MACROECONOMIA Retorno da inflação e a política de metas O ano de 2007 deverá ficar marcado na história como o ano que encerra o período deflacionário que prevaleceu desde o início da década de 90 do século passado e primeiros anos deste século. Estes anos foram também marcados pelos impactos das inovações tecnológicas e globalização, com grandes ganhos de produtividade, grande aumento na concorrência e pressão deflacionária, que explicam a longa prosperidade e estabilidade da economia norte-americana e a excepcional expansão da economia global. Desde o início de 2004, havia sinais de que algo de extraordinário estava acontecendo na economia global: a criação de um novo polo de crescimento na Ásia liderado pela economia chinesa, pela primeira vez lugar ocupado por um país emergente. Este extraordinário crescimento da China, Índia e outros países emergentes passou a exercer forte pressão de demanda cujos sintomas mais claros vinham da forte elevação dos preços do aço, matérias-primas minerais, metais, petróleo e, mais recentemente, dos alimentos. Em 2007, todos se convenceram que estas pressões inflacionárias não são transitóJa neiro de 20 08 CONJU NTUR A ECONÔMICA Yoshiaki Nakano Diretor da Escola de Economia de São Paulo (EESP/FGV) rias e que são reflexos de uma mudança estrutural pela qual vem passando a economia mundial. Nestes anos 90 e início desta década, a política monetária passou a ter um papel dominante de sintonia fina, suficiente para controlar e alcançar as metas de inflação, explícitas ou não, neste quadro de pressão deflacionária e de longa e estável prosperidade. Será que os mesmos instrumentos e metas de política monetária conseguirão estabilizar a economia neste novo quadro de pressão inflacionária? Para entender melhor a questão colocada e o novo quadro que vamos viver em 2008 é preciso lembrar que, mesmo que os preços das commodities mencionadas e alimentos tenham alcançado um pico, 10 gerou-se uma enorme mudança estrutural nos preços relativos e a questão é saber como reagirão os setores que ficaram com seus preços defasados. Não se trata de uma pressão geral sobre os preços em função de excesso de demanda global, mas trata-se de um problema de redistribuição de rendas entre setores para que a oferta se ajuste incorporando novos recursos naturais a um novo patamar de demanda. Este ajuste nos setores de transformação industrial ocorre com respostas imediatas e rápidas e com ganho de escala, mas isto em setores cuja oferta depende de recursos naturais limitados e com produtividade marginal decrescente. A oferta vem reagindo com entusiasmo e certamente continuará reagindo, mas a lógica econômica nos diz que as novas fontes de matérias-primas, os possíveis produtos substitutos e as novas terras agricultáveis que serão atingidas implicarão em maiores custos. A oferta de matérias-primas e alimentos reage aos preços, mas com atraso e com custos crescentes da mesma forma a incorporação de novas tecnologias leva tempo. MACROECONOMIA Será que os instrumentos e metas É uma mudança estrutural no sentido de que é a incorporação de centenas de milhões de trabalhadores ao mercado de consumo com o rápido crescimento de países como a China e Índia que estão gerando pressões inflacionárias em produtos cujos preços são determinados pela demanda e não pelos custos. Além do mais, nada indica que as estratégias vitoriosas de crescimento acelerado destes países serão abandonadas. Isto significa que novas elevações de preços poderão persistir por mais uma década, particularmente no caso dos alimentos. Sabemos que até agora os repasses do aumento de preços das matérias-primas, petróleo e alimentos são limitados e não chegou ainda aos salários e demais preços. O problema é saber, quando os trabalhadores e setores, que sofrerão pressão de custos, começarão a reagir repassando estes aumentos para os seus preços. Para se ter uma idéia da magnitude do atual problema basta lembrar que o aumento real de preços de alimentos foi de 75% desde 2005, segundo a revista The Economist de 8-14 de dezembro último. Esta pressão internacional gerou, internamente no Brasil, um aumento do IPA do setor Agropecuário de 19,7%, de janeiro a novembro de 2007, enquanto que o IPA do setor industrial aumentou apenas 3,38%, no mesmo período. Ao nível do varejo, os alimentos vêm subindo cerca de 10% neste mesmo período. Controles obsoletos — Neste quadro de mudança estrutural global — pressão inflacionária internacional — e pressão inflacionária setorial — matérias-primas e alimentos e seus repasses, a política monetária convencional de sintonia fina através da manipulação da taxa de juros para controlar a demanda agregada e alcançar uma certa meta de inflação se torna obsoleta. Não se trata de controlar a demanda agregada interna para controlar a inflação gerada domesticamente. Trata-se de uma pressão internacional e de uma mudança estrutural irreversível também a nível global que gera pressões setoriais provocando uma redistribuição de política monetária conseguirão estabilizar a economia neste novo quadro de pressão inflacionária para 2008? de renda. As autoridades monetárias nacionais e seus instrumentos não podem frear o processo de incorporação de milhões de chineses ao mercado de consumo, frear os processos de redistribuição de renda setoriais e muito menos acelerar o ritmo de resposta da oferta. Ao contrário, uma eventual contração na demanda interna num país como o Brasil, grande produtor de matérias-primas e alimentos, elevando a taxa de juros e restringindo a oferta de crédito, pode retardar a ampliação da oferta. No Brasil, a autoridade monetária deverá enfrentar problemas ainda mais formidáveis. Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a economia brasileira é ainda bastante indexada. Um conjunto grande de preços são administrados, que representam cerca de um terço do índice de preços ao consumidor, estão indexados formalmente ou informalmente ao IGP-DI. Depois de dois anos de IGP muito baixo, cerca de 1,4%, em 2005, e de 3,6%, em 2006, este ano de 2007 deverá encerrar com IGP próximo a 7% que deverá ser repassado para os preços administrados (energia elétrica, telefonia, educação, transporte, medicamentos combustíveis, etc.) nos próximos meses. Em segundo lugar, a expectativa prevalecente no mercado é que a taxa de câmbio já atingiu o seu nível mais baixo e deixará de atuar como fator de controle da inflação, como vem acontecendo de forma decisiva nos últimos anos. E com a previsão de significativo déficit em transações correntes no ano de 11 2008, as expectativas dificilmente serão revertidas. Mesmo que o Banco Central venha a aumentar e o FED reduzir a taxa de juros, aumentando o diferencial entre elas e a taxa de câmbio, apreciar com efeitos sobre os preços da commodities e alimentos, não será uma solução, pois isto deverá frear a resposta da oferta, enquanto que a demanda internacional de países como a China e Índia deverá persistir elevada e em elevação. Ganhos no controle da inflação no curto prazo poderão significar inflação maior no longo prazo. Globalização — Outro aspecto que tem provocado um importante debate é saber se a política monetária não vem perdendo a sua eficácia em função da globalização. Nos últimos 20 anos não há dúvidas de que a globalização trouxe uma pressão deflacionária. A competição de preços entre as empresas aumentou significativamente, particularmente quando países como a China inundam o mundo com suas exportações a uma taxa de câmbio extremamente competitiva. Os sindicatos de trabalhadores de todo o mundo também perderam poder de barganha com a integração dos mercados de trabalho, incorporando centenas de milhões de trabalhadores chineses e indianos, e a possibilidade de empresas transferirem suas atividades rapidamente para países com baixos custos unitários de trabalho. Isto tornou os salários menos sensíveis à variação da taxa de desemprego de um país isolado. E tudo isto atuou no sentido de gerar uma pressão deflacionária global, num quadro em que a política de metas de inflação reinou soberanamente. No mecanismo central de controle da inflação estava a relação vinculando a taxa de juros, demanda global, taxa de desemprego, taxa de salário e preços. É a esta vinculação que a globalização enfraqueceu que Greenspan considerava um problema a ser resolvido. O que acontecerá agora que existem claras pressões inflacionárias que têm caráter estrutural? Ja neiro de 20 08 CONJ U N T U R A ECONÔM ICA