Texto na Íntegra 0,7MB

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA
GLAUCIA SILVA LEITE
O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL DE
GARANTIA DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL
MARÍLIA
2013
GLAUCIA SILVA LEITE
O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL DE
GARANTIA DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em
Direito da Universidade de Marília, como exigência
parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob
a orientação da Profa. Dra. Maria de Fátima Ribeiro.
MARÍLIA
2013
Ficha catalográfica
Leite, Glaucia Silva
O cooperativismo como instrumento constitucional de garantia do
desenvolvimento nacional./ Glaucia Silva Leite – Marília: UNIMAR,
2013.
116p.
Dissertação (Mestrado em Direito) – Curso de direito da
Universidade de Marília, 2013.
1. Cooperativismo 2. Desenvolvimento Econômico 3. Intervenção
Estatal 4. OCB I. Leite, Glaucia Silva
CDD: 342.226
GLAUCIA SILVA LEITE
O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL DE GARANTIA
DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,
área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,
sob a orientação da Profa. Dra. Maria de Fátima Ribeiro.
Aprovada pela Banca Examinadora em ____/____/______
_________________________________________
Profa. Dra. Maria de Fátima Ribeiro
Orientadora
__________________________________________
Profa. Dra. Ana Paula Martins Amaral
__________________________________________
Profa. Dra. Marisa Rossignoli
Ao meu marido Ivan, companheiro incansável que
me acompanhou durante todo o mestrado,
Aos meus filhos amados João Marcos e Maria
Fernanda, pilastras do meu ser, motivo de orgulho
em minha vida,
À minha mãe Shirley, grande incentivadora e que
nunca deixou de acreditar que eu fosse capaz de
concluir este mestrado,
Ao meu pai Paulo, fonte de inspiração em minha
vida profissional.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por ter me dado condições de efetuar este mestrado e à intercessão de Nossa
Senhora.
À professora doutora Maria de Fátima, que, pacientemente, me orientou com
dedicação.
O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL DE
GARANTIA DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo demonstrar o papel do cooperativismo no
Brasil, como instrumento integrante da ordem econômica capaz de contribuir para o
desenvolvimento nacional. A proposta para tanto é a intervenção do Estado no
cooperativismo, conforme prevê o art. 174 da Constituição Federal de 1988, e a atualização
legislativa do setor, considerando o fato de que a Lei nº 5.764/1971 que regulamenta o
cooperativismo nacional não estar mais de acordo com a real situação das cooperativas na
atualidade. Por meio da referida lei se estabeleceriam mais atribuições à Organização das
Cooperativas Brasileiras (OCB). Outro passo seria a desvinculação do sistema do Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, vinculando-se a outro Ministério, considerando-se
seu atual perfil. Assim, a OCB, mais fortalecida, poderá outorgar aos cooperados e às
cooperativas de modo indiscriminado o atendimento devido, promovendo a educação
cooperativista e a orientação de todos os envolvidos, além de orientação tributária e
legislativa. Apoiado dessa forma, o setor tenderá a crescer e promover a distribuição
equitativa de renda, gerando recursos financeiros e econômicos, para seus cooperados e para
toda a sociedade, melhorando a qualidade de vida dessa população, podendo ser excelente
ferramenta para alçar o objetivo fundamental da República previsto no art. 3º, III, da
Constituição Federal, qual seja: a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades
sociais e regionais. Neste trabalho, a metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e
exploratória, com base em livros e artigos, além da documental, com método descritivo e
analítico. Utilizou-se, também a pesquisa dogmático-jurídica, tendo como base livros e artigos
jurídicos de diversos autores, legislação, jurisprudências e documentos governamentais e de
estudos econômicos.
Palavras-chave: Cooperativismo. Desenvolvimento. Intervenção estatal. OCB.
COOPERATIVES AS A CONSTITUTIONAL GUARANTEE OF THE NATIONAL
DEVELOPMENT
ABSTRACT: This paper aims to demonstrate the role of cooperative in Brazil, as an integral
instrument of the economy capable of contributing to national development. The proposal for
this is the Government intervention in the sector, as cited in the article 174 of the Federal
Constitution of 1988 and update the legislative sector, considering the fact that Law No.
5.764/1971 regulating national cooperative no longer agrees with the real situation of
cooperatives nowadays. Through this law wider attributions would be given to the
Organization of Brazilian Cooperatives (OBC). Another step would be to untie the system of
the Ministry of Agriculture, Livestock and Supply, linking to another Ministry, considering its
current profile. However, OBC becoming stronger may grant to the cooperative
indiscriminately due care, promoting cooperative education and guidance of all concerned, as
well as tax and legislative guidance. Supported in this way, the sector is likely to grow and
promote the equitable distribution of income. Thus creating financial and economic resources
to their members and its society, improving the quality of life of this population may be a
great tool to boost the fundamental aim of the State as cited in the article 3, III, of the Federal
Constitution: The eradication of poverty and to reduce social and regional inequalities. The
methodology used was the literature research and exploratory, based on books and articles, in
addition to the documentary with descriptive and analytical method. Research legal-dogmatic
was also used, based on books and legal articles by various authors, legislation, case law and
government documents, and economic studies.
Keywords: Cooperative. Development. State intervention. OBC.
LISTA DE ABREVIATURAS
ABCOOP
Art.
art.
BACEN
BNDES
CC
CEF
CNC
COFINS
COOPERJOVEM
DENACOOP
FAO
FATES
FGTS
FIDA
GTDN
IPTU
IRLL
IRPJ
MP
OCE
OEA
OIT
ONU
ONUBR
OQS
PAC
PL
PMA
PROCAPCRED
SESCOOP
TJLP
UNASCO
-
Aliança Brasileira de Cooperativas
Artigo
artigo
Banco Central do Brasil
Banco Nacional do Desenvolvimento Social
Código Civil
Caixa Econômica Federal
Aliança Brasileira de Cooperativas
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
Projeto de Capacitação para Jovens e Crianças
Departamento de Cooperativismo e Associativismo Rural
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola
Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste
Imposto Predial e Territorial Urbano
Imposto de Renda Sobre Lucro Líquido
Imposto de Renda Pessoa Jurídica
Medida Provisória
Organizações Cooperativas Estaduais
Organização dos Estados Americanos
Organização Internacional do Trabalho
Organização das Nações Unidas
Organização das Nações Unidas no Brasil
Organização do Quadro Social
Programa de Aceleração do Crescimento
Projeto de Lei
Programa Mundial de Alimentos
Programa de Capitalização das Cooperativas de Crédito
Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo
Taxa de Juros de Longo Prazo
União Nacional das Associações Cooperativas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................
9
1 COOPERATIVISMO............................................................................................
1.1 PENSAMENTOS E IDEAIS: O COOPERATIVISMO ATRAVÉS DOS
TEMPOS...............................................................................................................
1.2 O COOPERATIVISMO NO BRASIL..................................................................
1.2.1 Breves linhas sobre a estruturação do cooperativismo brasileiro e a
Organização das Cooperativas Brasileiras..........................................................
1.3 PRINCÍPIOS DO COOPERATIVISMO...............................................................
1.4 DEFINIÇÃO, CONCEITOS CLASSIFICAÇÃO DAS COOPERATIVAS.........
11
2 O COOPERATIVISMO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA...
2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988............................................................
2.2 AS PREVISÕES CONSTITUCIONAIS SOBRE O COOPERATIVISMO..........
2.3 OS OBJETIVOS DA REPÚBLICA E O COOPERATIVISMO COMO
INSTRUMENTAL PARA A SUA CONSECUÇÃO............................................
2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS: INSERÇÃO DO COOPERATIVISMO EM
SEU CONTEXTO...................................................................................................
2.5 O COOPERATIVISMO E A TRIBUTAÇÃO.......................................................
12
22
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39
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53
54
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68
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80
3 COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO DA ORDEM ECONÔMICA
PARA GARANTIA DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL..........................
3.1 ASPECTOS DO COOPERATIVISMO NA ORDEM ECONÔMICA
BRASILEIRA........................................................................................................
3.2 COOPERATIVISMO E O ESTADO DITO INTERVENTOR...........................
3.2.1 Políticas públicas para o setor cooperativista......................................................
3.3 O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO PARA O
DESENVOLVIMENTO NACIONAL...................................................................
101
CONCLUSÃO.............................................................................................................
107
REFERÊNCIAS..........................................................................................................
109
85
87
91
96
INTRODUÇÃO
O cooperativismo é um sistema associativo no qual pessoas livres se unem, somando
suas forças de produção, sua capacidade de consumo e suas economias, no intuito de
evoluírem econômica e socialmente, elevando seu padrão de vida e, igualmente, beneficiando
a sociedade por meio do aumento e barateamento da produção, do consumo e do crédito.
Constitucionalmente, o cooperativismo nunca esteve tão fortalecido, basta verificar o
disposto no art. 5º, XVIII da Constituição Federal (CF) de 1988 que elevou o ideal
cooperativista a um patamar nunca antes reconhecido, tratando-o como fundamento básico na
esfera econômico-social. Esse reconhecimento constitucional do cooperativismo coincidiu
com um momento histórico, de âmbito nacional e internacional, de inegável avanço no
tocante à liberdade, à democracia e à justiça social, valores estes de caráter genuinamente
coletivo e que culminaram igualmente com os ideais de cooperação, essencial para o
desenvolvimento nacional.
A noção de desenvolvimento implica aumento de bem-estar com mudança na estrutura
econômica e social; envolve toda a sociedade, em todos seus aspectos. Dessa forma, o
desenvolvimento local compreende, segundo Carvalho1, a mobilização voluntária, cujo
objetivo é originar ações com as quais se produzam sinergias entre agentes, tendo em vista
qualificar os meios de vida e assegurar o bem-estar social, e como local entende-se uma
comunidade ou região, não somente significando município ou Estado. Destarte, a união dos
locais, como comunidades, regiões e outras, se configura como importante caminho para o
desenvolvimento nacional.
Nesse sentido é que para que essas ações possibilitem a plena realização do
desenvolvimento nacional por meio das cooperativas, são necessários uma melhor
organização e o fortalecimento do setor, que possa regular as atividades das cooperativas.
O presente trabalho tem como objetivo demonstrar a importância do setor
cooperativista para o desenvolvimento nacional principalmente pela redução das
desigualdades regionais e sociais.
Observa-se que a melhor organização e regulação do setor permitirá uma união de
forças, amparando os cooperados e as cooperativas, fiscalizando suas atividades, no sentido
de evitar fraudes e prejuízos aos cooperados e à sociedade, promovendo a educação
cooperativista e a orientação de todos os envolvidos. Apoiado dessa forma, o setor tenderá a
1
CARVALHO, Eveline B. S. Estímulo à estratégia cooperativa como condição para o desenvolvimento local.
Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 31, n. 3 p. 384-395, jul./set. 2000.
10
crescer e promover a distribuição equitativa de renda, gerando recursos financeiros e
econômicos, para seus cooperados e para toda a sociedade, melhorando, portanto, a qualidade
de vida dessa população, podendo ser uma ferramenta para alçar o objetivo fundamental da
República previsto no art. 3º, III, da CF/1988, qual seja, a erradicação da pobreza e a redução
das desigualdades sociais e regionais.
Na consecução deste trabalho, inicialmente, apresenta-se uma verificação histórica das
cooperativas e seus princípios. Para tanto, foram levantados, na literatura especializada, os
fundamentos básicos e históricos com relação ao cooperativismo de uma maneira geral.
Posteriormente, o cooperativismo e a Constituição Federal brasileira foram objetos de
análise minuciosa, discorrendo sobre os objetivos da República e traçando um comparativo
entre os princípios norteadores do cooperativismo, dentro dos direitos fundamentais e o
adequado tratamento tributário ao ato cooperativo, finalizando com o cooperativismo inserido
na ordem econômica brasileira.
Finalmente, refletiu-se sobre a preocupação com a eficiência das cooperativas e com a
necessidade de dar respostas legais para esse problema em prol do desenvolvimento nacional.
A intervenção estatal é apresentada como um meio para se alcançar a eficiência das
cooperativas.
1 COOPERATIVISMO
O Brasil é um país de dimensões continentais, apresentando, dentro de suas
configurações, diversas peculiaridades socioeconômicas e geográficas, que o caracterizam
como heterogêneo e de grandes desigualdades espaciais. O país tem regiões diferenciadas,
cada uma com clima, tipo de terra e recursos naturais próprios, que modificam os fatores de
produção, resultando em renda per capita específica para cada uma de suas regiões.
Uma das graves consequências das disparidades regionais e sociais que o Brasil
ostenta é o seu nível superlativo de pobreza, decorrente da desigual apropriação e distribuição
de bens e riquezas, em contraste com a abundância de recursos e com o potencial produtivo
do país. A persistência das desigualdades ao longo da história brasileira denota que elas estão
enraizadas, ante as quais políticas de crescimento econômico e medidas compensatórias
dirigidas à população de baixa renda não têm surtido efeitos decisivos e prolongados2.
A pobreza não está localizada na insuficiente produção econômica, mas em sua má
distribuição. Ela reside nos processos de reiteração das desigualdades que explicam por que,
ao cabo de sucessivas fases de alternância entre estagnação e crescimento, o Brasil deixou de
ser um país pobre e dependente, para se converter em uma das principais economias
mundiais, desvinculando-se da pecha de ser considerado um país com um dos mais baixos
índices de desenvolvimento humano (IDHs)3. No entanto, a desigualdade regional e social
persiste.
Importante salientar que a desigualdade impede o crescimento econômico, por outro
lado, tampouco, o crescimento econômico pode diminuir as desigualdades ou mesmo
promover o nivelamento de renda ou sua divisão de forma mais justa.
As políticas públicas no Brasil têm sido destinadas à diminuição dessas desigualdades,
concentrando-se nas áreas de saúde, educação, habitação, entre outras, mas não têm sido
capazes de produzir mudanças profundas na distribuição da renda e na erradicação da
pobreza. Precisam estar direcionadas aos setores mais pobres para que induzam o
desenvolvimento deles e gerem efeitos redistributivos diretos. Essas políticas públicas devem
estar vinculadas a ações que aumentem a produtividade das atividades que proporcionem
geração de renda, e também resgatem a cidadania da pessoa humana, essencialmentedos mais
2
ASSEBURG, Hans Benno; GAIGER, Luiz Inácio. A economia solidária diante das desigualdades. DADOS –
Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 50, n. 3, 2007, p. 499-533.
3
MEDEIROS, Marcelo. O que faz os ricos ricos: o outro lado da desigualdade brasileira. São Paulo,
Hucitec/Anpocs, 2005.
12
pobres, de modo que lhes toque “uma trajetória de elevação mais acelerada dos seus
rendimentos”4.
Para Santos, as políticas públicas utilizadas atualmente no país carecem de elementos
que fomentem a transformação da atual condição de desigualdade. Uma das alternativas para
promover essa mudança e proporcionar melhores condições de empregabilidade e educação
para a população, preceituando as questões objetivas e subjetivas do conceito teórico da
hierarquia das necessidades humanas, quais sejam, comida, água, moradia, segurança,
proteção, pertencimento-amor, autoestima elevada, autorrealização subsidiadas pela filosofia
e pelos princípios cooperativistas5.
Segundo Barros, o cooperativismo seria importante instrumento de redução dessas
desigualdades, posto que a cooperação reduz custos e “[...] eleva à eficiência econômica e o
crescimento”.6
O cooperativismo está compreendido como um dos fundamentos básicos do
desenvolvimento econômico social do país na Constituição Federal de 1988 e esta, por assim
o reconhecer, elevou-o ao mais alto nível da legislação brasileira, concedendo-lhe proteção e
apoio, almejando seu crescimento e fortalecimento.
Para entender o verdadeiro motivo pelo qual os ideais cooperativistas ganharam
destaque no contexto constitucional, é necessário analisar seus fundamentos e princípios, pois
aí residem os anseios do legislador constituinte, ao apontar a cooperação como instrumento
eficaz para a consecução dos objetivos da República, mormente o da garantia do
desenvolvimento nacional.
1.1 PENSAMENTOS E IDEAIS: O COOPERATIVISMO ATRAVÉS DOS TEMPOS
Desde o primórdio dos tempos, o ideário cooperativista, baseado na solidariedade e na
ajuda mútua, se fez presente nas mais diversas manifestações sociais, sendo inerente às
relações e atividades humanas ainda que de forma sutil e imatura.
4
SALM, Cláudio. Sobre a recente queda da desigualdade de renda no Brasil: uma leitura crítica. In: BARROS,
R.; FOGUEL, M.; ULYSSEA, G. (Orgs.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente.
Rio de Janeiro: IPEA, 2007, p. 279-297.
5
SANTOS, Reginaldo C. O cooperativismo como forma de desenvolvimento humano e de inclusão social: um
estudo de caso. 2009. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social)Fundação Visconde de Cairu. Salvador, Bahia, 2009. p. 10.
6
BARROS, Alexandre R. Desigualdades regionais do Brasil: natureza, causas, origens e soluções. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2011. p. 5.
13
Oliveira reforça essa informação em uma passagem, que revela a existência desses
indícios cooperativistas durante o Império Babilônico (1792 a.C.–539 a.C.), relatando
detalhes curiosos:
No Império Babilônico (que floresceu mais tarde), na comarca banhada pelo
Tigre e pelo Eufrates, há pontos de referências mais determinados para
admitir a existência de associações cooperativas. No famoso Código de
Hammurabi há formas que revestem esse caráter. É de supor que no
comércio e nas indústrias babilônicas existissem também organizações de
caráter cooperativo. E, dado o desenvolvimento dos bancos na Babilônia, é
possível que existissem cooperativas de crédito para pequenos agricultores e
industriais.7
Na Palestina, entre os anos de 356 a 426 d.C., existia um compromisso de ajuda
mútua, por meio de um tratado denominado Bavá Camá, do qual se constatou a existência de
associações de mutualidade entre caravanas de mercadores para o seguro do gado asino8.
A doutrina também apresenta outras passagens históricas que relatam exemplos de
expressões cooperativistas no decorrer das civilizações:
Os babilônios, por exemplo, já praticavam uma certa forma de arrendamento de
terras para a exploração em comum; os gregos e os romanos conheciam sociedades
de auxílio-mútuo para funerais, seguros etc.; os primeiros cristãos esboçaram
rudimentos das cooperativas de consumo ao escolher um grupo de pessoas
encarregadas de aprovisionamento de gêneros alimentícios. A produção e o
consumo em comum, típicos dos monastérios medievais são interpretados como
cooperativas integrais por alguns estudiosos. Outros indicam as corporações de
ofícios e as sociedades de auxílio mútuo da Idade Média como esquemas
9
elementares de cooperativas ou pré-cooperativas.
Outra passagem que reafirma a existência desses indícios cooperativistas, nesse
período histórico, igualmente traz alguns detalhes curiosos:
No Império Babilônico (que floresceu mais tarde), na comarca banhada pelo Tigre e
pelo Eufrates, há pontos de referências mais determinados para admitir a existência
de associações cooperativas. No famoso Código de Hammurabi há formas que
revestem esse caráter. É de supor que no comércio e nas indústrias babilônicas
existissem também organizações de caráter cooperativo. E, dado o desenvolvimento
dos bancos na Babilônia, é possível que existissem cooperativas de crédito para
10
pequenos agricultores e industriais.
Nesse período histórico, a economia ainda permanecia tão fragmentária e
desorganizada que sequer é possível denominar-lhe um sistema econômico. A atividade
7
OLIVEIRA, Nestor Braz de. Cooperativismo: guia prático. 2. ed. rev. Porto Alegre: OCERGS, 1984. p. 18.
Ibidem, p. 18.
9
PINHO. Op. cit., p. 125-126.
10
OLIVEIRA. Op. cit., p. 18.
8
14
econômica resumia-se em segmentos doméstico-pastoris, muito peculiares às sociedades
primitivas11. Baseava-se predominantemente na agricultura familiar de subsistência e de
regadio, com o cultivo de cereais, sendo atividades secundárias, o comércio e o artesanato.
Até mesmo nas embrionárias civilizações Astecas e Incas foram encontrados vestígios
de certas formas de cooperação em suas primitivas manifestações. A investigação de sua
rotina e de seus sistemas econômico e social comprova a existência do espírito cooperativo
entre esses povos, o que faz interessante a sua análise:
Era a organização agrária que sustentava o regime dos Astecas, e tinha as seguintes
características, muito próximas das dos Incas: O Rei se reservava a soberania sobre
as terras, repartindo-as entre seus súditos para seu, deles, uso e desfrute; a
propriedade era de tipo familiar e se transmitia dos pais aos filhos; pagos os tributos
ao Rei e Senhor local, o resto do produto da terra era da família. [...] os caracteres
cooperativos são encontrados nos seguintes fatos:
1 – não eram assalariados do Rei, mas homens livres que desfrutavam do produto do
seu esforço;
2 – construíam coletivamente seus sistemas de irrigação;
3 – combatiam as pragas coletivamente;
4 – construíam obras de defesa e embelezamento no lugar que lhes correspondia;
5 – perdia a colheita de alguém, emprestavam-se sementes entre si e a operação era
realizada pelo Senhor local;
6 – celebravam coletivamente suas festas religiosas.
A essência da constituição gentílica era, inegavelmente, a cooperação de seus
membros para a produção.
O Império Incásico, assentado sobre a base econômica do labor coletivo de todos os
homens e mulheres capazes de trabalhar, atendia as necessidades da população de
forma tal que não se conhecia a miséria, não havia desocupados nem velhos
desempregados.
[...] Nos ayllus, o trabalho era comum, uma espécie de cooperativa integral moderna.
Eram sociedades agrícolas nas quais se dividiam os produtos segundo o trabalho
prestado e as necessidades de cada um. Expandindo-se pelo continente, os incas
levavam ou estimulavam essa forma de trabalho cooperativo, dividindo o trabalho e
fazendo a exploração de numerosas indústrias sobre um plano cooperativo. O Estado
12
apoiava modalidades de cooperativas de produção semelhantes às atuais.
Consta que ayllus eram unidades sociais do Império Inca, onde se firmavam vínculos
de sangue, no trabalho em comum da terra e na igualdade de crenças, e esse modelo social
fundado no espírito solidário permanece vivo até hoje no Peru.
A civilização Inca tinha sua organização econômica assemelhada ao modo de
produção asiático, visto que todos os níveis da sociedade pagavam tributos ao imperador,
baseando-se, assim, no modo de produção comunal-tributário. Admirável o alto grau de
solidariedade e cooperação humana alcançado por civilizações tão primitivas.
11
LAJUGIE, Joseph. Os sistemas econômicos. Tradução de Geraldo Gerson de Souza. 7. ed. São Paulo: Difel,
1981. p. 17.
12
OLIVEIRA, Nestor Braz de. Cooperativismo: guia prático. 2. ed. rev. Porto Alegre: OCERGS, 1984. p. 19-20,
grifo do autor.
15
O fato é que a cooperação já se fazia de certa forma eficiente desde a Idade Média,
tempo em que a economia tinha seu desenvolvimento baseado em grupos profissionais13. Era
a época da economia urbana artesanal, na qual não mais cabia o regime da coerção, do
trabalho forçado, como a escravidão ou a servidão, e a sociedade dava espaço a um regime de
profissões fechadas e organizadas. Foi a concretização do regime corporativo, que exerceu um
papel fundamental na história econômica da maioria dos países europeus.
Nessa época, por exemplo, os artesãos trabalhavam em casa e não em fábricas. Nestas,
ao contrário, eram contratados outros operários com salário inferior, o que resultava em uma
maior produção e com menor custo. Em contrapartida, tal processo dificultava a competição
com os artesãos, propiciando, dessa forma, o desemprego e tantos outros problemas sociais
decorrentes.
Contudo, esse passado da cooperação não foi tomado como objeto de um profundo e
sistemático estudo, já que esses fatos não propiciariam resultados considerados relevantes do
ponto de vista econômico.
Mas, ainda que não tenha sido matéria de destaque, tem-se a constatação de que o
ideal cooperativista apresentava suas primeiras luzes no decorrer dos tempos, pois a influência
de seus preceitos se entrelaça nas teses defendidas por filósofos e revolucionários de grande
renome para a história da humanidade.
Uma das primeiras manifestações doutrinárias, considerada como uma das precursoras
do ideário cooperativista, foi a de Plockboy, em 1659:
PLOCKBOY, um holandês que estava morando na Inglaterra procurou desenvolver
uma associação econômica preservando a propriedade, como característica singular,
objetivando atender às necessidades daquelas pessoas que faziam parte dessa
sociedade. Na época do início do desenvolvimento industrial, ele procurou aglutinar
agricultores e operários. Foi mestre na arte do incentivo com o objetivo de fazer que
as pessoas excluídas da sociedade pudessem criar uma sociedade em defesa de seus
14
interesses coletivos.
Tal como ocorreu com as ideias difundidas por Jean-Jacques Rousseau (1712-1778),
ao ressaltar a necessidade de agregação como condição para o não perecimento do ser:
Ora, como os homens não podem engendrar novas forças, mas somente unir e dirigir
aquelas que existem, não têm nenhum outro modo, para se conservarem, que o de
formar por agregação um conjunto de forças que possa sobrepujar a resistência, de
acioná-las para um único objetivo e fazê-las operar em concreto.
13
CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do Sistema Cooperativo
brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 23.
14
KOSLOVSKI, João Paulo. A evolução histórica das cooperativas. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger
(Coord.). Cooperativas e tributação. Curitiba: Juruá, 2001. p. 19.
16
Este conjunto de forças só pode nascer do concurso de muitos, mas, como é que
cada homem poderia engajar a força e a liberdade, primeiros instrumentos de sua
conservação, sem se prejudicar e sem negligenciar os cuidados que se deve? Esta
dificuldade, segundo minha opinião, poderá ser enunciada nestes termos: Encontrar
uma forma de associação que defenda e proteja de toda força comum a pessoa e os
bens de cada associado, e pela qual cada um, se unindo a todos, obedeça apenas,
15
portanto, a si mesmo, e permaneça tão livre quanto antes.
Percebem-se quão próximos estão os preceitos rousseaunianos do ideário de
cooperação, no qual cada um se coloca para o todo e aproveita o todo de cada um. Ao
compartilharem fundamentos, fortalecem, ainda mais, o argumento de que a cooperação é
inerente ao ser social e este deve fazer uso dessa prerrogativa em seu benefício e da
coletividade.
Entretanto, a formação da doutrina cooperativista só veio ser consolidada na segunda
metade do século XVIII, após a explosão da Revolução Industrial, quando seus ideais
floresceram graças ao momento propício à época para seu desenvolvimento.
Esse movimento revolucionário realmente foi um marco não só para o cooperativismo,
mas para a economia como um todo:
Ela se mostrou tão decisiva para todo o futuro da economia capitalista, tão radical
como a transformação da estrutura e organização da indústria, que levou alguns a
considerá-la como as dores do parto do capitalismo moderno, e, portanto, o
momento mais decisivo no desenvolvimento econômico e social desde a Idade
Média. Não obstante, o conhecimento e juízo mais maduros de hoje indicam
claramente que aquilo que a Revolução Industrial representou foi a transição de um
estágio inicial e ainda imaturo do capitalismo, em que o modo de produção précapitalista fora penetrado pela influencia do capital, subordinado ao mesmo, despido
de sua independência como forma econômica, mas ainda não inteiramente
transformado, para um estágio em que o capitalismo, com base na transformação
técnica, atingira seu próprio processo especifico de produção, apoiado na unidade de
produção em grande escala e coletiva da fábrica, efetuando assim um divórcio final
do produtor quanto à participação de que ainda dispunha nos meios de produção e
16
estabelecendo uma relação simples e direta entre capitalistas e assalariados.
Foi por intermédio dessas transformações advindas da Revolução Industrial que
surgiram o comunismo, o sindicalismo e, como resposta às dificuldades enfrentadas pela
classe operária, o cooperativismo, como uma forma democrática de produzir e distribuir
riquezas e como solução ao combate do desemprego17.
15
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Tradução de Mário Pugliesi; Norberto de Paula Lima. São
Paulo: Hemus, 1981. p. 26-27.
16
DOBB apud CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do Sistema
Cooperativo brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 23.
17
DOBB apud CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do Sistema
Cooperativo brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 23-24.
17
O capitalismo nessa época baseava-se no regime liberal, que, por seus métodos de
produção de substituição de trabalho manual por processos mais produtivos, como
maquinismo e divisão de trabalho, resultou em duas consequências antagônicas: o progresso
gerador de riqueza e bem-estar e o surgimento de crises periódicas de superprodução18.
A classe operária foi quem na realidade sofreu as auguras desse regime econômico,
denominado de capitalismo liberal, porquanto, diante do pouco caso do Estado perante as
questões sociais, houve um total descaso à situação do trabalhador e suas condições de
trabalho, o qual sofreu com esse regime de liberdade incontrolada que desencadeou seu
aniquilamento pela ausência de condições de trabalho. A doutrina defende que foi
o
sentimento de repulsa ao descaso estatal diante das barbáries que vinham ocorrendo com a
classe trabalhadora que fez nascer o cooperativismo, e, por isso, a expansão definitiva das
cooperativas está intimamente ligada ao período histórico da Revolução Industrial.
O movimento cooperativo moderno, assim denominado pela doutrina, surgiu
concomitantemente em quatro países da Europa, com organizações de objetivos econômicos
diversos, mas inspiradas sempre pelos mesmos princípios de solidariedade que lhe deram
origem.
Inicialmente a Inglaterra, em seguida a Suíça e depois a Alemanha e a França, que
foram os berços das primeiras sociedades cooperativas:
Enquanto na Inglaterra e na Suíça, surgiram e se disseminavam as cooperativas de
consumo, na Alemanha se formavam simultaneamente, em dois pontos diversos, as
primeiras cooperativas de crédito e na França se ensaiavam as primeiras tentativas
19
de cooperativas de produção.
Essas sociedades começaram a ser aceitas, multiplicando-se em outros países, por
influência de pensadores que formavam uma corrente liberal e que eram denominados
socialistas utópicos. Sobre esse movimento, comenta Maurer Júnior:
Surgem doutrinadores que elaboram programas sociais, como já no século XVII o
“Quaker” John Bellers, que sugere a criação de casas “comunais” e industrias
associadas.
Robert Owen (1771-1858), diretamente influenciado por Bellers, tornou-se o
dirigente de uma fábrica de New Lanark, de propriedade de um “quaker”. Aí
preocupa-se com o bem estar dos trabalhadores, dedicando-se intensamente à sua
educação, reduzindo as horas de trabalho, organizando armazéns onde pudessem
adquirir produtos a preços módicos. Mais tarde criou, nos Estados Unidos, uma
colônia de caráter comunista – a New Harmony -, que terminou em malogro.
William Thomson, irlandês e discípulo de Owen, mas dotado de talento mais prático
do que o seu mestre, escreveu, em 1822, uma obra intitulada “Inquérito sobre os
18
19
OLIVEIRA, Nestor B. de. Cooperativismo: guia prático. 2. ed. rev. Porto Alegre: OCERGS, 1984. p. 19-20.
MAURER JÚNIOR, Theodoro Henrique. O cooperativismo: uma economia humana. São Paulo: 1966. p. 25.
18
princípios da distribuição da riqueza mais conducente à felicidade humana”, na qual
expunha uma economia cooperativa de caráter voluntário.
Pelo mesmo tempo, William King, médico de Brighton e cristão devotado, grande
amigo dos trabalhadores, promoveu a organização de numerosas cooperativas.
Como resultado de seu esforço, sobretudo, chegaram a constituir-se cerca de
trezentas cooperativas. Desde 1828 até 1830 editou um jornal de propaganda, The
Co-operator.
Tanto ele, como Thomson e Owen, pensavam sobretudo em comunidades
cooperativas, antes que nas nossas cooperativas modernas, se bem que King já
insistisse na importância dos armazéns de distribuição no varejo como fator de
20
renovação econômica.
Koslovski complementa citando ainda alguns revolucionários que também
disseminavam a ideia cooperativista em seu país:
Nascido em 1772, o francês Charles FOURIER, que era discípulo de Owen, buscava
a solução do problema social através da vida em grupos comunitários, criando as
famosas falanges de 400 a 2.000 pessoas, que não tinham o caráter de comunismo,
mas tinham um trabalho comunitário importante. Um aspecto a destacar é que
Fourier definiu que os produtos obtidos pela economia coletiva seriam divididos
observando três aspectos principais: o trabalho manual, o capital, e o talento; o
talento começa a aparecer como fator importante para a organização e disciplina das
sociedades cooperativas.
Ainda na França, Philippe BUCHEZ pregou as cooperativas industriais dentro de
uma mesma categoria e desenvolveu um sistema objetivando resolver os problemas
econômicos e sociais de uma mesma categoria; e, entre 1840 a 1850, Louis BLANC,
agitador político, foi um homem de ideias brilhantes que deu praticidade à
21
cooperação na França.
Pinho assevera que “os socialistas utópicos buscavam uma sociedade mais equitativa
por meio de associações voluntárias (daí, a corrente associativista, com Owen e outros) ou de
modificações da organização da produção industrial e do trabalho, ou de modificações do
regime de trocas etc.”22 e, por isso, foram capazes de exercer grande influência sobre o
cooperativismo.
Esses pensadores trouxeram um sopro de renovação social inspirada pela consciência
cristã e alicerçada em um sistema econômico cooperativo que transcendeu toda a Europa.
Dentre eles, urge ressaltar Robert Owen, o ateísta intitulado socialista utópico, que se destaca
como o precursor moderno do cooperativismo, tornando-se referência mundial no assunto:
Robert Owen foi o precursor das cooperativas de produção; a sua atuação o política
surgiu em face de um período desestruturador da sociedade, como foi o período da
Revolução Industrial.
[...] com base nas suas experiências práticas, Owen procura demonstrar o problema
da distribuição da riqueza no capitalismo, procura também demonstrar a importância
20
MAURER JÚNIOR, Theodoro Henrique. O cooperativismo: uma economia humana. São Paulo: 1966. p. 25.
KOSLOVSKI, João Paulo. A evolução histórica das cooperativas. In: GRUPENMACHER, Betina T. (Coord.).
Cooperativas e tributação. Curitiba: Juruá, 2001. p. 20.
22
PINHO, Diva Benevides. Economia e cooperativismo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 74.
21
19
da educação como promotora do desenvolvimento de um novo homem,
demonstrando a influencia do meio, na constituição dos indivíduos e o potencial
transformador da engenharia social.
Para Robert Owen, o aspecto industrial das coisas exigia um novo tipo de
organização da sociedade, que não fosse calcada unicamente na remuneração
assalariada miserável e limitada, a subsistência da força de trabalho. Esta nova
organização deveria incorporar outros elementos na organização do trabalho,
incluindo uma nova arquitetura social, que garantisse o tempo livre, o lazer e o ócio
criativos, disponíveis, na sociedade capitalista de seu tempo, apenas para uma
parcelada elite dominante.23
Por se manifestar contrário ao sistema capitalista, ao combater o lucro e a
concorrência, principais responsáveis pelos males e injustiças sociais vigentes à época, Robert
Owen exerceu relevante influência sobre os ideais defendidos pelos Pioneiros de Rochdale24.
Interessa saber que o movimento e as ideias de alguns dos participantes do socialismo
utópico muito colaboram com o surgimento da Cooperativa de Rochdale, esta considerada
como expoente e matiz simbólico e discursivo, para a prática e doutrinas legitimadoras da
vertente cooperativista tradicional25.
Então, 1844 é tido como o ano oficial do nascimento do cooperativismo, pois, nessa
data, os vinte e oito tecelões de Rochdale, na Inglaterra, sistematizaram as regras
fundamentais a respeito do funcionamento das cooperativas. Pinho narra esse encontro:
[...] surgiu em Rochdale (distrito de Lancashire, na Inglaterra), a matriz do
Cooperativismo de Consumo, como fruto da iniciativa de vinte e oito tecelões, que
buscavam um meio de melhorar sua precária situação econômica.
Reuniram-se pela primeira vez, em dezembro de 1843, para discutir as possíveis
soluções de seus problemas de sobrevivência. Optaram pela fundação de armazém
cooperativo. Ideia defendida ardorosamente por vários deles. Durante todo um ano
fizeram economia para conseguir o capital social. Finalmente, a 24 de dezembro de
1844, inauguraram o armazém cooperativo, que iniciava suas atividades com capital
de 28 libras. Localizado em Toad Lane, em Rochdale, apresentava aos associados
26
pequena quantidade de manteiga, farinha de trigo e aveia.
Posteriormente, a Sociedade dos Pioneiros de Rochdale conseguiu ampliar muito a sua
área de atuação, partindo do consumo para diversos outros segmentos e ramos de atividade,
chegando a atingir trinta mil associados em seu apogeu, e esse sucesso se deve pela justeza de
seus princípios e de seus métodos administrativos27.
23
VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Cooperativismo: nova abordagem sócio-jurídica. Curitiba: Juruá: 2011.
p. 61-62.
24
PINHO, Diva Benevides. Economia e cooperativismo. São Paulo: Saraiva, 1977. p. 75.
25
VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Op. cit., p. 69.
26
PINHO, Diva Benevides. O pensamento cooperativo e o cooperativismo brasileiro. São Paulo: CNPq, 1982. p.
31-32.
27
VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Op. cit., p.70.
20
Interessante trazer em foco a observação condizente comentada por Oliveira ao tratar
sobre o nascimento do cooperativo puro:
Os que deveriam encontrar a fórmula, por assim dizer mágica, não seriam, como
bem disse o notável cooperativista argentino Repetto, “nem doutores, nem
engenheiros, nem sequer procuradores, profissões que, na época, tinham sensível
importância”.
Os que a encontraram foram 28 rudes tecelões de mãos calejadas, de Rochdale,
Inglaterra, que sofreram o aviltamento dos salários diante da mão-de-obra excedente
ou, enfrentando o desemprego, reuniram-se, segundo conta Holyoake, numa tarde
úmida, sombria e triste de novembro do ano de 1843, para debater as suas
dificuldades.
Sob a inspiração de um deles, Howarth, um simples curtidor que fora discípulo de
Robert Owen, organizaram um novo sistema de vida, a primeira associação baseada
28
no Cooperativismo puro.
Mas, por trás de tanta simplicidade, havia um projeto concreto e bem-estruturado,
repleto de ideias advindas do movimento denominado socialismo utópico, que exigiu todo um
planejamento de seus associados que, pacientemente, por um ano se prepararam, pouparam e
formaram um singelo capital social.
O projeto dos Pioneiros partia da constatação de que eram explorados pelos donos
dos meios de produção e dos armazéns, por isso da imposição deles queriam se
desamarrar. As compras em comum abririam, imaginavam, um modo novo para
sobrevivência um pouco mais digna, se pudessem comprar mais barato os bens de
subsistência básicos. Os consumidores (ponta extrema de todo processo econômico)
– assim consideravam os Pioneiros – eram escravizados duas vezes: no trabalho sem
limite de horas e de esforço a serviço dos patrões, e na submissão àqueles que
detinham o capital e só pensavam em lucro. Mantida essa situação, a tendência seria
o crescimento incontido e vergonhoso da miserabilidade humana. O projeto dos
Pioneiros significou uma reação pacifica ao que se podia denominar de ação
29
opressora dos agentes econômicos e políticos da época.
E o legado formulado por esses simples trabalhadores, de um modo geral, fundamenta
ainda hoje o movimento cooperativista em todo o mundo.
Foi o conteúdo dos estatutos rochdalianos que previu, ainda que de forma
simplificada, os princípios condizentes à estrutura e ao funcionamento da cooperativa de
consumo, que posteriormente dariam origem aos fundamentos da doutrina cooperativista30.
Os pioneiros tiveram ampla e clara visão de futuro ao imaginar, planejar e realizar
um projeto de união de pessoas para resolver seus problemas comuns. Projeto contra
a miserabilidade, contra a ganância, contra a opressão. Projeto de valorização das
28
OLIVEIRA, Nestor B. de. Cooperativismo: guia prático. 2. ed. rev. Porto Alegre: OCERGS, 1984. p. 27.
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 25. Grifo
do autor.
30
Idem, ibidem.
29
21
pessoas. Na luta para vencer as vicissitudes, agarraram-se à tábua firme da
31
cooperação, na filosofia do todos-juntos.
Viu-se então que, desde a Antiguidade até o século XVIII, diversas tentativas isoladas
e utópicas visaram à ajuda mútua e à cooperação. Contudo, nenhuma delas foi
suficientemente relevante para propor uma transformação capaz de influenciar as
manifestações sociais da época.
Porém, foi só por meio do cooperativismo, compreendido como um ideal de
organização socioeconômica democrática, proposto pela experiência de Rochdale, que
surgiram fórmulas que permitiram a criação de estruturas adequadas para viabilizar esse ideal.
A partir de então, o cooperativismo expandiu-se pelo mundo, surgindo a necessidade
de criação de um órgão congregador das cooperativas que eram criadas. Desse modo, em
1895, é instituída a Aliança Cooperativa Internacional (ACI), determinada a unificar os
interesses das cooperativas de âmbito global32.
Interessa salientar que o cooperativismo, com as devidas adaptações, foi implantado
nas regiões rurais e por algum tempo nas regiões urbanas da então União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS) − os kolkhozy −, experiência que persistiu até o final do regime.
Os kolkhozy eram inicialmente agrupamentos de camponeses que exploravam
cooperativas. Tais camponeses possuíam o usufruto indiviso da terra, dos animais e das
máquinas que integravam o kolkhoz.
Nessas cooperativas, o trabalho era organizado coletivamente e a renda dividida entre
os cooperados.
Assim, conforme Lajugie,
Cada membro do kolkhoz conserva o usufruto individual de sua residência, de sua
capoeira e de sua horta, e explora-os a seu bel-prazer. Após a entrega das
quantidades prescritas pelo plano, tem ele o direito de vender, individualmente, os
produtos que lhe tocaram em pagamento de seu trabalho, e os provenientes de sua
33
pequena economia familial, no mercado kolkhoziano.
Não se deve deixar de tratar dos kibutzim em Israel, na prática do cooperativismo
integral, assim ressalta Véras Neto:
Entre as formas de cooperativas “integrais destacam-se especialmente os Kibutzin
israelitas, cuja importância econômica e social é colocada em evidencia justamente
31
Idem, ibidem, p. 30.
CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do Sistema Cooperativo
brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 27.
33
LAJUGIE, Joseph. Os sistemas econômicos. 7. ed. São Paulo: Difel, 1981p. 124.
32
22
em um país onde o movimento cooperativista é extremamente variado e complexo.
Israel, como se sabe, é cognominado muito apropriadamente de “pais das mil e uma
cooperativas quer no setor agrícola (como os Kibutzin e os diversos tipos de
moschavim), industrial (desde as cooperativas de artesãos às grandes industrias
modernas) de consumo (que se encarregam do abastecimento dos centros urbanos)
quer no setor de serviços em geral (transporte de passageiros e de mercadorias,
34
restaurantes, hotéis, estabelecimentos de diversões, centros culturais etc.).
Atualmente, pode-se constatar a existência de cooperativas em praticamente todo o
mundo, sendo certa a sua inserção nas Constituição de vários países, independentemente do
sistema econômico, como é o caso do Brasil, México, Cuba, Espanha, Portugal, China, entre
outros. Igualmente, organismos internacionais, como a Organização Internacional do
Trabalho (OIT), Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações
Unidas (ONU), desde meados do século XX, reconhecem, apoiam e conclamam o
cooperativismo, “[...] por reconhecerem no sistema cooperativo o meio capaz de fomentar o
progresso econômico e social [...]”.35
É de se observar um especial avanço do cooperativismo na atualidade nos Estados
Unidos, onde existem mais de 120 milhões de cooperados, bem como no Canadá e na
Noruega, países em que 33% dos cidadãos integram o sistema cooperativo36.
Apesar das crises vivenciadas nos últimos anos, na Europa, mesmo que de forma
heterogênea, o cooperativismo vem se expandindo, talvez até pela existência, desde 2003, de
um marco legal unificador, a partir da entrada em vigência do Regulamento do Conselho nº
1.435, de 22 de julho de 2003, que regula a criação da figura da Sociedade Cooperativa
Europeia37.
O progresso do movimento cooperativista, em maior ou menor grau, revela o
reconhecimento de um sistema capaz de promover o desenvolvimento econômico e social de
comunidades e nações.
1.2 O COOPERATIVISMO NO BRASIL
Neste capítulo faz-se menção a algumas leis que tratam do cooperativismo. No
entanto, o rol não é exaustivo, considerando-se que não é o objetivo do presente estudo a
análise circunstanciada do conteúdo legislativo sobre o tema.
34
VÉRAS NETO apud PINHO, Diva Benevides. O pensamento cooperativo e o cooperativismo brasileiro. São
Paulo: CNPq, 1982. p. 31-32.
35
CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do Sistema Cooperativo
brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 34.
36
Idem, ibidem, p. 30.
37
Disponível em: <http://www.cooperamais.org/index.php/pt/homepage-8/europa-pt>. Acesso em: 3 nov. 2012.
23
As primeiras ideias de cooperação surgidas no país vieram com os jesuítas, no início
do século XVII, que utilizavam métodos europeus para catequização e organização do
trabalho indígena, de forma que estes realizassem o trabalho de forma coletiva. Entretanto, os
indígenas já trabalhavam com base no auxílio mútuo, prática consolidada entre eles38.
Koslovski corrobora com essa afirmação: “[...] os jesuítas, que disseminaram a ideia da
cooperação, criando um modelo de sociedade solidária com base no trabalho coletivo entre os
indígenas”.39
A Colônia Teresa Cristina, no interior do Paraná, fundada em 1847, é considerada
como o marco inicial do cooperativismo no Brasil40. Ela foi criada para solucionar os
problemas enfrentados pelos colonos brasileiros, por exemplo, o difícil acesso ao mercado e a
pouca valorização dos produtos agrícolas, que impediam novas oportunidades de acesso aos
bens culturais e ao mercado formal. Doutrina Schallenberger que:
Católicos e evangélicos luteranos tiveram uma similar percepção do problema: para
superar as suas limitações; os colonos deveriam unir-se em associações ou
sociedades. Surgiu assim e desta apreensão, sob a liderança do padre Theodor
Amstad, em 1900, a Associação Rio-grandense de Agricultores -Bauerverein -,
detalhadamente estudada por Rambo (1988). Essa associação teve um caráter
interconfessional e ocupou-se de questões centrais como: promoção da vida
associativa, assistência social, formação de poupança e crédito agrícola, colonização
41
e melhorias no universo da produção familiar.
Apesar de todos os esforços, a Colônia Tereza Cristina não progrediu. Anos mais
tarde, imigrantes poloneses, ucranianos, alemães e alguns brasileiros se instalaram na mesma
região e fundaram a Colônia Cândido de Abreu, que progrediu graças à atuação de seus
moradores, sendo elevada à categoria de município em novembro de 195442. Observa-se,
portanto, que as ações cooperativistas dessa época possibilitaram o desenvolvimento da
região.
A abolição da escravatura e, sequencialmente, a proclamação da República e a
promulgação de sua Constituição formaram um terreno fértil para a germinação do
cooperativismo. Pinho traça algumas considerações sobre o assunto:
38
KLEIN, Fabrício. O apoio e o estímulo ao cooperativismo na Constituição Federal. In: KRUEGER, Guilherme
(Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos,
2008. p. 165-166.
39
KOSLOVSKI, João Paulo. A evolução histórica das cooperativas. In: GRUPENMACHER, Betina T. (Coord.).
Cooperativas e tributação. Curitiba: Juruá, 2001. p. 20.
40
Idem, ibidem, p. 21.
41
SCHALLENBERGER, Emeldo. Cooperativismo e desenvolvimento comunitário. Revista Mediações,
Londrina, v. 8, n. 2, p. 17, jul./dez. 2003..
42
Idem ibidem, p. 18.
24
[...] além da maioria da mão-de-obra ser escrava, os poucos trabalhadores europeus
que começavam a se instalar nos principais centros urbanos do País (especialmente
Rio de Janeiro e São Paulo) sentiam maior necessidade de organizar associações
mutualistas e reivindicativas. É que na sociedade patriarcal da época, de bases rurais
e imposição autocrática, os poucos trabalhadores livres não dispunham de qualquer
amparo previdenciário ou trabalhista. A partir de 1891, entretanto, alguns fatores
contribuíram para o aparecimento das primeiras cooperativas brasileiras: de um lado,
43
a Constituição Republicana de 1891 assegurou a liberdade de associação e o
Estado começou a legislar sobre o associativismo rural; de outro lado, os graves
problemas que caracterizaram a crise estrutural do fim do Império e começo da
44
República levaram à recomendação do Cooperativismo.
Destarte, as sociedades cooperativas, nos padrões atuais, somente surgiram após a
promulgação da Constituição de 1891, que, em seu art. 72, § 8º, assegurou a liberdade de
associação:
Art. 72 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança
individual e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 8º - A todos é lícito
associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a
polícia senão para manter a ordem pública.45
Ainda que não se tenha tratado especificamente do cooperativismo, essa previsão
constitucional permitiu que o Estado começasse a legislar sobre o associativismo rural. Em
consequência dos graves problemas enfrentados pela transição entre Império e República, o
ideário cooperativista passou a ser recomendado pela economia da época46. Nos anos
seguintes, outras cooperativas e não só de consumo foram se estabelecendo, advindas
principalmente da região Centro-Sul do país, como relatam Pinho e Klein:
[...] foi no setor de consumo dos centros urbanos que surgiram as primeiras
cooperativas brasileiras, no fim do século XIX: a Associação Cooperativa dos
Empregados da Companhia Telefônica, em Limeira, no Estado de São Paulo (1891);
a Cooperativa Militar de Consumo no Rio de Janeiro, então Distrito Federal (1894),
47
a Cooperativa do Proletariado Industrial de Camaragibe, em Pernambuco (1895) e
48
a Cooperativa de Consumo dos Empregados da Cia. Paulista de Campinas (1897).
43
BRASIL. Constituição (1891). Diário Oficial [da] República dos Estados Unidos do Brasil. 24 fev. 1891.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao91.htm>. Acesso em: 21 set.
2012
44
PINHO, Diva Benevides. O pensamento cooperativo e o cooperativismo brasileiro. São Paulo: CNPq 1982. p.
118-119.
45
BRASIL. Op. cit.
46
PINHO, Diva Benevides. Op. cit. p. 121.
47
Idem, ibidem, p. 119.
48
KLEIN, Fabrício. O apoio e o estímulo ao cooperativismo na Constituição Federal. In: KRUEGER, Guilherme
(Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos,
2008. p. 167-168.
25
Como ocorreu na Europa, a evolução do cooperativismo brasileiro está intimamente
ligada aos acontecimentos históricos que formularam um contexto socioeconômico favorável
a sua implantação. A partir de 1902, surgem as primeiras experiências das caixas rurais do
modelo Raiffeisen, no Rio Grande do Sul, e, em 1903, a promulgação do Decreto nº 979, de 6
de janeiro de 190349, facultou aos profissionais da agricultura e indústrias rurais a organização
de sindicatos para defesa de seus interesses. Ainda que esse diploma legislativo não tratasse
especificamente do cooperativismo, por usar em sua redação o termo “sindicatos”, este é
considerado o março legislativo inicial do cooperativismo no Brasil, pois o seu conteúdo
continha o ideal do mutualismo, tão característico das organizações cooperativistas. Além
disso, embora essa norma esteja voltada à oficialização dos sindicatos rurais, em seu art. 10, é
possível comprovar a intenção de se incentivar o mútuo ao fazer inserir a existência de caixas
de crédito, cooperativas de produção e de consumo50.
Sobre essa norma, esclarece Kolovski:
Em relação à legislação, tivemos a primeira em 1903, no Decreto Legislativo
979, enquanto que a primeira cooperativa foi constituída anteriormente. A
primeira cooperativa, portanto, teve a sua constituição baseada em uma
legislação que não era uma legislação cooperativista.51
Por tais motivos é que a doutrina reconhece o Decreto nº 979/1903, como o ato
normativo que deu início ao reconhecimento do cooperativismo pelo Congresso Nacional
brasileiro. Todavia, a primeira norma que efetivamente inseriu e normatizou a existência de
cooperativa no ordenamento jurídico foi o Decreto nº 1.637, de 5 de janeiro de 1907. Este
previu a criação dos sindicatos profissionais e sociedades cooperativas especificamente,
inserindo a expressão no contexto da norma e expandiu a criação de sindicatos a outros
setores profissionais e de sociedades cooperativas, além da atividade rural. Ademais, em seu
texto, já aprofunda um pouco mais a matéria, ao vedar a participação de terceiros nas
sociedades cooperativas e tratar da variação de capital52. Ressalta Klein53 que uma das
características do ordenamento jurídico brasileiro da década de 1900 era de que as
49
BRASIL. Decreto n. 979, de 6 de janeiro de 1903. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
decreto/Historicos/DPL/DPL979.htmimpressao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
50
CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo
brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 42.
51
KOSLOVSKI, João Paulo. A evolução histórica das cooperativas. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger
(Coord.). Cooperativas e tributação. Curitiba: Juruá, 2001. p. 23.
52
Idem, Ibidem, p. 23.
53
KLEIN, Fabrício. O apoio e o estímulo ao cooperativismo na Constituição Federal. In: KRUEGER, Guilherme
(Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos,
2008, p. 171.
26
cooperativas eram instituídas independentemente de qualquer legislação; primeiro fundava-se
a cooperativa, depois se criava a lei que a disciplinava.
Ressaltam Silva et al.54 que, no início do século XX, o cooperativismo sofreu as
pressões da economia internacional aliada aos processos de organização dos estados-nação na
América. Instaurou-se uma forma de atuar do Estado em que a questão social das áreas rurais
e de colonização passou a ser elemento tangencial e secundário nas propostas e nos projetos
de desenvolvimento. Nas três primeiras décadas, os imigrantes tiveram um papel de destaque
porque foram capazes de desenvolver suas próprias soluções para questões de fundo. Tal fato
marcou o cooperativismo de forma singular, porque o associativismo se evidencia como
alternativa concreta para evitar a dissociação crescente da vida cotidiana (universo
instrumental da economia) dos valores e sentidos que pautavam o comportamento das pessoas
(universo simbólico das culturas) e o vazio social e político das áreas/regiões de colonização.
Nesse período, o cooperativismo traduz ações estratégicas individuais e coletivas cuja meta
não é criar outra ordem social, mas acelerar as mudanças, o movimento, a circulação de
capitais, bens, serviços, informações, atuando como substituto do Estado na promoção do
desenvolvimento nas áreas rurais.
Também, em 1907, foram criadas as primeiras cooperativas agropecuárias no Brasil,
sendo pioneiro o Estado de Minas Gerais55, mais especificamente do café, tendo o apoio do
então governador João Pinheiro, idealizador de um projeto cooperativista que rendeu ao café
mineiro isenções fiscais e estímulos materiais56. Corrobora Kolovski,
Em 1907 foram constituídas as primeiras cooperativas agropecuárias no país,
em Minas Gerais, basicamente todas elas respaldadas na cultura do café,
inclusive como apoio importante do governador, na época, João Pinheiro. O
governo deu suporte para que essas cooperativas pudessem funcionar de
forma adequada, dando sustentação a esse setor. Depois tivemos as
cooperativas do Sul do país, principalmente as vinculadas às colônias de
imigrantes [...].57
Ainda que tenham existido vários fatores que o favoreceu, o processo cooperativista
brasileiro mostrou-se lento, isto por causa, fundamentalmente, da falta de respaldo oficial
desde sua origem. Essa falta de intervenção estatal também propiciou, no início do século XX,
54
SILVA, Emanuel Sampaio et al. Panorama do cooperativismo brasileiro: história, cenários e tendências.
uniRcoop, v. 1, n. 2, p. 86-88, 2003.
55
Idem, ibidem, p. 78.
56
KLEIN, Fabrício. O apoio e o estímulo ao cooperativismo na Constituição Federal. In: KRUEGER, Guilherme
(Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos,
2008. p. 169.
57
KOSLOVSKI, João Paulo. A evolução histórica das cooperativas. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger
(Coord.). Cooperativas e tributação. Curitiba: Juruá, 2001. p. 22.
27
a integração dessas cooperativas com movimentos de caráter anarquista, o que fez com que
essas sociedades desvirtuassem de seu fim e não alcançassem o desenvolvimento almejado.
Conforme lecionam Teixeira Júnior e Ciotti58, ao comentarem o Decreto nº
1.637/1907, as cooperativas podiam ser constituídas como sociedades anônimas, em nome
coletivo ou em comandita, e seriam reguladas pelas leis desses tipos societários, juntamente
com as modificações estabelecidas pelo referido Decreto.
Klein59 esclarece que o atual regime jurídico disponível veio com o Decreto nº
22.239/1932. Dessa forma, a partir de 1932, a legislação brasileira, exercendo uma função
política, foi capaz de consolidar a intervenção do Estado na estrutura fundiária do país e
promover um crescimento considerável no movimento cooperativo. Tanto que o governo
Getúlio Vargas, ainda que mantivesse o controle estatal, trouxe nítido caráter protecionista e
incentivador aos movimentos profissionais, característica típica do regime da época,
revogando o Decreto nº 22.239/32 por meio da edição do Decreto nº 24.647, de 10 de julho de
193460.
Véras Neto comenta os objetivos dessa manifestação legislativa:
O estímulo ao cooperativismo objetivava principalmente garantir o
surgimento de uma camada de pequenos proprietários; o Estado reconhecia
formalmente o cooperativismo através dos mecanismos jurídicos
representados pelo novo aparato legal, racionalmente elaborado a partir do
governo Vargas. A partir das novas premissas legais, várias cooperativas
buscaram assim a sua regularização jurídica, mesmo após o fracasso das
primeiras experiências cooperativas no início do século, crendo na nova
estrutura legal e no incentivo governamental constituído na Era Vargas. A
criação de cooperativas foi estimulada, principalmente a daquelas
cooperativas formadas por colonos nos Estados do sul brasileiro, com mais
ênfase, no Estado do Rio Grande do Sul.61
As décadas de 1940 e 1970 foram um período caracterizado como de tutela e controle.
Essa nova configuração do comportamento social se consolidou, fincando raízes na ação
social e no próprio processo social. Do surgimento de cooperativas de eletrificação rural e
telefonia (1941), das primeiras federações de cooperativas (1952) e do desdobramento
acentuado das cooperativas de produção (madeira, tritícolas, 1956), percebe-se a
58
KLEIN, Fabrício. O apoio e o estímulo ao cooperativismo na Constituição Federal. In: KRUEGER, Guilherme
(Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos,
2008. p. 173.
59
Idem, ibidem, p. 173.
60
CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo
brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 46.
61
VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Cooperativismo: nova abordagem sócio-jurídica. Curitiba: Juruá: 2011.
p. 104.
28
complexidade do movimento na emergência de empreendimentos tão diversificados quanto
complementares. A nova configuração da economia marcada pelo cenário internacional de
pós-guerra concorre para uma política governamental de incentivo às cooperativas de
produção, que desenha, a partir do setor produtivo rural (mais significativo economicamente),
um cooperativismo crescente, mas cada vez mais dependente das políticas do Estado62.
Em consequência das políticas do Governo Federal da época, concedendo isenções
tributárias e facilidades de crédito, houve um crescimento significativo de um movimento
cooperativismo passivo que reagiu apenas aos estímulos de um modelo econômico
determinado pelo Estado. Foi nesse período que surgiram as cooperativas habitacionais
(1963) e ocorreu o declínio das cooperativas de crédito rural, motivado pela lei de Reforma
Bancária de 1964, causando o desaparecimento de quase todas as cooperativas. Nesse
período, o cooperativismo deixou de ser um espaço plural e democrático para se transformar
em um instrumento das políticas governamentais e de apoio ao modelo econômico
agroexportador63.
A regulamentação das cooperativas como sociedade fez com que ocorresse estagnação
no setor, visto que o Estado adotou rígidas medidas em relação ao cooperativismo, refletindo
a situação vivenciada pelos brasileiros nesse período histórico, com a tomada do poder civil
pelos militares, em 1964, época em que a política brasileira passou a ser regida por Atos
Institucionais e não pela Constituição Federal de 194664,65.
A partir de então, se iniciou o terceiro período do cooperativismo no Brasil,
caracterizado pelo centralismo estatal e pelas restrições ao funcionamento de cooperativas de
seguro, de crédito, entre outras66. O primeiro passo ocorreu com a revogação, pelo então
Presidente Castello Branco, do Decreto nº 24.647/1934 por meio do Decreto-lei nº 59, de 21
de novembro de 1966,67 que apresentou a definição da política nacional de cooperativismo e
também criou o Conselho Nacional do Cooperativismo. Logo após, iniciou-se o período de
62
SILVA, Emanuel Sampaio et al. Panorama do cooperativismo brasileiro: história, cenários e tendências.
uniRcoop, v. 1, n. 2, 2003. p. 88-89.
63
Idem, ibidem, p. 90.
64
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 71.
65
BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil 18 set. 1946. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
66
PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 225.
67
BRASIL. Decreto-lei n. 59/1966. Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.
action?id=191026&tipoDocumento= DEL&tipoTexto=PUB>. Acesso em: 21 set. 2012.
29
renovação estrutural, com a criação da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e,
posteriormente, o advento da Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 197168.
Para Koslovski69, a fase áurea do cooperativismo ocorreu de 1971 até 1984, época na
qual o setor tinha apoio governamental, programa de organização fortemente apoiado pelo
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), na época, tido como órgão
regulador do cooperativismo, recursos fartos e apoio no desenvolvimento de projetos para
organização, disciplinamento e crescimento do setor. É dessa época, inclusive, o surgimento
de vários ramos do cooperativismo, como cooperativas de crédito, médicas, entre outras.
O processo de modernização e industrialização da agricultura fez emergir outros
setores do cooperativismo nacional, como as cooperativas de crédito e o de saúde, na década
de 1970 e 1980. Neste ínterim, o setor industrial e o de serviços passam a ser os principais
responsáveis pelo produto interno bruto (PIB) brasileiro, incrementando a participação, em
termos percentuais, das cooperativas de trabalho no setor cooperativo brasileiro. A partir da
década de 1970, o setor de serviços inicia seu desenvolvimento no cooperativismo brasileiro e
passa a ter uma crescente participação no PIB70. No entanto, o setor cooperativista de produção
rural nunca perdeu seu lugar de principal objeto de dedicação estatal quando se trata de
cooperativismo.
Apesar disso, a desigualdade econômica brasileira permaneceu elevada entre 1970 e
200071. Assim, ao final dos anos de 1990, a sociedade mostrava-se segmentada em dois
grupos distintos: “uma massa homogênea, formada por uma população de baixa renda e uma
pequena, porém rica, elite”.72
Outra característica evidente nesse período, e que se caracteriza até os dias atuais, é a
concentração de renda nas regiões Sul e Sudeste em detrimento das demais, sobremaneira, em
relação à região Norte e interior do Nordeste.
68
BRASIL. Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o
regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5764.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
69
KOSLOVSKI, João Paulo. A evolução histórica das cooperativas. In: GRUPENMACHER, Betina T. (Coord.).
Cooperativas e tributação. Curitiba: Juruá, 2001.p. 24.
70
SILVA, Emanuel Sampaio et al. Panorama do cooperativismo brasileiro: história, cenários e tendências.
uniRcoop, v. 1, nº 2, 2003, p. 90.
71
NERI, Marcelo. A Dinâmica da Distribuição Trabalhista. In BARROS, R.; FOGUEL, M.; ULYSSEA, G.
(Orgs.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Rio de Janeiro: IPEA, 2007. p. 207235.
72
MEDEIROS, Marcelo. O que faz os ricos ricos: o outro lado da desigualdade brasileira. São Paulo,
Hucitec/Anpocs, 2005. p. 249.
30
A Lei nº 5.764/1971, já citada, é a reguladora do sistema cooperativo brasileiro até os
dias atuais, ainda que existam várias ressalvas sobre as revogações surgidas com a
promulgação da Constituição Federal de 1988.
Menezes doutrina que:
A Lei n. 5.764/71 foi elaborada dentro do Ministério da Agricultura com o
assessoramento de grupos militantes do Movimento. A nova lei veio com
claras características intervencionistas do Estado, a partir da exigência de
registro prévio das cooperativas para funcionamento. Criou o Conselho
Nacional de Cooperativismo – CNC, de função normatizadora (o CNC
deixou de existir a partir da Constituição de 1988), no qual se deveriam
73
cadastrar todas as cooperativas, além do registro obrigatório na OCB.
Importa ressaltar que a Lei nº 5.764/1971 foi aprovada e sancionada na vigência do
Ato Institucional nº 5 (AI-5), caracterizado pela imposição de um regime extremamente
autoritário, com a figura de um Estado altamente intervencionista, que tinha como objetivo o
controle da organização da sociedade civil.
Por isso, nada mais natural que a lei regulamentadora das atividades cooperativistas,
advinda dessa época histórica, contivesse algumas restrições decorrentes da forte intervenção
estatal em seu funcionamento.
Contudo, diante de um novo momento político, sobreveio a Constituição Federal de
1988, resultado de uma Assembleia Nacional Constituinte eleita democraticamente, carregada
de ideais, dentre eles, a liberdade de organização da sociedade e a mínima intervenção estatal
sobre tais entidades, confrontando, desta forma, as determinações da lei infraconstitucional.
Véras Neto, a respeito da questão da recepção Constitucional da Lei nº 5.764/1971,
estabelece:
De acordo com Waldirio Bulgarelli, hoje há uma certeza jurídica no que se
refere ao fato de que a lei 5.764/71 foi revogada apenas em alguns dos seus
trechos que, não foram recepcionados, pois se chocaram com a Constituição
Federal, o que foi o caso das normas intervencionistas daquele diploma legal
[...].74
Ocorre que o referido diploma tornou-se ineficiente, não há como respaldar o setor
cooperativo em uma lei editada em um momento econômico e social tão distinto do que agora
se vivencia, além de se encontrar retalhada pela colisão de ideologia com o diploma
constitucional.
73
74
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 75.
VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Cooperativismo: nova abordagem sociojurídica. Curitiba: Juruá: 2011.
p. 272.
31
É importante ressaltar que alguns dos problemas evidenciados no cooperativismo
brasileiro na atualidade decorrem em parte dessa ausência de legislação adequada, pois a Lei
nº 5.764/1971, que hipoteticamente regulamenta o setor no Brasil, tornou-se obsoleta.
A revogação parcial ocorrida em face do advento da Constituição Federal de 198875
acabou por fazer desaparecer órgãos importantes que regulamentavam o setor, sem, contudo,
outorgar a outro organismo de forma adequada as atribuições desses órgãos extintos.
Tal situação acabou por deixar o setor sem um órgão forte que de fato o
regulamentasse, pois, apesar da não extinção da OCB com o advento da Constituição Federal,
esse órgão não possui atribuições regulatórias essenciais para nortear o setor, de forma que
este possa desenvolver-se na medida em que se espera, como se verá mais adiante.
A Constituição Federal de 198876 contemplou o cooperativismo nos seguintes
dispositivos: art. 5º, XVIII; art. 146, III; art. 174 § 2º ao 4º; art. 187, VI e art. 192, dispositivos
estes que serão estudados adiante. A partir de então se iniciou um novo momento e a
expectativa de um novo papel para o cooperativismo nacional, considerando-se a sua inserção
no texto constitucional como instrumento da ordem econômica.
É importante ressaltar que houve um crescimento de cooperativas na década de 1990,
que está relacionado à elevação da taxa de desemprego e à aceleração do processo de
terceirização que impeliram os trabalhadores a buscar novas formas de organização. No final
da década de 1990, com o avanço das discussões em torno da economia solidária, terceiro
setor e a problemática de inserção dos excluídos no mercado de trabalho, surgem novos ramos
de cooperativas que começam a ocupar um espaço de destaque tanto no mercado como no
movimento cooperativista77. Foi nessa época que surgiram algumas legislações e alterações de
leis para regular o setor, por exemplo, a Lei nº 8.949, de 9 de dezembro de 199478, que
acrescentou o parágrafo único ao art. 442 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
declarando a inexistência de vínculo empregatício entre as cooperativas e seus associados e
entre estes e os tomadores de serviços daquelas. Urge salientar, porém, que, por conta de
atitudes inescrupulosas de alguns que utilizaram indevidamente de tal alteração legislativa,
em 2012, houve edição de nova lei, como se verá, que regulamentou melhor o assunto.
75
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
76
Idem, ibidem.
77
SILVA, Emanuel Sampaio et al. Panorama do cooperativismo brasileiro: história, cenários e tendências.
uniRcoop, v. 1, nº 2, 2003, p. 91.
78
BRASIL. Lei nº 8.949, de 9 de dezembro de 1994. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, 12 dez. 1994. Acrescenta parágrafo ao art. 422 da consolidação das Leis do Trabalho - CLT para
declarar a inexistência de vínculo empregatício entre as cooperativas e seus associados. Disponível em:
<http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1994/8949.htm>. Acesso em: 25 mar. 2013.
32
Outra legislação de relevância é a Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 199579, que, em
seu art. 64, altera alíquota de imposto de renda na fonte, para 1,5% das importâncias pagas ou
creditadas por pessoas jurídicas às cooperativas de trabalho, relativas a serviços pessoais que
lhes forem prestados por associados destas ou colocados à disposição. Permite, ainda, a
compensação com o imposto retido pelas cooperativas de trabalho, referente aos rendimentos
dos cooperados. Já a Lei Complementar nº 84, de 18 de janeiro de 199680, já revogada, fixou,
em seu art. 1º, II, a alíquota de 15% sobre as importâncias recebidas pelos cooperados das
cooperativas de trabalho, para manutenção da Seguridade Social.
Em 3 de setembro de 1998, foi criado pela Medida Provisória nº 1.71581,
posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 3.017, de 6 de abril de 1999, o Serviço
Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP), que integra o sistema
cooperativista nacional. Esse órgão visa a promover o desenvolvimento do cooperativismo de
forma integrada e sustentável, por meio da formação profissional, da promoção social e do
monitoramento das cooperativas, respeitando sua diversidade, contribuindo para sua
competitividade e melhorando a qualidade de vida dos cooperados, empregados e familiares.
Os objetivos desse Serviço são organizar, administrar e executar o ensino de formação
profissional, a promoção social dos empregados de cooperativas, cooperados e de seus
familiares, e o monitoramento das cooperativas em todo o território nacional; operacionalizar
o monitoramento, a supervisão, a auditoria e o controle em cooperativas; assistir as sociedades
cooperativas empregadoras na elaboração e execução de programas de treinamento e na
realização de aprendizagem metódica e contínua; estabelecer e difundir metodologias
adequadas à formação profissional e promoção social do empregado de cooperativa, do
dirigente de cooperativa, do cooperado e de seus familiares; exercer a coordenação, a
supervisão e a realização de programas e de projetos de formação profissional e de gestão em
cooperativas, para empregados, associados e seus familiares; colaborar com o poder público
em assuntos relacionados à formação profissional e à gestão cooperativista e outras atividades
79
BRASIL. Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995. Altera a legislação tributária Federal e dá outras providências.
Alterada pela Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. Alterada pela Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, de 23 jan. 1995. Disponível em
<http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/leis/Ant2001/lei898195.htm>. Acesso em: 25 mar. 2013.
80
BRASIL. Lei Complementar Nº 84, de 18 de janeiro de 1996. Revogada pela Lei nº 9.876, de 26.22.99. Institui
fonte de custeio para a manutenção da Seguridade Social, na forma do § 4º do art. 195 da Constituição Federal,
e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp84.htm>. Acesso
em: 25 mar. 2013.
81
BRASIL. Medida provisória nº 1.715-2, de 29 de outubro de 1998. Dispõe sobre o Programa de Revitalização
de Cooperativas de Produção Agropecuária - RECOOP, autoriza a criação do Serviço Nacional de
Aprendizagem do Cooperativismo - SESCOOP, e dá outras providências. Disponível em:
<http://www.portaltributario.com.br/legislacao/mp1715.htm>. Acesso em: 23 mar. 2013.
33
correlatas; divulgar a doutrina e a filosofia cooperativistas como forma de desenvolvimento
integral das pessoas; promover e realizar estudos, pesquisas e projetos relacionados ao
desenvolvimento humano, ao monitoramento e à promoção social, de acordo com os
interesses das sociedades cooperativas e de seus integrantes82.
Apesar de informações do próprio SESCOOP em relação a vários cursos de
capacitação, entre outros trabalhos, verifica-se que tais medidas não têm sido suficientes para
as necessidades do setor, principalmente no que se refere à educação para o cooperativismo.
Em que pese a importância do SESCOOP para o Sistema Cooperativo Nacional,
porquanto poderia ser o instrumento ideal para sanar os problemas do cooperativismo
brasileiro. Verifica-se a necessidade de medidas concretas para sua atuação, pois, o que lhe foi
outorgado, por meio de seus objetivos, operacionalizar o monitoramento, a supervisão, a
auditoria e o controle em cooperativas, bem como criar planos de ação para estabelecer a
verdadeira doutrina cooperativista, por meio de cursos de capacitação contínuos, deve ocorrer
de forma consistente de modo a impulsionar o setor.
Não se poderia deixar de tratar no presente estudo da Lei nº 9.867, de 10 de novembro
de 1999, que trata das cooperativas sociais no Brasil. Em que pese doutrinadores como Becho
serem taxativos no entendimento de que elas não podem ser consideradas cooperativas, não
devendo sequer submeter-se à Lei do Cooperativismo.
As distinções com as agora denominadas cooperativas sociais são evidentes.
Dentre tantas diferenças, começamos por apontar a iniciativa. É razoável
supor que cooperativas sociais não serão formadas pelas pessoas em
desvantagem (termo do tipo politicamente correto). A lei não esclarece, mas
parece serem por cidadãos ou órgãos públicos preocupados com a inserção
dos em desvantagem na sociedade e no mercado de trabalho. Já as
cooperativas verdadeiras são formadas por cooperados, que se reúnem com
83
objetivos específicos e de ordem econômica.
As referidas cooperativas sociais são constituídas visando à inserção de pessoas em
desvantagem no mercado econômico, por meio do trabalho, e fundamentam-se no interesse
geral da comunidade em promover a pessoa humana e a integração social dos cidadãos. O
referido diploma legal prevê que estão incluídas entre suas atividades, a organização e gestão
de serviços sociossanitários e educativos; o desenvolvimento de atividades agrícolas,
industriais, comerciais e de serviços.
82
SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM DO COOPERATIVISMO – SESCOOP. Capacitação e
aperfeiçoamento para as cooperativas. 2013. Disponível em: <http://www.ocb.org.br/site/sescoop/index.asp>.
Acesso em: 12 ago. 2012.
83
BECHO, Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo. São Paulo: Dialética, 2002. p. 144.
34
Claro está que, apesar da denominação de “cooperativas”, sua concepção destoa do
ideário cooperativista.
O advento da Lei nº 12.690, de 19 de julho de 2012, trouxe grande euforia para o
cooperativismo brasileiro, considerando-se que seu intuito é a regulamentação das
cooperativas de trabalho, entendido como um dos setores mais complicados do
cooperativismo nacional, diante do grande número de ações fraudulentas praticadas por falsos
cooperativistas.
A denominada Lei das cooperativas de trabalho dispõe sobre a organização e o
funcionamento das cooperativas de trabalho; institui o Programa Nacional de Fomento às
Cooperativas de Trabalho (PRONACOOP), e revoga o parágrafo único do art. 442 da CLT,
aprovada pelo Decreto-Lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943.
Como referido, alguns dos principais problemas enfrentados pelo setor são as falsas
cooperativas, denominadas cooperativas “gato”, que não passam de cooperativas de fachada,
que limitam a utilizar mão de obra, fraudando o fisco e os próprios trabalhadores que em
momento algum podem ser denominados de cooperados84.
É certo que, em algumas matérias, a Lei nº 12.690/2012 estabelece novas obrigações e
dispõe de maneira diferente da Lei nº 5.764/1971 (Lei do Cooperativismo). Contudo, havendo
conflito entre os diplomas legais ao disciplinar um mesmo instituto, prevalece o disposto na
nova legislação (Lei nº 12.690/2012).
Dentre as principais alterações e inovações trazidas pela Lei nº 12.690/2012 às
cooperativas de trabalho, merecem destaque85: a redução do número mínimo de sócios para
constituição de uma cooperativa de trabalho; instituição de direitos mínimos dos sócios;
duração do trabalho de oito horas, ressalvadas escalas e plantões, que poderão ser
compensados; repouso semanal e anual remunerados; retirada para o trabalho noturno
superior ao diurno; adicional para atividades insalubres ou perigosas; seguro acidente do
trabalho; observância obrigatória das normas de saúde e segurança do trabalho em vigor,
dentre outros; eleição de uma coordenação, com mandato de um ano, para as cooperativas de
trabalho da modalidade serviços; utilização obrigatória da expressão “cooperativa de
trabalho” no nome da cooperativa; obrigatoriedade de realização de ao menos uma assembleia
geral especial anual, sem exclusão das já previstas na Lei nº 5.764/1971 (Ordinária e
Extraordinária), entre outras.
84
BORRÉ, Tiago. A participação das “cooperativas de mão-de-obra” em licitações públicas: limites. Revista da
Advocacia Geral da União, Brasília, DF, ano ix, n. 24, p. 245-258, abr./jun. 2010.
85
Idem, ibidem.
35
Como visto, a trajetória do cooperativismo no Brasil já vem de tempos, não é recente.
Atualmente, no entanto, apenas a edição de leis não é suficiente; há necessidade premente de
reforma do setor, com o fortalecimento de órgãos que de fato regulamentem o cooperativismo
no Brasil, estimulando seu desenvolvimento e consequentemente a economia nacional.
1.2.1 Breves linhas sobre a estruturação do cooperativismo brasileiro e a Organização das
Cooperativas Brasileiras
Considerando que a forma com se estruturam as cooperativas no Brasil não é o cerne
deste trabalho, apresenta-se a organização estrutural do cooperativismo nacional de modo
para que apenas se conheça seu lineamento, para facilitar a leitura deste estudo.
Inicialmente deve-se verificar que os associados são a mola propulsora do
cooperativismo, razão pela qual a Organização do Quadro Social (OQS) é um importante
programa, pois possui um contexto educacional, informativo e integrador, sendo um
instrumento democrático dentro da cooperativa.
O art. 6º da Lei nº 5.764/1971 dispõe sobre a estrutura organizacional do
cooperativismo e assim prevê a cooperativa singular ou de primeiro grau em seu inciso I. O
objetivo da cooperativa singular é a prestação direta de serviços aos associados. “Trata-se da
primeira unidade em si mesma, com seu grupo social”86. A cooperativa singular é constituída
por um mínimo de 20 pessoas físicas, no entanto, excepcionalmente, podem ser admitidas
pessoas jurídicas cujas atividades-fim identifiquem-se com as das pessoas físicas associadas.
Recente exceção estabelece quanto ao número de associados à Lei nº 12.690/2012, sobre as
cooperativas de trabalho, que em seu art. 6º prevê a possibilidade de funcionamento com o
número mínimo de sete associados.
As cooperativas centrais e federações de cooperativas, também denominadas como de
segundo grau, estão previstas no mesmo art. 6º. da Lei nº 5.764/1971, mais especificamente
no inciso II, e são aquelas constituídas pelas cooperativas singulares em número mínimo de
três cooperativas singulares, podendo excepcionalmente admitir associados individuais. Seu
objetivo precípuo é a prestação de serviços às cooperativas singulares que lhes estão filiadas.
Menezes esclarece:
A central pode realizar para as suas filiadas muitas das atividades que cada uma
delas faria individualmente, mas com operações mais numerosas e, por isso mesmo,
custos maiores. Logo filiadas a uma central, as cooperativas podem ganhar em
86
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 181.
36
escala, reduzir custos e fortalecer estratégias de mercado pela união de projetos e de
forças, como por exemplo, prestando serviços de contabilidade, unificando sistemas
87
operacionais, realizando auditorias etc.
Por fim, a estruturação cooperativista nacional prevê as confederações de
cooperativas, também denominadas de terceiro grau, conforme inciso III do art. 6º. da Lei nº
5.764/1971. Constituem-se de, no mínimo, três federações de cooperativas e, à principio, seu
objetivo é a prestação de serviços às centrais e federações vinculadas. Porém, como bem
observa Menezes, cabe à “confederação exercer papel orientador e coordenador das atividades
das filiadas nas grandes linhas, especialmente no campo das negociações em alto nível,
representação política e defesa dos grandes projetos”88
Conforme previsão normativa da referida Lei, as sociedades cooperativas devem
estruturar-se internamente; nesse sentido é necessário um estatuto social e capital social. É de
se verificar, porém, a obrigatoriedade de outros instrumentos e procedimentos peculiares a
esse tipo de sociedade, como é que o caso dos órgãos sociais. Nesse sentido, tem-se a Assembleia
Geral, que é tida pelo setor como o órgão maior das cooperativas. A Assembleia Geral “tomará
toda e qualquer decisão de interesse da sociedade. Além da responsabilidade coletiva que se
expressa pela reunião de todos, ou da maioria, nas discussões e nas deliberações”.89 Têm-se ainda
as Assembleias Gerais Ordinárias e as Assembleias Gerais Extraordinárias.
Integram também a estrutura interna da sociedade cooperativa, como órgãos da
administração, o conselho de administração, “considerado órgão superior da administração da
cooperativa. É de sua competência a decisão sobre qualquer interesse da cooperativa e de seus
cooperados nos termos da legislação, do Estatuto Social e das determinações da Assembleia
Geral”90, e o conselho fiscal, que é formado por três membros efetivos e três suplentes. Esses
membros são eleitos precipuamente para fiscalizar a administração, as atividades e as
operações das cooperativas. “Tem por objetivo representar a Assembleia Geral no
desempenho de funções durante um período de doze meses.”91
Segundo a OCB, importante para o bom funcionamento da cooperativa é o comitê
educativo, núcleo cooperativo ou conselhos consultivos:
87
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 181.
Idem, Ibidem.
89
Disponível em <http://www.ocb.org.br/site/cooperativismo/por_dentro_da_cooperativa.asp>. Acesso em: 23
mar. 2013.
90
Idem, Ibidem.
91
Disponível em <http://www.ocb.org.br/site/cooperativismo/por_dentro_da_cooperativa.asp>. Acesso em: 23
mar. 2013.
88
37
O Comitê Educativo, Núcleo Cooperativo Ou Conselhos Consultivos – temporário
ou permanente, constitui-se em órgão auxiliar da administração. Pode ser criado por
meio da Assembléia Geral com a finalidade de realizar estudos e apresentar soluções
sobre situações específicas. Pode adotar, modificar ou fazer cumprir questões,
inclusive no caso da coordenação e programas de educação cooperativista junto aos
cooperados, familiares e membros da comunidade da área de ação da cooperativa.92
Conforme determina o art. 44 da Lei das Cooperativas, a Assembleia Geral Ordinária
deverá obrigatoriamente efetuar a demonstração de resultado do exercício, ou seja, no final de
cada exercício social deve ser apresentado, na Assembleia Geral, o Balanço Geral e a
Demonstração do Resultado, contendo informações sobre as sobras que se tratam dos
resultados dos ingressos menos os dispêndios. Tais sobras são retornadas ao associado após as
deduções dos fundos, de acordo com a lei e o estatuto da cooperativa; e também informações
sobre o fundo indivisível, que se trata de valor em moeda corrente que pertence aos
associados e não pode ser distribuído e sim destinado ao fundo de reserva para ser utilizado
no desenvolvimento da cooperativa e cobertura de perdas futuras e também ao Fundo de
Assistência Técnica Educacional e Social (FATES), bem como a outros fundos que poderão
ser criados com a Aprovação da Assembleia Geral93.
É importante salientar que todas as cooperativas no Brasil estão vinculadas às
respectivas Organizações Cooperativas Estaduais (OCEs) , que se vinculam à OCB.
A criação da OCB deu-se de forma bastante interessante. No final dos anos de 1960,
duas instituições apresentavam-se como representantes do cooperativismo brasileiro: a
Aliança Brasileira de Cooperativas (ABCOOP) e a União Nacional das Associações
Cooperativas (UNASCO). Tal disputa, por óbvio, enfraquecia o movimento cooperativo
nacional. Assim, visando a fortalecer o sistema, com a ingerência do Ministério da
Agricultura, em 1969, as duas entidades uniram-se no sentido de firmar um protocolo de
intenções para a criação de um órgão único que representasse todos aqueles que integravam
os movimentos cooperativos. Em decorrência desse protocolo, na cidade de Belo Horizonte,
MG, em 2 de dezembro de 1969, durante a sessão de abertura do 4º Congresso Brasileiro de
Cooperativismo, foi anunciada oficialmente a criação da OCB94.
Ressalta-se que a OCB é uma sociedade civil, de natureza privada, sem fins lucrativos,
de duração indeterminada, com sede na Capital da República.95.
92
Idem, ibidem.
Idem, Ibidem.
94
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 73.
95
PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 249.
93
38
Como verificado anteriormente, a princípio, a OCB exercia um papel de certa forma
representativo, considerando-se o regime político da época, que era o militarismo, no qual
nenhum órgão possuía independência ou autonomia de forma efetiva.
Ocorre que, ainda no regime militar, com o advento da Lei nº 5.764/1971, que trata do
cooperativismo no Brasil, foram instituídos outros órgãos no sistema cooperativista aos quais
foram atribuídas funções e prerrogativas no universo cooperativista brasileiro, como era o
caso do Conselho Nacional do Cooperativismo (CNC), que possuía, entre outras, a atribuição
de editar atos normativos para a atividade cooperativista.
Urge salientar que a Lei nº 5.764/1971 é clara em atribuir à OCB um caráter técnico
consultivo, devendo, entre outras funções, efetuar o registro de todas as cooperativas
brasileiras.
Conforme verificado anteriormente, com o advento da CF/198896 e por causa do
caráter mais liberal desse novo diploma constitucional, a Lei do cooperativismo foi revogada
parcialmente, uma vez que trazia em seu bojo previsões normativas que retratavam o sistema
político da época, ou seja, intervencionista.
Por ocasião da promulgação da nova Constituição, muito se discutiu sobre a revogação
total ou parcial da Lei nº 5.764/1971; no entanto, decidiu-se pela revogação parcial.
Ora, na ocasião proclamava-se a redemocratização nacional e a permanência de uma
legislação que refletisse um caráter interventor soava como heresia. Basta verificar que a
própria Constituição Federal vedou expressamente a exigência de autorização para a criação
de cooperativas, bem como qualquer interferência em seu funcionamento, nos moldes do que
prevê o inciso XVIII do art. 5º97.
Nesse sentido é que a Lei nº 5.764/1971 foi parcialmente revogada e assim se iniciou o
desamparo legislativo do setor cooperativista e a desestruturação jurídica da OCB
É claro que, para o sistema cooperativista, a recepção “retalhada” da norma não foi a
alternativa ideal, mesmo porque o sistema tornou-se “capenga”, mesmo porque, apesar da
manutenção da OCB, este, como já demonstrado, é tido como órgão técnico consultivo, ou
seja, sem forças para regular o sistema.
A esse respeito, Becho:
Dentre tantos órgãos que foram desmantelados, da antiga estrutura dse poder, restou
a Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB, que estava prevista na Lei das
Sociedades Cooperativas, artigos, 105 a 108. Todavia, a interpretação desses artigos
96
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
97
BECHO, Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo. São Paulo: Dialética, 2002. p. 145.
39
com a norma constitucional não tem sido fácil, muito menos unanime. Com isso,
não se sabe seguramente qual o papel jurídico dessa instituição, o que tem
acarretado sérios problemas para todo o sistema. Muitos dos problemas que existem
atualmente, como as verdadeiras perseguições ao cooperativismo perpetradas por
órgãos públicos do quilate de uma Secretaria da Receita Federal ou do Ministério
Público do Trabalho, poderiam não existir se tivéssemos uma clareza jurídica quanto
ao que estamos tratando.
Temos sérias dúvidas se a existência de um organismo de representação e controle
prévio ou simultâneo do cooperativismo, que aferisse por exemplo a legalidade na
aplicação da legislação viria a corrigir sérios equívocos da atualidade, que estão a
prejudicar seriamente todas as cooperativas brasileiras, notadamente as mais
corretas.98
Movimentos nacionais vêm se notabilizando em oposição à OCB, mormente em
relação a questões da unicidade de representação do setor, contestação quanto à
obrigatoriedade do registro e ainda quanto ao pagamento da contribuição cooperativista99.
Tal situação denota a fragilidade do órgão, vitima da ausência de base jurídica que lhe
dê sustentáculo para seu fortalecimento e controle do setor. Nesse sentido, é que uma nova
legislação se faz premente de modo a regulamentar de forma adequada a OCB ou outro órgão
que lhe venha substituir. Necessário, porém, que a legislação que venha regulamentar o setor
cooperativista no Brasil outorgue poderes a esse órgão representativo do setor, seja ou não a
OCB, estabelecendo suas atribuições entre as quais a de regulação do setor no Brasil;
porquanto é evidente que os problemas que atingem atualmente o cooperativismo no Brasil
decorrem essencialmente da falta de atribuições especificas da OCB, considerado órgão
representativo do cooperativismo nacional.
Sem legislação adequada que indique qual o papel jurídico desse órgão, nas palavras
de Becho, não há como esperar o exercício de funções que sequer lhe são afeitas, tampouco o
exercício de regulação do setor que é que se espera. Porquanto, tal regulação é necessária ao
cooperativismo brasileiro, para que, entre outros, este possa desenvolver-se adequadamente
dentro de diretrizes a serem estabelecidas de modo uniforme para o setor como um todo.
1.3 PRINCÍPIOS DO COOPERATIVISMO
O surgimento do cooperativismo refletiu o momento econômico vivenciado à época,
qual seja, o capitalismo liberal. Cenzi, a respeito, efetua as seguintes considerações:
98
BECHO, Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo. São Paulo: Dialética, 2002. p. 145-146. Grifo do
autor.
99
PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo:
Saraiva, 2004, p. 250.
40
Vê-se, então, que com o surgimento efetivo da Sociedade de Rochdale, em
fins de 1844, implantou-se um marco histórico as relações entre empregado
e empregador, surgindo em definitivo um novo modelo de sociedade, por
certo híbrido em face dos regimes e teorias econômicas reinantes, e de cujos
100
princípios ali estabelecidos muito se mantêm até os dias atuais.
Incontestável a importância da iniciativa próspera de Rochdale na evolução do sistema
cooperativo, tendo reflexos de amplitude mundial. Como dito, essa experiência desencadeou
um fenômeno sabiamente retratado no trecho a seguir:
A obra dos Pioneiros de Rochdale despertou a atenção de outros
trabalhadores, de estudiosos, de governos, das igrejas cristãs, de políticos.
Foi-se vendo que as pessoas, organizada e cooperativamente, eram capazes
de fazer muito para si e para outros, no difícil mundo da sobrevivência. Uma
empolgação lenta, mas convincente por causa dos resultados. Foi assim que,
já antes de findar o século XIX, pensadores, políticos, sociólogos, começaram a
estudar e – melhor ainda – a divulgar e orientar a organização cooperativa como
um fato novo, como entidade capaz de resolver problemas econômicos e sociais
101
de vasta camada das populações, especialmente dos mais fracos.
Observa-se que as notícias da prosperidade alcançada pelos rochdalianos
movimentaram o mundo e, consequentemente, despertaram interesses dos mais diversos setores
da economia e da sociedade. Alguns estudiosos se empenharam em acompanhar mais
proximamente a evolução do sistema cooperativista e dentre estes se destaca Charles Gide, que foi
um dos principais sistematizadores da doutrina cooperativista e representante da Escola Nîmes.
Os estudos realizados sobre a prática das atividades cooperativistas fortaleceram a
ideia de se compilarem os fundamentos do cooperativismo para se formar um conjunto de
princípios capazes de nortear todo o sistema cooperativo, propondo diretrizes e reforçando os
objetivos que se deseja alcançar por meio desse ideal.
Tal intenção se confirmou no momento em que a Aliança Cooperativa Internacional,
(ACI), no Congresso de Paris, em 1937, resgata a essencialidade dos princípios instituídos em
1844 para a constituição desse sistema. Pinho faz o seguinte apontamento:
[...] A missão da ACI centra-se em quatro principais objetivos: a) influir
cooperativamente sobre as políticas governamentais e legislações nacionais; b)
ajudar o desenvolvimento institucional das cooperativas em nível nacional,
reformando-o e/ou ajudando-o a criar organizações nacionais de cúpula para orientar
as cooperativas; c)concentrar-se no desenvolvimento dos recursos humanos, em
nível nacional e regional; d) mobilizar recursos, estimular agências de
100
CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo
brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 28.
101
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 90.
41
desenvolvimento para suporte das cooperativas e coordenar movimentos de
102
assistência às cooperativas.
Conveniente contemplar que, dentre as missões elencadas pela ACI, está, justamente,
a busca pelo desenvolvimento nacional e regional, objetivo este também assumido pela
Constituição Federal de 1988103 e que tem o cooperativismo apontado em sua redação como
instrumento de redução dessa problemática social.
Outra das missões da ACI, para este trabalho de extrema relevância, refere-se ao
estímulo às agências de desenvolvimento para suporte das cooperativas. É importante
observar que o reconhecimento por parte da ACI da necessidade de tais agências demonstra
claramente a sua importância, pois que se trata de elemento agregador e representativo do
setor, fortalecendo-o.
A Aliança Cooperativa Internacional foi incumbida da tarefa de normatizar e divulgar
os preceitos da doutrina cooperativista, fundamentalmente no tocante aos princípios, trabalho
este realizado com eficiência ao longo de todo o período de sua existência,.
Dessa forma, a ACI promoveu diversos congressos internacionais com o propósito de
enquadrar o tema cooperação no momento histórico vivenciado, procurando adequar seus
estudos e atender às manifestações sociais sugeridas por cooperativistas e pesquisadores.
Ao comemorar cem anos de existência, a ACI realizou, em setembro de 1995, um
congresso para deliberar sobre “O reestudo dos valores e princípios do cooperativismo e a
formulação da identidade cooperativa com os olhos voltados para o futuro, o terceiro milênio”
em Manchester, na Inglaterra, e reuniu aproximadamente 1.600 delegados, representantes das
cooperativas de vários países e também do Brasil104, apresentando os seguintes resultados:
Esse o norteamento que orientou a proclamação do Congresso Centenário de
Manchester: dar expressão nova às pedras angulares que os Pioneiros de Rochdale
assentaram em 1844. A essência dos valores e princípios é a mesma, novas são as
expressões, com o propósito de tornar mais claras e reconhecidas nossas convicções
e nossas práticas num mundo de feições e engrenagens novas. Resultou disso uma
proclamação de valores e princípios, que passaram a traduzir a identidade
105
cooperativa segundo as Deliberações de Manchester.
Dentre as deliberações feitas nesse evento, ficou instituído o seguinte: a definição de
cooperativa, bem como os valores e os princípios do cooperativismo. Conveniente observar
102
PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo:
Saraiva, 2004. p. 69. Grifo nosso.
103
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
104
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 93.
105
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 93-94.
42
que, ao dar nova roupagem aos princípios, a ACI optou por não mais dividi-los em
fundamentais e acessórios, tal como fazia até a revisão datada de 1966. Bulgarelli, ao tratar
sobre o cooperativismo, ressalta o valor desses princípios perante a implementação do sistema
cooperativista nas mais diversas economias mundiais:
Numa visão geral esses princípios exprimem o alto sentido social do sistema
cooperativo. As cooperativas, desta forma, se apresentam como entidades de
inspiração democrática, em que o capital não constitui o determinante da
participação associativa, mas, mero instrumento para a realização dos seus
objetivos; elas são dirigidas democraticamente e controladas por todos os
associados; não perseguem lucros e seus excedentes são distribuídos
proporcionalmente às operações de cada associado; nelas se observa a
neutralidade político-religiosa, o capital é remunerado por uma taxa mínima
de juros e os hábitos de economia dos associados são estimulados pelas
aquisições a dinheiro, dando-se destaque ao aperfeiçoamento do homem,
pela educação.106
Por serem as linhas orientadoras, por meio das quais as cooperativas levam os seus
valores à prática107 e por esse motivo ter reconhecida a sua maior importância, os princípios
do cooperativismo são aqui analisados.
O primeiro princípio, denominado princípio da adesão voluntária e livre, antes
denominado apenas como “adesão livre”, aduz que “cooperativas são organizações
voluntárias abertas a todas as pessoas aptas a usar seus serviços e dispostas a aceitar
responsabilidades de sócio, sem discriminação social, racial, política ou religiosa e de
gênero”108. Também denominado como “porta aberta ou princípio voluntário” pela doutrina
mais antiga, esse princípio traz algumas peculiaridades em sua aplicação, pois “sofre
restrições nas cooperativas profissionais, porquanto, a qualificação profissional, aí, é um prérequisito obrigatório”109.
O segundo princípio, denominado de princípio da gestão democrática pelos membros,
abrange o seguinte preceito:
As cooperativas são organizações democráticas, controladas pelos seus
membros, que participam ativamente na formulação das suas políticas e na
tomada de decisões. Os homens e as mulheres, eleitos como representantes
dos demais membros, são responsáveis perante estes. Nas cooperativas de
primeiro grau os membros têm igual direito de voto (um membro, um voto);
106
BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. Rio de Janeiro: Renovar,
1998. p. 12-13.
107
Idem, ibidem, p. 94.
108
VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Cooperativismo: nova abordagem sócio-jurídica. Curitiba: Juruá:
2011. p. 97.
109
NORONHA, A. Vasconcelos. Cooperativismo. Guarulhos: Cupulo, 1976. p. 29.
43
as cooperativas de grau superior são também organizadas de maneira
110
democrática.
O terceiro princípio refere-se à participação econômica dos membros e assim se
fundamenta:
Os associados contribuem equitativamente e controlam democraticamente o
capital de sua cooperativa. Ao menos parte desse capital é, geralmente, de
propriedade comum da cooperativa. Os associados geralmente recebem
benefícios limitados pelo capital subscrito, quando houver, como condição
de associação. Os sócios destinam as sobras para algumas das seguintes
finalidades: desenvolver sua cooperativa, possibilitando a formação de
reservas, onde, ao menos, parte das quais sejam indivisíveis; beneficiar os
associados na proporção de suas transações com a cooperativa; e sustentar
outras atividades aprovadas pela sociedade (associação).111
É de se observar que a doutrina americana intitula esse princípio também como parte
do “princípio da equidade”.
Esse princípio protege a atividade cooperativista de especulação, não permitindo,
jamais, que um associado tome proveito da situação de cooperador em benefício próprio,
vindo a prejudicar seus parceiros associados e terceiros que não participem dessa relação.
O quarto princípio é o da autonomia e independência e decorre da liberdade pertinente
de ser cooperado. Portanto, a proposta foi a seguinte:
As cooperativas são organizações autônomas para ajuda mútua, controladas
por seus membros. Entretanto em acordo operacional com outras entidades,
inclusive governamentais, ou recebendo capital de origem externa, elas
devem fazê-lo em termos que preservem o seu controle democrático pelos
sócios e mantenham a sua autonomia.112
Verifica-se que a autonomia opõe-se ao paternalismo, ainda que receba capital
externo, por ser adepta da liberdade individual. É sinônimo de liberdade. Tal princípio
cooperativista reflete-se no inciso XVIII do art. 5º. da CF/1988, que veda qualquer forma de
interferência no funcionamento das cooperativas.
Contudo, compreende-se que a independência defendida como princípio está ligada à
forma de organização e administração competente a seus membros, visto que, ainda que a
cooperativa receba verbas de pessoas ou incorporações externas ao vínculo cooperativista, a
110
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 94.
SOUZA, Edson Galdino Vilela de. Cooperativismo de crédito no Brasil. globalização, Estado e cidadania.
Curitiba: Juruá, 2008. p. 165.
112
VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Cooperativismo: nova abordagem sócio-jurídica. Curitiba: Juruá:
2011. p. 98.
111
44
tais entes não é dada permissão para nenhum tipo de interferência, permanecendo o controle
sempre nas mãos dos cooperados.
O quinto princípio, denominado princípio da educação, formação e informação, referese ao reconhecimento da necessidade de se investir nesse princípio como forma de garantir o
sucesso e a sequência do empreendimento cooperativista:
As cooperativas fornecem educação e treinamento a seus sócios, aos
representantes eleitos, aos administradores e empregados, para que eles
possam contribuir efetivamente ao desenvolvimento de sua cooperativa. Eles
informam ao público em geral – particularmente aos jovens e líderes de
opinião – sobre a natureza e os benefícios da cooperação.113
Na última alteração aos princípios feita pela ACI, foram acrescentados à educação
também o treinamento e a informação. Para garantir o cumprimento da referida meta no
Brasil, é previsto que as cooperativas devam reservar um percentual de suas sobras líquidas
para aplicar em educação.
Esse princípio é fundamental no Brasil, visto que não há entre os brasileiros um
entendimento adequado do que venha ser cooperativismo. Persiste inclusive, entre os que se
autodesignam cooperativistas, uma noção equivocada a respeito do assunto. A falta de
educação para o cooperativismo vem acarretado sérios problemas para o setor, porquanto o
indivíduo, ao adentrar no sistema, deve entender as suas especificidades, porquanto tal não
equivale ao sistema capitalista. Logo, valores como lucro, individualismo e outros não se
aplicam ao cooperativismo.
A educação para o cooperativismo é um instrumento fundamental para os dirigentes,
que devem ser capacitados de forma contínua para exercer tal função.
Não são poucos os casos no Brasil de dirigentes despreparados para exercer a função.
Além do que é evidente que as denominadas cooperativas “gato” derivam da má
compreensão do sistema, porquanto com a educação para o cooperativismo, e, com certeza,
tais situações devem desaparecer.
O sexto princípio é o da intercooperação e possui o seguinte fundamento: “trabalhando
em conjunto através das estruturas locais, regionais e internacionais, as cooperativas servem
de forma mais eficaz aos seus membros e dão força ao Movimento Cooperativista”114.
No contexto internacional, o exemplo da concretização desse princípio é a atuação da
ACI; já em âmbito nacional, tem-se a OCB, e essa última receberá atenção especial no
113
SOUZA, Edson Galdino Vilela de. Cooperativismo de crédito no Brasil. Globalização, Estado e cidadania.
Curitiba: Juruá, 2008. p. 165.
114
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 94.
45
decorrer do desenvolvimento da pesquisa por causa do seu papel no sistema cooperativista
brasileiro.
O sétimo princípio, denominado princípio do interesse pela comunidade, garante a
solução da problemática proposta pelo presente estudo. “As cooperativas trabalham para o
desenvolvimento sustentável de suas comunidades, através de políticas aprovadas por seus
associados”115, e este é o resultado que se espera do cooperativismo no Brasil. Portanto, no
momento oportuno esse princípio será apresentado com maior rigor, como meio concedido às
cooperativas para se reduzirem as desigualdades sociais e regionais. Ao concretizar a aplicação
desse princípio no mundo fático, o objetivo constitucional almejado estará prestes a ser alcançado.
Por enquanto, basta refletir sobre esses princípios e perceber que o cooperativismo é
capaz de implantar um sistema de produção e distribuição de riquezas, baseado em valores éticos
e democráticos que, ao instigar a participação e o debate, permite a formação de cidadania que
possibilitará a elevação dos padrões de inclusão social, respeito humano e igualdade116.
Após perfilhar o conteúdo pertinente aos princípios, acredita-se ter formado a
capacitação necessária para dar sequência nos estudos e aprimorar o conhecimento do que
venha a ser o cooperativismo como movimento, doutrina, espécie de sociedade, ou mesmo
filosofia de vida, próximo tópico a ser trabalhado.
1.4 DEFINIÇÃO, CONCEITOS CLASSIFICAÇÃO DAS COOPERATIVAS
Apontam-se neste item, os conceitos e a definição de cooperativismo e cooperativas,
além de suas classificações, conceituando-as e enumerando suas características fundamentais.
Inicialmente, urge realizar a análise etimológica das palavras cooperação, cooperativismo e
cooperativa:
Etimologicamente esses três termos derivam do verbo cooperar (do latim cooperari,
de cum e operari) que significa operar juntamente com alguém. Em cooperação,
substantivo feminino, devido ao sufixo indicativo de ação, encontramos o sentido de
ação de cooperar, prestação de auxílio pra um fim comum. Já em cooperativismo, o
sufixo ismo, de origem grega, denota sistema, doutrina e também estado, situação
que visa à renovação social através da cooperação. E cooperativa, substantivação do
feminino de cooperativo, significa a que coopera, havendo sido usada inicialmente
117
como adjetivo (em expressões como, por exemplo, sociedade cooperativa).
115
SOUZA, Edson Galdino Vilela de. Cooperativismo de crédito no Brasil: globalização, Estado e cidadania.
Curitiba: Juruá, 2008. p. 165.
116
Idem, ibidem, p. 165.
117
PINHO, Diva Benevides. Que é cooperativismo. São Paulo: Buriti, 1966. p. 43-44.
46
Das palavras de Pinho118 e, ainda, do conteúdo advindo dos princípios norteadores, é
possível estabelecer que o cooperativismo é um sistema associativo no qual pessoas livres se
aglutinam, somando suas forças de produção, sua capacidade de consumo e suas economias
no intuito de evoluírem econômica e socialmente, elevando seu padrão de vida e, igualmente,
de beneficiar a sociedade por meio do aumento e barateamento da produção, do consumo e do
crédito119.
Pinho é quem melhor aborda os aspectos do cooperativismo:
Movimento nascido nos meios populares da Europa Ocidental de meados do século
XIX, para uma ação pacífica de defesa e de emancipação sócio-econômica de
trabalhadores urbanos e rurais; Doutrina surgida originariamente em oposição ao
capitalismo desbragado, mas que depois reagiu também contra os sistemas
econômicos que se instalaram em vários países, embasados em crescente
intervencionismo estatal ou no socialismo revolucionário; e Técnica organizadora
120
dos usuários-empresários cooperativados.
Em outro viés, Nascimento defende:
Para melhor entendimento, poderia ser considerado como um regime econômico,
com grande eficácia para corrigir disfunções dos sistemas econômicos e a forma
correta para que os indivíduos realizem, em grupo, objetivos econômicos que teriam
121
dificuldades de alcançá-los sozinhos.
Quanto ao conceito dado para as cooperativas, inicia-se pelas considerações feitas pela
Aliança Cooperativista Internacional, por se tratar do órgão de representação internacional do
movimento e que tem como principal objetivo uniformizar entendimento sobre o assunto:
Cooperativa é uma associação autônoma de pessoas que se unem, voluntariamente,
para satisfazer aspirações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns,
por meio de uma empresa de propriedade coletiva e democraticamente gerida. As
cooperativas baseiam-se em valores de ajuda mútua e responsabilidade, democracia,
igualdade, equidade e solidariedade. Na tradição de seus fundadores, os membros
das cooperativas acreditam nos valores éticos da honestidade, transparência,
122
responsabilidade social e preocupação pelo seu semelhante.
Dessa noção defendida pela ACI, formulou-se a definição legal de cooperativas no
Brasil, previsto no art. 4º da Lei nº 5.764/1971:
As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias,
de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos
118
Idem, ibidem, p. 43-44.
NORONHA, A. Vasconcelos. Cooperativismo. Guarulhos: Cupulo, 1976. p. 15.
120
Idem, ibidem, p. 24. Grifo do autor.
121
NASCIMENTO, Fernando Rios do. Cooperativismo como alternativa de mudança: uma abordagem
normativa. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 11.
122
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 94.
119
47
associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:
[...].
Trata-se da Lei vigente que rege as cooperativas em todo o território brasileiro. No
entanto, é de salientar que existiram vários projetos de lei, sendo um dos mais importantes, o
de nº 171/1999, do Senado Federal, com o intuito de substituir a atual legislação
cooperativista. Nesse projeto propunha-se a seguinte definição:
A cooperativa é sociedade civil de pessoas, de forma jurídica própria, não sujeita à
falência, constituída para prestação de serviços aos associados através do exercício
de uma ou mais atividades econômicas sem objetivo de lucro e com as seguintes
123
características: [...]
Sobre essa proposta de modificação conceitual, a doutrina cooperativista tece alguns
comentários, entre os quais:
Não sendo a cooperativa uma sociedade de capital, mas de pessoas, é preciso
também ficar claro, desde já, que ela não dispensa capital (capital financeiro, como
alguns gostam de frisar) para estruturar-se e desenvolver-se. A cooperativa se insere
no mundo dos negócios em favor de seus membros, e o mundo dos negócios, sejam
eles de pequeno ou grande porte, requer capital para estruturar-se empresariamente e
vencer nos mercados, segundo as manhas e artimanhas da competitividade.
Igualmente, a cooperativa não pode dispensar tecnologia moderna (de produção e
operações) e desenvolvimento profissional de seus membros – para ser bemsucedida. A cooperativa tem de acompanhar as exigências sociopolíticas e
empresariais do tempo presente. Mesmo sendo uma unidade simples, pequena, não
124
pode isolar-se nem parar no tempo.
A partir dessa definição, juristas brasileiros formularam críticas no intuito de
aprofundar os estudos da natureza das cooperativas apresentando um conceito formal, bem
como procurando diferenciá-las das sociedades mercantis:
Nas sociedades cooperativas, como já pusemos em relevo, a affectio societatis está
em função do intuitus personae, já que a sociedade gira em torno de pessoas que a
compõem; tanto que a participação do associado é dupla: como associado e como
cliente, ou seja, como usuário dos serviços da sociedade, e a sua estrutura é
plenamente democrática, sendo a contribuição patrimonial limitada e até inexistente,
em muitos casos, como nas cooperativas em que não há capital social. Desta forma,
os sócios prestam contribuição-patrimonial-limitada ou ilimitada e contribuição
125
pessoal máxima.
A doutrina procura, insistentemente, diferenciar as cooperativas das demais formas de
sociedades comerciais para que não haja prejuízo na efetivação dos princípios do
123
BRASIL. Projeto de Lei nº 171, de 25 de março de /1999. Dispõe sobre as sociedades cooperativas. Disponível em
<http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=37104&tp=1>. Acesso em: 25 mar. 2013.
124
MENEZES, Antônio. Op. cit., p. 41-42.
125
BULGARELLI, Waldírio. Sociedades comerciais. São Paulo: Atlas, 1989. p. 79.
48
cooperativismo na prática da sua atividade econômica. Por tal razão é que os elementos
conceituais das cooperativas sempre estão contrapostos aos elementos das sociedades
mercantis:
As cooperativas são sociedades de pessoas constituídas para prestarem serviços aos
associados ou cooperativados, distinguindo-se das demais sociedades ou empresas
que atuam no setor econômico em razão de apresentarem características específicas
que as distanciam totalmente do modelo de empresa capitalista comum, assumindo
grande relevo, neste contexto, o fato de não distribuírem lucros aos associados.
Trata-se de uma espécie de gerenciamento, de assessoramento dos cooperados.
Assim, seus membros a constituem com o objetivo de desempenharem, em benefício
126
comum, determinada atividade.
Nesse embate, seguem comparações:
[...] enquadrar as cooperativas na legislação comercial e aos usos e costumes do
comércio é desvirtuar os objetivos da sociedade. Nas cooperativas a adesão é
voluntária, a sociedade não passa a existir na praxe em função de um contrato e sim
por força e desejo de um grupo de pessoas em formar uma instituição, que em
proveito comum, sem objetivos de lucro, venha melhorar a atividade dentro do
gênero social a que tenha o grupo de pessoas optado; a soberania da sociedade está
no voto. A formação da cooperativa é de pessoas e não de capital, o que define sua
natureza jurídica própria é a especialidade da lei. O capital social do associado da
cooperativa não possui condão especulativo, e sim de alavancagem do objetivo
social, voltado totalmente aos interesses das pessoas que buscaram nesta formação
societária seu autodesenvolvimento. A autogestão define a instituição como de
caráter eminentemente social, o vínculo associativo determina o perfil societário
como atípico, ou seja, formação de pessoas, objeto as pessoas, finalidade as
127
pessoas.
Considerando as cooperativas no cerne da redação do Código Civil de 2002, Andrighi
vem defendendo a autonomia do direito cooperativo e apresenta ensinamentos salutares ao
discernimento da questão:
As particularidades que assistem às sociedades cooperativa levantaram, assim,
questionamentos referentes aos ramos do Direito aplicáveis à sua natureza. O fato de
se apresentarem como uma nova categoria de sociedade, que ensejou novos tipos de
relações jurídicas com seus associados e com terceiros e, principalmente, sua
atuação e operacionalidade distinta das sociedades tanto civis como comerciais, com
objetivos singulares e características próprias, fez entender que as regras destinadas
a reger as cooperativas não se enquadravam quer no campo do Direito Civil, quer no
campo de Direito Comercial, Social ou Administrativo, fazendo surgir um novo
128
ramo, qual seja, o do Direito Cooperativo.
126
BASTOS, Celso Ribeiro. A Constituição de 1988 e seus problemas. São Paulo: LTr, 1997. p. 73.
DOMINGUES, Jane Aparecida Stefanes (Org.). Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Sagra
Luzzatto, 2002, p. 52-53.
128
ANDRIGHI, Fátima Nancy. Cooperativismo e o Novo Código Civil. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.).
Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008. p. 51.
127
49
As cooperativas, como é possível observar, são organizações econômicas e sociais, de
caráter bastante peculiar, que prestam os mais variados serviços a seus associados e, por essa
multiplicidade, tende-se a reuni-las em grupos de uma mesma espécie que compartilham
características semelhantes em suas atividades.
Nesse sentido é que subsiste em nosso sistema legislativo grande lacuna em relação à
questão conceitual atinente ao cooperativismo e às cooperativas, sendo, pois, necessária, sem
demora, a edição de legislação infraconstitucional que respalde o cooperativismo brasileiro de
modo, como já afirmado, que não só defina de forma adequada o setor, mas também o possa
fortalecer de modo adequado para que se alcem as finalidades que se esperam, entre os quais,
e principalmente, a contribuição adequada no desenvolvimento nacional.
No entanto, na ausência de tal norma, sujeita-se à Lei nº 5.764/1971, rota e retalhada
por força de sua parcial revogação, considerando que seu texto original não se coadunava com
a Constituição em vigor.
O art. 10, da Lei nº 5.764/1971, prevê que as cooperativas se classificam de acordo
com “o objeto ou pela natureza das atividades desenvolvidas por elas ou por seus
associados”.129 Dessa forma, as modalidades enumeradas a seguir não formam um rol taxativo
e nem excludente, simplesmente apontam os tipos de sociedades mais comumente
encontrados na prática do cooperativismo brasileiro.
Segundo a OCB130, existem 13 ramos cooperativas no Brasil. Inicia-se a apresentação
pelas que são mais importantes para o presente estudo, por causa da vinculação com o tema,
para as quais também se dedica um maior aprofundamento.
Santos131 define que são cooperativas de trabalho aquelas que, constituídas entre
operários de uma determinada profissão ou de ofícios vários de uma mesma classe, têm como
finalidade primordial melhorar os salários e as condições de trabalho pessoal de seus
associados e, dispensando a intervenção de um patrão ou empresário, se propõem contratar
obras, tarefas, trabalho ou serviço público ou particular, coletivamente por todos ou por
grupos de alguns.
A recente Lei nº 12.690/2012 destacou a espécie correspondente à cooperativa de
trabalho, ali conceituada como sendo a sociedade cooperativa constituída por trabalhadores
129
BRASIL. Lei nº 5.764 de 16.12.1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico
das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,
Brasília, DF, 16 dez. 1971. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/lei5764.htm>.
Acesso em 23 mar. 2013.
130
Disponível em: <http://www.ocb.org.br/site/ramos/index.asp>. Acesso em: 25 mar. 2013.
131
SANTOS, Reginaldo C. O cooperativismo como forma de desenvolvimento humano e de inclusão social: um
estudo de caso. 2009. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social)Fundação Visconde de Cairu, Salvador, Bahia, 2009. p. 49.
50
para “o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum,
autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e
condições gerais de trabalho” (art. 2º)132.
O advento dessa Lei busca colocar fim a sério problema existente no país e que
desmoraliza o setor cooperativista. Trata-se das “coopergatos”, ou cooperativas fraudulentas
que visam, sob a fachada de cooperativas de trabalho, a fraudar a previdência social e o fisco.
No entanto, graças a essa nova legislação, espera-se que tais problemas possam, se não
desaparecerem, ao menos diminuir consideravelmente. Por óbvio que tal não ocorrerá com a
simples existência da norma; serão necessárias ações interventivas do Estado, considerando-se
o caráter econômico dessa espécie de cooperativa.
Importa ressaltar que as cooperativas de trabalho podem ser um importante
instrumento para o desenvolvimento nacional, considerando-se seu caráter de alternativa ao
desemprego, razão pela qual deve haver um estímulo a essa espécie de cooperativismo.
As cooperativas de consumo são a espécie mais antiga da história da Europa e também
do Brasil. As cooperativas que compõem essa modalidade dedicam-se à aquisição de artigos
de consumo em geral e bens duráveis em beneficio de seus associados. Podem apresentar-se na
forma de armazéns de pequeno porte e até de grandes empreendimentos, como supermercados133.
Constata-se que foi a experiência dos Pioneiros de Rochdale que se transformou no
símbolo do cooperativismo de consumo, tendo seu exemplo até hoje seguido por cooperativas
do mundo inteiro. Contudo, ressalta-se que a plenitude de seu desenvolvimento foi alcançada
pelos países escandinavos, por meio de movimento de oposição aos trustes e aos cartéis
existentes na época, obrigando-os a reduzir seus preços134. Mais um exemplo de que o
cooperativismo é utilizado para combater as imperfeições do sistema econômico capitalista,
ao defender os consumidores dos aumentos abusivos de preços que tanto os prejudicam.
Quanto aos outros ramos do cooperativismo no Brasil, segundo Becho135,
Agropecuário: composto pelas cooperativas de produtores rurais ou agropastoris e
de pesca. Cujos meios de produção pertencem ao cooperante.
Credito: composto pelas cooperativas destinadas a promover a poupança e financiar
necessidades ou empreendimentos dos seus cooperantes.
Educacional: composto pelas cooperativas de professores, cooperativas de alunos de escola
agrícola, cooperativas de pais de alunos e cooperativas de atividades afins.
132
SISTEMA OCB–CNCOOP, OCB E SESCOOP. Cooperativismo de trabalho: comentários à Lei nº
12.690/2012. Palavra do Presidente: 2012: novos tempos para o cooperativismo de trabalho. 2012. Disponível
em:
<http://www.sescoopsp.org.br/sms/files/file/Cooperativismo%20de%20Trabalho%20%20Coment%
C3%83%C2%A1rios%20Sobre%20a% 20Lei%2012690-12.pdf>. Acesso em: 25 mar. 2013.
133
MENEZES, Antônio. Nos rumos da cooperativa e do cooperativismo. Brasília: Confebrás, 2005. p. 108.
134
PINHO, Diva Benevides. Que é cooperativismo. São Paulo: Buriti, 1966. p. 61.
135
BECHO, Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo. São Paulo: Dialética, 2002. p. 140-141.
51
Especial: composto pelas cooperativas constituídas por pessoas que precisam ser tuteladas.
Habitacional: composto pelas cooperativas destinadas à construção, à manutenção e
á administração de conjuntos habitacionais para seu quadro social.
Infra-estrutura: composto pelas cooperativas com a finalidade de pesquisar, extrair,
lavrar, industrializar, comercializar, importar e exportar produtos minerais.
Produção: composto pelas cooperativas dedicadas à produção de um ou mais tipos
de bens e mercadorias, sendo os meios de produção propriedade coletiva, através da
pessoa jurídica e não propriedade individual do cooperante.
Saúde: composto pelas cooperativas que se dedicam à preservação e à recuperação
da saúde humana.
Turismo e Lazer: composto pelas cooperativas que desenvolvem atividades na área do
turismo e lazer.
Outros: composto pelas cooperativas eu não se enquadrem nos ramos acima definidos.
Apesar das severas críticas a respeito dessa classificação, adota-se a mesma neste
estudo, considerando-se que é a oficialmente utilizada pela OCB.
Outrossim, é importante observar que todas as experiências de cooperativas narradas
fazem parte de um quadro evolutivo, não precisando, dessa maneira, que uma cooperativa se
amolde rigorosamente a qualquer uma dessas classificações enumeradas. É possível,
inclusive, enquadrar uma cooperativa em mais de uma das classificações apresentadas,
simultaneamente, quando passam a serem denominadas de “cooperativas mistas”.
O importante é que constituam associações cooperativas destinadas a suprir seus
membros de bens e serviços, bem como promover determinados programas educativos e
sociais, sempre apoiados em seus princípios norteadores, os quais lhes emprestam
características peculiares que as diferenciam das demais sociedades.
Anotam-se, na realidade, que as cooperativas se apresentam como uma natureza
jurídica sui generis. Nessa linha Becho esclarece:
Como se vê, as cooperativas buscam uma cooperação para a obtenção de um fim
econômico e não a interposição lucrativa das sociedades. Todavia, há quem nela
vislumbre como Verrucoli, um misto de sociedade e associação, por haver atribuição
de voto de cada sócio, que é relevante ao fenômeno associativo ante o princípio da
mutualidade, enquanto outros entendem como uma sociedade onde se tem união
136
autônoma organizada corporativamente para intercâmbios associativos”
Ressalta-se que praticar atividade econômica não significa perseguir necessariamente
ao lucro, característica esta totalmente fora dos objetivos das cooperativas.
Assim, as sociedades cooperativas possuem fins econômicos, não podendo ser
classificadas como associações.
Já com relação à natureza civil ou comercial, Becho entende que:
136
BECHO, Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo.São Paulo: Renovar, 2002. p.41.
52
Deixando de lado o termo associação para a união de pessoas sem intenção
de auferir vantagem econômica, com atividades próprias da lei civil, as
sociedades poderão ser civis, comerciais ou cooperativas.
Nas civis entrarão as uniões de pessoas em bases econômicas, mas sem a
intenção de praticar atos de Comércio.
É o caso das uniões de profissionais liberais, como as bancas de advocacia
ou os escritórios de arquitetura.
As sociedades comerciais serão aquelas uniões econômicas para a prática de
comércio, para a realização de atos mercantis, com o objetivo de alcançar,
por definição, o lucro.137
As indústrias e as lojas comerciais são as referências por excelência. Já as sociedades
cooperativas serão aquelas uniões, de regra econômica, de interesse não lucrativo, norteadas
por princípios próprios e com características diferentes das demais. A explicação do
doutrinador Becho deixa clara sua posição no sentido de reconhecer a independência do
direito
cooperativo,
com
normas,
características,
objetivos
e
fins
próprios.
Bulgarelli trata o tema da mesma forma:
Por se apresentar como uma nova categoria de sociedade por ter criado novos tipos
de relações jurídicas com seus associados e com terceiros e por operar de forma
diferente das sociedades tanto civis como comerciais, com objetivos próprios e
característicos, passou-se a entender que as regras destinadas a reger as cooperativas
não constituíam mero apêndice ou prolongamento dos sistemas de Direito Civil,
Comercial, Social ou Administrativo, mas, sim continham os elementos
138
caracterizadores de um novo ramo do Direito: o Direito Cooperativo.
Respaldando as afirmações, o referido trecho enaltece a existência de uma natureza
jurídica das cooperativas como sendo de um Direito Cooperativo.
Do exposto, verifica-se que as cooperativas são sociedades de natureza jurídica
própria, e que os atos cooperativos não se enquadram especificamente no contexto do Direito
Comercial, do Direito Civil, do Direito Administrativo nem do Direito Trabalhista.
Dentro desses entendimentos vivem as sociedades cooperativas, com suas características
próprias e singulares, não se confundindo com sociedades civis ou comerciais.
De forma conclusiva, partindo-se da premissa que, de acordo com a Ciência do
Direito, para ser considerado um ramo autônomo do Direito é necessário que existam
características, normas e princípios disciplinadores próprios, entende-se que o Direito
Cooperativo pode ser considerado autônomo e com uma natureza jurídica própria.
137
138
Idem, ibidem, p.40.
BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. São Paulo: Renovar, 1998.
p. 20.
2 O COOPERATIVISMO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA
Como demonstrado em momento anterior, a situação do cooperativismo no Brasil
encontra-se em uma fase bastante peculiar visto que a legislação que o regulamenta foi
recepcionada apenas parcialmente pela Constituição Federal de 1988.
É que a Lei n. 5.764/1971 - denominada Lei das Cooperativas - foi aprovada e
sancionada na vigência do AI-5, caracterizado pela imposição de um regime extremamente
autoritário, com a figura de um Estado altamente intervencionista, que tinha como objetivo o
controle da organização da sociedade civil.
Por isso, nada mais natural que a lei regulamentadora das atividades cooperativistas,
advinda dessa época histórica, contivesse algumas restrições decorrentes da forte intervenção
estatal em seu funcionamento.
Contudo, sobreveio a Constituição Federal de 1988139, resultado de uma Assembleia
Nacional Constituinte eleita democraticamente, carregada de ideais, dentre eles, a liberdade
de organização da sociedade e a mínima intervenção estatal sobre tais entidades,
confrontando, desta forma, as determinações da lei infraconstitucional.
Insta salientar que os dispositivos constitucionais, indiscutivelmente, deram ao
cooperativismo um tratamento privilegiado, elevando-o a fundamento básico na esfera
econômico-social. E assim comenta a doutrina:
Ainda que na Constituição de 1988 não exista propriamente um setor
cooperativo, a exemplo do que acontece com o reconhecimento do setor
cooperativo e social na Constituição portuguesa de 1976, visto como um
setor de propriedade dos meios de produção ao lado dos setores públicos e
privado [...], não é possível deixar-se de reconhecer que o cooperativismo é
hoje, no Brasil, elevado à categoria constitucional privilegiada, gozando de
tratamento diferenciado e incentivado como uma alternativa de organização
econômica com potencial de efetivação do valor social do trabalho, da
cidadania e da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, em que a
justiça social possa realizar-se de maneira mais eficaz.140
Com o que representa o cooperativismo em seus ideais e princípios norteadores, faz ver que
há perfeita sintonia entre o que se quer para o Estado brasileiro e o que oferece a cooperação141.
139
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
140
ROSSI, Amélia do Carmo Sampaio. Cooperativismo à luz dos princípios constitucionais. Curitiba: Juruá,
2005, p. 135.
141
MEINEN, Ênio. Aspectos jurídicos do cooperativismo. In: DOMINGUES Jane Aparecida Stefanes (Org.).
Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2002. p. 26.
54
Os princípios que orientam o cooperativismo, adesão livre e voluntária; gestão
democrática; participação econômica dos membros; autonomia e independência; educação,
formação e informação; intercooperação e interesse pela comunidade, já referidos em capítulo
anterior, fundamentam-se na democracia, na justiça social, na solidariedade e na equidade,
base principiológica da Constituição Federal de 1988142 e que constituem elementos
propulsores para o desenvolvimento nacional.143
Assim não há de se olvidar a respeito do reconhecimento por parte do legislador
constituinte, no que se refere ao cooperativismo, mormente de seu potencial como agente
econômico.
2.1 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição Federal de 1988144 reflete no Brasil um movimento de alcance global.
Não se iniciou por acaso, tampouco em breve espaço de tempo. Assim, necessário certo
delineamento sobre a ideia de Estado, para que certos conceitos sejam expostos, permitindo
uma melhor compreensão dos ideais defendidos pela Carta Maior.
A ideia de Estado, como uma forma específica de sociedade política, surgiu no século
XVI, em decorrência das transformações vividas pela sociedade política da época. Maquiavel
foi quem propôs a nomenclatura, considerando o resultado do processo evolutivo da
organização do poder, como esclarece Bastos:
A despeito de existirem todos os antecedentes arrolados, que se empenham em
descrever certas características conducentes a arquitetar, para cada época histórica,
através dos séculos, uma ideia de Estado, o fato é que, somente no século XVI,
especificamente no chamado período do Renascimento, é que surge, em sua
verdadeira acepção, o que conhecemos atualmente por Estado. E foi precisamente
Maquiavel, [...] que, de modo pioneiro, conferiu à palavra Estado seu significado
autêntico, ao cunhá-la e imprimir-lhe essência e conteúdo, embora sem apresentar
145
propriamente uma definição.
A formação do Estado moderno teve como principal característica a concentração do
poder em uma única pessoa que era o monarca. Esse representante monárquico detinha o
poder de deliberar sobre as questões de Estado.
142
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
143
CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo
brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. p. 86-87.
144
BRASIL. Op. cit.
145
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 5.
55
Já no final do século XVIII, nasce o Estado de Direito, um Estado contemporâneo que
trouxe consigo um propósito claro, o de evitar o arbítrio dos governantes, aqueles detentores
únicos do poder. Conforme Ferreira Filho:
A reação de colonos ingleses na América do Norte e a insurreição do terceiro estado
na França tiveram a mesma motivação: o descontentamento contra um poder que –
ao menos isso lhes parecia – atuava sem lei nem regras. O poder despótico na
caracterização de Montesquieu.146
Idealizado por Montesquieu147, o Estado de Direito aparece com a determinação de
que o Poder Político está preso e subordinado a um Direito Objetivo, que exprime o justo e
que é fruto da própria natureza das coisas.
A supremacia do Direito espelha-se no primado da Constituição. Por meio dela é que
se busca instituir o governo não arbitrário, organizado segundo normas que não pode alterar,
limitado pelo respeito devido aos direitos do homem. Assim surge outro movimento, de
caráter político e jurídico, originário da intenção de se limitar o poder estatal. É o nascimento
do Constitucionalismo:
A origem formal do constitucionalismo está ligada às Constituições escritas e rígidas
dos Estados Unidos da América, em 1787, após a Independência das 13 Colônias, e
da França, em 1791, a partir da Revolução Francesa, apresentando dois traços
marcantes: organização do Estado e limitação do poder estatal, por meio da previsão
de direitos e garantias fundamentais.148
O Constitucionalismo é entendido como um movimento político por estar vinculado a
valores como liberdade política, possibilidade de limitar os poderes dos governantes e, ainda,
o de outorgar melhor qualidade de vida aos indivíduos. Por meio desse movimento que
rapidamente se espalhou por várias nações, inclusive no Brasil, advém o modelo normativo
denominado constituição.
O vocábulo “constituição”, em sua semântica, não corresponde ao sentido jurídico que
lhe foi emprestado por sua intenção ideológica. Contudo, o que interessa neste momento é o
conceito jurídico, e Ferreira Filho apresenta o seguinte:
Por organização jurídica fundamental, por Constituição em sentido jurídico,
entende-se o conjunto de regras concernentes à forma do Estado, à forma do poder,
146
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,
1998. p. 1.
147
Apud FERREIRA FILHO, ibidem, p. 1.
148
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9. ed. atual. com a EC n. 31/00. São Paulo: Atlas, 2001. p.
33.
56
ao modo de aquisição e exercício do poder, ao estabelecimento de seus órgãos, aos
limites de sua ação.149
Percebe-se que tal conceito se enquadra no perfil proposto pelo movimento político
que deu origem a essa forma normativa, mas, com o tempo, o papel desse diploma legal
aumentou, tornando-se um pouco mais complexo, fazendo com que seus estudiosos
propusessem uma divisão didática conceitual. Há, então, a distinção do termo “constituição”
em duas acepções: o conceito material e o conceito formal da qual se reveste:
Do ponto de vista material, a Constituição é o conjunto de normas pertinentes à
organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à
forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais.
Tudo quanto for, enfim, conteúdo básico referente à composição e ao funcionamento
da ordem política exprime o aspecto material da Constituição. O conceito formal. As
constituições não raro inserem matéria de aparência constitucional. Assim se
designa exclusivamente por haver sido introduzida na Constituição, enxertada no
seu corpo normativo e não porque se refira aos elementos básicos ou institucionais
da organização política. Entre essa matéria pois a gozar da garantia e do valor
superior que lhe confere o texto constitucional. De certo tal não aconteceria se ela
houvesse sido deferida à legislação ordinária.150
Bastos melhor explica as consequências advindas da distinção entre os conceitos de
constituição material e formal:
Em sentido diametralmente oposto ao substancial, surge o conceito formal de
Constituição. Constituição, neste sentido, seria um conjunto de normas legislativa
que distinguem das não constitucionais em razão de serem produzidas por um
processo legislativo mais dificultoso, vale dizer, um processo formativo mais árduo
e mais solene. [...] Assim, convém observar que poderão verificar-se normas
constitucionais apenas sob o aspecto formal. Isso ocorre em todos aqueles casos em
que determinadas regras jurídicas, de natureza na substancialmente constitucional,
tenham sido inseridas na Constituição em sentido formal, para obter aquela tutela
especial e típica da Constituição.151
Destarte, verifica-se que o Estado de Direito nada mais é que um Estado
constitucional, e, assim, pode-se dizer mais explicitamente, se necessário for, que o que se
tem atualmente é um modelo de Estado constitucional de Direito. Não se pode esquecer que o
Brasil integrou, apesar de um pouco mais tarde, neste denominado movimento político
revolucionário que ensejou a adoção da Constituição como instrumento normativo capaz de
organizar o Estado, estruturando-o e delimitando seus poderes políticos.
149
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 14. ed. rev. atual. São Paulo:
Saraiva, 1985. p. 11.
150
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 63-64. Grifo do
autor.
151
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 46.
57
A doutrina reconhece que a evolução constitucional do Brasil é delineada em três fases
históricas facilmente identificadas pela caracterização de seus valores políticos, jurídicos e
ideológicos, e são elas:
[...] o constitucionalismo do império, vinculada ao modelo constitucional francês e
inglês do século XIX; o constitucionalismo da Primeira República, representando
uma ruptura e atrelando-se ao modelo norte-americano e, finalmente; o
constitucionalismo do Estado social, modelo em curso que se fundamenta no
152
constitucionalismo alemão do século XX.
O processo constitucional brasileiro é composto de elementos que representam cada
uma dessas fases, incorporando-a de forma cumulativa e gradativa, não sendo possível, desta
forma, compreender o atual sistema constitucional sem levar em conta essas influências
históricas ideológicas. Por isso, é necessário se ater, ainda que superficialmente, no estudo
desses modelos constitucionalistas, com o intuito de identificação de seu caráter ideológico,
para uma melhor compreensão do quadro atual da Constituição Federal de 1988153.
O primeiro modelo, com inspirações francesa e inglesa, que inclusive deu início ao
movimento constitucionalista, propunha a organização do Estado e a limitação do poder
estatal, por meio do direito e garantias fundamentais. Eram basicamente essas duas condições
a serem preenchidas nesse sistema:
[...] Só merece o nome se preencher concomitantemente duas condições: dividir o
exercício do poder segundo a fórmula de Montesquieu, criando um sistema de freios
e contrapesos; não ir além dos limites que lhe traçam os direitos fundamentais.154
De fato, a Constituição Política do Império do Brasil155, de 25 de março de 1824,
buscou obedecer às condições mencionadas, e no tocante à matéria de organização de poderes
houve alguns ajustes, como narra Bonavides:
Dominada pelas sugestões constitucionais provenientes da França, a Constituição
Imperial do Brasil foi a única Constituição do mundo, salvo notícia em contrário,
que explicitamente perfilhou a repartição tetradimensional de poderes, ou seja,
trocou o modelo de Montesquieu pelo de Benjamim Constant, embora de modo mais
quantitativo e formal do que qualitativo e material. Com efeito, ao Executivo,
Legislativo e Judiciário, acrescentou o Poder Moderador, de que era titular o
Imperador e que compunha a chave de toda a organização política do Império. Em
rigor, como redundou de sua aplicação constitucional, era ele o Poder dos Poderes, o
eixo mais visível de toda a centralização de Governo e de Estado na época imperial.
152
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 327.
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
154
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,
1998. p. 3
155
BRASIL. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil. 25 mar. 1824. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao24.htm>. Acesso em: 21 set. 2012
153
58
Disso resultou, pela carência de autonomia provincial suficiente e pela ausência de
poderes descentralizados, a funesta desintegração política do regime monárquico,
substituído em 1889 pelo sistema republicano de governo.156
Nas palavras de Bastos, esse período constitucional brasileiro teria recebido
essencialmente a forte influência do liberalismo, uma corrente de pensamento que influenciou
determinados momentos históricos. O autor assim expõe:
Não se pode compreender a Constituição Imperial de 1824 senão à luz das ideias
liberais tão em voga à época. [...]. A Constituição outorgada de 1824, embora sem
deixar de trazer consigo características que hoje não seriam aceitáveis como
democráticas, era marcada, sem dúvida, por um grande liberalismo que se retratava,
sobretudo, no rol dos direitos individuais que era praticamente o que havia de mais
moderno na época, como também na adoção da separação de poderes que, além dos
três clássicos, acrescentava um quarto: o Poder Moderador.157
Ainda que possuísse tais características, deve-se reconhecer que essa Constituição
trouxe em seu texto uma declaração de direitos individuais e garantias que, em sua essência,
permaneceu nas constituições subsequentes158. Com o transcorrer do tempo, houve então a
desintegração política do regime monárquico que acarretou a sua substituição, em 1889, pelo
sistema republicano de governo e com o advento da República iniciou-se a segunda fase
constitucional brasileira, o constitucionalismo da Primeira República.
Conforme Bonavides, desse período afetado pelo exemplo norte-americano, descreve-se:
O novo Estado constitucional já não pretendia oscilar formalmente como um
pêndulo entre as prerrogativas do absolutismo decadente e as franquias
participativas do governo representativo. Converteu-se com a Constituição de 24 de
fevereiro de 1891 num Estado que possuía a plenitude formal das instituições
liberais, em alguns aspectos deveras relevantes, trasladadas literalmente da
Constituição americana, debaixo da influência de Rui Barbosa, um jurista
confessadamente admirador da organização política dos Estados Unidos. Com
efeito, os princípios chaves que faziam a estrutura do novo Estado diametralmente
oposta àquela vigente no Império eram doravante: o sistema republicano, a forma
presidencial de governo, a forma federativa de Estado e o funcionamento de uma
suprema corte, apta a decretar a inconstitucionalidade dos atos do poder; enfim,
todas aquelas técnicas de exercício da autoridade preconizadas na época pelo
chamado ideal de democracia republicana imperante nos Estados Unidos e dali
importadas para coroar uma certa modalidade de Estado liberal, que representava a
ruptura com o modelo autocrático do absolutismo monárquico e se inspirava em
valores de estabilidade jurídica vinculados ao conceito individualista de liberdade.159
A Constituição de 1891, que em seu art. 72, § 8º, assegurou a liberdade de associação:
156
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 329.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 104.
158
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev.
atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 70.
159
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 330-1.
157
59
Art. 72 A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...];
§ 8º - A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não
podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública.160
Pinho161 referenda que o Estado não estabeleceu regras específicas para as
cooperativas no início do século XX e Klein162 complementa que o atual regime jurídico
disponível veio com o Decreto nº 22.239/1932.
Ainda que inspirada em um modelo promissor, a Constituição de 1891163 não havia
como prosperar. Ela recebeu um duro golpe advindo da própria realidade que ela pretendia
regulamentar. Dessa forma, desde que entrou em vigor, foram frequentes as crises, chegando
a ponto de ser necessária a decretação do estado de sítio. Ademais, a própria sociedade, mais
informada, não apostava em suas virtudes, havendo assim vários manifestos para suprimi-la
ou, pelo menos, modificá-la164, o que de fato aconteceu, quando eclodiu a reforma do Texto
Constitucional em 1926, trazendo uma conotação racionalista, autoritária à Constituição de
1891, contrariando aqueles princípios que lhe deram origem, resultando em seu
enfraquecimento, oportunizando a eclosão do movimento de 1930, que encerrou o período da
Primeira República.
A partir de então, iniciou-se o constitucionalismo do Estado social que teve como
principal referência a Constituição de Weimar, ao final da Primeira Guerra Mundial, em 1919,
quando a Alemanha se viu totalmente desestruturada política e socialmente. Então, propôs-se
uma Constituição marcada pelo espírito “social”, modelo seguido e imitado por todas as
nações, inclusive pelo Brasil, que o adotou por meio da Constituição de 1934165,166.
O governo Getúlio Vargas, ainda que mantivesse o controle estatal, trouxe nítido
caráter protecionista e incentivador aos movimentos profissionais, característica típica do
regime da época. Bonavides assim reconhece:
160
BRASIL. Constituição(1891). Diário da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constituicao91.htm>. Acesso em: 21
set. 2012.
161
PINHO, Carlos Marques. O Estado brasileiro e as cooperativas. In: PINHO, Diva Benevides (Coord.). A
problemática cooperativista no desenvolvimento econômico. São Paulo: CNPq 1982. p. 108.
162
Idem, ibidem, p. 173.
163
BRASIL. Ibidem.
164
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 116.
165
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,
1998. p. 48-49.
166
BRASIL. Constituição (1934).Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 16 jul. 1934.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso
em: 21 set. 2012.
60
Com a Constituição de 1934 chega-se à fase que mais de perto nos interessa
porquanto nela se insere a penetração de uma nova correte de princípios, até então
ignorados do direito constitucional positivo vigente no País. Esses princípios
consagravam um pensamento diferente em matéria de direitos fundamentais da
pessoa humana, a saber, faziam ressaltar o aspecto social, sem dúvida grandemente
descurado pelas Constituições precedentes. O social aí assinalava a presença e a
influência do modelo de Weimar numa variação substancial de orientação e de
rumos para o constitucionalismo brasileiro.167
Sucedeu-se, então, a substituição da velha democracia liberal e instituiu-se a
democracia social sob o paradigma da Constituição de Weimar, porém, a bandeira social não
vingou por muito tempo, sendo logo sucedida pela Constituição de 1937168, uma norma
outorgada, fruto de um golpe de Estado, que se espelhava no modelo fascista e de cunho
eminentemente autoritário169.
O resgate do ideário social ocorreu quando se aprovou a Constituição de 1946170 e seu
texto foi digno de elogios, tal como registrado por Bastos:
A Constituição de 1946 se insere entre as melhores, senão a melhor, de todas
que tivemos. Tecnicamente é muito correta e do ponto de vista ideológico
traçava nitidamente uma linha de pensamento libertária no campo político
sem descurar da abertura para o campo social que foi recuperada da
Constituição de 1934.171,172
Todavia, novamente o modelo de constitucionalismo social foi substituído por uma
Constituição semiautoritária, em 1967173, que refletia a ascensão das Forças Armadas ao
poder em decorrência da Revolução de 1964, que instituiu a ditadura militar no Brasil.
Nenhuma constituição republicana havia dado tantos poderes ao Presidente da República
quanto essa última, o que só se agravou com a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, que
reforçou tal propósito174.
167
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 332.
BRASIL. Constituição (1937).Constituição dos Estados Unidos do Brasil. 10 nov. 1937. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao37.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
169
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 124.
170
BRASIL. Constituição (1946).Constituição dos Estados Unidos do Brasil. 18 set.1946 . Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao46.htm>. Acesso em: 21 set. 2012
171
BASTOS. Op. cit., p. 132.
172
BRASIL. Constituição (1934).Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil. 16 jul. 1934.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao34.htm>. Acesso
em: 21 set. 2012.
173
Idem. Constituição (1967).Constituição da República Federativa do Brasil. 24 jan.1967. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
174
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 333.
168
61
Quanto aos direitos individuais, sofreram duro golpe, pois a nova ordem
revolucionária possibilitou de suspensão dos direitos políticos de forma exagerada, e aqueles
consequentemente eram também atingidos175.
O constitucionalismo social só volta a imperar após o fim do período de ditadura
militar e a eleição de um presidente civil. Ainda que este não tenha assumido, seu vice, José
Sarney, assumiu e, cumprindo com o compromisso feito em campanha, convocou uma
Assembleia Nacional Constituinte.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988176 foi promulgada em 5 de
outubro, instituindo um Estado legitimamente social.
Assim comenta Bonavides:
177
é basicamente em muitas de suas dimensões
A Constituição de 1988
essenciais uma Constituição do Estado social. [...] muito avançou o Estado
social da Carta de 1988, com o mandado de injunção, o mandado de segurança
coletivo e a inconstitucionalidade por omissão. O Estado social brasileiro é
portanto de terceira geração, em face desses aperfeiçoamentos: um Estado que
não concede apenas direitos sociais básicos, mas os garante.178
Ainda muito se discute sobre a questão dos direitos e garantias constitucionais no
Brasil, visto que a previsão textual dos direitos e garantias mostra-se perfeitamente completa
em seu aspecto formal, entretanto, o que resta prejudicada é a sua efetivação jurídica.
Sena Segundo defende essa tese, aduzindo o seguinte:
O Estado brasileiro, por meio de sua Carta Política maior, reconhece e
prescreve vários direitos e garantias, o que significa dizer que a questão não
é mais de ordem existencial, ou quanto aos efeitos (amplitude) destes
direitos e garantias, mas sim de executoriedade efetiva (concretização), plena
realização no seio do sistema já formalmente estabelecido.179
Contudo, para melhor compreensão dessa discrepância entre o que está escrito e o que
se põe em prática do texto constitucional, deve-se levar em consideração o momento histórico
175
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev.
atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 74.
176
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
177
Idem, ibidem.
178
BONAVIDES, Paulo. Op. cit., p. 336-338.
179
SENA SEGUNDO, Oswalter de Andrade. O princípio constitucional da redução das desigualdades regionais e
sociais e sua efetivação jurídico-política na ordem econômica. Revista Direito e Liberdade, v. 7 n. 3, p. 2,
1994.
Disponível
em:
<http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/
article/view/94>. Acesso em: 5 ago. 2012.
62
no qual surgiu a atual Carta Constitucional e Maria José Jaime, ao fazer a apresentação do
livro “A nova Constituição”, bem o descreve nos seguintes relatos:
A Constituição foi elaborada num momento particularmente tenso da
realidade brasileira, ainda dominada por elites do capital, tecnocráticas,
políticas e militares. O crescimento do movimento social coincidindo com
rachaduras nas forças dominantes e a crise própria das transições
possibilitaram que a decisão dos conteúdos não se desse de forma fechada,
eficiente e sob controle cabal do poder constituído. Novos atores fizeram-se
presentes na cena política e em disputas, tensionamentos ou negociações em
torno da ordem a ser definida.180
De fato, a Constituição vigente foi idealizada e confeccionada em um momento
verdadeiramente impulsionado por um resgate democrático e de recuperação de diretrizes
sociais, de certa forma em um ambiente de euforia política pelo fim da ditadura militar e pelo
sucesso do movimento das “Diretas Já”.
A influência recebida das experiências constitucionais internacionais também resultou
na implementação formal de muitos direitos e garantias, bem como de diretrizes, concepções
e princípios, um tanto quanto estranhos ao momento histórico, institucional e, principalmente,
cultural que a sociedade brasileira vivia na década de 1980.
[...] houve incompatibilidade histórica e institucional entre alguns valores,
princípios, ideias e programas que foram recepcionados em um texto
constitucional extremamente analítico e programático, cujos valores
ideológicos tidos como avançados e importantes não se coadunavam com o
Estado, as instituições e a sociedade daquela época. Aqui, não se refere ao
aspecto puramente cronológico, ou seja, não é que aquele texto
constitucional era apenas “avançado” para a nossa realidade prática e de
organização política. A questão vai além e atinge a ideia de que nossas
experiências sociais e culturais, até esse momento, não tinham sofrido a
necessária “evolução” e “adaptação natural” aos vários valores e direitos
(aqui incluídos as garantias constitucionais) que eram ofertados à nação
naquele momento.181
Assim, as normas constitucionais brasileiras são capazes de produzir as condições e os
pressupostos reais e fáticos indispensáveis ao exercício dos direitos fundamentais, o que se vê
talvez, seja uma falta de vontade política que se consubstancia na não aplicação de tais
180
COELHO, João Gilberto Lucas; OLIVEIRA, Antônio Carlos Nantes de. A nova constituição: avaliação do
texto e perfil dos constituintes. Rio de Janeiro: Revan; Instituto de Estudos Sócio-Econômicos, 1989. p. 15.
181
SENA SEGUNDO, Oswalter de Andrade. O princípio constitucional da redução das desigualdades regionais e
sociais e sua efetivação jurídico-política na ordem econômica. Revista Direito e Liberdade, v. 7 n. 3, p. 2,
1994.
Disponível
em:
<http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/
article/view/94>. Acesso em: 5 ago. 2012.
63
normas, e, como bem exposto, “precisamos de um Estado cada vez mais forte para garantir os
direitos num contexto hostil de globalização neoliberal”.182
Mas para tanto, é necessário reconhecer o quadro de dependência do indivíduo em
relação ao Estado, desde que este esteja disposto a cumprir com sua tarefa, pois sem tal
condição não se consolidará a democracia nem a liberdade.
Seguindo com as inovações trazidas ao ordenamento jurídico pátrio, a Carta de 1988
igualmente institui um Estado Democrático de Direito, estruturado fundamentalmente na
prerrogativa de integral participação de todos e da cada uma das pessoas na vida política do
país.
Decorrente dos movimentos políticos do final do século XIX, início do XX, vem para
transformar o velho e formal Estado de Direito em um Estado Democrático, com principal
objetivo de submeter o Estado não apenas à vontade da lei, mas também à vontade popular e
aos fins propostos pelos cidadãos183.
Autores como Bastos parabenizam a iniciativa ao reconhecer o seguinte:
É em boa hora que a Constituição acolhe estes dois princípios: o
Democrático e o do Estado de Direito. Pois, como visto, o princípio
republicano, por si só, não se tem demonstrado capaz de resguardar a
soberania popular, a submissão do administrador à vontade da lei, em
resumo, não tem conseguido preservar o princípio democrático nem o do
Estado de Direito.184
Streck, ao buscar o enquadramento do Estado Democrático de Direito na jurisdição
constitucional, também reconhece sua relevância:
A renovada supremacia da Constituição vai além do controle de
constitucionalidade e da tutela mais eficaz da esfera individual de liberdade.
Com as Constituições democráticas do século XX assume um lugar de
destaque outro aspecto, qual seja, o da Constituição como norma diretiva
fundamental, que dirige aos poderes públicos e condiciona os particulares de
tal maneira que assegura a realização dos valores constitucionais (direitos
sociais, direito à educação, à subsistência ou ao trabalho). A nova concepção
de constitucionalismo une precisamente a ideia de Constituição como norma
fundamental de garantia, com a noção de Constituição enquanto norma
diretiva fundamental.185
182
STRECK, Lenio Luiz. As constituições sociais e a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental.
In: CAMARGO, Margarida Maria Lacombe (Org.). 1988-1998: uma década de Constituição. São Paulo:
Renovar, 1998. p. 317.
183
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 164.
184
Idem, ibidem, p. 163.
185
Idem, ibidem, p. 163.
64
Não se pode olvidar, pois, do caráter interventor da CF/1988186, mormente no que se
refere à ordem econômica. A adoção de tal posicionamento por parte do Estado decorre de um
modelo de constitucionalismo moderno em que o Estado se investe na qualidade de
interventor em determinados contextos, inclusive e principalmente no econômico.
Na verdade o dirigismo estatal continua hoje atuante, embora os poderes
públicos procurem introduzir o sentido planificador, cuja internacionalidade,
ultrapassando as medidas e preocupações exclusivamente dirigistas, procura
coordenar de uma forma sistemática todas as atividades humanas
(econômicas, sociais e culturais) com o propósito de atingir determinados
187
objetivos pré-fixados.
A ideia principal é a de assegurar o bem-estar social, por meio de funções como a de
agente regulador da atividade econômica, para, por exemplo, evitar abusos por parte de
agentes econômicos, que, por meio de sua hipersuficiência, possa prejudicar a sociedade. Não
que o Estado não possa exercer diretamente as funções de agente econômico, conforme prevê
o art. 173 da CF/1988188.
Mas se frisa, a principal característica da CF/1988189 é o seu caráter social, sendo
certo que nesse sentido está integrado o homem, com suas conquistas atinentes aos direitos
fundamentais, sociais e também econômicos, pois dele depende para buscar, no mínimo, a
própria sobrevivência.
2.2 AS PREVISÕES CONSTITUCIONAIS SOBRE O COOPERATIVISMO
Como já citado, a Constituição Federal possui, em seu bojo, previsões atinentes ao
cooperativismo nos seguintes dispositivos: art. 5º, XVIII; art. 146, III; art. 174 § 2º a 4º; art.
187, VI e art. 192. É de se observar que a inserção desse instituto dentro do diploma
constitucional constitui a demonstração da importância do setor cooperativista no âmbito da
ordem econômica nacional e o seu papel no desenvolvimento da nação.
186
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
187
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva,
1990. p. 15.
188
BRASIL. Op. cit.
189
Idem, ibidem.
65
O art. 5º, da Constituição Federal de 1988190, trata dos direitos e garantias
fundamentais incluindo em seu texto o cooperativismo em seu inciso XVIII, o que demonstra
seu papel preponderante no estabelecimento de uma economia social e sua instrumentalidade
no desenvolvimento nacional, se aplicado de forma adequada.
Art. 5º Todo são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...];
XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, as cooperativas,
independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu
funcionamento.
Há de se observar um conteúdo essencialmente liberal no contexto desse inciso.
Importante ressaltar que a Lei que regulamenta o cooperativismo nacional, Lei nº 5.764/1971,
de conteúdo inegavelmente intervencionista, dado o momento político de seu advento,
expressamente determinava que a criação das cooperativas somente se daria mediante
expressa autorização.
Outrossim, como verificado anteriormente, tais cooperativas sofriam interferências
diretas do Estado em seu funcionamento.
Assim, diante da perspectiva que aflorava perante a assembleia nacional constituinte, o
setor movimentou-se e, aproveitando a bandeira da democracia, fez inserir, no texto
constitucional, os brados encerrados no peito de tantos cooperativistas que não conseguiam,
então, expressar o ideário cooperativista.
De fato, percebe-se que nesse dispositivo constitucional está inserido o 4º princípio
da ACI, nos moldes do Congresso de Manchester de 1995, ou seja, o princípio da autonomia e
independência das cooperativas, que deve ser opor ao paternalismo, porquanto a
responsabilidade final pelas resoluções de longo alcance cabe aos membros da sociedade
local, o mesmo no tocante à independência, que veda que seja dada permissão a qualquer
pessoa ou entidade externa à cooperativa para interferir na organização e administração da
cooperativa.
Não é demais analisar, porém, que o citado dispositivo constitucional veda a
interferência na administração da cooperativa, sendo certo, todavia, que não é por isso que
deixará de haver um controle do setor.
190
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
66
A falta de entendimento inicial sobre o assunto, diante do disposto no inciso XVIII do
art. 5º da CF/1988191, a princípio, causou certo entendimento de liberdade total. O que se
tornou um grande problema, porquanto contribuiu para o enfraquecimento do setor no que se
refere a uma organização central e coesa capaz de dialogar com os diversos ramos, buscando
respaldar o sistema de forma uniforme.
Outrossim, outras mazelas decorreram da falsa compreensão desse dispositivo,
relacionadas à falta de séria atuação por parte de alguns dirigentes, ao aumento de
cooperativas fraudulentas, entre outras.
Observa, no entanto, Veras Neto que a liberdade atribuída pelo referido
inciso à formação e estruturação das sociedades cooperativas não implica
renuncia a uma eventual fiscalização destas, de forma a evitar a criação e a
existência das chamadas cooperativas “gatos”, ou seja, aquelas cooperativas
fraudulentas que, por exemplo, aliciam mão de obra em desrespeito à
legislação e à proteção dos interesses dos trabalhadores. Aqui, ressalva o
professor, atuam as Delegacias Regionais do trabalho e os fiscais do
192
trabalho.
É importante observar que essa lição não considerou a Lei nº 12.690/2012, que trata
das cooperativas de trabalho. Porquanto, tal diploma ainda não existia, além do que é muito
cedo para se previrem as consequências dessa Lei, no que se refere às denominadas
“coopergato”; portanto, dependerá de sua efetiva aplicação para que os resultados sejam
satisfatórios.
Não se pode perder de vista é que atos regulatórios devem existir para o setor, entre os
quais a fiscalização, sendo, pois, essências para o próprio desenvolvimento das cooperativas,
não devendo ser entendidos como interferência em seu funcionamento.
A CF/1988193, em outro dispositivo, previu a outorga de tratamento diferenciado ao
cooperativismo. Nesse sentido é que a letra “c” do inciso III do art. 146 da lei complementar
disporá sobre o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo.
De forma sucinta, considerando que o tema será tratado com mais propriedade em
capítulo próprio, verifica-se nesse dispositivo a tentativa do legislador constituinte em
fomentar o cooperativismo.
191
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
192
ROSSI, Amélia do Carmo Sampaio. Cooperativismo à luz dos princípios constitucionais. Curitiba: Juruá,
2005. p. 131. Grifo da autora.
193
BRASIL. Op. cit.
67
No art. 174, CF/1988, está inserto o grande momento constitucional do
cooperativismo, denotando o seu reconhecimento como elemento integrante da ordem
econômica e que deverá contar com o apoio e estímulo do Estado por meio de legislação que
lhe seja concernente.
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o
Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e
planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para
o setor privado. [...] § 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e
outras formas de associativismo. § 3º - O Estado favorecerá a organização da
atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio
ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros. § 4º - As
cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na
autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de
minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de
acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.194
A leitura do presente dispositivo não deve cingir-se ao disposto no § 2º cuja previsão é
atinente ao fomento por parte do Estado. Na realidade, o que se espera é que o
cooperativismo, devidamente incentivado por força do que estabelece o § 2º, possa
desempenhar seu papel como agente econômico, dentro dos regramentos impostos, nos
termos do que estabelece o art. 174, caput, onde o Estado desempenha um papel interventor
indireto na economia.
Nesse caso, urge a existência de um órgão representativo do Estado, para que possa
regular o setor, fiscalizando, incentivando e planejando.
Quanto à atividade garimpeira prevista nos parágrafos 3º e 4º, verifica-se a expressa
previsão constitucional de favorecimento por parte do Estado a sua organização, outorgandolhes prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra.
Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei com a
participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores
rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de
195
transportes, levando em conta, especialmente: [...] VI - o cooperativismo;
Esse artigo insere o cooperativismo como elemento da política agrícola nacional. É de
se observar que, em 1991, por meio da Lei nº 8.171, foi implementada a política agrícola no
Brasil. Tal diploma é bastante receptivo ao cooperativismo, estabelecendo espaço para ele em
diversos momentos, inclusive instituindo lugar no Conselho Nacional de Políticas Agrícolas
para dois membros da OCB.
194
195
BRASIL. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 67. Obra coletiva da Editora Saraiva.
BRASIL. Op. cit., p. 69.
68
Sobre as cooperativas de crédito, estas também se encontram inseridas no texto
constitucional:
Art. 192 O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o
desenvolvimento equilibrado do país e a servir aos interesses da coletividade, em
todas as partes que o compõem, abrangendo as cooperativas de crédito, será
regulado por leis complementares que disporão, inclusive, sobre a participação do
196
capital estrangeiro nas instituições que o integram.
Verifica-se nesse dispositivo constitucional a expressa previsão de que o sistema
financeiro nacional estrutura-se de modo a concretizar a promoção do desenvolvimento do
país e a servir os interesses da coletividade. Obviamente que ainda há muito de se progredir
nesse sentido, pois, em face dos altos juros praticados neste país, não se pode afirmar que o
sistema financeiro nacional serve aos interesses da coletividade, mas, o que interessa ao
presente estudo é a situação do cooperativismo.
Pode-se observar, portanto, que houve um grande avanço para o setor por causa das
previsões constitucionais descritas. No entanto, o cooperativismo brasileiro ainda não se
“empoderou” das prerrogativas que lhe foram outorgadas ou, mesmo, interpretou-as de forma
equivocada.
Tem-se como certo que o advento de uma nova norma infraconstitucional, que
efetuando um diagnóstico adequado dos problemas enfrentados pelo cooperativismo no
Brasil, apresente soluções, principalmente respaldando o setor de modo a estimular o
potencial desse instrumento, que pode contribuir para a redução das desigualdades sociais e
regionais.
2.3 OS OBJETIVOS DA REPÚBLICA E O COOPERATIVISMO COMO
INSTRUMENTAL PARA A SUA CONSECUÇÃO
A Constituição de 1988197 é “um texto que contém desenhos normativos a respeito do
futuro”,198 estabelecendo metas que devem ser alcançadas pelo Estado brasileiro, fornecendo
embasamento jurídico a mudanças de cunho socioeconômico, dando fundamento
constitucional às políticas públicas que visam ao bem-estar da coletividade como um todo.
196
BRASIL. Vade Mecum. Obra coletiva da Editora Saraiva. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 70.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
198
LESSA, Renato apresentando PILATTI, Adriano. A constituinte de 1987-1988: progressistas, conservadores,
ordem econômica e regras do jogo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris/PUC/Rio, 2008. p. xii.
197
69
O desenvolvimento nacional consubstancia-se no somatório de valores não somente de
ordem econômica, mas também político e social, incluindo-se implicitamente nos objetivos
almejados pela norma jurídica fundante, em seu art. 3°.
Expõe Grau, ao tratar do desenvolvimento nacional:
199
A garantia do desenvolvimento nacional, art. 3º, inciso II, da CF/88 , é outro
objetivo fundamental da Republica. A ideia de desenvolvimento, segundo autor esta
na dinamicidade das mutações qualitativas e quantitativas, um processo de
mobilidade social contínuo e intermitente. O desenvolvimento, portanto, não supõe
apenas crescimento econômico, mas elevação do nível cultural e intelectual da
comunidade, dadas as mudanças sociais. Garantir o desenvolvimento nacional é
primordial ao papel do Estado, necessitando, segundo Fabio Konder Comparato, de
um mínimo de programação de políticas publicas de longo prazo, pois o
subdesenvolvimento é um estado dinâmico de desequilíbrio econômico e de
desarticulação social, que por sua vez leva ao imperativo de uma política nacional
para todos os setores da vida social. Assim, a erradicação da pobreza e da
marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais são objetivos da
Republica atinentes à promoção do desenvolvimento econômico. Sendo o escopo da
ordem econômica, neste sentido, o de assegurar a todos a existência digna, através
da promoção do bem de todos e da dignidade da pessoa humana. Modelo este do
200
e que postula por mais
“Welfare State” que é sustentado na Constituição de 1988
201
bem-estar para a sociedade.
Tem-se, pois, que o desenvolvimento nacional é objetivo fundamental da República,
na forma como dispõe o art. 3º da CF/1988202, que possui forte sentimento social. Nesse
contexto é que restam inseridos, no ordenamento constitucional pátrio, exatamente em seu art.
3º, os denominados objetivos da República Federativa do Brasil, também chamados pela
doutrina de “objetivos fundamentais” da República, tal como a seguir elencado:
[...]:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
203
quaisquer outras formas de discriminação.
Sem buscar efetuar qualquer valoração, mas apenas para dar implemento ao presente
estudo, concentra-se aqui a atenção no objetivo previsto no inciso III do art. 3º. da
199
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
200
BRASIL. Op. cit.
201
GRAU, Eros Roberto Rossi. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros,
2010. p. 195.
202
BRASIL. Op. cit.
203
BRASIL. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 9. Obra coletiva da Editora Saraiva.
70
CF/1988204, que é a erradicação da pobreza e marginalização e redução das desigualdades
regionais e sociais.
É que se considerando a essência do cooperativismo, que é a de agregar pessoas
buscando atender as suas necessidades econômicas, por meio de seu esforço e risco, e também
o baixo investimento para se criar uma cooperativa, pode-se então ter um instrumental de
combate à pobreza e ainda de redução das desigualdades regionais.
Não há nenhuma novidade em se afirmar que a erradicação da pobreza é fator
essencial para o desenvolvimento de um país, seja ele qual for.
No entanto, a redução das desigualdades regionais, que é um fator que também
impede o desenvolvimento nacional, é característica de países como o Brasil, de dimensões
continentais, com um sistema político como o que aqui existe. Diante de tal diagnóstico, ou
seja, após a constatação da existência de tal disparidade, a ponto de se criar obstáculo no
desenvolvimento da nação brasileira, entendeu o legislador constituinte por inserir a redução
das desigualdades regionais como objetivo da República, como uma das formas de auferir o
desenvolvimento nacional.
Vários fatores contribuíram para a existência das desigualdades regionais, mas,
segundo Bercovici:
O processo de desenvolvimento econômico do Brasil acabou transformando
algumas Regiões em polos de desenvolvimento e deixou outras em estagnação
econômica. Esta situação de desequilíbrio conserva dentro do mesmo território
regiões com inúmeras disparidades:’A medula dessa questão é a seguinte: o Brasil é
um extenso território ocupado de modo irregular, apresentando combinações
diversas de fatores e recursos, em sistemas econômicos com distintas
potencialidades; desenvolver simultaneamente esses sistemas significa dividir em
demasia os recursos e reduzir a intensidade média de crescimento do conjunto,
Verifica-se assim, que é necessário concentrar os recursos escassos nas regiões de
maiores potencialidades, a fim de criar um núcleo suficientemente poderoso que
205
sirva de base do desenvolvimento das outras regiões.
Complementando a lição de Bercovici, Guimarães e Lima206 reiteram que o problema
das desigualdades regionais brasileiras não é novo. Entende-se que a primeira interpretação
teórica significativa sobre a questão data da década de 1950, com o famoso relatório do
GTDN (1967), escrito por Celso Furtado, em 1958. Apesar de muito estudado, o problema
204
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
205
BRECOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento. uma leitura a partir da Constituição de
1988. São Paulo: Malheiros, 2005. p.88.
206
GUIMARÃES, André Luiz de Souza; LIMA, Jorge Cláudio Cavalcante de Oliveira. Desenvolvimento com
redução da desigualdade regional: uma abordagem geométrica. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 16, n.
31, p. 113-138, jun. 2009. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/
bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/rev3105.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2013.
71
permanece sem solução adequada. O Brasil continua a ser um país marcado por desigualdades
regionais e sociais.
Um modelo de desenvolvimento social não é composto da mera soma de recursos
isolados. É a soma de vários contextos. Por exemplo, a organização dos fatores de produção
será um determinante-chave para os retornos obtidos de uma dada quantidade de capital físico
e humano acumulados, como no cooperativismo de pequenos produtores. Ou ainda, a
capacidade de uma comunidade se organizar diante de uma situação adversa é determinante
dos seus efeitos de curto e de longo prazo sobre a sua população. Esse processo passa não só
pela mobilização interna da comunidade, como pela capacidade de governos articularem com
as aspirações da comunidade e dos seus membros. Este é um exemplo de desenvolvimento,
que, em um primeiro momento, se apresenta sem importância, mas que vai se refletir no
desenvolvimento nacional a partir do momento em que existirem cooperativas suficientes ou
mesmo outras formas eficientes de redução de desigualdades sociais e regionais por meio da
geração de renda, entre outros207.
Vai daí que a questão das desigualdades está instalada no Brasil, emperrando o seu
desenvolvimento. Há de se observar ainda que o problema se avoluma, diante do crescimento
populacional, o que acaba por reduzir ainda mais os parcos recursos existentes nessas regiões.
Diante disso é que a CF/1988208 tratou do assunto diretamente. Tal fato é inédito,
porquanto nenhuma das constituições anteriores havia efetuado qualquer previsão sobre o
assunto. “A Constituição de 1988, em seu art. 43, previu a existência das Regiões, com o
objetivo de promover o desenvolvimento e reduzir as desigualdades regionais.”209
Verifica-se, pois, que a problemática das desigualdades regionais está inserta no texto
constitucional em vários momentos, inclusive nos dispositivos atinentes à ordem econômica.
De acordo com o art. 170 da Constituição, à ordem econômica, fundada na valorização
do trabalho humano e na livre iniciativa, com finalidade de assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames de justiça social, cabe observar, dentre outros princípios, o da: “VII –
redução das desigualdades regionais e sociais”. As desigualdades regionais e sociais poderão
ser reduzidas, por meio de ações estatais que visem à integração das pessoas excluídas do
sistema econômico, outorgando-lhes oportunidade de trabalho, de geração de renda para a
207
GUIMARÃES, André Luiz de Souza; LIMA, Jorge Cláudio Cavalcante de Oliveira. Desenvolvimento com
redução da desigualdade regional: uma abordagem geométrica. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 16, n.
31, p. 113-138, jun. 2009. Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/
bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/rev3105.pdf>. Acesso em: 2 mar. 2013.
208
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
209
Idem, ibidem, p. 98-99.
72
própria subsistência e de sua família e, ainda, integrando-as socialmente, por meio de ações
como educação, formação, capacitação, acesso à informação, entre outras.
Assim é que o cooperativismo pode ser considerado um caminho para se buscar o
ideal constitucional que é o desenvolvimento, porquanto, possui, de fato, como finalidade, o
desenvolvimento econômico e social de seus cooperados e da comunidade na qual está
integrado, embasado por um conjunto de valores e princípios, principalmente os voltados para
a solidariedade, a democracia e a igualdade, visando a possibilitar a integração social dessas
pessoas que integram essa massa de marginalizados economicamente, possibilitando-lhes
acesso a meios de sobrevivência e geração de renda210. Segundo a analogia tradicional de
políticas sociais, as ações compensatórias “dão o peixe” enquanto as estruturais dão “a vara de
pescar”. Ou seja, transfere-se não a renda per se, mas a capacidade de geração de renda é
inerente à posse do bem de capital. Já a rede de pesca transcende a vara no sentido de
simbolizar um bem capital de natureza comunitária.
A adesão às cooperativas cresce com outras variáveis positivamente correlacionadas
com a lucratividade dos negócios. O microcrédito tem se destacado no uso e fomento de redes
de solidariedade na sua metodologia de operação. Essa metodologia resolve o problema da
carência de garantias reais entre produtores pobres, cria sistema de partilha de riscos e
constitui uma verdadeira usina de embriões de cooperativas, responsáveis pela redução das
desigualdades em prol do desenvolvimento nacional, conforme estabelecido pela Constituição
Federal de 1988211, sendo considerado um direito fundamental212.
Nesse sentido, observa-se que, pela primeira vez na história brasileira, o
cooperativismo ganhou proteção de status constitucional, merecendo destaque em vários
artigos da referida Constituição, pois, como aduzem Silva e Silva Filho213, o cooperativismo
serve de instrumento de melhoria das condições sociais, econômicas, culturais e jurídicas,
cujos princípios se ajustam perfeitamente aos ideais da República.
210
ANNIBELLI, Mariana Baggio. A ordem econômica e o cooperativismo. Revista Eletrônica do CEJUR,
Curitiba, PR, ano 2, v. 1, n. 3, ago./dez. 2008.
211
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out. 1988. Disponível em:
<http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012..
212
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Mapa de ativos: combate
sustentável à pobreza: Brasil, conceitos e propostas. dez. 2011. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas,
IBGE/Centro de Políticas Sociais. Disponível em: <http://www.exclusion.net/images/pdf/389_robud_
relatorio_principal_combate_pobreza.pdf>. Acesso em: 4 abr. 2013.
213
SILVA, José Carlos Bastos; SILVA FILHO, José Carlos Bastos. Cooperação como princípio constitucional
positivo. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Ato cooperativo e seu adequado tratamento tributário. Belo
Horizonte: Mandamentos, 2004. p. 79 e ss.
73
Destarte, o advento da Constituição de 1988214 foi a consagração do Estado
Democrático de Direito Brasileiro, cujos princípios basilares se sustentam no exercício dos
direitos sociais e individuais, na liberdade, na segurança e no bem-estar, na igualdade e no
desenvolvimento. Tais valores foram arquitetados pela supremacia, haja vista que seu ápice é
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, conforme previsão constante no art. 3º,
da Carta Maior. Por isso, é imprescindível a análise da vontade do constituinte originário no
que concerne ao estímulo que o Poder Público deve oferecer às cooperativas, principalmente,
o que se refere à efetividade dos objetivos da República (art. 3º, CF/1988)215.
Meinen afirma:
O cotejo desses postulados – vocação essencial da nação brasileira – com o que
representa o cooperativismo, faz ver que há perfeita sintonia entre o que se quer para
o Estado brasileiro e o que oferece a cooperação. Com efeito, fundamentos como
cidadania, dignidade da pessoa humana, valor social do trabalho, livre iniciativa e
pluralismo político, bem assim, objetivos como liberdade, justiça, solidariedade,
desenvolvimento, redução de desigualdades, promoção do bem comum ou coletivo e
não-discriminação compõe exatamente o rol de valores e princípios do
216
cooperativismo, assim secularmente consagrados!
Na redação do art. 3º da Constituição Republicana217, encontra-se a efetivação do
verdadeiro cooperativismo, visto que ele promove vários dos preceitos contidos no
cooperativismo. Corrobora Rossi218 quando diz que o referido artigo traz a possibilidade de o
cooperativismo ser a alternativa para promover a inserção dos indivíduos marginalizados no
processo econômico-produtivo, podendo ser instrumento de efetivação da igualdade material
e social.
Desta forma, se os preceitos que norteiam o cooperativismo fundamentam-se na
democracia, na justiça social, na solidariedade e na equidade219, é possível dizer, então, que,
de maneira geral e ampla, foram contemplados na Constituição Federal de 1988 e devem
contribuir com o Estado Democrático brasileiro no alcance de seus objetivos fundamentais,
mormente o desenvolvimento nacional por meio da redução das desigualdades regionais e
214
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 5 out.1988. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
215
Idem, ibidem.
216
MEINEN, Ênio. Aspectos jurídicos do cooperativismo. In: DOMINGUES Jane Aparecida Stefanes (Org.).
Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2002. p. 26. v. 1.
217
BRASIL. Constituição (1891).Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil. 24 fev.1891.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao91.htm>. Acesso
em: 21 set. 2012
218
ROSSI, Amélia do Carmo Sampaio. Cooperativismo à luz dos princípios constitucionais. 1. ed. 5. tiragem.
Curitiba: Juruá, 2009. p. 140.
219
CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao projeto de lei de reforma do sistema cooperativo
brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009.p. 86.
74
sociais, mas, para tanto, há necessidade de sérios ajustes a serem efetuados no setor, por meio
do fortalecimento do órgão representativo do setor.
2.4 DIREITOS FUNDAMENTAIS: INSERÇÃO DO COOPERATIVISMO EM SEU
CONTEXTO
A inserção de dispositivos específicos ao cooperativismo na redação da Carta
Constitucional advém das influências da doutrina cooperativista. A intenção dos constituintes
foi utilizar as cooperativas como instrumento para melhorar a condição econômica da
população. Dessa forma, as cooperativas não poderiam deixar de ser inseridas no capítulo que
trata dos direitos fundamentais, por serem uma das hipóteses de materialização dos direitos e
garantias fundamentais.
A noção de direitos fundamentais também está interligada à ideia de Estado de Direito
e Constituição desde o século XVIII, com as revoluções burguesas e os novos paradigmas
lançados por documento, como a histórica Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do
Cidadão220. Entretanto, a doutrina que deu origem aos direitos do Homem, que representa
importante aspecto do Constitucionalismo, não surgiu no século XVIII como se acredita, pois
ela, na realidade, é uma versão aprimorada da doutrina do direito natural que se deflagrou
ainda na Antiguidade.
Ferreira Filho apresenta tais considerações:
Remoto ancestral da doutrina dos direitos fundamentais é, na Antiguidade, a
referência a um Direito superior, não estabelecido pelos homens nas dado a estes
pelos deuses. Neste passo cabe a citação habitual à Antígona, de Sófocles, em que
isso é, literalmente, exposto, em termos inolvidáveis. A mesma ideia, com
221
tratamento sistemático, acha-se no diálogo De legibus, de Cícero.
A partir dessa época, desenvolveu-se a concepção de um Direito independente da
vontade humana e tal ideia perdurou por toda a Idade Média, prevalecendo até o final do
século XVIII. Esse entendimento só foi substituído pela doutrina desenvolvida pela Escola do
Direito Natural e das Gentes, guiada pelo pensamento Iluminista e, posteriormente, expresso
nas Declarações.
Novamente, Ferreira Filho traz apontamentos salutares:
220
SANTOS, Flávio Augusto de Oliveira. O desenvolvimento sustentável como direito fundamental à luz da
Constituição de 1988. Revista de Direito Brasileira. Vladmir Oliveira da Silveira (Coord.). Revista dos
Tribunais, São Paulo, ano 1, v. 1, p. 36, jul./dez. 2001.
221
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,
1998. p. 9.
75
Deve-se a Grócio a laicização do direito natural. O jurista holandês entende
decorrerem da natureza humana determinados direitos. Estes, portanto, não são
criados, muito menos outorgados pelo legislador. Tais direitos são identificados pela
“reta razão” que a eles chega, avaliando a “conveniência ou a inconveniência” dos
mesmos em face da natureza razoável e sociável do ser humano. [...]. Deste
jusnaturalismo racionalista a doutrina dos direitos do Homem é um aspecto. Mas é o
222
que o pensamento político iluminista imortalizou.
A doutrina dos direitos do Homem já estava consolidada desde o século XVII,
contudo, tomou maior proporção no século seguinte, ao se tornar elemento básico da
reformulação das instituições políticas. Tal doutrina substituiu sua denominação por uma
terminologia
mais
politicamente
correta,
sendo
denominada
“direitos
humanos
fundamentais”, abreviada como “direitos fundamentais”. Bonavides tece o seguinte
comentário:
[...]. Temos visto nesse tocante o uso promíscuo de tais denominações na literatura
jurídica, ocorrendo, porém o emprego mais frequente de direitos humanos e direitos
do homem entre autores anglo-americanos e latinos, em coerência, aliás com a
tradição e a história, enquanto a expressão direitos fundamentais parece ficar
223
circunscrita à preferência dos publicistas alemães.
A denominação “direitos do homem” ficou encharcada de uma conotação histórica,
contudo o feminismo conseguiu o repúdio dela, restando apenas o reconhecimento de sua
utilização em documentos internacionais importantes, que trouxeram o conteúdo declaratório
dessa doutrina, tal como a já mencionada Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão
(França, 1789), e, ainda, a Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia (EUA, 1776) ou a
Declaração Universal de Direitos do Homem, editada em 1948 pela ONU224.
Os direitos do homem são tidos como direitos naturais, inalienáveis e sagrados, e
também tidos como imprescritíveis, compreendendo a liberdade, a propriedade, a segurança e
a resistência à opressão como valores inerentes. Já a expressão “direitos fundamentais” possui
maior precisão, até mesmo por sua abrangência, e será nessa concepção que se aterá a
conceituação proposta neste trabalho. Quanto aos vocábulos, Araújo e Nunes Júnior
comentam:
[...] O vocábulo direito serve para indicar tanto a situação em que se pretende a
defesa do cidadão perante o Estado como os interesses jurídicos de caráter social,
222
Idem, ibidem, p. 10-11.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 514.
224
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev.
atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 78.
223
76
político ou difuso protegidos pela Constituição. De outro lado, o termo fundamental
225
destaca a imprescindibilidade desses direitos à condição humana.
Os direitos fundamentais podem ser conceituados como:
Normas jurídicas, intimamente ligadas a ideia de dignidade da pessoa
humana e de limitação do poder, positivadas no plano constitucional de
determinado Estado Democrático de Direito, que, por sua importância
226
axiológica, fundamentam e legitima todo o ordenamento jurídico.
Por essa perspectiva de normas constitucionais fundantes do ordenamento jurídico,
tem-se que os direitos fundamentais devem ser utilizados também para a solução de conflitos
privados, não impondo limitações apenas às ações estatais. Por essa razão é que as
cooperativas têm espaço neste contexto quando se trata da norma constitucional brasileira.
Os direitos fundamentais, no sentido material, são aqueles considerados indispensáveis
à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Desta
forma, não basta ao Estado reconhecê-los formalmente, deve-se buscar concretizá-los,
incorporá-los no contexto social e na vida de seus cidadãos.
A Constituição de 1988227 inovou ao dispor sobre direitos fundamentais, haja vista ter
incorporado a tutela dos direitos difusos e coletivos aos direitos individuais e sociais, já
consagrados em texto constitucionais anteriores:
A novidade maior é a introdução da noção de “direitos coletivos”, embora
num mesmo capítulo dos individuais. Esta diferenciação, se bem interpretada
e desenvolvida, rompe uma tradição de ver o direito exclusivamente através
do individuo e gera o das coletividades, autônomo, próprio e diferente. A
compreensão desta nova categoria levará à revisão de códigos, legislações,
procedimentos judiciais e institucionais.228
Além disso, a mesma Carta nasceu de um período marcado pelo fim de longa restrição
à participação popular nas decisões políticas do país e isto colaborou para que esta possuísse
características históricas relevantes, assumindo importância sem precedentes entre as
constituições brasileiras. Não bastando, o atual texto constitucional também recebeu diversas
225
Idem, ibidem, p. 78.
MARMELSTEIN apud TOMAZETTE, Marlon. Liberdade de associação e o recesso nas sociedades limitadas.
Revista de Direito Brasileira. Vladmir Oliveira da Silveira (Coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 1,
v. 1, p. 218, jul./dez. 2001.
227
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
228
COELHO, João Gilberto Lucas; OLIVEIRA, Antônio Carlos Nantes de. A nova constituição: avaliação do
texto e perfil dos constituintes. Rio de Janeiro: Revan/Instituto de Estudos Sócio-Econômicos, 1989. p. 26.
226
77
influências doutrinárias no sentido de ampliar sua abrangência e sua capacidade e isso fez
com que a Constituição de 1988229 apresentasse diversas inovações:
Dentre as inovações, assume destaque a situação topográfica dos direitos
fundamentais, o que, além de traduzir maior rigor lógico, na medida em que
os direitos fundamentais constituem parâmetro hermenêutico e valores
superiores de toda a ordem constitucional e jurídica, também vai ao encontro
da melhor tradição do constitucionalismo na esfera dos direitos
230
fundamentais.
Outras inovações, citadas pelo mesmo autor, fazem referências aos dispostos nos
parágrafos 1º e 2º do art. 5º, da CF/1988231: o primeiro parágrafo determina a aplicabilidade
imediata dos direitos fundamentais, independentemente de norma infraconstitucional, ou seja,
afastou-se a ideia de conteúdo programático sobre os direitos fundamentais. Resta
evidenciada a consolidação dessa matéria como privilegiada e reforçada, contudo a doutrina
apresenta críticas:
A intenção que a ditou é compreensível e louvável: evitar que essas normas
fiquem letra morta por falta de regulamentação. Mas o constituinte não se
apercebeu que as normas têm aplicabilidade imediata quando são completas
na sua hipótese e no seu dispositivo. Ou seja, quando a condição de seu
mandamento não possui lacuna, e quando esse mandamento é claro e
determinado. Do contrário ela é não-executável pala natureza das coisa.232
O segundo parágrafo nada mais é que o reconhecimento de que o texto constitucional
traz um rol exemplificativo dos direitos fundamentais, garantindo a inclusão posterior de
qualquer outro direito decorrente de seu regime e de seus princípios, ou que advenha de
tratados internacionais que o Brasil seja parte. Mas, novamente, encontram-se críticas sobre o
teor do dispositivo também inserindo nesse rol de direitos fundamentais:
Em face de documentos prolixos como a Constituição de 1988233 parece
inútil uma regra com essa. Entretanto, se esta Lei Magna se preocupou em
não deixar de fora qualquer dos direitos fundamentais já consagrados,
229
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
230
SARLET, Ingo apud SANTOS, Flávio Augusto de Oliveira. O desenvolvimento sustentável como direito
fundamental à luz da Constituição de 1988. Revista de Direito Brasileira. Vladmir Oliveira da Silveira
(Coord.). Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 1, v. 1, p. 37, jul./dez. 2001.
231
BRASIL. Op. cit.
232
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,
1998. p. 100.
233
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
78
esqueceu-se de alguns que se induzem ou deduzem facilmente dos que
234
menciona.
Ao enumerar as inovações da Constituição Federal de 1988235, no que diz respeito aos
direitos e garantias fundamentais, Coelho constata algumas modificações importantes no que
tange ao direito de associação, reconhecendo que tais direitos também foram estendidos às
cooperativas, como segue:
O direito de associação foi estendido às cooperativas, quanto a estar sujeito à
legislação. Trata-se de um desafio interessante, já que o sistema cooperativo
era controlado pelo Estado, através de autorizações, fiscalizações e intervenção.
Aliás, no campo do cooperativismo a preocupação da Constituição é grande,
recebendo ele tratamento em vários pontos do texto.236
Realmente, consta no conteúdo da Carta Constitucional:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
[...];
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas
independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu
funcionamento;237
O conteúdo desse dispositivo é fundamental para o cooperativismo brasileiro, haja
vista o impedimento que se criou ao Estado, não permitindo mais que este interfira na criação
e no funcionamento das cooperativas.
Há aqueles que exaltam a conquista dessa liberdade institucional concedida às
cooperativas. Bulgarelli representa a doutrina que parabeniza o marco liberalizatório
caracterizado no art. 5º, da CF em relação ao cooperativismo:
Conforme já foi visto, com a Constituição Federal de 1988238, pode-se dizer
que se iniciou um novo período no ciclo legislativo do regime jurídico das
sociedades cooperativas até então presas e submetidas às imposições estatais
decorrentes do regime autoritário. Vários artigos da Constituição referem-se
às cooperativas no sentido não só de reconhecê-las, de livrá-las das peias
234
Idem, ibidem, p. 98.
Idem, ibidem.
236
COELHO, João Gilberto Lucas; OLIVEIRA, Antônio Carlos Nantes de. A nova constituição: avaliação do
texto e perfil dos constituintes. Rio de Janeiro: Revan/Instituto de Estudos Sócio-Econômicos, 1989. p. 27.
237
BRASIL. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 10. Grifo nosso. Obra coletiva da Editora Saraiva.
238
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
235
79
estatais como também para apoiá-las. De todos esses dispositivos sem
239
desmerecer os demais, destaca-se o art. 5º, XVIII.
O referido artigo assegura então a livre criação e permanência de cooperativas,
materializando-se no plano constitucional o princípio da auto-organização ou da autogestão,
ou ainda, da autonomia cooperativa240. Entretanto, persistem dúvidas quanto à extensão do
livre exercício associativo. Na realidade, como já exposto, ainda há posições que entendem
por resistir a qualquer tipo de interferência. No entanto, trata-se de setor que integra a ordem
econômica nacional, sujeito, portanto, a regramentos específicos para o bom e fiel
desenvolvimento econômico da nação.
Importante clarear que os atos internos da cooperativa, seu funcionamento e outros
devem ser respeitados e não devem estar sujeitos a qualquer espécie de interferência de
terceiros, sejam estes entes estatais ou não. Mesmo porque tal entendimento segue, como já
visto, o 4º princípio do cooperativismo de acordo com a ACI: princípio da autonomia e da
independência, que, em suma, estabelece que a organização e a administração das
cooperativas devem ser exercidas com independência por seus membros, não se acatando
qualquer interferência externa.
No entanto, frisa-se que o setor cooperativo integra a ordem econômica nacional,
estando sujeito a atos de intervenção estatal, dado o modelo seguido pela Constituição Federal
de 1988241.
Como agente ‘normativo’, cabe ao Estado fixar diretrizes para a economia.
Igualmente, realizar aquilo que os economistas denominam de ‘intervenção
conforme’. Ou seja, a que orienta os agentes econômicos e os influencia por
meio de uma política global. Financeira, monetária, social, sem lhes eliminar
a livre determinação. É a que atua sobre as grandes linhas da atividade
242
econômica – nível de demanda, condições de repartição etc.
Verifica-se que dentro dessas atribuições intervencionistas, cabe ao Estado atuar como
agente regulador da economia, sendo-lhe outorgado constitucionalmente o poder-dever de
fiscalizar o respeito às normas da economia de mercado, por parte dos agentes econômicos
que podem vir a lesar a sociedade243.
239
BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. Rio de Janeiro: Renovar,
1998. p. 5.
240
MEINEN, Ênio. Aspectos jurídicos do cooperativismo. In: DOMINGUES Jane Aparecida Stefanes (Org.).
Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2002. p. 31. v. 1.
241
BRASIL. Op. cit.
242
FEREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva,
1995. p. Grifo do autor. v. 4.
243
Idem. Ibidem.
80
Esse papel interventivo do Estado não pode ser visto de outro modo que não o de
contribuir para o Estado do Bem-Estar Social, porquanto, por meio desse dirigismo às
questões econômicas, é que se assegura ao cidadão um melhor viver, o exercício de todas as
suas prerrogativas como cidadão, mormente porque dá ao Estado o poder de, quando
necessário, obstar atitudes danosas à sociedade, efetuadas por quem detém um maior poder
econômico, ou mesmo por atitudes fraudulentas, como as quem vêm ocorrendo em relação às
cooperativas de trabalho.
De toda forma, percebe-se que o legislador constituinte determinou tal prerrogativa de
liberdade para a criação de cooperativas na expectativa de que, por meio dos movimentos
mundiais implantados pela doutrina cooperativa, tal instrumento pudesse exercer seu papel no
desenvolvimento nacional. Nesse sentido, reconhecidamente, há uma forte movimentação no
sentido de viabilizar as cooperativas em todo mundo, tal como se segue:
Países com poderosos movimentos cooperativos são financeiramente
sólidos. As cooperativas ajudam seus associados a trabalhar melhor, a
produzir melhor, a melhor utilizar suas rendas, a melhor economizar. Desta
maneira, não somente auxiliam seus associados, mas, contribuem para o
desenvolvimento econômico geral. Graças às cooperativas, muita gente
torna-se contribuinte ou paga impostos mais elevados por causa de sua
situação melhorada. [...] Para melhorar as finanças públicas é necessário
melhorar a condição econômica do povo. É precisamente isso que faz o
movimento cooperativista.244
Como visto, o cooperativismo viu-se contemplado pela Constituição Federal com a
proposta de liberdade para a sua criação e independência para seu funcionamento, por causa
de sua essência, de se adequar aos propósitos por ela assumidos. Dentre esses está o princípio
democrático, defendido pela doutrina cooperativa desde o seu surgimento e que também é
princípio constitucional.
2.5 O COOPERATIVISMO E A TRIBUTAÇÃO
Os tributos constituem a fonte principal das receitas do Estado. A Constituição Federal
de 1988245, em seu art. 146, III, c246, determina que o Estado deva editar lei complementar
para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, devendo dispensar mais
244
BULGARELLI, Waldirio. As sociedades cooperativas e a sua disciplina jurídica. Rio de Janeiro: Renovar,
1998, p. 12.
245
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
246
Idem. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 58. Obra coletiva da Editora Saraiva.
81
atenção principalmente sobre o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado
pelas sociedades cooperativas.
O art. 3º do Código Tributário Nacional estabelece que
[...]. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo
valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,
instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente
247
vinculada.
Essa arrecadação de poder aquisitivo não pode deixar de produzir efeitos econômicos,
quer sobre as atividades isoladas e especificamente consideradas, quer sobre a ordem
econômica como um todo. Os Estados, portanto, hoje, não podem furtar-se a manipular essa
poderosa arma como meio de interferir na vida econômica. Contudo, o tributo deve deter uma
função social, sempre buscando atingir em seu exercício a distribuição do patrimônio e das
rendas. Ainda que o Estado utilize o tributo para intervir na economia, ele está impedido de
provocar qualquer tipo de instabilidade econômica.248
Para tanto, o Poder Público tributante deve concretizar a justiça no sistema tributário,
tratando de maneira igual todos os contribuintes que se encontrem na mesma situação e não
havendo equidade entre os contribuintes o caminho será, então, procurar atribuir um adequado
tratamento tributário àquele que se diferencia no intuito de garantir a distribuição de renda e o
desenvolvimento econômico almejados. As cooperativas se inserem nesse contexto, posto
que, ao desenvolver atos específicos de sua atividade, por determinação constitucional, devem
receber o adequado tratamento tributário, conforme determina a Constituição Federal,
Art. 146 – Cabe à lei complementar: [...];
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
[...];
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas
sociedades cooperativas.249
Sobre ato cooperativo, Puente, como o pioneiro no estudo do tema, em 1954, definiu-o
como: “o ato cooperativo é o suposto jurídico, ausente de lucro e intermediação, que realiza a
247
Idem, ibidem, p. 782.
VINHA, Thiago Degelo; RIBEIRO, Maria de Fátima. Efeitos socioeconômicos dos tributos e sua utilização
como instrumento de políticas governamentais. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; FERNANDES, Edson
Carlos (Coords.). Tributação, justiça e liberdade. Curitiba: Juruá, 2005. p. 661.
249
BRASIL. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 58. Grifo nosso. Obra coletiva da Editora Saraiva.
248
82
organização cooperativa em cumprimento de um fim preponderantemente econômico e de
utilidade social”.250
Anota-se que os elementos que caracterizam o ato cooperativo são: sujeito, objeto e
serviço. Tais elementos foram definidos pela Carta de Mérida251, documento final do 1º
Congresso Continental de Direito Cooperativo, realizado em Mérida, na Venezuela, em 1969,
que concluiu que esses elementos permitem diferenciar os atos cooperativos de qualquer outra
classe de ato jurídico.Nesse sentido, são considerados sujeitos tanto o cooperado, como tal, e
a cooperativa constituída e funcionando de acordo com os princípios universais cooperativos.
Ainda para efeito do ato cooperativo, é considerado objeto a atividade-fim da cooperativa, e
quanto à finalidade, basta que se configure que inexiste finalidade lucrativa252.
Verifica-se ainda que a Lei nº 5.764/1971 oferece clássica definição de ato
cooperativo:
Art. 79 Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas
e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando
associadas, para a consecução dos objetivos sociais. Parágrafo único – O ato
cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e
venda de produto ou mercadoria.253
De acordo com Tedesco254, a expressão ato cooperativo é, atualmente, no Direito
brasileiro, o nomen júris aplicável a todos os negócios internos das cooperativas. Esclarece
que existem duas espécies de operações: a operação entre cooperativa e associado para
prestação de serviços aos sócios e operações que se enquadram no objeto da cooperativa, e
que esta necessita praticar no mercado externo, e que servem como meio ou instrumento, por
intermédio do qual a cooperativa realiza suas operações internas.
Para melhor análise, impõe-se apreciação do que não é ato cooperativo. Assim, à luz
do ordenamento jurídico positivo, o ato cooperativo não é operação de mercado, nos termos
250
CRACOGNA, Dante. O ato cooperativo na América Latina. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Ato
cooperativo e seu adequado tratamento tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004. p. 50.
251
CONGRESSO CONTINENTAL DE DIREITO COOPERATIVO, 1., Mérida, Venezuela, 1971. Mérida,
Venezuela: Universidad de Los Andes, 1971. Tradução livre.
252
Apud FERREIRA FILHO, Ottoni. O cooperativismo em âmbito internacional: a tributação pelo imposto de
renda de uma cooperativa internacional. Revista do Mestrado em Direito da Universidade Católica de
Brasília, v. 2, n. 1, 2008. Disponível em: <http://portalrevistas.ucb.br/index.php/rvmd/issue/archive>. Acesso
em: 23 mar. 2013.
253
BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o
regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, 16 dez. 1971. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/
lei5764.htm>. Acesso em: 23 mar. 2013.
254
TEDESCO, Ana Paula Z. Adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas cooperativas de
crédito. In: KRUEGER, Guilherme (Coord.). Cooperativas na ordem econômica constitucional: teoria e
direito. Belo Horizonte: Mandamentos, 2009. p. 340. Tomo I.
83
do Código Comercial, por não encerrar natureza comercial;
também não é contrato de
compra e venda de produto ou mercadoria, com raízes no Direito Civil, ainda que a natureza
jurídica da cooperativa também seja civil, por opção da legislação; mas também não é ato de
natureza trabalhista, desde que não tendente a fraudar a aplicação dos preceitos da CLT; por
fim, não é ato sujeito à plena tributação, pois mereceu, constitucionalmente, tratamento
adequado (art. 146, III, c, da Constituição Federal de 1988)255.
Como já afirmado, o ato cooperativo o vincula às operações ou negócios das
cooperativas com seus associados e reciprocamente. Vincula também aos negócios entre as
cooperativas, quando entre si associadas.
A doutrina tem equiparado operações acima referidas aos negócios-fim das
sociedades cooperativas, ou seja, aqueles diretamente relacionados com os
objetivos sociais. Os negócios-fim, portanto, caracterizam-se com os atos
cooperativos destituídos da natureza comercial, já que não visam o lucro,
nem decorrem da intermediação mercantil. Se saldo positivo gerarem, este se
constitui em sobras, que pertencem no seu valor líquido aos seus
associados.256
Importante ressaltar que distinto dos negócios-fim, os negócios-meio, também
previstos legalmente, possuem caracteres de natureza civil e, na maioria das vezes, de natureza
mercantil. Seus resultados constituem-se como positivos ou negativos, no caso das operações
previstas nos arts. 85 e 86 da Lei nº 5.764/1971257, denominadas como operações com terceiros, e
como lucro, quando resultantes dos investimentos de capital em empresa não cooperativa.
Tanto o lucro como o resultado não obedecem à distribuição dos associados, mas, nos
termos do art. 87 e do parágrafo único do art. 88 da supracitada Lei, são contabilizados ao
FATES, este de caráter indivisível nos termos do inciso VIII, do art. 4º, dessa Lei258.
Os negócios-meio, decorrentes de intermediação mercantil ou eventualmente de contratos
de natureza civil, não constituem atos cooperativos. Como atos mercantis ou civis sujeitam-se à
plena tributação, como prevê o art. 111 da Lei nº 5.764/1971259. O mesmo não ocorre com os
negócios-fim, para os quais há tratamento fiscal diferenciado, por serem atos cooperativos.
255
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
256
Idem, ibidem, p. 86.
257
Idem. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o
regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, 16 dez. 1971. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/
lei5764.htm>. Acesso em: 23 mar. 2013.
258
Idem, ibidem.
259
BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o
regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República
84
O ato cooperativo é concreto e protegido por norma constitucional (art. 146, III, c).
Falta-lhe apenas ordenamento jurídico complementar, enquanto ato sujeito ou não ao fisco.
Mas, já que definido em lei ordinária, recepcionada pela Constituição Federal, é ato jurídico
pleno, independente, autônomo, revestido de roupagem constitucional, não podendo ser, desse
modo, desafetado, ou melhor, desconstituído dos seus caracteres, previstos pelo art. 79 da Lei
nº 5.764/1971.
Sobre o tratamento tributário ao ato cooperativo, pertinente ressaltar a opinião de
alguns juristas sobre a deficiência da linguagem empregada pelo constituinte, conforme a
opinião de Carrazza:
Este artigo, a bem da verdade, está longe de ter aquele estilo lapidar e
conciso que, no dizer de Rui Barbosa, deve caracterizar as leis em geral.
Com efeito, ele alude, por exemplo, ao adequado tratamento tributário, como
se a Constituição, noutras passagens, permitisse fosse dispensado aos
contribuintes um inadequado tratamento tributário. Demais disso, faz
referência ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas,
redundância que, talvez, nem o Conselho Acácio – personagem impagável
por seus truísmos – tivesse coragem de perpetrar.260
Há uma clara impropriedade redacional no texto constitucional, resultando em uma
redundância que não aproveita a interpretação. Além desse ponto, há a redundância apontada.
De fato, o ato cooperativo só pode ser praticado por sociedade cooperativa. A solução,
entre duas possíveis, para melhorar a redação, poderia se suprimir a menção ao ato
cooperativo ou a menção às cooperativas. A respeito, diz Becho: “Suprimindo o ato
cooperativo, haveríamos de interpretar essa norma de maneira sistemática, para fazê-la incidir
sobre os atos cooperativos e sobre os atos não-cooperativos praticados pelas cooperativas”.261
Destarte, mesmo reconhecendo alguns avanços no que tange a um tratamento
tributário diferenciado às sociedades cooperativas, tendo em vista sua importância social e
econômica, muito ainda há de se fazer para que a disposição da Carta Constitucional, no seu
art. 146, III, c, visto que a incidência de tributos de outras esferas (Estados e municípios), com
algumas raras exceções, continua a penalizar o desenvolvimento do cooperativismo.
________________________
Federativa do Brasil, Brasília, 16 dez. 1971. Disponível em: <http://www.normaslegais.com.br/legislacao/
lei5764.htm>. Acesso em: 23 mar. 2013.
260
CARRAZA, Roque. Curso de direito constitucional tributário. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 383.
261
BECHO, Renato Lopes. Tributação das cooperativas. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: Dialética, 1999. p. 148.
3 COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO DA ORDEM ECONÔMICA PARA
GARANTIA DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL
Por meio da análise efetivada anteriormente pode-se verificar que o cooperativismo é
um instrumento capaz de garantir o desenvolvimento nacional. A previsão desse instituto, no
título concernente à Ordem Econômica e Financeira da Constituição Federal, não se deu ao
acaso, considerando-se sua essência doutrinária e principiológica que segue a ideologia
adotada na persecução dos objetivos da República Federativa do Brasil.
O art. 3º da Constituição Federal assim reza: “Art. 3º. Constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e
solidária; II – Garantir o desenvolvimento nacional [...]”.262 Não é demais frisar que os
objetivos supracitados se repetem em vários momentos do texto constitucional, definindo as
feições da Carta Maior do Brasil, qual seja a de uma constituição dirigente, que visa à busca
do desenvolvimento nacional.
Martín explicita por meio de seu conceito de desenvolvimento, seja ele local, regional
ou nacional, como um:
[...] processo reativador da economia e dinamizador da sociedade local,
mediante o aproveitamento eficiente dos recursos endógenos existentes em
uma determinada região, capaz de estimular e diversificar seu crescimento
econômico, criar emprego e melhorar a qualidade de vida da comunidade
local.263
Entende-se, portanto, que desenvolvimento é um processo de transformação social,
político e econômico, por meio do qual o crescimento do padrão de vida da população tende a
se tornar autônomo, ou seja, o desenvolvimento liga-se à ideia de melhoria da qualidade de
vida.
Fischer264 atribui ao termo “desenvolvimento” uma polissemia conceitual, ou seja,
abriga várias acepções, significados, dizendo que “desenvolvimento” compreende mesmo
uma rede de conceitos. A confrontação inevitável que acontece comumente se dá entre os
termos desenvolvimento e crescimento por vezes aplicados de forma confusa e equivocada a
alguns fenômenos socioeconômicos.
262
BRASIL. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2011.p. 9. Obra coletiva da Editora Saraiva.
Apud ÁVILA, Vicente F. (Coord.). Formação educacional em desenvolvimento local: relato de estudo em
grupo e análise de conceitos. 2. ed. Campo Grande: UCDB, 2001. p. 69-70.
264
FISCHER, Tânia. Poderes locais: desenvolvimento e gestão: introdução a uma agenda. IN: FISCHER, Tânia
(Coord.). A gestão do desenvolvimento e poderes locais: marcos teóricos e avaliação. Salvador, BA: Ed. Casa
da Qualidade, 2002. p. 17.
263
86
Soares265 explica a diferença entre desenvolvimento e crescimento. Para esse autor, a
noção de desenvolvimento implica aumento de bem-estar com mudança na estrutura
econômica e social; envolve a sociedade inteira, em todos seus aspectos. O crescimento é uma
noção mais simples. Refere-se ao aumento das atividades de produção de bens e serviços,
porém não forçosamente implica uma mudança da estrutura, não envolve toda a sociedade em
todos os seus aspectos. O conceito de desenvolvimento contém em si a ideia de crescimento.
Para o autor supracitado, o desenvolvimento abriga uma multiplicidade de fatores que
envolvem aspectos econômicos, sociais e políticos, entre outros, que devem ter em conta os
valores e atitudes de uma população específica. Essa percepção considera atributos diversos
para se alcançar o estágio de desenvolvimento pleno e, nesse sentido, a via para alcançá-lo
compreende a inclusão de critérios não exclusivamente econômicos. Ao contrário, a corrente
que defende que crescimento econômico é igual a desenvolvimento reconhece, de forma
simplista, que o país desenvolvido cresceu mais que aquele em desenvolvimento.
Pires266 afirma que a relação entre cooperativismo e desenvolvimento local é
fortemente estimulada pelo fato de que, a partir da organização da produção e de sua
comercialização, as cooperativas vêm contribuindo para a potencialização dos locais em que
estão inseridas. Observa-se, com isso, um aumento do poder de barganha dos produtores, do
crescimento do emprego e renda, confirmando a perspectiva presente na literatura que
identifica as cooperativas, ao lado de outras iniciativas empresariais, como uma estratégia
importante dentro da perspectiva de desenvolvimento nacional.
Ressalta ainda Pires267 que, por meio da organização de uma empresa cooperativa, é
que os cooperados podem articular uma rede de relações que não se limita ao âmbito local,
redefinindo as relações entre forças locais e globais.
A importância do cooperativismo foi reconhecida pela ONU, que instituiu o ano de
2012 como o “Ano Internacional das Cooperativas”, em parceria com o Fundo Internacional
de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e o Programa Mundial de Alimentos (PMA). A ação
das cooperativas agrícolas é um importante mecanismo de garantia da segurança alimentar e
265
SOARES, Guilherme. Desenvolvimento local e territorialidade. In: TAVARES, Jorge R.; RAMOS, Ladjane.
Assistência Técnica e Extensão Rural: construindo o conhecimento agroecológico. Manaus, 2006. p. 38.
266
PIRES, Maria Luiza L. e Silva. Cooperativismo e desenvolvimento local. In: TAVARES, Jorge R.; RAMOS,
Ladjane. Assistência Técnica e Extensão Rural: construindo o conhecimento agroecológico. Manaus, 2006. p.
90.
267
Idem, ibidem, p. 90.
87
redução da pobreza, pois beneficiam diretamente o pequeno agricultor ao aumentar seu poder
de negociação e a capacidade de compartilhar recursos268.
O cooperativismo configura-se como importante instrumento de desenvolvimento
nacional, na medida em que sua existência e seu sentido se arquitetam na busca da
consecução de objetivos semelhantes, senão idênticos ao da República, pois, na ânsia de se
libertar dos desvalores do capitalismo arraigado, surge como uma via mais humana,
viabilizando aos cooperados e por que não a comunidade em geral, a integração social com o
enaltecimento de valores, como solidariedade, justiça, buscando o desenvolvimento não só da
cooperativa, como também dos cooperados, o que, por via de consequência, afasta a carência
material efetivando a garantia do desenvolvimento nacional.
No entanto, como visto anteriormente, o cooperativismo vem enfrentando problemas
que impedem seu desenvolvimento no Brasil de forma adequada e, por conseguinte, o exercício
de sua função como instrumento capaz de contribuir para o desenvolvimento do país.
Alguns dos problemas enfrentados, atualmente, pelo setor acabam por macular o
cooperativismo no Brasil. Assim, entre outros problemas, podem-se citar: a necessidade de
uma legislação atual e compatível com a nova realidade do setor; o fortalecimento e
atribuições concretas para o órgão representativo do setor; a solução de continuidade de
programas iniciados em determinados ministérios e que não são concluídos; a vinculação a
um único ministério com neutralidade para atender todos os ramos do cooperativismo; a
educação e capacitação para o cooperativismo; e a fiscalização efetiva para o sistema para
evitar o surgimento de cooperativas fraudulentas.
Entende-se que somente após a solução dos referidos problemas é que o
cooperativismo, que já contribui como agente econômico para o desenvolvimento nacional,
poderá impulsionar o setor.
3.1 ASPECTOS DO COOPERATIVISMO NA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA
Tem-se já sedimentada a ideia de que a Constituição Federal brasileira contextualiza
em si um viés econômico. A designação de constituição econômica, mormente no que se
refere ao conjunto de normas positivadas atinentes ao assunto como já verificado
anteriormente, não lhe foi atribuída ao acaso.
268
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL–ONUBR. Agências da ONU lançam Ano
Internacional das Cooperativas 2012. 3 nov. 2011. Disponível em: <http://www.onu.org.br/agencias-da-onulancam-ano-internacional-das-cooperativas-2012/>. Acesso em: 27 mar. 2013.
88
A ordem econômica atual, inserta na grande maioria das constituições e legislações,
inclusive a brasileira, visa a alinhar as questões econômicas às questões sociais, priorizando
estas últimas, no afã de auferir o concreto desenvolvimento de uma nação, com a redução das
desigualdades regionais e sociais.
A propósito, importante a lição de Bercovici:
Nesta mesma linha, podemos adotar algumas das premissas expostas por
Washington Peluso Albino de Souza, principalmente a de entender, assim
como Irti e vários outros, a Constituição Econômica como parte integrante,
não autônoma ou estanque, da Constituição total. Na sua visão, as
Constituições Econômicas caracterizar-se –iam pela presença do econômico
no texto constitucional, integrado na ideologia constitucional. E seria a partir
dessa presença do econômico no texto constitucional e da ideologia
constitucionalmente adotada que se elabora a política econômica do
Estado.269
Outrossim, é importante ressaltar que dispositivos constitucionais atinentes à ordem
econômica não se encontram apenas em seu Título VII, mas esparsas por todo o texto da
Carta Maior.
Assim, segundo Grau:
Ao bojo da ordem econômica, tal como a considero neste ensaio, além dos
que já no seu Título VII se encontram, são transportados – como vimos –
fundamentalmente os preceitos inscritos nos seus arts. 1º., 3º., 7º. a 11, 201,
202 e 218 e 219 – bem assim, entre outros, os do art. 5º., LXXI, do art. 24, I,
do art. 37, XIX e XX, do parag. 2º. do art. 103, do art. 149, do art. 225.270
É de salutar importância observar que a Constituição Federal, em seu art. 170,
estabelece como fundamentos da ordem econômica a valorização do trabalho humano e a
livre iniciativa, possuindo liame com o disposto no art. 1º do mesmo diploma legal, no qual se
inserem os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e, também, em seu art. 3º, o qual
trata do desenvolvimento da nação, por meio da construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, visando a erradicar a pobreza e a marginalização, reduzindo as desigualdades
sociais e regionais.
Verifica-se que da análise dos referidos dispositivos, extrai-se a compreensão de que a
palavra de ordem é desenvolvimento. No entendimento de Petter aos tratar do aspecto
econômico da Constituição Federal:
269
BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de
1988. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 13.
270
GRAU, Eros Roberto Rossi. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros,
2010. p. 195.
89
É a regulação jurídica da economia, no sentido mais amplo que esta
afirmativa comporta. Neste sentido, preceitos outros, atinentes à ordem
econômica, encontram-se não apenas no art. 170 e seguintes, mas em
diversas passagens do texto constitucional. Exemplificativamente, o objetivo
fundamental da República Federativa do Brasil de garantir o
desenvolvimento nacional, com a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, erradicando a pobreza e a marginalização e promovendo o bem de
todos com redução das desigualdades (CF, art. 3º.), por certo está
umbilicalmente relacionado com preceitos voltados pra atividade econômica
271
(CF art. 170 e ss).
Em análise ampla, tem-se que no termo “desenvolvimento” estão inseridos os aspectos
econômicos e sociais que constituem, em suma, os fundamentos e os objetivos da República
Federativa do Brasil.
Conforme a lição de Bercovici:
O desenvolvimento é condição necessária para a realização do bem estar
social. O Estado é, através do planejamento, o principal promotor do
desenvolvimento. Para desempenhar a função de condutor do
desenvolvimento, o estado deve ter autonomia frente aos grupos sociais,
ampliar suas funções e readequar seus órgãos e estrutura. O papel estatal de
coordenação dá a consciência da dimensão política da superação do
subdesenvolvimento, dimensão esta explicitada pelos objetivos nacionais e
prioridades sociais enfatizados pelo próprio Estado. As reformas estruturais
são o aspecto essencial da política econômica dos países subdesenvolvidos,
condição previa e necessária da política de desenvolvimento. Coordenando
as decisões pelo planejamento, o estado deve atuar de forma muito ampla e
intensa para modificar as estruturas socioeconômicas, bem como distribuir e
descentralizar a renda, integrando, social e politicamente, a totalidade da
272
população.
Essa análise, efetivada por Bercovici, no que tange ao desenvolvimento com viés aos
aspectos socioeconômicos, reflete totalmente o ideário cooperativista, que não é outro senão o
desenvolvimento nacional. Nesse sentido, basta verificar os princípios que embasam o
cooperativismo para comprovar tal assertiva e, ao analisarem-se tais princípios juntamente
com os valores, fundamentos e demais preceitos que norteiam a Constituição Federal, em
especial a Ordem Econômica, verifica-se total convergência entre eles e que confluem para a
consecução dos objetivos da República.
A doutrina cooperativista busca fugir dos parâmetros estabelecidos pelo capitalismo
abusivo, por meio da humanização dos valores. A convergência dos valores da nova ordem
271
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art.
170 da Constituição Federal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 164.
272
BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de
1988. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 51.
90
econômica e do cooperativismo é nítida. A cada momento em que os preceitos constitucionais
se distanciam do capitalismo severo, das disposições agressivas atinentes ao mercado em seu
sentido mais austero, mais próximos se tornam dos valores cooperativistas.
O cooperativismo insere-se na Ordem Econômica Constitucional, nos arts. 174, §2º a
4º, 187, VI, e 192. O § 2º do art. 174 trata do incentivo ao cooperativismo e demais formas de
associativismo de forma geral, enquanto que o § 3º e §4º do mesmo dispositivo constitucional
também estabelecem o incentivo ao cooperativismo, mais especificamente nas áreas de
garimpo. O art. 187, VI, instrumentaliza o cooperativismo na política agrícola nacional. Já o
art. 192 integra as cooperativas de crédito no sistema financeiro nacional.
Não se pode olvidar que doutrinariamente o cooperativismo é um instrumento eficaz
para a consecução dos preceitos constitucionais, em especial aos contidos no Título VII,
atinente Ordem Econômica, já que toda a sua principiologia converge para a busca da
existência digna e por via de consequência buscar o desenvolvimento nacional e a redução das
desigualdades regionais e sociais.
Nesse sentido, Rossi esclarece:
Vale lembrar que os princípios cooperativos, reformulados e revisados pela
Aliança Cooperativa Internacional, no Congresso de Manchester em 1995, e
sobre os quais se falou em capítulo anterior, são: o princípio da adesão livre
e voluntária; o do controle democrático pelos sócios; o da participação
econômica dos sócios; o da autonomia e independência; o da educação,
treinamento e formação; o da cooperação entre cooperativas e, finalmente, o
da preocupação com a comunidade.273
Não há dúvidas de que tais princípios cooperativos estão vinculados aos princípios da
Ordem Econômica, que, por sua vez, refletem os objetos fundamentais da República,
previstos no art. 3º da Constituição Federal. Há, pois, evidente sintonia entre cooperativismo,
ordem econômica e objetivos da República.
Seguindo-se a análise operacionalizada por Rossi, para quem o cooperativismo está
eivado de valores e de princípios próprios que estabelecem a ideologia cooperativista, uma
cooperativa só se caracteriza como tal quando segue esses princípios, que elencam valores
que são, basicamente, a democracia, a solidariedade, a justiça social e a equidade274.
Depreende-se, daí, que se tratam dos mesmos valores que embasam a Constituição Federal e,
por via de consequência, a Ordem Econômica e Financeira. Nessa linha de pensamento, tem-
273
ROSSI, Amélia do Carmo Sampaio. Cooperativismo à luz dos princípios constitucionais. 5. ed. Curitiba, PR:
Juruá, 2009. p. 129.
274
Idem, ibidem, p. 136-149.
91
se como óbvio que o cooperativismo, por sua natureza, é um instrumento hábil para contribuir
com o desenvolvimento nacional desde que sejam tomadas medidas eficientes que regulem o
setor, livrando-o dos problemas já referidos anteriormente, que lhe impedem a ascensão.
3.2 COOPERATIVISMO E O ESTADO DITO INTERVENTOR
Não é possível enfrentar as questões colocadas no presente trabalho sem uma análise
da questão do intervencionismo no contexto da ordem econômica constitucionalmente
conformada e estruturada, posto que há, no cerne das questões aqui tratadas, a necessidade e
exigência de uma intervenção por parte do Estado em relação às atividades cooperativistas,
mormente de um fortalecimento do setor por meio da atividade regulatória, no pressuposto de
uma orientação normativa sobre o papel do Estado como um dos agentes que participam da
estrutura do mercado na economia contemporânea.
É de se verificar que toda e qualquer atividade econômica desenvolvida no país, sejam
elas públicas ou privadas, inserem-se no contexto da Ordem Econômica, estabelecida pela
Constituição Federal. Ainda, o contexto do Título VII da Constituição Federal, que trata da
Ordem Econômica, remete ao disposto no art. 3º da Carta Constitucional, porquanto visa ao
desenvolvimento nacional, em suma, por meio das premissas estabelecidas que buscam o
bem-estar social.
Por meio do Estado de bem-estar social, também denominado de Welfare State, o
Estado passou a intervir mais na economia buscando com isso diminuir os desequilíbrios
sociais275. A partir daí, surgem, nas nações, as constituições ditas sociais que trazem em seu
âmago a busca pela garantia do desenvolvimento nacional, por meio de maior intervenção
estatal, por isso mesmo denominadas constituições dirigentes, que exigem dos Estados uma
maior participação em assuntos direcionados à economia, posto que afetam os cidadãos que
necessitam de melhores condições para obter uma vida digna. Desse modo, o Estado, nesse
intervencionismo da atualidade, assume um papel regulador, buscando conter os abusos
praticados pelo mercado no intuito de proporcionar o bem-estar social.
Ao conceituar intervencionismo, Ferraz Junior esclarece:
É o exercício por parte da autoridade política, de uma ação sistemática sobre
a economia, estabelecendo-se estreita correlação entre o subsistema político
e econômico, na medida em que se exige da economia uma otimização de
275
MIRANDA, Sandro Ari Andrade de. Welfare State: críticas e caminho (2008). Revista Jus Navegandi.
Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19227/welfare-state-criticas-e-caminhos>. Acesso em: 14 dez.
2012.
92
resultados e do Estado a realização da ordem jurídica como ordem do bem
estar social.276
A Constituição Brasileira de 1988277 possui uma conformação efetivamente
intervencionista, sem ser absoluta como nos moldes de constituições anteriores, mas uma
constituição que segue os moldes ditados pelo momento político-econômico da atualidade. Da
análise do Título VII, da Constituição Brasileira, pode-se notar a existência de duas
modalidades de intervenção do Estado na economia, a direta e a indireta.
A intervenção direta está contida no art. 173 da CF/1988278, ao estabelecer que a
exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definido em lei.
O § 1º do referido dispositivo constitucional trata das empresas públicas e sociedades de
economia mista ou subsidiárias, outorgando ao Estado a possibilidade de participar do
mercado como empresário, concorrendo inclusive com particulares, quando for o caso.
A intervenção indireta, prevista no art. 174 da CF/1988279, induz que o Estado atuará
como agente normativo e regulador da atividade econômica. Nessa modalidade de
intervenção, a atuação estatal não é concorrencial, não há por parte do Estado o interesse em
lucratividade, pois ele não participa do mercado diretamente.
Bastos esclarece:
Esta é a atividade do Estado enquanto agente protagonizador da atividade
econômica. O mesmo Estado também intervém, contudo, na qualidade de
agente normativo e regulador da economia. Tal mister vem disciplinado no
art. 174, que torna certo que ao Estado é dado fiscalizar, incentivar e planejar
a atividade econômica.280
Tem-se daí a obrigatoriedade para o Estado, no que tange ao cumprimento das
determinações constitucionais, no sentido de que, além de normatizar, incentivar, planejar,
deve regular a atividade econômica exercendo atos de intervenção, na busca pelo
desenvolvimento nacional. É bem de se ver que a intervenção prevista na Constituição não
possui um caráter prejudicial, limitador, mas, sim, normatizador, regulatório, visando,
precipuamente, ao bem-estar social por meio do desenvolvimento.
276
Apud SHOUERI, Luiz Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro:
Forense, 2005. p. 35.
277
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
278
Idem, ibidem.
279
Idem, ibidem.
280
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 462.
93
De acordo com Sena Segundo:
A função normatizadora estabelece o âmbito e o espaço de atuação da
atividade econômica, enquanto a função regulatória diz como esta atividade
(e seus agentes econômicos), já levando em consideração as premissas
fundamentais normatizadoras, deve existir e se comportar, em detalhes, no
dia-a-dia (tudo sempre amparado na ideia do mínimo necessário).281
Da análise do art. 174 da Constituição Federal e de seu § 2º, entende-se que o Estado
deve apoiar e estimular o cooperativismo, pois que este integra o sistema econômico nacional.
Nesse sentido, este faz jus ao mesmo tratamento outorgado às demais entidades que integram
o sistema econômico, com a previsão assegurada em vários momentos por esse diploma legal,
como é o caso do inciso XVIII, do art. 5º, que trata da independência no que tange à criação
de cooperativas e ainda à liberdade em seu funcionamento; o inciso III, c, do art. 146, que
determina o adequado tratamento tributário ao ato cooperativo; o § 2º do art. 174, que prevê a
edição de lei que estimulará e apoiará o cooperativismo; os §§ 3º e 4º do art. 174, que
outorgam tratamento privilegiado às cooperativas vinculadas às atividades garimpeiras; o
inciso VI, do art. 187, que insere o cooperativismo no contexto da política agrícola nacional e
o inciso VIII, do art. 192, que prevê a inserção das cooperativas de crédito no sistema
financeiro nacional.
Insta salientar que, apesar das previsões constitucionais, ainda muito se tem que
caminhar em matéria de legislação infraconstitucional, para que a estrutura legislativa que
respalda o cooperativismo possa efetivamente tornar-se viável.
Mas, atendo-se aos aspectos do art. 174, da CF/1988282, e seu § 2º, verifica-se que as
cooperativas, como entes que executam atividades econômicas, estão sob a égide da ação
intervencionista do Estado, gozando de algumas prerrogativas outorgadas ao setor. No
entanto, ainda falta ao cooperativismo brasileiro o “empoderamento” necessário para suprimir
os problemas que afligem o setor na atualidade e o desqualificam perante a sociedade,
principalmente relacionados às cooperativas fraudulentas, à falta de educação para o
cooperativismo e outros.
281
SENA SEGUNDO, Oswalter de Andrade. O princípio constitucional da redução das desigualdades regionais e
sociais e sua efetivação jurídico-política na ordem econômica. Revista Direito e Liberdade. Disponível em:
<http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/view/94>. Acesso em: 5
ago. 2012.
282
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
94
Logo, diante de tal constatação tem-se a necessidade de que o Estado exerça
plenamente seu dever, efetivamente previsto no art. 174, caput, da CF/1988283, de intervir na
atividade econômica de modo a obter o que já lhe foi outorgado.
A clareza do disposto no art. 174, caput, da CF indica que ao Estado compete a
obrigação de normatizar a atividade econômica, sendo ainda obrigado a realizar e fiscalizar
tais atividades.
Nesse sentido, a lição de Bastos é pontual:
De fato, o Estado não pode furtar-se a algumas atividades que, sem implicarem a
prestação da atividade econômica, propriamente dita, venham a colaborar, através de
um processo de conformação da atividade dos particulares, o atingimento mais pleno
possível dos objetivos do art. 170. Assim é que cabe ao Estado fiscalizar. É um
poder amplo que desfruta o ente estatal, denominado poder de polícia. Por seu
intermédio objetiva-se manter a atividade privada dentro do estabelecido pela
constituição e pelas leis. [...].284
O exercício da fiscalização por parte do Estado em relação às cooperativas seria o
elemento-chave para que tais instituições efetivamente exercessem seu papel no sistema
econômico nacional. No entanto, a fiscalização exercida com base nos preceitos do caput do
art. 174, da CF/1988285, poderia suscitar a hipótese de certa tensão dialética com o que dispõe
o inciso VI, do art. 5º, dado ao fato de que o caput do art. 174 determina a submissão ao
agente normativo e regulador que é o Estado, enquanto que o VI, do art. 5º outorga autonomia
às cooperativas.
A pretensa tensão dialética na realidade é mera retórica, pois que a interpretação do
VI, art. 5º, abrange a autonomia quanto à criação e ao funcionamento das cooperativas, sem
lhes retirar o dever de, como entes que integram o sistema econômico, se sujeitarem ao
cumprimento das regras impostas a todos que integram esse sistema.
Nesse sentido, a lição de Meinen é incisiva:
O livre exercício da cooperação, todavia, não quer dizer que as cooperativas
nascem e fazem o que bem entenderem, sem respeitar os parâmetros
mínimos do que se designa uma conduta digna. Não se pode perder de vista
que a Constituição, especialmente pela combinação dos arts. 174 e 173,
parag. 3º., outorga ao estado o poder de monitoramento da atividade
econômica e lhe impõe o dever de reprimir eventuais abusos. O permanente
equilíbrio nas relações econômico-sociais e a elevação do interesse público
são valores ou fundamentos que se sobrepõem à livre iniciativa, inclusive a
materializada na forma cooperativa. Há de se ter, portanto, um controle
283
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
284
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 462.
285
BRASIL. Op. cit.
95
oficial mínimo (sem prejuízo da autogestão) de modo a evitar a criação
descontrolada de cooperativas, sem objeto preciso e sem preocupação com a
viabilidade econômico financeira, muitas vezes gerida por administradores
sem os mínimos atributos profissionais; sem a menor consciência de suas
responsabilidades, quando, não raro, também inescrupulosos. Nesta
dimensão, em nada acrescentará, para a sociedade (cujos interesses públicos
estão sempre acima de qualquer organização ou iniciativa particular) e para o
próprio setor, a festejada (e bem vinda) liberdade de criação, organização e
funcionamento. O abuso do direito, como é concebido, costuma trazer
inconvenientes irreversíveis.286
As mazelas atinentes às cooperativas indicadas neste trabalho revelam a falta de
intervenção do Estado, no sentido de evitar que tais ocorram, ou seja, uma fiscalização mais
efetiva e pontual evitaria, por certo, as fraudes tanto no aspecto trabalhista em relação às
denominadas “coopergato”, como no tributário com fraudes em relação a tributos, bem como
sob o aspecto civilista em relação às atividades de certos dirigentes inescrupulosos que lesam
as cooperativas e os cooperados e até a sociedade de modo geral, entre outros.
A edição de leis mais incisivas e específicas quanto a eventuais atos impróprios
praticados por dirigentes das cooperativas no que se refere às responsabilidades e penalidades,
bem como prevendo a obrigatoriedade de capacitação continuada com vistas à educação
cooperativista, seria salutar, ou seja, exigir mais efetividade do SESCOOP, OCB e outros.
Nesse sentido, torna-se evidente que o setor cooperativo depende de intervenção
efetiva por parte do Estado para que se desenvolva e frutifique, ou seja, faltam, por parte do
Estado, ações essencialmente regulatórias no cooperativismo nacional, considerando a
previsão do caput, do art. 174, da CF/1988287, que lhe atribui a função de agente normativo e
regulador da atividade econômica.
Ademais, são necessárias políticas públicas específicas para o setor que atendam não
só o ramo agropecuário, mas sim todos os ramos do cooperativismo no Brasil.
Irion faz interessante análise sobre o tema:
Porém, sob o ponto de vista jurídico constitucional, a concretização
constitucional dos princípios cooperativos como indica o legislador, aponta
para o fato de que a lei deverá apoiar e estimular o cooperativismo e outras
formas de associativismo, demonstrando que o cooperativismo foi eleito
como forma de organização que deverá ser estimulada na forma da lei pelos
poderes públicos, contribuindo desta forma para o desenvolvimento
nacional. Ressalta-se que o próprio conceito de economia social está
disposto em nossa Constituição, a partir do reconhecimento de normas da
286
MEINEN, Ênio. Aspectos jurídicos do cooperativismo. In: DOMINGUES Jane Aparecida Stefanes (Org.).
Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2002. p. 33. v. 1.
287
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
96
Constituição que defendem a autonomia da cooperativas e o seu estímulo
concreto através de políticas públicas pelo estado: O conceito de economia
social existe há mais de um século mas é pouco conhecido no mundo e
praticamente desconhecido no Brasil. Mesmo assim, os mais esclarecidos
288
incluíram na Constituição de 1988 alguns princípios a ela relacionados,
tais como a liberdade de associação e o fomento ao cooperativismo.289
Nesse sentido, é que se o Estado cumprir seu papel de intervir de forma conveniente,
ou seja, no sentido planificador, fomentador, regulador e normatizador, o cooperativismo
adquirirá novo impulso, porquanto, por meio dessas ações estatais poderão ser viabilizadas
ações concretas para o setor, eliminando mazelas, fortalecendo órgãos representativos,
estabelecendo atribuições de modo que o cooperativismo bem-conduzido possa frutificar e
exercer a função que lhe foi instituída pela Constituição federal.
3.2.1 Políticas públicas para o setor cooperativista
As políticas públicas são um importante instrumento estatal de natureza interventiva,
por óbvio, nos moldes desse novo modelo intervencionista.
Os governos, em todas as suas esferas, vêm buscado enfrentar a questão da pobreza,
por meio de medidas denominadas de políticas públicas.
Em data recente, o governo federal, utilizando a estrutura de seus agentes financeiros,
aprovou três programas de crédito, que, juntos, somaram a oferta de R$ 1,8 bilhão, destinados
ao segmento das cooperativas290.
No entanto, considerando-se os investimentos que são efetuados em outros setores,
muito ainda há de se fazer em relação ao setor cooperativista, mormente como já visto até
aqui, considerando-se seu potencial para enfrentamento de questões cruciais como a redução
das desigualdades regionais e sociais, que emperram o desenvolvimento brasileiro..
As políticas de fomento ao setor cooperativo devem considerar que, segundo dados da
Organização das Nações Unidas no Brasil (ONUBR)291, desde associações de pequeno porte
até contratos milionários em escala global, contam com mais de 800 milhões de associados e
288
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
289
Apud VÉRAS NETO, Francisco Quintanilha. Cooperativismo: nova abordagem sócio-jurídica. Curitiba:
Juruá, 2011. p. 271. Grifo do autor.
290
RELATÓRIO de demonstrações contábeis do Banco do Brasil S.A. relativas ao exercício de 2012. Disponível
em: <http: //www.bb.com.br/docs/pub/site esp>. Acesso em: 25 mar. 2013.
291
Idem, ibidem.
97
garantem 100 milhões de empregos no mundo, ou seja, 20% a mais do que as empresas
multinacionais.
Basta constatar que, em 2008, as trezentas maiores cooperativas do mundo
movimentaram cerca de um trilhão de dólares, valor três vezes superior ao PIB argentino
daquele ano, por exemplo292.
No Brasil, as cooperativas foram responsáveis por 37,2% do PIB agrícola e de 5,4%
do PIB nacional, em 2009, garantindo cerca de 3,6 bilhões de dólares em exportações.
Fortalecidos dentro de um grupo maior, os agricultores têm condições de negociar contratos
melhores e preços mais justos para insumos, como sementes, fertilizantes e equipamentos293.
Tais números, exemplos dentre tantos, comprovam de maneira inequívoca a
importância econômica do setor cooperativo, notadamente no que tange ao segmento
agropecuário exportador da economia.
No entanto, de forma clara pode-se verificar que os recursos outorgados pelo governo
federal e outros, inclusive externos, poderiam ser mais bem aplicados, caso houvesse um
órgão devidamente fortalecido, reconhecido para representar e mesmo até conduzir o setor da
forma adequada.
Deve-se considerar que as cooperativas ao agregarem todas as classes de produtores
rurais, por exemplo, sejam grandes, pequenos ou médios, acabam por gerar a esse grupo de
agentes econômicos, maior capacidade de produção e de resultados, seja pela diminuição dos
custos dos insumos em relação às compras coletivas, seja pela maior capacidade de
armazenagem e de logística para a entrega da produção.
De qualquer forma, há incremento no rendimento, possibilitando não somente maiores
investimentos na atividade, mas um aumento na qualidade de vida dos produtores.
Ressalta-se que o desenvolvimento econômico das cooperativas possui um inconteste
viés social, em face de sua própria natureza, umbilicalmente ligada ao associativismo, fato
este que proporciona a melhora da qualidade de vida de toda a comunidade cooperativada,
colaborando, pois, com o desenvolvimento da nação.
Outro lado, como já verificado no presente trabalho, o problema das desigualdades
regionais no Brasil é um ponto fraco em relação ao desenvolvimento da nação.
Verificou-se ainda que o cooperativismo pode ser um instrumento eficaz, capaz de
contribuir para tais reduções.
292
PORTAL do Cooperativismo de Crédito. Disponível em: <http://www.cooperativismodecredito.com.br/>.
Acesso em: 18 mar. 2013.
293
Idem, ibidem.
98
No entanto, como se verifica nos dados a seguir, questões que impedem o
desenvolvimento de algumas regiões por meio do trabalho de cooperativas poderiam ser
resolvidas com poucos recursos, caso houvesse políticas públicas eficientes para o setor.
Silva294 revela as diferenças regionais brasileiras e a evolução do cooperativismo em
cada uma das regiões. Afirma que, na região Norte, o movimento cooperativo se expandiu por
meio das cooperativas extrativistas, sobretudo voltadas para a exploração da borracha;
todavia, elas encontraram dificuldades para um maior desenvolvimento diante dos problemas,
como as grandes distâncias entre os polos, a dificuldade de deslocamento, a insuficiência dos
meios de transporte e a escassez de mercados consumidores provocada pelo pouco
povoamento da região e pela falta de uma política governamental para o setor; além da
ausência de uma política global de desenvolvimento regional, bem como dificuldade das
pequenas cooperativas acessarem aos recursos financeiros, equipamentos e infraestrutura que
lhes permitam melhorar a sua capacidade de produção. Estas são algumas das razões que
justificam a estagnação de algumas dessas experiências e dificultam a aparição de práticas
dinâmicas e competitivas nessa região.
Na região Nordeste, grande parte das cooperativas rurais esteve organizada a partir de
uma estrutura de classes, na qual os postos de comando sempre estiveram preenchidos pelos
grandes proprietários e pelas lideranças políticas locais e regionais, atendendo a benefícios de
pessoas e de grupos específicos. Tais questões trouxeram repercussão direta para o campo da
gestão das cooperativas agrícolas. A carência de planejamento em curto e médio prazo,
associada a uma fraca capacidade de investimento de capital, e a utilização de mão de obra
sem qualificação e controle financeiro-contábil condicionaram um baixo nível de
competitividade e consequentemente de capitalização das cooperativas, notadamente nas de
pequeno porte295.
No Centro-Oeste, região que mais investiu no cooperativismo e na criação de
legislação específica para o setor, a discussão em relação ao papel do cooperativismo, como
agente promotor do desenvolvimento regional, tem resvalado na questão da ainda incipiente
coesão e interação entre as cooperativas, dificultando uma participação mais expressiva nas
economias locais296.
Nas regiões Sul e Sudeste, o cooperativismo se firmou como instrumento de promoção
do desenvolvimento dessas regiões, que, mesmo atuando sob os limites das políticas de
294
SILVA, Emanuel Sampaio et al. Panorama do cooperativismo brasileiro: história, cenários e tendências.
UnirCoop, v. 1, n. 2, p. 81, 2003.
295
Idem, ibidem, p. 82.
296
Idem, ibidem, p. 83.
99
Estado governamentais, se evidencia como um espaço socioeconômico capaz de qualificar a
cooperação pelo ato imediato de reunir pessoas e/ou forças de cada um para produzir uma
força maior. O volume de capital social dos empreendimentos cooperativos aponta para o
aproveitamento das potencialidades atuais das comunidades de modo a não comprometer o
desenvolvimento da região. Muito mais do que o PIB cooperativo (valor de faturamento), os
dados apontam para um capital social existente na região que pode ser compreendido como
uma amálgama de elementos, como confiança, coesão social, civismo, lutas e projetos
conjuntos que facilitam a cooperação para o benefício mútuo em uma sociedade297.
Os principais desafios apontados para essas duas últimas regiões são: a criação de um
sistema de crédito às cooperativas que consiga beneficiar tanto as cooperativas ligadas aos
agronegócios, como as cooperativas de trabalho de baixa tecnologia e valor agregado;
ampliação das assessorias às cooperativas em todo o Sudeste; criação de um marco legal do
cooperativismo dos principais municípios das regiões com poder de influenciar outros
municípios na concessão de benefícios na constituição de cooperativas formadas por
população oriunda de áreas de exclusão social; e ampliação do impacto das ações das
universidades relacionadas não apenas às cooperativas populares, mas, também, na condução
da formação de quadros qualificados para a gestão de complexos cooperativos e reforçar o
papel das universidades na discussão ampla dos princípios do cooperativismo visando a maior
democracia interna nas decisões do grupo e a maior mobilidade nos órgãos diretivos com
ampliação da participação feminina nesses órgãos e conselhos298.
Anota-se que a conjugação dos resultados do desenvolvimento econômico, com ênfase
na diminuição das desigualdades sociais, coaduna-se com os objetivos da CF/1988,
insculpidos em seu art. 43, quando afirma que a União pode articular sua ação visando ao
desenvolvimento da nação e à redução das desigualdades regionais, razão pela qual é
necessário um trabalho conjunto, entre governo e cooperativas, no sentido de que busque a
real necessidade dessas últimas para fins de políticas públicas eficientes, nas regiões para a
expansão do setor.
Por fim, não é demais ressaltar que o setor cooperativista aguardou ansioso medidas
diretas que lhe trouxessem benefícios por meio dos Programas de Aceleração do Crescimento
(PAC).
297
SILVA, Emanuel Sampaio et al. Panorama do cooperativismo brasileiro: história, cenários e tendências.
UnirCoop, v. 1, n. 2, p. 83, 2003.
298
Idem, ibidem, p. 83-86.
100
Entretanto, apesar de ser evidenciado pela Presidente Dilma Rousseff, em mensagem
ao Congresso Nacional299, supracitado, o cooperativismo não foi diretamente beneficiado pelo
PAC, em nenhuma de suas duas versões, que se limitou apenas a subsidiar o Plano Agrícola e
Pecuário e os produtores, deixando de fornecer apoio e subsídios aos outros ramos do
cooperativismo, por exemplo, cooperativas médicas, de consumo, especiais, de trabalho, de
crédito, entre outras.
O Programa de Aceleração do Crescimento tem, como um dos pilares, a desoneração
de tributos para incentivar mais investimentos no Brasil. O PAC prevê a redução de tributos
para os setores de semicondutores, de equipamentos aplicados à TV digital, de
microcomputadores, de insumos e serviços usados em obras de infraestrutura e de perfis de
aço. O plano contempla também medidas fiscais de longo prazo, como é caso do controle das
despesas com a folha de pagamento e a modernização do processo de licitação, fundamentais
para garantir o equilíbrio dos gastos públicos.
As medidas econômicas para o crescimento econômico do país abrangem: estímulo ao
crédito e ao financiamento, melhoria do ambiente de investimento, desoneração e
administração tributária, medidas fiscais de longo prazo e consistência fiscal.
As medidas para estímulo ao crédito e ao financiamento são: concessão pela União de
crédito à Caixa Econômica Federal (CEF) para aplicação em saneamento e habitação;
ampliação do limite de crédito do setor público para investimentos em saneamento ambiental
e habitação; criação do Fundo de Investimento em Infraestrutura com recursos do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); criação do Fundo de Investimento em Infraestrutura
com recursos do FGTS; elevação da liquidez do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR);
redução da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que em parte, beneficia as cooperativas;
redução dos spreads do Banco Nacional do Desenvolvimento Social (BNDES) para
infraestrutura, logística e desenvolvimento urbano.
Como visto, o PAC não visou a beneficiar as cooperativas como um todo, como
instrumento de superação da desigualdade e incentivo ao desenvolvimento nacional,
restringindo-se aos eixos Energia, Transportes, Habitação, Saúde, Educação, Água. Nesse
sentido é que o setor cooperativista ressente-se da ausência de políticas públicas mais
concretas e que visem ao setor como um todo, para seu fortalecimento, no sentido de
viabilizar esse instrumental econômico, que é o cooperativismo.
299
BRASIL. PRESIDENTE (2011: D. V. Rousseff). Mensagem ao Congresso Nacional. 2013: 3ª sessão
legislativa ordinária da 54ª legislatura. Brasília: Presidência da República, 2013. p. 52. (Documentos da
Presidência da República).
101
3.3 O COOPERATIVISMO COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO
NACIONAL
Visto que o cooperativismo é tido como proposta viável para o desenvolvimento
econômico e social brasileiro, mormente porque requer baixo investimento para a sua
implementação, sendo elemento gerador de renda, possuindo ainda em seu âmago
características altruístas voltadas para o desenvolvimento da pessoa humana, elementos
fundamentais para a redução das desigualdades regionais e sociais no Brasil, é necessário
buscar o fortalecimento do setor, para que esse sistema se torne mais eficiente, fazendo jus às
expectativas a ele propostas na Constituição Federal, mormente no que se refere a seu papel
na ordem econômica nacional, visando a libertá-lo das mazelas que o acometem e o impedem
de se desenvolver de forma adequada.
Como verificado anteriormente, pelo regramento contido na CF/1988300, mais
precisamente do art. 174, há uma expectativa que o Estado exercite o seu papel de interventor
no setor cooperativista, regulando, planificando, fiscalizando e normatizando a ordem
econômica nacional.
Tem-se que a partir de tais ações ditas interventivas no setor, a resposta com certeza
será o maior fortalecimento do cooperativismo nacional visando às ações concretas já
propostas neste estudo, precipuamente o estímulo ao cooperativismo nas regiões menos
favorecidas econômica e socialmente, o que acarretará geração de rendas aos brasileiros
necessitados, entre outras ações.
Como já explanado, o cooperativismo carrega em seu ideário não apenas vinculação
econômica, mas também social, cultural, entre outras.
Nesse sentido é que são esperadas ações a serem exercitadas de forma planejada pelo
Estado para que as cooperativas possam superar os problemas hoje enfrentados e exercer o
papel que lhes cabe como agentes econômicos.
Por tudo isso, o Estado teria dois papéis principais nesse cenário: o de
promoção (fomento) e de fiscalização. Este último deveria ser concebido
com a parceria dos setores ligados ao cooperativismo, a partir de critérios
normativos rígidos do ponto de vista doutrinário e teórico, além de
operacionais, que seriam consequência. Essa visão possibilitará montar
300
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
102
programas governamentais com razoável grau de certeza de se alcançar a
301
eficácia desejada.
Verificou-se neste trabalho que, apesar de existirem políticas públicas para o setor, são
necessárias medidas, por parte do Estado, mais específicas para outros ramos que não só o
agropecuário. O que se observa, por vezes, é que pelo fato de o órgão representativo do setor,
a OCB, estar vinculado ao Ministério da Agricultura, a maior parte dos recursos é direcionada
para o referido ramo, ficando os outros ramos mais desamparados. Nesse sentido, como se
verá adiante, é que a vinculação da OCB a outro ministério poderia tornar o setor mais
eficiente, podendo amparar todos os ramos cooperativos brasileiros.
O papel interventor/fiscalizador do Estado, conforme se depreende do art. 174 da
CF/1988302, também é essencial no setor cooperativo. Como já demonstrado, o setor está
sendo denegrido pela existência de inúmeras cooperativas de fachada, também denominadas
“coopergato”. Tal situação consiste em agregar um número de operários, afirmando-os
cooperados e mediante baixa remuneração, não pagamento de horas extras, não recolhimento
de contribuições sociais e previdenciárias, com evidente lesão às pessoas, ao fisco e à
previdência social.
É de se reafirmar que há expectativa em relação à Lei nº 12.690/2012, que trata das
cooperativas de trabalho, regulamentando tal ramo cooperativo.
De fato, as ações interventivas estatais, no que se refere ao fomento e fiscalização, são
importantes, mas, em relação ao cooperativismo, a ação normatizadora do Estado se faz ainda
mais essencial. Como frisado, os grandes problemas enfrentados pelo setor derivam
especialmente da ausência de uma norma atualizada, mormente como foi reiteradas vezes
observada neste trabalho. A Lei que trata do cooperativismo no Brasil − Lei 5.764/1971 − é
proveniente de outra realidade política e econômica, sendo certo que sua revogação parcial,
perante a necessidade de ser recepcionada pela CF/1988303, não foi suficiente, tratando-se
hoje de um diploma praticamente obsoleto.
Não se pode deixar de frisar que desde há muito existem projetos tramitando sobre o
assunto, mas a maioria tem sido arquivada por falta de vontade política e evidente
enfraquecimento do setor.
301
NASCIMENTO, Fernando Rios. Cooperativismo como alternativa de mudança. Rio de Janeiro: Forense.
2000. p. 14.
302
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
303
Idem, ibidem.
103
Tal situação acarreta visíveis problemas para o sistema, mormente no que se refere ao
papel da OCB, instituída como órgão representativo do cooperativismo brasileiro, mas que
não está devidamente amparada pela legislação. Nesse sentido, Becho é incisivo ao afirmar:
“com isso, não se sabe seguramente qual o papel jurídico dessa instituição, o que tem
acarretado sérios problemas para todo o sistema”.304
Nota-se que sem um órgão fortalecido, juridicamente reconhecido para representar o
setor, o sistema acaba desagregado apresentando as mazelas que impedem o avanço do
cooperativismo, maculando por vezes todo o setor, por questões que poderiam ser
solucionadas, caso o referido órgão representativo possuísse atribuições definidas para tanto.
Nesse sentido é que a normatização do setor de forma atualizada e correspondendo às
necessidades verificadas é imprescindível, onde, entre outros, devem-se definir as atribuições
da OCB.
A necessidade de tal normatização é premente porquanto, apesar do crescimento do
setor, este tem ocorrido de forma desordenada, com o privilégio a alguns ramos e o
desprestígio dos demais.
É fundamental a permanência do Sistema OCB. No entanto, é forçoso
reconhecer a necessidade de mudanças da sua forma de atuar para que os
objetivos efetivos do ponto de vista do cooperativismo nacional sejam
alcançados. Para que esse sistema alcance essa dimensão representativa, sem
ignorar o conjunto dos interesses de todos os ramos e de todos os estados, é
necessário incluir-se na nova lei alguns dispositivos que lhe emprestem
maior alcance e maiores compromissos com critérios de paridade e justiça.
Funções tais como as preconizadas na nova lei não poderão ser
adequadamente exercidas se a OCB mantiver a visão simplificada e
reducionista dos problemas nacionais do cooperativismo e continuar atuando
com as limitações conhecidas.305
Assim, por meio de uma norma atualizada e que corresponda aos anseios do
cooperativismo no Brasil, é que se poderá iniciar uma nova fase para o setor, com a condução
e atenção a todos os ramos de forma indiscriminada, além de se efetivarem ações planejadas,
fiscalizatórias, de modo a fortalecer o sistema.
Outro aspecto refere-se à necessidade de que as políticas para o cooperativismo, bem
como o órgão representativo, estejam vinculadas ao Ministério do Desenvolvimento e não ao
Ministério da Agricultura, por causa do papel do cooperativismo, como sistema econômico
304
BECHO. Renato Lopes. Elementos de direito cooperativo (de acordo com o novo Código Civil). São Paulo:
Dialética, 2002. p.145.
305
NASCIMENTO, Fernando Rios. Cooperativismo como alternativa de mudança. Rio de Janeiro: Forense.
2000. p. 103.
104
para a consecução do desenvolvimento nacional, e também porque o cooperativismo no Brasil
não se restringe apenas ao ramo agropecuário, ao contrário, existem mais 12 ramos que
merecem e devem ser estimulados da mesma forma que a agricultura e a pecuária e que nada tem
de pertinência com tais ramos, como é o caso do mineral, educacional, transportes, entre outros.
Pela importância que se lhe atribui, mas sobretudo pelo que ele pode se
tornar com apoio efetivo do estado, o cooperativismo deveria se constituir
num programa vinculado ao recém criado Ministério do Desenvolvimento ou
outro que se mostre apropriado, que formularia toda concepção da atuação
governamental para o setor e articularia os demais ministérios em ações
operativas especificas, devendo ocorrer iniciativas dos poderes executivo e
legislativo com os seguintes objetivos:
a. Criação de estrutura própria no Ministério do Desenvolvimento, que seria
responsável pelo fomento e todas as ações do poder público voltadas ao
estímulo e apoio ao cooperativismo;
b. Aprovação imediata da nova legislação cooperativista, com base na
proposta em tramitação do Senado;
c. Revisão de programas governamentais dispersos e descontinuados em
vários ministérios, que por acaso existam de forma a centraliza-los e
emprestar coerência às ações;
d. Formulação de um programa de desenvolvimento do cooperativismo a
nível nacional, baseado em preceito constitucional.306
Tem-se que a partir de um fortalecimento do órgão representativo do setor, com o
delineamento de suas atribuições, os problemas enfrentados pelo cooperativismo atualmente,
e que neste trabalho foram informados, tenderão a ser minimizados principalmente no que se
refere à educação para o cooperativismo.
Aliás, a problemática da educação e capacitação ao cooperativismo tem sido um ponto
crucial a ser enfrentado pelo setor. Verifica-se que, na realidade, os integrantes de
cooperativas deveriam, antes de se tornarem membros, receber capacitação necessária para
entender o sistema e refletir se de fato podem se adequar a tanto.
É necessário um desprendimento da vivência capitalista para após, sim, se adequar a
tal sistema, pois que, em sua essência, tal sistema supera o sentimento individual para antes
pensar no coletivo.
Ora, tal exercício não é simples, principalmente no Brasil onde se vivencia o sistema
capitalista, onde o ter prevalece sobre o ser, onde a ideia de acúmulo de capital está arraigada
em nossa cultura.
De fato não é fácil, no Brasil, desprender-se das ideias essencialmente capitalistas e
obstinar-se em pensamentos diversos, aliando-se ao fato de que por aqui as cooperativas em
306
NASCIMENTO, Fernando Rios. Cooperativismo como alternativa de mudança. Rio de Janeiro: Forense.
2000. p. 103.
105
sua maioria são formadas por pessoas simples, de pouca cultura e que se agregam
aleatoriamente às cooperativas visando a prover sua subsistência.
Dessa camada da população efetivamente aculturada é que sairão os líderes e
dirigentes das cooperativas e que, aos poucos, diante do poder que lhes é outorgado pela
própria norma, passam a agir em beneficio próprio, muitas vezes abandonando a atividade que
lhes fez integrar a cooperativa, dedicando-se apenas a ser dirigentes.
Ressalta-se o posicionamento de que não se faz oposição à ideia de que os cargos de
dirigentes devam ser ocupados pelos membros da cooperativa, desde que estes sejam
submetidos, anteriormente, a testes frequentes que avaliem sua capacidade, conhecimento da
doutrina cooperativista. Além disso, durante toda a gestão, deveriam submeter-se a
capacitações específicas e, ainda, rotineiramente apresentar declarações de bens e outros aos
demais cooperados.
Por óbvio que a questão da educação e capacitação para o cooperativismo pode ser
facilmente solucionada com políticas públicas para o setor, mesmo porque seria um incentivo
para a expansão do cooperativismo, principalmente nas regiões mais carentes, o que por certo
contribuiria para a redução das desigualdades regionais.
Outro problema relatado neste estudo refere-se às cooperativas fraudulentas, que
também decorrem da falta de educação para o cooperativismo. Tais cooperativas denigrem o
sistema, enfraquecendo-o.
Sem a capacitação, com vistas à educação cooperativista, que deve ser implementada
obrigatoriamente em qualquer cooperativa antes mesmo de sua efetivação, desde a ideia de
surgimento dela, não há como se existirem verdadeiras cooperativas.
Tal educação e capacitação devem ocorrer de forma permanente e contínua, com
aprimoramentos diversos, inclusive e principalmente para os dirigentes das cooperativas de
quem deve ser exigido o cumprimento de requisitos, inclusive testes de conhecimento da
doutrina cooperativista.
Tem-se, pois, fundamentação suficiente para se efetivar a educação nas cooperativas.
Outrossim, é de se observar que, no Brasil, existe a previsão sobre o FATES, que, conforme
previsão da Lei nº 5.764/1971, toda cooperativa deve estabelecer o referido fundo para o qual
são destinados 5% das sobras líquidas.
Portanto, existem todas as ferramentas para promover a educação cooperativista, por
meio do FATES, SESCOOP e outros, bastando, assim, implementar ações no sentido de
viabilizar o verdadeiro cooperativismo no Brasil, visando ao desenvolvimento nacional.
106
Tem-se como claro que a educação cooperativista é um dos grandes problemas a
serem enfrentados pelo setor no Brasil.
Nesse sentido, relata Nascimento:
Provavelmente muitos dos profissionais engajados no cooperativismo sejam
bons técnicos em suas áreas de especialização, faltando-lhes apenas
conteúdo doutrinário e teórico para atuarem de forma conveniente, pois os
que tenham perfil podem ser transformados em importantes multiplicadores
e disseminadores do ideário cooperativista, com capacidade de operar como
307
alavancas na busca de avanços qualitativos essenciais.
Acredita-se que em havendo por parte dos cooperados um verdadeiro entendimento da
doutrina cooperativista agregado a uma maior efetividade do Estado, dentro dos limites
outorgados pela Constituição Federal nas cooperativas, é possível, sim, otimizar o
cooperativismo para a finalidade a que se destina − o desenvolvimento.
No entanto, isto jamais ocorrerá se não houver o fortalecimento do setor de forma
adequada, por meio de ações efetivas do Estado, nos moldes do que prevê o art. 174 da
CF/1988308.
307
NASCIMENTO, Fernando Rios. Cooperativismo como alternativa de mudança. Rio de Janeiro: Forense,
2000. p. 98.
308
BRASIL. Constituição (1988).Constituição da Republica Federativa do Brasil. 05 out.1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 21 set. 2012.
CONCLUSÃO
O cooperativismo está compreendido como um dos fundamentos básicos do
desenvolvimento econômico-social do país, conforme determina a Constituição Federal de
1988, e, assim, encontra-se no mais alto nível do ordenamento jurídico brasileiro. Por esse
motivo, lhe foi concedida proteção e apoio, almejando seu crescimento e seu fortalecimento,
para que a cooperação se torne instrumento para a consecução dos objetivos da República,
mormente o da garantia do desenvolvimento nacional.
O Brasil, por ser um país de grande dimensão, possui diversas peculiaridades
socioeconômicas e geográficas e ainda visível desigualdade social e econômica. A superação dessa
desigualdade é o objetivo da Constituição Federal, especialmente em um país com essa dimensão.
Os cooperados veem no cooperativismo um viés para o fortalecimento econômico, geração de renda
e valorização da produção e da mão de obra. Unidos, eles têm mais força, podem alcançar maiores
subsídios e requererem a promoção de políticas públicas especiais para sua área de ação.
Reconhecendo a força do cooperativismo, a Organização das Nações Unidas no Brasil
considerou o ano de 2012 como o ano do cooperativismo, como um mecanismo de garantia da
segurança alimentar e redução da pobreza, pois as cooperativas beneficiam diretamente o
pequeno agricultor ao aumentar seu poder de negociação e a capacidade de compartilhar
recursos. Fortalecidos dentro de um grupo maior, os agricultores têm condições de negociar
contratos melhores e preços mais justos para insumos, como sementes, fertilizantes e
equipamentos. Além disso, as cooperativas oferecem condições que os agricultores dificilmente
aproveitariam individualmente, como a garantia do direito a terra e melhores ofertas de mercado.
O governo brasileiro tem investido em recursos e políticas públicas de financiamento e
crédito para as cooperativas, mas seu desenvolvimento e fortalecimento carecem de uma
política mais condizente, melhor fiscalização e ações que promovam de forma eficiente a
capacitação para a atuação nesse setor. As cooperativas também carecem de fiscalização mais
rigorosa, de forma a evitar o surgimento de falsas associações e maior divulgação de suas
ações. Além de tudo isso, entra a questão da capacitação e preparação do cooperado, que,
muitas vezes, se associa sem saber o que realmente significa fazer parte de uma cooperativa e
nem como participar efetivamente dela.
É necessário que o Estado intervenha positivamente no cooperativismo, outorgandolhe tratamento diferenciado na ordem tributária, buscando lhe propiciar outras espécies de
fomentos, tais como linhas de crédito capazes de motivar seu desenvolvimento, diminuição
das transgressões trabalhistas, incentivando a necessária instrução e educação para o setor.
108
Nesse sentido é que se defende veemente a necessidade de intervenção regulatória do
setor. Para tanto, conclui-se pela necessidade de nova legislação cooperativista e pelo
fortalecimento da OCB, ou seja, um órgão central, fortalecido e capaz de atender ao setor e
cumprir os objetivos constitucionais, que é construir uma sociedade justa e solidária. A
intervenção estatal é apresentada como um meio para se alcançar a eficiência das cooperativas
e é aprofundado com a hipótese de que uma agência reguladora efetive o poder do Estado.
Por ser o cooperativismo um setor que abrange atividades e pessoas, claramente se
demanda maior ingerência do Estado, afim de que os interesses de grupos que orbitam em
torno das cooperativas, ou mesmo consumidores de produtos, bens e serviços advindos desse
setor, sejam preservados, regulamentados, fiscalizados de acordo com o que se estabelece o
texto constitucional. Por tal razão, é que o Estado deve agir de modo intervencionista indireto,
ou seja, para que o setor cooperativo se submeta às ações regulatórias. Tais ações regulatórias
devem existir, não bastando ações esparsas e esporádicas.
A proposta, para tanto, é fortalecimento da Organização das Cooperativas Brasileiras
por meio de legislação que lhe atribua poderes e funções concretas no intuito de gerir o setor
de fato. Isso pelo fato, entre outros, de ela já possuir a estrutura necessária, técnicos
especializados, bastando apenas a adaptação e a capacitação para tal.
Nesse sentido, a OCB mais fortalecida poderia exercer outras atribuições além das
previstas na legislação atual como simples órgão técnico-consultivo, passando a zelar
efetivamente pelos interesses do setor, dirimir conflitos de interesse entre as cooperativas e
possuir um canal aberto de comunicação com os próprios cooperados e com os consumidores
dos bens, produtos e serviços das cooperativas, entre outros. A partir daí,, certamente, o setor
cooperativo caminhará na persecução de seu próprio desenvolvimento colaborando também
com o desenvolvimento da nação brasileira.
Dessa forma, considera-se que o advento de uma nova legislação que preveja de forma
adequada as atribuições da OCB, fortalecendo tal órgão, permitirá uma união de forças,
amparando os cooperados e as cooperativas, fiscalizando suas atividades, no sentido de evitar
fraudes e prejuízos aos cooperados e à sociedade, promovendo a educação cooperativista e a
orientação de todos os integrantes, além de orientação tributária e legislativa. Apoiado dessa
forma, o setor tenderá a crescer e promover a distribuição equitativa de renda, gerando
recursos financeiros e econômicos, para seus cooperados e para toda a sociedade, melhorando,
portanto, a qualidade de vida dos membros, podendo ser excelente ferramenta para alçar o
objetivo fundamental da República previsto no art. 3º, III, da CF/1988, ou seja, a erradicação
da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais.
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