da Silveira (Coord.). Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 1, v. 1, p. 36, jul./dez. 2001. 221 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 9. 75 Deve-se a Grócio a laicização do direito natural. O jurista holandês entende decorrerem da natureza humana determinados direitos. Estes, portanto, não são criados, muito menos outorgados pelo legislador. Tais direitos são identificados pela “reta razão” que a eles chega, avaliando a “conveniência ou a inconveniência” dos mesmos em face da natureza razoável e sociável do ser humano. [...]. Deste jusnaturalismo racionalista a doutrina dos direitos do Homem é um aspecto. Mas é o 222 que o pensamento político iluminista imortalizou. A doutrina dos direitos do Homem já estava consolidada desde o século XVII, contudo, tomou maior proporção no século seguinte, ao se tornar elemento básico da reformulação das instituições políticas. Tal doutrina substituiu sua denominação por uma terminologia mais politicamente correta, sendo denominada “direitos humanos fundamentais”, abreviada como “direitos fundamentais”. Bonavides tece o seguinte comentário: [...]. Temos visto nesse tocante o uso promíscuo de tais denominações na literatura jurídica, ocorrendo, porém o emprego mais frequente de direitos humanos e direitos do homem entre autores anglo-americanos e latinos, em coerência, aliás com a tradição e a história, enquanto a expressão direitos fundamentais parece ficar 223 circunscrita à preferência dos publicistas alemães. A denominação “direitos do homem” ficou encharcada de uma conotação histórica, contudo o feminismo conseguiu o repúdio dela, restando apenas o reconhecimento de sua utilização em documentos internacionais importantes, que trouxeram o conteúdo declaratório dessa doutrina, tal como a já mencionada Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (França, 1789), e, ainda, a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (EUA, 1776) ou a Declaração Universal de Direitos do Homem, editada em 1948 pela ONU224. Os direitos do homem são tidos como direitos naturais, inalienáveis e sagrados, e também tidos como imprescritíveis, compreendendo a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão como valores inerentes. Já a expressão “direitos fundamentais” possui maior precisão, até mesmo por sua abrangência, e será nessa concepção que se aterá a conceituação proposta neste trabalho. Quanto aos vocábulos, Araújo e Nunes Júnior comentam: [...] O vocábulo direito serve para indicar tanto a situação em que se pretende a defesa do cidadão perante o Estado como os interesses jurídicos de caráter social, 222 Idem, ibidem, p. 10-11. BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 514. 224 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 78. 223 76 político ou difuso protegidos pela Constituição. De outro lado, o termo fundamental 225 destaca a imprescindibilidade desses direitos à condição humana. Os direitos fundamentais podem ser conceituados como: Normas jurídicas, intimamente ligadas a ideia de dignidade da pessoa humana e de limitação do poder, positivadas no plano constitucional de determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua importância 226 axiológica, fundamentam e legitima todo o ordenamento jurídico. Por essa perspectiva de normas constitucionais fundantes do ordenamento jurídico, tem-se que os direitos fundamentais devem ser utilizados também para a solução de conflitos privados, não impondo limitações apenas às ações estatais. Por essa razão é que as cooperativas têm espaço neste contexto quando se trata da norma constitucional brasileira. Os direitos fundamentais, no sentido material, são aqueles considerados indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Desta forma, não basta ao Estado reconhecê-los formalmente, deve-se buscar concretizá-los, incorporá-los no contexto social e na vida de seus cidadãos. A Constituição de 1988227 inovou ao dispor sobre direitos fundamentais, haja vista ter incorporado a tutela dos direitos difusos e coletivos aos direitos individuais e sociais, já consagrados em texto constitucionais anteriores: A novidade maior é a introdução da noção de “direitos coletivos”, embora num mesmo capítulo dos individuais. Esta diferenciação, se bem interpretada e desenvolvida, rompe uma tradição de ver o direito exclusivamente através do individuo e gera o das coletividades, autônomo, próprio e diferente. A compreensão desta nova categoria levará à revisão de códigos, legislações, procedimentos judiciais e institucionais.228 Além disso, a mesma Carta nasceu de um período marcado pelo fim de longa restrição à participação popular nas decisões políticas do país e isto colaborou para que esta possuísse características históricas relevantes, assumindo importância sem precedentes entre as constituições brasileiras. Não bastando, o atual texto constitucional também recebeu diversas 225 Idem, ibidem, p. 78. MARMELSTEIN apud TOMAZETTE, Marlon. Liberdade de associação e o recesso nas sociedades limitadas. Revista de Direito Brasileira. Vladmir Oliveira da Silveira (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 1, v. 1, p. 218, jul./dez. 2001. 227 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 228 COELHO, João Gilberto Lucas; OLIVEIRA, Antônio Carlos Nantes de. A nova constituição: avaliação do texto e perfil dos constituintes. Rio de Janeiro: Revan/Instituto de Estudos Sócio-Econômicos, 1989. p. 26. 226 77 influências doutrinárias no sentido de ampliar sua abrangência e sua capacidade e isso fez com que a Constituição de 1988229 apresentasse diversas inovações: Dentre as inovações, assume destaque a situação topográfica dos direitos fundamentais, o que, além de traduzir maior rigor lógico, na medida em que os direitos fundamentais constituem parâmetro hermenêutico e valores superiores de toda a ordem constitucional e jurídica, também vai ao encontro da melhor tradição do constitucionalismo na esfera dos direitos 230 fundamentais. Outras inovações, citadas pelo mesmo autor, fazem referências aos dispostos nos parágrafos 1º e 2º do art. 5º, da CF/1988231: o primeiro parágrafo determina a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, independentemente de norma infraconstitucional, ou seja, afastou-se a ideia de conteúdo programático sobre os direitos fundamentais. Resta evidenciada a consolidação dessa matéria como privilegiada e reforçada, contudo a doutrina apresenta críticas: A intenção que a ditou é compreensível e louvável: evitar que essas normas fiquem letra morta por falta de regulamentação. Mas o constituinte não se apercebeu que as normas têm aplicabilidade imediata quando são completas na sua hipótese e no seu dispositivo. Ou seja, quando a condição de seu mandamento não possui lacuna, e quando esse mandamento é claro e determinado. Do contrário ela é não-executável pala natureza das coisa.232 O segundo parágrafo nada mais é que o reconhecimento de que o texto constitucional traz um rol exemplificativo dos direitos fundamentais, garantindo a inclusão posterior de qualquer outro direito decorrente de seu regime e de seus princípios, ou que advenha de tratados internacionais que o Brasil seja parte. Mas, novamente, encontram-se críticas sobre o teor do dispositivo também inserindo nesse rol de direitos fundamentais: Em face de documentos prolixos como a Constituição de 1988233 parece inútil uma regra com essa. Entretanto, se esta Lei Magna se preocupou em não deixar de fora qualquer dos direitos fundamentais já consagrados, 229 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 230 SARLET, Ingo apud SANTOS, Flávio Augusto de Oliveira. O desenvolvimento sustentável como direito fundamental à luz da Constituição de 1988. Revista de Direito Brasileira. Vladmir Oliveira da Silveira (Coord.). Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 1, v. 1, p. 37, jul./dez. 2001. 231 BRASIL. Op. cit. 232 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 100. 233 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 78 esqueceu-se de alguns que se induzem ou deduzem facilmente dos que 234 menciona. Ao enumerar as inovações da Constituição Federal de 1988235, no que diz respeito aos direitos e garantias fundamentais, Coelho constata algumas modificações importantes no que tange ao direito de associação, reconhecendo que tais direitos também foram estendidos às cooperativas, como segue: O direito de associação foi estendido às cooperativas, quanto a estar sujeito à legislação. Trata-se de um desafio interessante, já que o sistema cooperativo era controlado pelo Estado, através de autorizações, fiscalizações e intervenção. Aliás, no campo do cooperativismo a preocupação da Constituição é grande, recebendo ele tratamento em vários pontos do texto.236 Realmente, consta no conteúdo da Carta Constitucional: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]; XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;237 O conteúdo desse dispositivo é fundamental para o cooperativismo brasileiro, haja vista o impedimento que se criou ao Estado, não permitindo mais que este interfira na criação e no funcionamento das cooperativas. Há aqueles que exaltam a conquista dessa liberdade institucional concedida às cooperativas. Bulgarelli representa a doutrina que parabeniza o marco liberalizatório caracterizado no art. 5º, da CF em relação ao cooperativismo: Conforme já foi visto, com a Constituição Federal de 1988238, pode-se dizer que se iniciou um novo período no ciclo legislativo do regime jurídico das sociedades cooperativas até então presas e submetidas às imposições estatais decorrentes do regime autoritário. Vários artigos da Constituição referem-se às cooperativas no sentido não só de reconhecê-las, de livrá-las das peias 234 Idem, ibidem, p. 98. Idem, ibidem. 236 COELHO, João Gilberto Lucas; OLIVEIRA, Antônio Carlos Nantes de. A nova constituição: avaliação do texto e perfil dos constituintes. Rio de Janeiro: Revan/Instituto de Estudos Sócio-Econômicos, 1989. p. 27. 237 BRASIL. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 10. Grifo nosso. Obra coletiva da Editora Saraiva. 238 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 235 79 estatais como também para apoiá-las. De todos esses dispositivos sem 239 desmerecer os demais, destaca-se o art. 5º, XVIII. O referido artigo assegura então a livre criação e permanência de cooperativas, materializando-se no plano constitucional o princípio da auto-organização ou da autogestão, ou ainda, da autonomia cooperativa240. Entretanto, persistem dúvidas quanto à extensão do livre exercício associativo. Na realidade, como já exposto, ainda há posições que entendem por resistir a qualquer tipo de interferência. No entanto, trata-se de setor que integra a ordem econômica nacional, sujeito, portanto, a regramentos específicos para o bom e fiel desenvolvimento econômico da nação. Importante clarear que os atos internos da cooperativa, seu funcionamento e outros devem ser respeitados e não devem estar sujeitos a qualquer espécie de interferência de terceiros, sejam estes entes estatais ou não. Mesmo porque tal entendimento segue, como já visto, o 4º princípio do cooperativismo de acordo com a ACI: princípio da autonomia e da independência, que, em suma, estabelece que a organização e a administração das cooperativas devem ser exercidas com independência por seus membros, não se acatando qualquer interferência externa. No entanto, frisa-se que o setor cooperativo integra a ordem econômica nacional, estando sujeito a atos de intervenção estatal, dado o modelo seguido pela Constituição Federal de 1988241. Como agente ‘normativo’, cabe ao Estado fixar diretrizes para a economia. Igualmente, realizar aquilo que os economistas denominam de ‘intervenção conforme’. Ou seja, a que orienta os agentes econômicos e os influencia por meio de uma política global. Financeira, monetária, social, sem lhes eliminar a livre determinação. É a que atua sobre as grandes linhas da atividade 242 econômica – nível de demanda, condições de repartição etc. Verifica-se que dentro dessas atribuições intervencionistas, cabe ao Estado atuar como agente regulador da economia, sendo-lhe outorgado constitucionalmente o poder-dever de fiscalizar o respeito às normas da economia de mercado, por parte dos agentes econômicos que podem vir a lesar a sociedade243. 239 BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 5. 240 MEINEN, Ênio. Aspectos jurídicos do cooperativismo. In: DOMINGUES Jane Aparecida Stefanes (Org.). Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2002. p. 31. v. 1. 241 BRASIL. Op. cit. 242 FEREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1995. p. Grifo do autor. v. 4. 243 Idem. Ibidem. 80 Esse papel interventivo do Estado não pode ser visto de outro modo que não o de contribuir para o Estado do Bem-Estar Social, porquanto, por meio desse dirigismo às questões econômicas, é que se assegura ao cidadão um melhor viver, o exercício de todas as suas prerrogativas como cidadão, mormente porque dá ao Estado o poder de, quando necessário, obstar atitudes danosas à sociedade, efetuadas por quem detém um maior poder econômico, ou mesmo por atitudes fraudulentas, como as quem vêm ocorrendo em relação às cooperativas de trabalho. De toda forma, percebe-se que o legislador constituinte determinou tal prerrogativa de liberdade para a criação de cooperativas na expectativa de que, por meio dos movimentos mundiais implantados pela doutrina cooperativa, tal instrumento pudesse exercer seu papel no desenvolvimento nacional. Nesse sentido, reconhecidamente, há uma forte movimentação no sentido de viabilizar as cooperativas em todo mundo, tal como se segue: Países com poderosos movimentos cooperativos são financeiramente sólidos. As cooperativas ajudam seus associados a trabalhar melhor, a produzir melhor, a melhor utilizar suas rendas, a melhor economizar. Desta maneira, não somente auxiliam seus associados, mas, contribuem para o desenvolvimento econômico geral. Graças às cooperativas, muita gente torna-se contribuinte ou paga impostos mais elevados por causa de sua situação melhorada. [...] Para melhorar as finanças públicas é necessário melhorar a condição econômica do povo. É precisamente isso que faz o movimento cooperativista.244 Como visto, o cooperativismo viu-se contemplado pela Constituição Federal com a proposta de liberdade para a sua criação e independência para seu funcionamento, por causa de sua essência, de se adequar aos propósitos por ela assumidos. Dentre esses está o princípio democrático, defendido pela doutrina cooperativa desde o seu surgimento e que também é princípio constitucional. 2.5 O COOPERATIVISMO E A TRIBUTAÇÃO Os tributos constituem a fonte principal das receitas do Estado. A Constituição Federal de 1988245, em seu art. 146, III, c246, determina que o Estado deva editar lei complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, devendo dispensar mais 244 BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 12. 245 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 246 Idem. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 58. Obra coletiva da Editora Saraiva. 81 atenção principalmente sobre o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas. O art. 3º do Código Tributário Nacional estabelece que [...]. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente 247 vinculada. Essa arrecadação de poder aquisitivo não pode deixar de produzir efeitos econômicos, quer sobre as atividades isoladas e especificamente consideradas, quer sobre a ordem econômica como um todo. Os Estados, portanto, hoje, não podem furtar-se a manipular essa poderosa arma como meio de interferir na vida econômica. Contudo, o tributo deve deter uma função social, sempre buscando atingir em seu exercício a distribuição do patrimônio e das rendas. Ainda que o Estado utilize o tributo para intervir na economia, ele está impedido de provocar qualquer tipo de instabilidade econômica.248 Para tanto, o Poder Público tributante deve concretizar a justiça no sistema tributário, tratando de maneira igual todos os contribuintes que se encontrem na mesma situação e não havendo equidade entre os contribuintes o caminho será, então, procurar atribuir um adequado tratamento tributário àquele que se diferencia no intuito de garantir a distribuição de renda e o desenvolvimento econômico almejados. As cooperativas se inserem nesse contexto, posto que, ao desenvolver atos específicos de sua atividade, por determinação constitucional, devem receber o adequado tratamento tributário, conforme determina a Constituição Federal, Art. 146 – Cabe à lei complementar: [...]; III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: [...]; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.249 Sobre ato cooperativo, Puente, como o pioneiro no estudo do tema, em 1954, definiu-o como: “o ato cooperativo é o suposto jurídico, ausente de lucro e intermediação, que realiza a 247 Idem, ibidem, p. 782. VINHA, Thiago Degelo; RIBEIRO, Maria de Fátima. Efeitos socioeconômicos dos tributos e sua utilização como instrumento de políticas governamentais. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; FERNANDES, Edson Carlos (Coords.). Tributação, justiça e liberdade. Curitiba: Juruá, 2005. p. 661. 249 BRASIL. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 58. Grifo nosso. Obra coletiva da Editora Saraiva. 248 82 organização cooperativa em cumprimento de um fim preponderantemente econômico e de utilidade social”.250 Anota-se que os elementos que caracterizam o ato cooperativo são: sujeito, objeto e serviço. Tais elementos foram definidos pela Carta de Mérida251, documento final do 1º Congresso Continental de Direito Cooperativo, realizado em Mérida, na Venezuela, em 1969, que concluiu que esses elementos permitem diferenciar os atos cooperativos de qualquer outra classe de ato jurídico.Nesse sentido, são considerados sujeitos tanto o cooperado, como tal, e a cooperativa constituída e funcionando de acordo com os princípios universais cooperativos. Ainda para efeito do ato cooperativo, é considerado objeto a atividade-fim da cooperativa, e quanto à finalidade, basta que se configure que inexiste finalidade lucrativa252. Verifica-se ainda que a Lei nº 5.764/1971 oferece clássica definição de ato cooperativo: Art. 79 Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associadas, para a consecução dos objetivos sociais. Parágrafo único – O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.253 De acordo com Tedesco254, a expressão ato cooperativo é, atualmente, no Direito brasileiro, o nomen júris aplicável a todos os negócios internos das cooperativas. Esclarece que existem duas espécies de operações: a operação entre cooperativa e associado para prestação de serviços aos sócios e operações que se enquadram no objeto da cooperativa, e que esta necessita praticar no mercado externo, e que servem como meio ou instrumento, por intermédio do qual a cooperativa realiza suas operações internas. Para melhor análise, impõe-se apreciação do que não é ato cooperativo. Assim, à luz do ordenamento jurídico positivo, o ato cooperativo não é operação de mercado, nos termos 250 CRACOGNA, Dante. O ato cooperativo na América Latina. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Ato cooperativo e seu adequado tratamento tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. p. 50. 251 CONGRESSO CONTINENTAL DE DIREITO COOPERATIVO, 1., Mérida, Venezuela, 1971. Mérida, Venezuela: Universidad de Los Andes, 1971. Tradução livre. 252 Apud FERREIRA FILHO, Ottoni. O cooperativismo em âmbito internacional: a tributação pelo imposto de renda de uma cooperativa internacional. Revista do Mestrado em Direito da Universidade Católica de Brasília, v. 2, n. 1, 2008. Disponível em: <http://portalrevistas.ucb.br/index.php/rvmd/issue/archive>. Acesso em: 23 mar. 2013. 253 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 16 dez. 1971. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/ lei5764.htm>. Acesso em: 23 mar. 2013. 254 TEDESCO, Ana Paula Z. Adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas cooperativas de crédito. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2009. p. 340. Tomo I. 83 do Código Comercial, por não encerrar natureza comercial; também não é contrato de compra e venda de produto ou mercadoria, com raízes no Direito Civil, ainda que a natureza jurídica da cooperativa também seja civil, por opção da legislação; mas também não é ato de natureza trabalhista, desde que não tendente a fraudar a aplicação dos preceitos da CLT; por fim, não é ato sujeito à plena tributação, pois mereceu, constitucionalmente, tratamento adequado (art. 146, III, c, da Constituição Federal de 1988)255. Como já afirmado, o ato cooperativo o vincula às operações ou negócios das cooperativas com seus associados e reciprocamente. Vincula também aos negócios entre as cooperativas, quando entre si associadas. A doutrina tem equiparado operações acima referidas aos negócios-fim das sociedades cooperativas, ou seja, aqueles diretamente relacionados com os objetivos sociais. Os negócios-fim, portanto, caracterizam-se com os atos cooperativos destituídos da natureza comercial, já que não visam o lucro, nem decorrem da intermediação mercantil. Se saldo positivo gerarem, este se constitui em sobras, que pertencem no seu valor líquido aos seus associados.256 Importante ressaltar que distinto dos negócios-fim, os negócios-meio, também previstos legalmente, possuem caracteres de natureza civil e, na maioria das vezes, de natureza mercantil. Seus resultados constituem-se como positivos ou negativos, no caso das operações previstas nos arts. 85 e 86 da Lei nº 5.764/1971257, denominadas como operações com terceiros, e como lucro, quando resultantes dos investimentos de capital em empresa não cooperativa. Tanto o lucro como o resultado não obedecem à distribuição dos associados, mas, nos termos do art. 87 e do parágrafo único do art. 88 da supracitada Lei, são contabilizados ao FATES, este de caráter indivisível nos termos do inciso VIII, do art. 4º, dessa Lei258. Os negócios-meio, decorrentes de intermediação mercantil ou eventualmente de contratos de natureza civil, não constituem atos cooperativos. Como atos mercantis ou civis sujeitam-se à plena tributação, como prevê o art. 111 da Lei nº 5.764/1971259. O mesmo não ocorre com os negócios-fim, para os quais há tratamento fiscal diferenciado, por serem atos cooperativos. 255 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 256 Idem, ibidem, p. 86. 257 Idem. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 16 dez. 1971. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/ lei5764.htm>. Acesso em: 23 mar. 2013. 258 Idem, ibidem. 259 BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República 84 O ato cooperativo é concreto e protegido por norma constitucional (art. 146, III, c). Falta-lhe apenas ordenamento jurídico complementar, enquanto ato sujeito ou não ao fisco. Mas, já que definido em lei ordinária, recepcionada pela Constituição Federal, é ato jurídico pleno, independente, autônomo, revestido de roupagem constitucional, não podendo ser, desse modo, desafetado, ou melhor, desconstituído dos seus caracteres, previstos pelo art. 79 da Lei nº 5.764/1971. Sobre o tratamento tributário ao ato cooperativo, pertinente ressaltar a opinião de alguns juristas sobre a deficiência da linguagem empregada pelo constituinte, conforme a opinião de Carrazza: Este artigo, a bem da verdade, está longe de ter aquele estilo lapidar e conciso que, no dizer de Rui Barbosa, deve caracterizar as leis em geral. Com efeito, ele alude, por exemplo, ao adequado tratamento tributário, como se a Constituição, noutras passagens, permitisse fosse dispensado aos contribuintes um inadequado tratamento tributário. Demais disso, faz referência ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas, redundância que, talvez, nem o Conselho Acácio – personagem impagável por seus truísmos – tivesse coragem de perpetrar.260 Há uma clara impropriedade redacional no texto constitucional, resultando em uma redundância que não aproveita a interpretação. Além desse ponto, há a redundância apontada. De fato, o ato cooperativo só pode ser praticado por sociedade cooperativa. A solução, entre duas possíveis, para melhorar a redação, poderia se suprimir a menção ao ato cooperativo ou a menção às cooperativas. A respeito, diz Becho: “Suprimindo o ato cooperativo, haveríamos de interpretar essa norma de maneira sistemática, para fazê-la incidir sobre os atos cooperativos e sobre os atos não-cooperativos praticados pelas cooperativas”.261 Destarte, mesmo reconhecendo alguns avanços no que tange a um tratamento tributário diferenciado às sociedades cooperativas, tendo em vista sua importância social e econômica, muito ainda há de se fazer para que a disposição da Carta Constitucional, no seu art. 146, III, c, visto que a incidência de tributos de outras esferas (Estados e municípios), com algumas raras exceções, continua a penalizar o desenvolvimento do cooperativismo. ________________________ Federativa do Brasil, Brasília, 16 dez. 1971. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/ lei5764.htm>. Acesso em: 23 mar. 2013. 260 CARRAZA, Roque. Curso de direito constitucional tributário. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 383. 261 BECHO, Renato Lopes. Tributação das cooperativas. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Dialética, 1999. p. 148. 3 COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO DA ORDEM ECONÔMICA PARA GARANTIA DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL Por meio da análise efetivada anteriormente pode-se verificar que o cooperativismo é um instrumento capaz de garantir o desenvolvimento nacional. A previsão desse instituto, no título concernente à Ordem Econômica e Financeira da Constituição Federal, não se deu ao acaso, considerando-se sua essência doutrinária e principiológica que segue a ideologia adotada na persecução dos objetivos da República Federativa do Brasil. O art. 3º da Constituição Federal assim reza: “Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – Garantir o desenvolvimento nacional [...]”.262 Não é demais frisar que os objetivos supracitados se repetem em vários momentos do texto constitucional, definindo as feições da Carta Maior do Brasil, qual seja a de uma constituição dirigente, que visa à busca do desenvolvimento nacional. Martín explicita por meio de seu conceito de desenvolvimento, seja ele local, regional ou nacional, como um: [...] processo reativador da economia e dinamizador da sociedade local, mediante o aproveitamento eficiente dos recursos endógenos existentes em uma determinada região, capaz de estimular e diversificar seu crescimento econômico, criar emprego e melhorar a qualidade de vida da comunidade local.263 Entende-se, portanto, que desenvolvimento é um processo de transformação social, político e econômico, por meio do qual o crescimento do padrão de vida da população tende a se tornar autônomo, ou seja, o desenvolvimento liga-se à ideia de melhoria da qualidade de vida. Fischer264 atribui ao termo “desenvolvimento” uma polissemia conceitual, ou seja, abriga várias acepções, significados, dizendo que “desenvolvimento” compreende mesmo uma rede de conceitos. A confrontação inevitável que acontece comumente se dá entre os termos desenvolvimento e crescimento por vezes aplicados de forma confusa e equivocada a alguns fenômenos socioeconômicos. 262 BRASIL. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 9. Obra coletiva da Editora Saraiva. Apud ÁVILA, Vicente F. (Coord.). Formação educacional em desenvolvimento local: relato de estudo em grupo e análise de conceitos. 2. ed. Campo Grande: UCDB, 2001. p. 69-70. 264 FISCHER, Tânia. Poderes locais: desenvolvimento e gestão: introdução a uma agenda. IN: FISCHER, Tânia (Coord.). A gestão do desenvolvimento e poderes locais: marcos teóricos e avaliação. Salvador, BA: Ed. Casa da Qualidade, 2002. p. 17. 263 86 Soares265 explica a diferença entre desenvolvimento e crescimento. Para esse autor, a noção de desenvolvimento implica aumento de bem-estar com mudança na estrutura econômica e social; envolve a sociedade inteira, em todos seus aspectos. O crescimento é uma noção mais simples. Refere-se ao aumento das atividades de produção de bens e serviços, porém não forçosamente implica uma mudança da estrutura, não envolve toda a sociedade em todos os seus aspectos. O conceito de desenvolvimento contém em si a ideia de crescimento. Para o autor supracitado, o desenvolvimento abriga uma multiplicidade de fatores que envolvem aspectos econômicos, sociais e políticos, entre outros, que devem ter em conta os valores e atitudes de uma população específica. Essa percepção considera atributos diversos para se alcançar o estágio de desenvolvimento pleno e, nesse sentido, a via para alcançá-lo compreende a inclusão de critérios não exclusivamente econômicos. Ao contrário, a corrente que defende que crescimento econômico é igual a desenvolvimento reconhece, de forma simplista, que o país desenvolvido cresceu mais que aquele em desenvolvimento. Pires266 afirma que a relação entre cooperativismo e desenvolvimento local é fortemente estimulada pelo fato de que, a partir da organização da produção e de sua comercialização, as cooperativas vêm contribuindo para a potencialização dos locais em que estão inseridas. Observa-se, com isso, um aumento do poder de barganha dos produtores, do crescimento do emprego e renda, confirmando a perspectiva presente na literatura que identifica as cooperativas, ao lado de outras iniciativas empresariais, como uma estratégia importante dentro da perspectiva de desenvolvimento nacional. Ressalta ainda Pires267 que, por meio da organização de uma empresa cooperativa, é que os cooperados podem articular uma rede de relações que não se limita ao âmbito local, redefinindo as relações entre forças locais e globais. A importância do cooperativismo foi reconhecida pela ONU, que instituiu o ano de 2012 como o “Ano Internacional das Cooperativas”, em parceria com o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e o Programa Mundial de Alimentos (PMA). A ação das cooperativas agrícolas é um importante mecanismo de garantia da segurança alimentar e 265 SOARES, Guilherme. Desenvolvimento local e territorialidade. In: TAVARES, Jorge R.; RAMOS, Ladjane. Assistência Técnica e Extensão Rural: construindo o conhecimento agroecológico. Manaus, 2006. p. 38. 266 PIRES, Maria Luiza L. e Silva. Cooperativismo e desenvolvimento local. In: TAVARES, Jorge R.; RAMOS, Ladjane. Assistência Técnica e Extensão Rural: construindo o conhecimento agroecológico. Manaus, 2006. p. 90. 267 Idem, ibidem, p. 90. 87 redução da pobreza, pois beneficiam diretamente o pequeno agricultor ao aumentar seu poder de negociação e a capacidade de compartilhar recursos268. O cooperativismo configura-se como importante instrumento de desenvolvimento nacional, na medida em que sua existência e seu sentido se arquitetam na busca da consecução de objetivos semelhantes, senão idênticos ao da República, pois, na ânsia de se libertar dos desvalores do capitalismo arraigado, surge como uma via mais humana, viabilizando aos cooperados e por que não a comunidade em geral, a integração social com o enaltecimento de valores, como solidariedade, justiça, buscando o desenvolvimento não só da cooperativa, como também dos cooperados, o que, por via de consequência, afasta a carência material efetivando a garantia do desenvolvimento nacional. No entanto, como visto anteriormente, o cooperativismo vem enfrentando problemas que impedem seu desenvolvimento no Brasil de forma adequada e, por conseguinte, o exercício de sua função como instrumento capaz de contribuir para o desenvolvimento do país. Alguns dos problemas enfrentados, atualmente, pelo setor acabam por macular o cooperativismo no Brasil. Assim, entre outros problemas, podem-se citar: a necessidade de uma legislação atual e compatível com a nova realidade do setor; o fortalecimento e atribuições concretas para o órgão representativo do setor; a solução de continuidade de programas iniciados em determinados ministérios e que não são concluídos; a vinculação a um único ministério com neutralidade para atender todos os ramos do cooperativismo; a educação e capacitação para o cooperativismo; e a fiscalização efetiva para o sistema para evitar o surgimento de cooperativas fraudulentas. Entende-se que somente após a solução dos referidos problemas é que o cooperativismo, que já contribui como agente econômico para o desenvolvimento nacional, poderá impulsionar o setor. 3.1 ASPECTOS DO COOPERATIVISMO NA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA Tem-se já sedimentada a ideia de que a Constituição Federal brasileira contextualiza em si um viés econômico. A designação de constituição econômica, mormente no que se refere ao conjunto de normas positivadas atinentes ao assunto como já verificado anteriormente, não lhe foi atribuída ao acaso. 268 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL–ONUBR. Agências da ONU lançam Ano Internacional das Cooperativas 2012. 3 nov. 2011. Disponível em: <http://www.onu.org.br/agencias-da-onulancam-ano-internacional-das-cooperativas-2012/>. Acesso em: 27 mar. 2013. 88 A ordem econômica atual, inserta na grande maioria das constituições e legislações, inclusive a brasileira, visa a alinhar as questões econômicas às questões sociais, priorizando estas últimas, no afã de auferir o concreto desenvolvimento de uma nação, com a redução das desigualdades regionais e sociais. A propósito, importante a lição de Bercovici: Nesta mesma linha, podemos adotar algumas das premissas expostas por Washington Peluso Albino de Souza, principalmente a de entender, assim como Irti e vários outros, a Constituição Econômica como parte integrante, não autônoma ou estanque, da Constituição total. Na sua visão, as Constituições Econômicas caracterizar-se –iam pela presença do econômico no texto constitucional, integrado na ideologia constitucional. E seria a partir dessa presença do econômico no texto constitucional e da ideologia constitucionalmente adotada que se elabora a política econômica do Estado.269 Outrossim, é importante ressaltar que dispositivos constitucionais atinentes à ordem econômica não se encontram apenas em seu Título VII, mas esparsas por todo o texto da Carta Maior. Assim, segundo Grau: Ao bojo da ordem econômica, tal como a considero neste ensaio, além dos que já no seu Título VII se encontram, são transportados – como vimos – fundamentalmente os preceitos inscritos nos seus arts. 1º., 3º., 7º. a 11, 201, 202 e 218 e 219 – bem assim, entre outros, os do art. 5º., LXXI, do art. 24, I, do art. 37, XIX e XX, do parag. 2º. do art. 103, do art. 149, do art. 225.270 É de salutar importância observar que a Constituição Federal, em seu art. 170, estabelece como fundamentos da ordem econômica a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa, possuindo liame com o disposto no art. 1º do mesmo diploma legal, no qual se inserem os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e, também, em seu art. 3º, o qual trata do desenvolvimento da nação, por meio da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, visando a erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e regionais. Verifica-se que da análise dos referidos dispositivos, extrai-se a compreensão de que a palavra de ordem é desenvolvimento. No entendimento de Petter aos tratar do aspecto econômico da Constituição Federal: 269 BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 13. 270 GRAU, Eros Roberto Rossi. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 195. 89 É a regulação jurídica da economia, no sentido mais amplo que esta afirmativa comporta. Neste sentido, preceitos outros, atinentes à ordem econômica, encontram-se não apenas no art. 170 e seguintes, mas em diversas passagens do texto constitucional. Exemplificativamente, o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil de garantir o desenvolvimento nacional, com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, erradicando a pobreza e a marginalização e promovendo o bem de todos com redução das desigualdades (CF, art. 3º.), por certo está umbilicalmente relacionado com preceitos voltados pra atividade econômica 271 (CF art. 170 e ss). Em análise ampla, tem-se que no termo “desenvolvimento” estão inseridos os aspectos econômicos e sociais que constituem, em suma, os fundamentos e os objetivos da República Federativa do Brasil. Conforme a lição de Bercovici: O desenvolvimento é condição necessária para a realização do bem estar social. O Estado é, através do planejamento, o principal promotor do desenvolvimento. Para desempenhar a função de condutor do desenvolvimento, o estado deve ter autonomia frente aos grupos sociais, ampliar suas funções e readequar seus órgãos e estrutura. O papel estatal de coordenação dá a consciência da dimensão política da superação do subdesenvolvimento, dimensão esta explicitada pelos objetivos nacionais e prioridades sociais enfatizados pelo próprio Estado. As reformas estruturais são o aspecto essencial da política econômica dos países subdesenvolvidos, condição previa e necessária da política de desenvolvimento. Coordenando as decisões pelo planejamento, o estado deve atuar de forma muito ampla e intensa para modificar as estruturas socioeconômicas, bem como distribuir e descentralizar a renda, integrando, social e politicamente, a totalidade da 272 população. Essa análise, efetivada por Bercovici, no que tange ao desenvolvimento com viés aos aspectos socioeconômicos, reflete totalmente o ideário cooperativista, que não é outro senão o desenvolvimento nacional. Nesse sentido, basta verificar os princípios que embasam o cooperativismo para comprovar tal assertiva e, ao analisarem-se tais princípios juntamente com os valores, fundamentos e demais preceitos que norteiam a Constituição Federal, em especial a Ordem Econômica, verifica-se total convergência entre eles e que confluem para a consecução dos objetivos da República. A doutrina cooperativista busca fugir dos parâmetros estabelecidos pelo capitalismo abusivo, por meio da humanização dos valores. A convergência dos valores da nova ordem 271 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 164. 272 BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 51. 90 econômica e do cooperativismo é nítida. A cada momento em que os preceitos constitucionais se distanciam do capitalismo severo, das disposições agressivas atinentes ao mercado em seu sentido mais austero, mais próximos se tornam dos valores cooperativistas. O cooperativismo insere-se na Ordem Econômica Constitucional, nos arts. 174, §2º a 4º, 187, VI, e 192. O § 2º do art. 174 trata do incentivo ao cooperativismo e demais formas de associativismo de forma geral, enquanto que o § 3º e §4º do mesmo dispositivo constitucional também estabelecem o incentivo ao cooperativismo, mais especificamente nas áreas de garimpo. O art. 187, VI, instrumentaliza o cooperativismo na política agrícola nacional. Já o art. 192 integra as cooperativas de crédito no sistema financeiro nacional. Não se pode olvidar que doutrinariamente o cooperativismo é um instrumento eficaz para a consecução dos preceitos constitucionais, em especial aos contidos no Título VII, atinente Ordem Econômica, já que toda a sua principiologia converge para a busca da existência digna e por via de consequência buscar o desenvolvimento nacional e a redução das desigualdades regionais e sociais. Nesse sentido, Rossi esclarece: Vale lembrar que os princípios cooperativos, reformulados e revisados pela Aliança Cooperativa Internacional, no Congresso de Manchester em 1995, e sobre os quais se falou em capítulo anterior, são: o princípio da adesão livre e voluntária; o do controle democrático pelos sócios; o da participação econômica dos sócios; o da autonomia e independência; o da educação, treinamento e formação; o da cooperação entre cooperativas e, finalmente, o da preocupação com a comunidade.273 Não há dúvidas de que tais princípios cooperativos estão vinculados aos princípios da Ordem Econômica, que, por sua vez, refletem os objetos fundamentais da República, previstos no art. 3º da Constituição Federal. Há, pois, evidente sintonia entre cooperativismo, ordem econômica e objetivos da República. Seguindo-se a análise operacionalizada por Rossi, para quem o cooperativismo está eivado de valores e de princípios próprios que estabelecem a ideologia cooperativista, uma cooperativa só se caracteriza como tal quando segue esses princípios, que elencam valores que são, basicamente, a democracia, a solidariedade, a justiça social e a equidade274. Depreende-se, daí, que se tratam dos mesmos valores que embasam a Constituição Federal e, por via de consequência, a Ordem Econômica e Financeira. Nessa linha de pensamento, tem- 273 ROSSI, Amélia do Carmo Sampaio. Cooperativismo à luz dos princípios constitucionais. 5. ed. Curitiba, PR: Juruá, 2009. p. 129. 274 Idem, ibidem, p. 136-149. 91 se como óbvio que o cooperativismo, por sua natureza, é um instrumento hábil para contribuir com o desenvolvimento nacional desde que sejam tomadas medidas eficientes que regulem o setor, livrando-o dos problemas já referidos anteriormente, que lhe impedem a ascensão. 3.2 COOPERATIVISMO E O ESTADO DITO INTERVENTOR Não é possível enfrentar as questões colocadas no presente trabalho sem uma análise da questão do intervencionismo no contexto da ordem econômica constitucionalmente conformada e estruturada, posto que há, no cerne das questões aqui tratadas, a necessidade e exigência de uma intervenção por parte do Estado em relação às atividades cooperativistas, mormente de um fortalecimento do setor por meio da atividade regulatória, no pressuposto de uma orientação normativa sobre o papel do Estado como um dos agentes que participam da estrutura do mercado na economia contemporânea. É de se verificar que toda e qualquer atividade econômica desenvolvida no país, sejam elas públicas ou privadas, inserem-se no contexto da Ordem Econômica, estabelecida pela Constituição Federal. Ainda, o contexto do Título VII da Constituição Federal, que trata da Ordem Econômica, remete ao disposto no art. 3º da Carta Constitucional, porquanto visa ao desenvolvimento nacional, em suma, por meio das premissas estabelecidas que buscam o bem-estar social. Por meio do Estado de bem-estar social, também denominado de Welfare State, o Estado passou a intervir mais na economia buscando com isso diminuir os desequilíbrios sociais275. A partir daí, surgem, nas nações, as constituições ditas sociais que trazem em seu âmago a busca pela garantia do desenvolvimento nacional, por meio de maior intervenção estatal, por isso mesmo denominadas constituições dirigentes, que exigem dos Estados uma maior participação em assuntos direcionados à economia, posto que afetam os cidadãos que necessitam de melhores condições para obter uma vida digna. Desse modo, o Estado, nesse intervencionismo da atualidade, assume um papel regulador, buscando conter os abusos praticados pelo mercado no intuito de proporcionar o bem-estar social. Ao conceituar intervencionismo, Ferraz Junior esclarece: É o exercício por parte da autoridade política, de uma ação sistemática sobre a economia, estabelecendo-se estreita correlação entre o subsistema político e econômico, na medida em que se exige da economia uma otimização de 275 MIRANDA, Sandro Ari Andrade de. Welfare State: críticas e caminho (2008). Revista Jus Navegandi. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19227/welfare-state-criticas-e-caminhos>. Acesso em: 14 dez. 2012. 92 resultados e do Estado a realização da ordem jurídica como ordem do bem estar social.276 A Constituição Brasileira de 1988277 possui uma conformação efetivamente intervencionista, sem ser absoluta como nos moldes de constituições anteriores, mas uma constituição que segue os moldes ditados pelo momento político-econômico da atualidade. Da análise do Título VII, da Constituição Brasileira, pode-se notar a existência de duas modalidades de intervenção do Estado na economia, a direta e a indireta. A intervenção direta está contida no art. 173 da CF/1988278, ao estabelecer que a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definido em lei. O § 1º do referido dispositivo constitucional trata das empresas públicas e sociedades de economia mista ou subsidiárias, outorgando ao Estado a possibilidade de participar do mercado como empresário, concorrendo inclusive com particulares, quando for o caso. A intervenção indireta, prevista no art. 174 da CF/1988279, induz que o Estado atuará como agente normativo e regulador da atividade econômica. Nessa modalidade de intervenção, a atuação estatal não é concorrencial, não há por parte do Estado o interesse em lucratividade, pois ele não participa do mercado diretamente. Bastos esclarece: Esta é a atividade do Estado enquanto agente protagonizador da atividade econômica. O mesmo Estado também intervém, contudo, na qualidade de agente normativo e regulador da economia. Tal mister vem disciplinado no art. 174, que torna certo que ao Estado é dado fiscalizar, incentivar e planejar a atividade econômica.280 Tem-se daí a obrigatoriedade para o Estado, no que tange ao cumprimento das determinações constitucionais, no sentido de que, além de normatizar, incentivar, planejar, deve regular a atividade econômica exercendo atos de intervenção, na busca pelo desenvolvimento nacional. É bem de se ver que a intervenção prevista na Constituição não possui um caráter prejudicial, limitador, mas, sim, normatizador, regulatório, visando, precipuamente, ao bem-estar social por meio do desenvolvimento. 276 Apud SHOUERI, Luiz Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 35. 277 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 278 Idem, ibidem. 279 Idem, ibidem. 280 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 462. 93 De acordo com Sena Segundo: A função normatizadora estabelece o âmbito e o espaço de atuação da atividade econômica, enquanto a função regulatória diz como esta atividade (e seus agentes econômicos), já levando em consideração as premissas fundamentais normatizadoras, deve existir e se comportar, em detalhes, no dia-a-dia (tudo sempre amparado na ideia do mínimo necessário).281 Da análise do art. 174 da Constituição Federal e de seu § 2º, entende-se que o Estado deve apoiar e estimular o cooperativismo, pois que este integra o sistema econômico nacional. Nesse sentido, este faz jus ao mesmo tratamento outorgado às demais entidades que integram o sistema econômico, com a previsão assegurada em vários momentos por esse diploma legal, como é o caso do inciso XVIII, do art. 5º, que trata da independência no que tange à criação de cooperativas e ainda à liberdade em seu funcionamento; o inciso III, c, do art. 146, que determina o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo; o § 2º do art. 174, que prevê a edição de lei que estimulará e apoiará o cooperativismo; os §§ 3º e 4º do art. 174, que outorgam tratamento privilegiado às cooperativas vinculadas às atividades garimpeiras; o inciso VI, do art. 187, que insere o cooperativismo no contexto da política agrícola nacional e o inciso VIII, do art. 192, que prevê a inserção das cooperativas de crédito no sistema financeiro nacional. Insta salientar que, apesar das previsões constitucionais, ainda muito se tem que caminhar em matéria de legislação infraconstitucional, para que a estrutura legislativa que respalda o cooperativismo possa efetivamente tornar-se viável. Mas, atendo-se aos aspectos do art. 174, da CF/1988282, e seu § 2º, verifica-se que as cooperativas, como entes que executam atividades econômicas, estão sob a égide da ação intervencionista do Estado, gozando de algumas prerrogativas outorgadas ao setor. No entanto, ainda falta ao cooperativismo brasileiro o “empoderamento” necessário para suprimir os problemas que afligem o setor na atualidade e o desqualificam perante a sociedade, principalmente relacionados às cooperativas fraudulentas, à falta de educação para o cooperativismo e outros. 281 SENA SEGUNDO, Oswalter de Andrade. O princípio constitucional da redução das desigualdades regionais e sociais e sua efetivação jurídico-política na ordem econômica. Revista Direito e Liberdade. Disponível em: <http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/view/94>. Acesso em: 5 ago. 2012. 282 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 94 Logo, diante de tal constatação tem-se a necessidade de que o Estado exerça plenamente seu dever, efetivamente previsto no art. 174, caput, da CF/1988283, de intervir na atividade econômica de modo a obter o que já lhe foi outorgado. A clareza do disposto no art. 174, caput, da CF indica que ao Estado compete a obrigação de normatizar a atividade econômica, sendo ainda obrigado a realizar e fiscalizar tais atividades. Nesse sentido, a lição de Bastos é pontual: De fato, o Estado não pode furtar-se a algumas atividades que, sem implicarem a prestação da atividade econômica, propriamente dita, venham a colaborar, através de um processo de conformação da atividade dos particulares, o atingimento mais pleno possível dos objetivos do art. 170. Assim é que cabe ao Estado fiscalizar. É um poder amplo que desfruta o ente estatal, denominado poder de polícia. Por seu intermédio objetiva-se manter a atividade privada dentro do estabelecido pela constituição e pelas leis. [...].284 O exercício da fiscalização por parte do Estado em relação às cooperativas seria o elemento-chave para que tais instituições efetivamente exercessem seu papel no sistema econômico nacional. No entanto, a fiscalização exercida com base nos preceitos do caput do art. 174, da CF/1988285, poderia suscitar a hipótese de certa tensão dialética com o que dispõe o inciso VI, do art. 5º, dado ao fato de que o caput do art. 174 determina a submissão ao agente normativo e regulador que é o Estado, enquanto que o VI, do art. 5º outorga autonomia às cooperativas. A pretensa tensão dialética na realidade é mera retórica, pois que a interpretação do VI, art. 5º, abrange a autonomia quanto à criação e ao funcionamento das cooperativas, sem lhes retirar o dever de, como entes que integram o sistema econômico, se sujeitarem ao cumprimento das regras impostas a todos que integram esse sistema. Nesse sentido, a lição de Meinen é incisiva: O livre exercício da cooperação, todavia, não quer dizer que as cooperativas nascem e fazem o que bem entenderem, sem respeitar os parâmetros mínimos do que se designa uma conduta digna. Não se pode perder de vista que a Constituição, especialmente pela combinação dos arts. 174 e 173, parag. 3º., outorga ao estado o poder de monitoramento da atividade econômica e lhe impõe o dever de reprimir eventuais abusos. O permanente equilíbrio nas relações econômico-sociais e a elevação do interesse público são valores ou fundamentos que se sobrepõem à livre iniciativa, inclusive a materializada na forma cooperativa. Há de se ter, portanto, um controle 283 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 284 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 462. 285 BRASIL. Op. cit. 95 oficial mínimo (sem prejuízo da autogestão) de modo a evitar a criação descontrolada de cooperativas, sem objeto preciso e sem preocupação com a viabilidade econômico financeira, muitas vezes gerida por administradores sem os mínimos atributos profissionais; sem a menor consciência de suas responsabilidades, quando, não raro, também inescrupulosos. Nesta dimensão, em nada acrescentará, para a sociedade (cujos interesses públicos estão sempre acima de qualquer organização ou iniciativa particular) e para o próprio setor, a festejada (e bem vinda) liberdade de criação, organização e funcionamento. O abuso do direito, como é concebido, costuma trazer inconvenientes irreversíveis.286 As mazelas atinentes às cooperativas indicadas neste trabalho revelam a falta de intervenção do Estado, no sentido de evitar que tais ocorram, ou seja, uma fiscalização mais efetiva e pontual evitaria, por certo, as fraudes tanto no aspecto trabalhista em relação às denominadas “coopergato”, como no tributário com fraudes em relação a tributos, bem como sob o aspecto civilista em relação às atividades de certos dirigentes inescrupulosos que lesam as cooperativas e os cooperados e até a sociedade de modo geral, entre outros. A edição de leis mais incisivas e específicas quanto a eventuais atos impróprios praticados por dirigentes das cooperativas no que se refere às responsabilidades e penalidades, bem como prevendo a obrigatoriedade de capacitação continuada com vistas à educação cooperativista, seria salutar, ou seja, exigir mais efetividade do SESCOOP, OCB e outros. Nesse sentido, torna-se evidente que o setor cooperativo depende de intervenção efetiva por parte do Estado para que se desenvolva e frutifique, ou seja, faltam, por parte do Estado, ações essencialmente regulatórias no cooperativismo nacional, considerando a previsão do caput, do art. 174, da CF/1988287, que lhe atribui a função de agente normativo e regulador da atividade econômica. Ademais, são necessárias políticas públicas específicas para o setor que atendam não só o ramo agropecuário, mas sim todos os ramos do cooperativismo no Brasil. Irion faz interessante análise sobre o tema: Porém, sob o ponto de vista jurídico constitucional, a concretização constitucional dos princípios cooperativos como indica o legislador, aponta para o fato de que a lei deverá apoiar e estimular o cooperativismo e outras formas de associativismo, demonstrando que o cooperativismo foi eleito como forma de organização que deverá ser estimulada na forma da lei pelos poderes públicos, contribuindo desta forma para o desenvolvimento nacional. Ressalta-se que o próprio conceito de economia social está disposto em nossa Constituição, a partir do reconhecimento de normas da 286 MEINEN, Ênio. Aspectos jurídicos do cooperativismo. In: DOMINGUES Jane Aparecida Stefanes (Org.). Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2002. p. 33. v. 1. 287 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 96 Constituição que defendem a autonomia da cooperativas e o seu estímulo concreto através de políticas públicas pelo estado: O conceito de economia social existe há mais de um século mas é pouco conhecido no mundo e praticamente desconhecido no Brasil. Mesmo assim, os mais esclarecidos 288 incluíram na Constituição de 1988 alguns princípios a ela relacionados, tais como a liberdade de associação e o fomento ao cooperativismo.289 Nesse sentido, é que se o Estado cumprir seu papel de intervir de forma conveniente, ou seja, no sentido planificador, fomentador, regulador e normatizador, o cooperativismo adquirirá novo impulso, porquanto, por meio dessas ações estatais poderão ser viabilizadas ações concretas para o setor, eliminando mazelas, fortalecendo órgãos representativos, estabelecendo atribuições de modo que o cooperativismo bem-conduzido possa frutificar e exercer a função que lhe foi instituída pela Constituição federal. 3.2.1 Políticas públicas para o setor cooperativista As políticas públicas são um importante instrumento estatal de natureza interventiva, por óbvio, nos moldes desse novo modelo intervencionista. Os governos, em todas as suas esferas, vêm buscado enfrentar a questão da pobreza, por meio de medidas denominadas de políticas públicas. Em data recente, o governo federal, utilizando a estrutura de seus agentes financeiros, aprovou três programas de crédito, que, juntos, somaram a oferta de R$ 1,8 bilhão, destinados ao segmento das cooperativas290. No entanto, considerando-se os investimentos que são efetuados em outros setores, muito ainda há de se fazer em relação ao setor cooperativista, mormente como já visto até aqui, considerando-se seu potencial para enfrentamento de questões cruciais como a redução das desigualdades regionais e sociais, que emperram o desenvolvimento brasileiro.. As políticas de fomento ao setor cooperativo devem considerar que, segundo dados da Organização das Nações Unidas no Brasil (ONUBR)291, desde associações de pequeno porte até contratos milionários em escala global, contam com mais de 800 milhões de associados e 288 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 289 Apud VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Cooperativismo: nova abordagem sócio-jurídica. Curitiba: Juruá, 2011. p. 271. Grifo do autor. 290 RELATÓRIO de demonstrações contábeis do Banco do Brasil S.A. relativas ao exercício de 2012. Disponível em: <http: //www.bb.com.br/docs/pub/site esp>. Acesso em: 25 mar. 2013. 291 Idem, ibidem. 97 garantem 100 milhões de empregos no mundo, ou seja, 20% a mais do que as empresas multinacionais. Basta constatar que, em 2008, as trezentas maiores cooperativas do mundo movimentaram cerca de um trilhão de dólares, valor três vezes superior ao PIB argentino daquele ano, por exemplo292. No Brasil, as cooperativas foram responsáveis por 37,2% do PIB agrícola e de 5,4% do PIB nacional, em 2009, garantindo cerca de 3,6 bilhões de dólares em exportações. Fortalecidos dentro de um grupo maior, os agricultores têm condições de negociar contratos melhores e preços mais justos para insumos, como sementes, fertilizantes e equipamentos293. Tais números, exemplos dentre tantos, comprovam de maneira inequívoca a importância econômica do setor cooperativo, notadamente no que tange ao segmento agropecuário exportador da economia. No entanto, de forma clara pode-se verificar que os recursos outorgados pelo governo federal e outros, inclusive externos, poderiam ser mais bem aplicados, caso houvesse um órgão devidamente fortalecido, reconhecido para representar e mesmo até conduzir o setor da forma adequada. Deve-se considerar que as cooperativas ao agregarem todas as classes de produtores rurais, por exemplo, sejam grandes, pequenos ou médios, acabam por gerar a esse grupo de agentes econômicos, maior capacidade de produção e de resultados, seja pela diminuição dos custos dos insumos em relação às compras coletivas, seja pela maior capacidade de armazenagem e de logística para a entrega da produção. De qualquer forma, há incremento no rendimento, possibilitando não somente maiores investimentos na atividade, mas um aumento na qualidade de vida dos produtores. Ressalta-se que o desenvolvimento econômico das cooperativas possui um inconteste viés social, em face de sua própria natureza, umbilicalmente ligada ao associativismo, fato este que proporciona a melhora da qualidade de vida de toda a comunidade cooperativada, colaborando, pois, com o desenvolvimento da nação. Outro lado, como já verificado no presente trabalho, o problema das desigualdades regionais no Brasil é um ponto fraco em relação ao desenvolvimento da nação. Verificou-se ainda que o cooperativismo pode ser um instrumento eficaz, capaz de contribuir para tais reduções. 292 PORTAL do Cooperativismo de Crédito. Disponível em: <http://www.cooperativismodecredito.com.br/>. Acesso em: 18 mar. 2013. 293 Idem, ibidem. 98 No entanto, como se verifica nos dados a seguir, questões que impedem o desenvolvimento de algumas regiões por meio do trabalho de cooperativas poderiam ser resolvidas com poucos recursos, caso houvesse políticas públicas eficientes para o setor. Silva294 revela as diferenças regionais brasileiras e a evolução do cooperativismo em cada uma das regiões. Afirma que, na região Norte, o movimento cooperativo se expandiu por meio das cooperativas extrativistas, sobretudo voltadas para a exploração da borracha; todavia, elas encontraram dificuldades para um maior desenvolvimento diante dos problemas, como as grandes distâncias entre os polos, a dificuldade de deslocamento, a insuficiência dos meios de transporte e a escassez de mercados consumidores provocada pelo pouco povoamento da região e pela falta de uma política governamental para o setor; além da ausência de uma política global de desenvolvimento regional, bem como dificuldade das pequenas cooperativas acessarem aos recursos financeiros, equipamentos e infraestrutura que lhes permitam melhorar a sua capacidade de produção. Estas são algumas das razões que justificam a estagnação de algumas dessas experiências e dificultam a aparição de práticas dinâmicas e competitivas nessa região. Na região Nordeste, grande parte das cooperativas rurais esteve organizada a partir de uma estrutura de classes, na qual os postos de comando sempre estiveram preenchidos pelos grandes proprietários e pelas lideranças políticas locais e regionais, atendendo a benefícios de pessoas e de grupos específicos. Tais questões trouxeram repercussão direta para o campo da gestão das cooperativas agrícolas. A carência de planejamento em curto e médio prazo, associada a uma fraca capacidade de investimento de capital, e a utilização de mão de obra sem qualificação e controle financeiro-contábil condicionaram um baixo nível de competitividade e consequentemente de capitalização das cooperativas, notadamente nas de pequeno porte295. No Centro-Oeste, região que mais investiu no cooperativismo e na criação de legislação específica para o setor, a discussão em relação ao papel do cooperativismo, como agente promotor do desenvolvimento regional, tem resvalado na questão da ainda incipiente coesão e interação entre as cooperativas, dificultando uma participação mais expressiva nas economias locais296. Nas regiões Sul e Sudeste, o cooperativismo se firmou como instrumento de promoção do desenvolvimento dessas regiões, que, mesmo atuando sob os limites das políticas de 294 SILVA, Emanuel Sampaio et al. Panorama do cooperativismo brasileiro: história, cenários e tendências. UnirCoop, v. 1, n. 2, p. 81, 2003. 295 Idem, ibidem, p. 82. 296 Idem, ibidem, p. 83. 99 Estado governamentais, se evidencia como um espaço socioeconômico capaz de qualificar a cooperação pelo ato imediato de reunir pessoas e/ou forças de cada um para produzir uma força maior. O volume de capital social dos empreendimentos cooperativos aponta para o aproveitamento das potencialidades atuais das comunidades de modo a não comprometer o desenvolvimento da região. Muito mais do que o PIB cooperativo (valor de faturamento), os dados apontam para um capital social existente na região que pode ser compreendido como uma amálgama de elementos, como confiança, coesão social, civismo, lutas e projetos conjuntos que facilitam a cooperação para o benefício mútuo em uma sociedade297. Os principais desafios apontados para essas duas últimas regiões são: a criação de um sistema de crédito às cooperativas que consiga beneficiar tanto as cooperativas ligadas aos agronegócios, como as cooperativas de trabalho de baixa tecnologia e valor agregado; ampliação das assessorias às cooperativas em todo o Sudeste; criação de um marco legal do cooperativismo dos principais municípios das regiões com poder de influenciar outros municípios na concessão de benefícios na constituição de cooperativas formadas por população oriunda de áreas de exclusão social; e ampliação do impacto das ações das universidades relacionadas não apenas às cooperativas populares, mas, também, na condução da formação de quadros qualificados para a gestão de complexos cooperativos e reforçar o papel das universidades na discussão ampla dos princípios do cooperativismo visando a maior democracia interna nas decisões do grupo e a maior mobilidade nos órgãos diretivos com ampliação da participação feminina nesses órgãos e conselhos298. Anota-se que a conjugação dos resultados do desenvolvimento econômico, com ênfase na diminuição das desigualdades sociais, coaduna-se com os objetivos da CF/1988, insculpidos em seu art. 43, quando afirma que a União pode articular sua ação visando ao desenvolvimento da nação e à redução das desigualdades regionais, razão pela qual é necessário um trabalho conjunto, entre governo e cooperativas, no sentido de que busque a real necessidade dessas últimas para fins de políticas públicas eficientes, nas regiões para a expansão do setor. Por fim, não é demais ressaltar que o setor cooperativista aguardou ansioso medidas diretas que lhe trouxessem benefícios por meio dos Programas de Aceleração do Crescimento (PAC). 297 SILVA, Emanuel Sampaio et al. Panorama do cooperativismo brasileiro: história, cenários e tendências. UnirCoop, v. 1, n. 2, p. 83, 2003. 298 Idem, ibidem, p. 83-86. 100 Entretanto, apesar de ser evidenciado pela Presidente Dilma Rousseff, em mensagem ao Congresso Nacional299, supracitado, o cooperativismo não foi diretamente beneficiado pelo PAC, em nenhuma de suas duas versões, que se limitou apenas a subsidiar o Plano Agrícola e Pecuário e os produtores, deixando de fornecer apoio e subsídios aos outros ramos do cooperativismo, por exemplo, cooperativas médicas, de consumo, especiais, de trabalho, de crédito, entre outras. O Programa de Aceleração do Crescimento tem, como um dos pilares, a desoneração de tributos para incentivar mais investimentos no Brasil. O PAC prevê a redução de tributos para os setores de semicondutores, de equipamentos aplicados à TV digital, de microcomputadores, de insumos e serviços usados em obras de infraestrutura e de perfis de aço. O plano contempla também medidas fiscais de longo prazo, como é caso do controle das despesas com a folha de pagamento e a modernização do processo de licitação, fundamentais para garantir o equilíbrio dos gastos públicos. As medidas econômicas para o crescimento econômico do país abrangem: estímulo ao crédito e ao financiamento, melhoria do ambiente de investimento, desoneração e administração tributária, medidas fiscais de longo prazo e consistência fiscal. As medidas para estímulo ao crédito e ao financiamento são: concessão pela União de crédito à Caixa Econômica Federal (CEF) para aplicação em saneamento e habitação; ampliação do limite de crédito do setor público para investimentos em saneamento ambiental e habitação; criação do Fundo de Investimento em Infraestrutura com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); criação do Fundo de Investimento em Infraestrutura com recursos do FGTS; elevação da liquidez do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR); redução da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que em parte, beneficia as cooperativas; redução dos spreads do Banco Nacional do Desenvolvimento Social (BNDES) para infraestrutura, logística e desenvolvimento urbano. Como visto, o PAC não visou a beneficiar as cooperativas como um todo, como instrumento de superação da desigualdade e incentivo ao desenvolvimento nacional, restringindo-se aos eixos Energia, Transportes, Habitação, Saúde, Educação, Água. Nesse sentido é que o setor cooperativista ressente-se da ausência de políticas públicas mais concretas e que visem ao setor como um todo, para seu fortalecimento, no sentido de viabilizar esse instrumental econômico, que é o cooperativismo. 299 BRASIL. PRESIDENTE (2011: D. V. Rousseff). Mensagem ao Congresso Nacional. 2013: 3ª sessão legislativa ordinária da 54ª legislatura. Brasília: Presidência da República, 2013. p. 52. (Documentos da Presidência da República). 101 3.3 O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO NACIONAL Visto que o cooperativismo é tido como proposta viável para o desenvolvimento econômico e social brasileiro, mormente porque requer baixo investimento para a sua implementação, sendo elemento gerador de renda, possuindo ainda em seu âmago características altruístas voltadas para o desenvolvimento da pessoa humana, elementos fundamentais para a redução das desigualdades regionais e sociais no Brasil, é necessário buscar o fortalecimento do setor, para que esse sistema se torne mais eficiente, fazendo jus às expectativas a ele propostas na Constituição Federal, mormente no que se refere a seu papel na ordem econômica nacional, visando a libertá-lo das mazelas que o acometem e o impedem de se desenvolver de forma adequada. Como verificado anteriormente, pelo regramento contido na CF/1988300, mais precisamente do art. 174, há uma expectativa que o Estado exercite o seu papel de interventor no setor cooperativista, regulando, planificando, fiscalizando e normatizando a ordem econômica nacional. Tem-se que a partir de tais ações ditas interventivas no setor, a resposta com certeza será o maior fortalecimento do cooperativismo nacional visando às ações concretas já propostas neste estudo, precipuamente o estímulo ao cooperativismo nas regiões menos favorecidas econômica e socialmente, o que acarretará geração de rendas aos brasileiros necessitados, entre outras ações. Como já explanado, o cooperativismo carrega em seu ideário não apenas vinculação econômica, mas também social, cultural, entre outras. Nesse sentido é que são esperadas ações a serem exercitadas de forma planejada pelo Estado para que as cooperativas possam superar os problemas hoje enfrentados e exercer o papel que lhes cabe como agentes econômicos. Por tudo isso, o Estado teria dois papéis principais nesse cenário: o de promoção (fomento) e de fiscalização. Este último deveria ser concebido com a parceria dos setores ligados ao cooperativismo, a partir de critérios normativos rígidos do ponto de vista doutrinário e teórico, além de operacionais, que seriam consequência. Essa visão possibilitará montar 300 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 102 programas governamentais com razoável grau de certeza de se alcançar a 301 eficácia desejada. Verificou-se neste trabalho que, apesar de existirem políticas públicas para o setor, são necessárias medidas, por parte do Estado, mais específicas para outros ramos que não só o agropecuário. O que se observa, por vezes, é que pelo fato de o órgão representativo do setor, a OCB, estar vinculado ao Ministério da Agricultura, a maior parte dos recursos é direcionada para o referido ramo, ficando os outros ramos mais desamparados. Nesse sentido, como se verá adiante, é que a vinculação da OCB a outro ministério poderia tornar o setor mais eficiente, podendo amparar todos os ramos cooperativos brasileiros. O papel interventor/fiscalizador do Estado, conforme se depreende do art. 174 da CF/1988302, também é essencial no setor cooperativo. Como já demonstrado, o setor está sendo denegrido pela existência de inúmeras cooperativas de fachada, também denominadas “coopergato”. Tal situação consiste em agregar um número de operários, afirmando-os cooperados e mediante baixa remuneração, não pagamento de horas extras, não recolhimento de contribuições sociais e previdenciárias, com evidente lesão às pessoas, ao fisco e à previdência social. É de se reafirmar que há expectativa em relação à Lei nº 12.690/2012, que trata das cooperativas de trabalho, regulamentando tal ramo cooperativo. De fato, as ações interventivas estatais, no que se refere ao fomento e fiscalização, são importantes, mas, em relação ao cooperativismo, a ação normatizadora do Estado se faz ainda mais essencial. Como frisado, os grandes problemas enfrentados pelo setor derivam especialmente da ausência de uma norma atualizada, mormente como foi reiteradas vezes observada neste trabalho. A Lei que trata do cooperativismo no Brasil − Lei 5.764/1971 − é proveniente de outra realidade política e econômica, sendo certo que sua revogação parcial, perante a necessidade de ser recepcionada pela CF/1988303, não foi suficiente, tratando-se hoje de um diploma praticamente obsoleto. Não se pode deixar de frisar que desde há muito existem projetos tramitando sobre o assunto, mas a maioria tem sido arquivada por falta de vontade política e evidente enfraquecimento do setor. 301 NASCIMENTO, Fernando Rios. Cooperativismo como alternativa de mudança. Rio de Janeiro: Forense. 2000. p. 14. 302 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. 303 Idem, ibidem. 103 Tal situação acarreta visíveis problemas para o sistema, mormente no que se refere ao papel da OCB, instituída como órgão representativo do cooperativismo brasileiro, mas que não está devidamente amparada pela legislação. Nesse sentido, Becho é incisivo ao afirmar: “com isso, não se sabe seguramente qual o papel jurídico dessa instituição, o que tem acarretado sérios problemas para todo o sistema”.304 Nota-se que sem um órgão fortalecido, juridicamente reconhecido para representar o setor, o sistema acaba desagregado apresentando as mazelas que impedem o avanço do cooperativismo, maculando por vezes todo o setor, por questões que poderiam ser solucionadas, caso o referido órgão representativo possuísse atribuições definidas para tanto. Nesse sentido é que a normatização do setor de forma atualizada e correspondendo às necessidades verificadas é imprescindível, onde, entre outros, devem-se definir as atribuições da OCB. A necessidade de tal normatização é premente porquanto, apesar do crescimento do setor, este tem ocorrido de forma desordenada, com o privilégio a alguns ramos e o desprestígio dos demais. É fundamental a permanência do Sistema OCB. No entanto, é forçoso reconhecer a necessidade de mudanças da sua forma de atuar para que os objetivos efetivos do ponto de vista do cooperativismo nacional sejam alcançados. Para que esse sistema alcance essa dimensão representativa, sem ignorar o conjunto dos interesses de todos os ramos e de todos os estados, é necessário incluir-se na nova lei alguns dispositivos que lhe emprestem maior alcance e maiores compromissos com critérios de paridade e justiça. Funções tais como as preconizadas na nova lei não poderão ser adequadamente exercidas se a OCB mantiver a visão simplificada e reducionista dos problemas nacionais do cooperativismo e continuar atuando com as limitações conhecidas.305 Assim, por meio de uma norma atualizada e que corresponda aos anseios do cooperativismo no Brasil, é que se poderá iniciar uma nova fase para o setor, com a condução e atenção a todos os ramos de forma indiscriminada, além de se efetivarem ações planejadas, fiscalizatórias, de modo a fortalecer o sistema. Outro aspecto refere-se à necessidade de que as políticas para o cooperativismo, bem como o órgão representativo, estejam vinculadas ao Ministério do Desenvolvimento e não ao Ministério da Agricultura, por causa do papel do cooperativismo, como sistema econômico 304 BECHO. Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo (de acordo com o novo Código Civil). São Paulo: Dialética, 2002. p.145. 305 NASCIMENTO, Fernando Rios. Cooperativismo como alternativa de mudança. Rio de Janeiro: Forense. 2000. p. 103. 104 para a consecução do desenvolvimento nacional, e também porque o cooperativismo no Brasil não se restringe apenas ao ramo agropecuário, ao contrário, existem mais 12 ramos que merecem e devem ser estimulados da mesma forma que a agricultura e a pecuária e que nada tem de pertinência com tais ramos, como é o caso do mineral, educacional, transportes, entre outros. Pela importância que se lhe atribui, mas sobretudo pelo que ele pode se tornar com apoio efetivo do estado, o cooperativismo deveria se constituir num programa vinculado ao recém criado Ministério do Desenvolvimento ou outro que se mostre apropriado, que formularia toda concepção da atuação governamental para o setor e articularia os demais ministérios em ações operativas especificas, devendo ocorrer iniciativas dos poderes executivo e legislativo com os seguintes objetivos: a. Criação de estrutura própria no Ministério do Desenvolvimento, que seria responsável pelo fomento e todas as ações do poder público voltadas ao estímulo e apoio ao cooperativismo; b. Aprovação imediata da nova legislação cooperativista, com base na proposta em tramitação do Senado; c. Revisão de programas governamentais dispersos e descontinuados em vários ministérios, que por acaso existam de forma a centraliza-los e emprestar coerência às ações; d. Formulação de um programa de desenvolvimento do cooperativismo a nível nacional, baseado em preceito constitucional.306 Tem-se que a partir de um fortalecimento do órgão representativo do setor, com o delineamento de suas atribuições, os problemas enfrentados pelo cooperativismo atualmente, e que neste trabalho foram informados, tenderão a ser minimizados principalmente no que se refere à educação para o cooperativismo. Aliás, a problemática da educação e capacitação ao cooperativismo tem sido um ponto crucial a ser enfrentado pelo setor. Verifica-se que, na realidade, os integrantes de cooperativas deveriam, antes de se tornarem membros, receber capacitação necessária para entender o sistema e refletir se de fato podem se adequar a tanto. É necessário um desprendimento da vivência capitalista para após, sim, se adequar a tal sistema, pois que, em sua essência, tal sistema supera o sentimento individual para antes pensar no coletivo. Ora, tal exercício não é simples, principalmente no Brasil onde se vivencia o sistema capitalista, onde o ter prevalece sobre o ser, onde a ideia de acúmulo de capital está arraigada em nossa cultura. De fato não é fácil, no Brasil, desprender-se das ideias essencialmente capitalistas e obstinar-se em pensamentos diversos, aliando-se ao fato de que por aqui as cooperativas em 306 NASCIMENTO, Fernando Rios. Cooperativismo como alternativa de mudança. Rio de Janeiro: Forense. 2000. p. 103. 105 sua maioria são formadas por pessoas simples, de pouca cultura e que se agregam aleatoriamente às cooperativas visando a prover sua subsistência. Dessa camada da população efetivamente aculturada é que sairão os líderes e dirigentes das cooperativas e que, aos poucos, diante do poder que lhes é outorgado pela própria norma, passam a agir em beneficio próprio, muitas vezes abandonando a atividade que lhes fez integrar a cooperativa, dedicando-se apenas a ser dirigentes. Ressalta-se o posicionamento de que não se faz oposição à ideia de que os cargos de dirigentes devam ser ocupados pelos membros da cooperativa, desde que estes sejam submetidos, anteriormente, a testes frequentes que avaliem sua capacidade, conhecimento da doutrina cooperativista. Além disso, durante toda a gestão, deveriam submeter-se a capacitações específicas e, ainda, rotineiramente apresentar declarações de bens e outros aos demais cooperados. Por óbvio que a questão da educação e capacitação para o cooperativismo pode ser facilmente solucionada com políticas públicas para o setor, mesmo porque seria um incentivo para a expansão do cooperativismo, principalmente nas regiões mais carentes, o que por certo contribuiria para a redução das desigualdades regionais. Outro problema relatado neste estudo refere-se às cooperativas fraudulentas, que também decorrem da falta de educação para o cooperativismo. Tais cooperativas denigrem o sistema, enfraquecendo-o. Sem a capacitação, com vistas à educação cooperativista, que deve ser implementada obrigatoriamente em qualquer cooperativa antes mesmo de sua efetivação, desde a ideia de surgimento dela, não há como se existirem verdadeiras cooperativas. Tal educação e capacitação devem ocorrer de forma permanente e contínua, com aprimoramentos diversos, inclusive e principalmente para os dirigentes das cooperativas de quem deve ser exigido o cumprimento de requisitos, inclusive testes de conhecimento da doutrina cooperativista. Tem-se, pois, fundamentação suficiente para se efetivar a educação nas cooperativas. Outrossim, é de se observar que, no Brasil, existe a previsão sobre o FATES, que, conforme previsão da Lei nº 5.764/1971, toda cooperativa deve estabelecer o referido fundo para o qual são destinados 5% das sobras líquidas. Portanto, existem todas as ferramentas para promover a educação cooperativista, por meio do FATES, SESCOOP e outros, bastando, assim, implementar ações no sentido de viabilizar o verdadeiro cooperativismo no Brasil, visando ao desenvolvimento nacional. 106 Tem-se como claro que a educação cooperativista é um dos grandes problemas a serem enfrentados pelo setor no Brasil. Nesse sentido, relata Nascimento: Provavelmente muitos dos profissionais engajados no cooperativismo sejam bons técnicos em suas áreas de especialização, faltando-lhes apenas conteúdo doutrinário e teórico para atuarem de forma conveniente, pois os que tenham perfil podem ser transformados em importantes multiplicadores e disseminadores do ideário cooperativista, com capacidade de operar como 307 alavancas na busca de avanços qualitativos essenciais. Acredita-se que em havendo por parte dos cooperados um verdadeiro entendimento da doutrina cooperativista agregado a uma maior efetividade do Estado, dentro dos limites outorgados pela Constituição Federal nas cooperativas, é possível, sim, otimizar o cooperativismo para a finalidade a que se destina − o desenvolvimento. No entanto, isto jamais ocorrerá se não houver o fortalecimento do setor de forma adequada, por meio de ações efetivas do Estado, nos moldes do que prevê o art. 174 da CF/1988308. 307 NASCIMENTO, Fernando Rios. Cooperativismo como alternativa de mudança. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 98. 308 BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012. CONCLUSÃO O cooperativismo está compreendido como um dos fundamentos básicos do desenvolvimento econômico-social do país, conforme determina a Constituição Federal de 1988, e, assim, encontra-se no mais alto nível do ordenamento jurídico brasileiro. Por esse motivo, lhe foi concedida proteção e apoio, almejando seu crescimento e seu fortalecimento, para que a cooperação se torne instrumento para a consecução dos objetivos da República, mormente o da garantia do desenvolvimento nacional. O Brasil, por ser um país de grande dimensão, possui diversas peculiaridades socioeconômicas e geográficas e ainda visível desigualdade social e econômica. A superação dessa desigualdade é o objetivo da Constituição Federal, especialmente em um país com essa dimensão. Os cooperados veem no cooperativismo um viés para o fortalecimento econômico, geração de renda e valorização da produção e da mão de obra. Unidos, eles têm mais força, podem alcançar maiores subsídios e requererem a promoção de políticas públicas especiais para sua área de ação. Reconhecendo a força do cooperativismo, a Organização das Nações Unidas no Brasil considerou o ano de 2012 como o ano do cooperativismo, como um mecanismo de garantia da segurança alimentar e redução da pobreza, pois as cooperativas beneficiam diretamente o pequeno agricultor ao aumentar seu poder de negociação e a capacidade de compartilhar recursos. Fortalecidos dentro de um grupo maior, os agricultores têm condições de negociar contratos melhores e preços mais justos para insumos, como sementes, fertilizantes e equipamentos. Além disso, as cooperativas oferecem condições que os agricultores dificilmente aproveitariam individualmente, como a garantia do direito a terra e melhores ofertas de mercado. O governo brasileiro tem investido em recursos e políticas públicas de financiamento e crédito para as cooperativas, mas seu desenvolvimento e fortalecimento carecem de uma política mais condizente, melhor fiscalização e ações que promovam de forma eficiente a capacitação para a atuação nesse setor. As cooperativas também carecem de fiscalização mais rigorosa, de forma a evitar o surgimento de falsas associações e maior divulgação de suas ações. Além de tudo isso, entra a questão da capacitação e preparação do cooperado, que, muitas vezes, se associa sem saber o que realmente significa fazer parte de uma cooperativa e nem como participar efetivamente dela. É necessário que o Estado intervenha positivamente no cooperativismo, outorgandolhe tratamento diferenciado na ordem tributária, buscando lhe propiciar outras espécies de fomentos, tais como linhas de crédito capazes de motivar seu desenvolvimento, diminuição das transgressões trabalhistas, incentivando a necessária instrução e educação para o setor. 108 Nesse sentido é que se defende veemente a necessidade de intervenção regulatória do setor. Para tanto, conclui-se pela necessidade de nova legislação cooperativista e pelo fortalecimento da OCB, ou seja, um órgão central, fortalecido e capaz de atender ao setor e cumprir os objetivos constitucionais, que é construir uma sociedade justa e solidária. A intervenção estatal é apresentada como um meio para se alcançar a eficiência das cooperativas e é aprofundado com a hipótese de que uma agência reguladora efetive o poder do Estado. Por ser o cooperativismo um setor que abrange atividades e pessoas, claramente se demanda maior ingerência do Estado, afim de que os interesses de grupos que orbitam em torno das cooperativas, ou mesmo consumidores de produtos, bens e serviços advindos desse setor, sejam preservados, regulamentados, fiscalizados de acordo com o que se estabelece o texto constitucional. Por tal razão, é que o Estado deve agir de modo intervencionista indireto, ou seja, para que o setor cooperativo se submeta às ações regulatórias. Tais ações regulatórias devem existir, não bastando ações esparsas e esporádicas. A proposta, para tanto, é fortalecimento da Organização das Cooperativas Brasileiras por meio de legislação que lhe atribua poderes e funções concretas no intuito de gerir o setor de fato. Isso pelo fato, entre outros, de ela já possuir a estrutura necessária, técnicos especializados, bastando apenas a adaptação e a capacitação para tal. Nesse sentido, a OCB mais fortalecida poderia exercer outras atribuições além das previstas na legislação atual como simples órgão técnico-consultivo, passando a zelar efetivamente pelos interesses do setor, dirimir conflitos de interesse entre as cooperativas e possuir um canal aberto de comunicação com os próprios cooperados e com os consumidores dos bens, produtos e serviços das cooperativas, entre outros. A partir daí,, certamente, o setor cooperativo caminhará na persecução de seu próprio desenvolvimento colaborando também com o desenvolvimento da nação brasileira. Dessa forma, considera-se que o advento de uma nova legislação que preveja de forma adequada as atribuições da OCB, fortalecendo tal órgão, permitirá uma união de forças, amparando os cooperados e as cooperativas, fiscalizando suas atividades, no sentido de evitar fraudes e prejuízos aos cooperados e à sociedade, promovendo a educação cooperativista e a orientação de todos os integrantes, além de orientação tributária e legislativa. Apoiado dessa forma, o setor tenderá a crescer e promover a distribuição equitativa de renda, gerando recursos financeiros e econômicos, para seus cooperados e para toda a sociedade, melhorando, portanto, a qualidade de vida dos membros, podendo ser excelente ferramenta para alçar o objetivo fundamental da República previsto no art. 3º, III, da CF/1988, ou seja, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais. REFERÊNCIAS ANDRIGHI, Fátima Nancy. Cooperativismo e o novo código civil. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). 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