POLÍTICA E CORRUPÇÃO: GÊNESE E ENTRELAÇAMENTO Francisco Wyradan Nascimento de Sousa* Resumo: Muito se fala hoje sobre política e na maioria das vezes o termo é associado à política partidária ou à administração da coisa pública. Por conta disso, devido ao fenômeno da corrupção, que com muita frequência tem se manifestado neste âmbito da atividade social, é cada vez mais comum encontrarmos pessoas que demonstram verdadeira rejeição e descrédito a tudo o que está ligado à atividade política. Por sua vez o fenômeno da corrupção constitui atualmente um desafio tanto para os Estados como para a sociedade como um todo, pois que está presente também no dia-a-dia das pessoas comuns. O presente artigo trata do inter-relacionamento entre estes dois termos, buscando conceituá-los, discorrer sobre sua origem e esclarecer em que ponto se entrelaçam. Palavras-chave: Ciência Política, Corrupção, Atividade humana, Sociedade Introdução A grande maioria das pessoas acha que política é uma atividade relacionada com governo, partidos políticos, esfera pública, políticas públicas, etc. O Dicionário Básico de Filosofia nos dá uma definição mais formal, ao dizer que “política é tudo aquilo que diz respeito aos cidadãos e ao governo da cidade, aos negócios públicos1.” O entendimento de política neste sentido pode ser também chamado phronesis 2 , termo grego que pode ser traduzido por “senso prático”, “senso comum” ou até “prudência”. No entanto, uma compreensão da política apenas nesta vertente acabará por descurar do seu sentido original, pois o senso comum abarca apenas uma de suas manifestações. Pela falta deste entendimento corre-se então o risco de reduzir a atividade política pura e simplesmente à atividade de administrar ou atividade * Aluno do Curso de Bacharelado em Filosofia da Faculdade Católica de Fortaleza 1 JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. 2 Ibid., p. 211. partidária, como tem ocorrido com frequência em nossos dias, esquecendo-se do seu sentido filosófico e reflexivo, já defendido por Aristóteles na antiguidade, ao dizer que “o homem é um animal político, por natureza, que deve viver em sociedade, e que aquele que, por instinto e não por inibição de qualquer circunstância, deixa de participar de uma cidade, é um ser vil ou superior ao homem.” 3 Quanto à corrupção, Severino Dias afirma que ela “não se caracteriza apenas numa transação econômica, mas também é uma prática cultural. Cotidianamente as pessoas lançam de artifícios para a obtenção de favores ou privilégios para conseguir bens, serviços ou status social.” 4 1 A Ciência Política Segundo o Dicionário Básico de Filosofia, a palavra política é originária do latim politicus e do grego politikós, e “a filosofia política é a análise filosófica da relação entre os cidadãos e a sociedade, as formas de poder e as condições em que este se exerce, os sistemas de governo, e a natureza, a validade e a justificação das decisões políticas.”5 Em A Política, Aristóteles a define como “a mais alta ciência” e o “bem que equivale à própria justiça”: Em todas as ciências, assim como em todas as artes, a finalidade é um bem; e o maior de todos os bens encontra-se, sobretudo, naquela dentre todas as ciências que é a mais alta; ora, tal ciência é a política e o bem, em política, é a justiça, quer dizer, a utilidade coletiva. (ARISTÓTELES, 2004, p. 99) 3 ARISTÓTELES. A Política. Trad. de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 14 4 FILHO, Severino Dias da Costa. Corrupção, fator antiético e antieconômico. Agora Filosófica, Recife, n. 2, p. 198, jul.dez/2005 5 JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 215 Na sua obra Ética a Nicômaco, o Estagirita relaciona os objetivos da ciência política com a felicidade: Procuremos determinar o que consideramos ser os objetivos da ciência política e o mais alto de todos os bens que se pode alcançar pela ação. Em palavras, quase todos estão de acordo, pois tanto o vulgo como os homens de cultura superior dizem que esse bem supremo é a felicidade e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz. (ARISTÓTELES, 2004, p. 19). Olhando-a por este prisma, como atividade intrínseca ao homem e sobretudo da alma, percebe-se claramente que a política não está presente somente na vida pública, mas que é uma atividade humana, relacional. Onde houver interação haverá política, seja em casa, no meio familiar, no mundo do trabalho, no mundo acadêmico, entre alunos e professores, entre amigos e nas relações entre vizinhos. A política estará presente em todos esses ambientes e a única diferença será o contexto onde ela vai acontecer. Diz-nos Aristóteles: De modo muito claro entende-se a razão de ser o homem um animal sociável em grau mais alto que as abelhas e os outros animais todos que vivem reunidos. A natureza, afirmamos, nenhuma coisa realiza em vão. Somente o homem, entre todos os animais, possui o dom da palavra; [...] A palavra, contudo, tem a finalidade de fazer entender o que é útil ou prejudicial, e, consequentemente, o que é justo e o injusto.(ARISTÓTELES, 2004, p. 14). Se pudéssemos por conta própria satisfazer todas as nossas necessidades não haveria espaço para a política. Não precisaríamos da política se nada nos faltasse. Para obter a maioria das coisas precisamos nos esforçar, competir, conceder, negociar, persuadir. A política envolve relações de poder e aí está o espaço para a enxergarmos como o lugar do serviço, da alteridade, que se constitui na melhor forma de exercitar o poder. É interessante perceber a compreensão que tem o Estagirita do conceito de auto-suficiência, bem diferente de como o entendemos hoje, pois o vê como o bem absoluto, alcançado pela coletividade. Assim a descreve ele: À mesma conclusão o raciocínio parece levar, considerando o ângulo da auto-suficiência, visto que o bem absoluto é considerado auto-suficiente. Por auto-suficiente não entendemos aquilo que é suficiente para um homem isolado, para alguém que leva uma vida solitária, mas também para os pais, os filhos, a esposa, e em geral para os seus amigos e concidadãos, já que o homem é um animal político. (ARISTÓTELES, 2004, p. 19). Hodiernamente percebemos também muitas teorias da Administração que discorrem sobre a figura do líder servidor, que tem a capacidade de agregar pessoas ao seu redor e fazer com que elas abracem uma causa, não somente pelo que ele diz, mas principalmente pelo exemplo, fazendo-se um com eles. Isto nada mais é do que buscar conhecer a alma daqueles por quem se está responsável e assim alcançar uma realização plena naquilo que poderia ser penoso. Este seria o comportamento recomendável aos que têm por exemplo a vocação à política vista como atividade administrativa ou partidária. Diz-nos ainda Aristóteles, quando define a felicidade como uma virtude da alma, associando-a a um dos objetivos da política: Entendemos por virtude humana não a do corpo, mas a da alma; e também dizemos que a felicidade é uma atividade da alma. E se é assim, obviamente, o político deve ter algum conhecimento do que diz respeito à alma, assim como deve conhecer o corpo todo aquele que se propõe a estudar e curar os olhos, e com maior razão ainda porque a política é mais louvada e melhor que a medicina. (ARISTÓTELES, 2004, p. 37). 2 Política e corrupção O Dicionário Básico de Filosofia assim define o vocábulo corrupção no seu sentido filosófico: “(Do latim corruptio: alteração, destruição) Na filosofia de Aristóteles, contrariamente á geração, que é uma criação, a corrupção designa a destruição ou degradação da substância.” 6 Já o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa nos traz a seguinte definição: “Ato ou efeito de corromper; decomposição, putrefação. [...] Fig. Suborno, peita.” 7 Em nossos dias temos presenciado um fenômeno que acontece não só em nosso país, mas que se estende também a muitas realidades ao redor do mundo. Basta abrirmos os jornais para nos defrontarmos com escândalos ligados à corrupção, seja ela diretamente ligada à administração da coisa pública ou mesmo em instituições privadas. Sobre isto vem nos esclarecer Severino Dias: Não se trata de um fenômeno exclusivo de uma sociedade específica ou de uma fase da mesma, pois está presente em todas as formações sociais, variando significativamente quanto à forma e aos meios de sua consecução. Lastreados em relações de patronagem, parentesco, amizade ou conhecimento, que têm em vista troca de favores, presentes, clientelismo, procedimentos administrativos, os casos de corrupção atestam uma pluralidade de formas com alarmantes implicações financeiras.(SEVERINO DIAS, 2005, p. 198). Ao ouvirmos pessoas na rua ou nos programas televisivos, percebe-se também que o senso comum entende a corrupção como algo institucionalizado, ou seja, não pessoal, como se no cotidiano também nós como indivíduos não pudéssemos ser agentes de corrupção, por meio das várias contingências que 6 JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. p. 56 7 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da língua portuguesa - 5ª ed. Curitiba: Positivo, 2010. p. 595. se nos apresentam. Sobre esta visão gostaria aqui de trazer à lume o que nos diz sobre corrupção o então cardeal Jorge Mario Bergoglio, hoje Papa Francisco, no seu livro “Corrupção e Pecado – algumas considerações a respeito da corrupção”: Hoje em dia se fala bastante de corrupção, especialmente no que concerne à atividade política. Em diversos ambientes sociais, denuncia-se o fato. Vários bispos apontam a “crise moral” pela qual passam muitas instituições. [...] E contudo, toda corrupção social não é mais que a consequência de um coração corrupto. Não haveria corrupção social sem corações corruptos. (BERGOGLIO, 2005. p 13-14) Sobre este entrelaçamento entre política e corrupção, é ainda Bergoglio, já como Papa Francisco, que vem nos dizer na Bula Misericordiae Vultus, proclamada em 11/04/2015 em Roma: O mesmo convite chegue também às pessoas fautoras ou cúmplices de corrupção. Esta praga putrefata da sociedade é um pecado grave que brada aos céus, porque mina as próprias bases da vida pessoal e social. A corrupção impede de olhar para o futuro com esperança, porque, com a sua prepotência e avidez, destrói os projetos dos fracos e esmaga os mais pobres. É um mal que se esconde nos gestos diários para se estender depois aos escândalos públicos. (PAPA FRANCISCO, 2015, p. 10) Tais palavras nos interpelam a não vermos este fenômeno somente como algo corporativo, de empresas públicas ou privadas, mas que pode estar presente nos atos diários das pessoas, como por exemplo passar à frente em uma fila sem nenhum motivo justo, dar gorjeta para obter algum tipo de vantagem sobre os outros. Considerações Finais Diante do exposto, podemos concluir que a política, como percebemos nas citações de Aristóteles, é antes de tudo uma atividade humana, à qual não podemos simplesmente ignorar. Constitui-se em atividade essencial para o homem chamado a viver em sociedade, através da qual poderá alcançar o tão almejado bem comum. Não podemos negar o fato de que a palavra tem sofrido um desgaste ao longo da história, devido à má compreensão que se teve e se tem dela, associada somente às concepções partidária e administrativa, às quais constituem apenas uma parte do todo, sem atentar para o seu sentido reflexivo e filosófico. Quanto à corrupção, como citou o Papa Francisco, antes de ser uma chaga da sociedade, das instituições e dos governos, é uma ferida do homem, que o atinge na sua dignidade, tornando-se um mal moral capaz de destruir a vida. Diante deste fenômeno o homem pode ser tentado a desacreditar e a não mais buscar a superação. No entanto, a crise pode ser vista exatamente como momento de tomada de decisão para o crescimento, para um rompimento com tudo o que impede o mesmo homem de ser aquilo para o qual ele foi criado, ou seja, um ser vocacionado à transcendência, à busca de uma felicidade que não está nos bens deste mundo. Destes bens ele deve procurar usufruir com equilíbrio, moderação e sentido de partilha, visando os bens eternos, que não passam. Referências ARISTÓTELES. A política. Tradução de Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2004. ______. Ética a Nicômaco. Tradução de Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2004. BERGOGLIO, Jorge M. Corrupção e Pecado – Algumas reflexões a respeito da corrupção. São Paulo: Ed. Ave-Maria, 2013. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio da língua portuguesa - 5ª ed. Curitiba: Positivo, 2010. FILHO, Severino Dias da Costa. Corrupção, fator antiético e antieconômico. Agora Filosófica, Recife, n. 2, p. 198, jul.dez/2005 FRANCISCO, Papa. Misericordiae Vultus. Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia. 1ª Ed. São Paulo: Paulinas, 2015. JAPIASSÚ, H; MARCONDES, D. Dicionário Básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. 296 p.