É preciso humanizar os médicos desde a universidade Regina Vidigal Guarita Saber criar vínculo com o paciente é uma arte que, cada vez mais, tem sido estudada e aplicada por médicos que desejam aumentar as chances de sucesso dos tratamentos e lidar melhor com as dificuldades vividas nos hospitais e consultórios. Este despertar é ainda mais notório em alunos dos últimos anos da faculdade de medicina, no momento em que passam a vivenciar de perto o dia a dia no hospital e a enfrentar situações complexas, para as quais percebem que nem sempre estão preparados psicológica e emocionalmente. Isso porque muitos destes jovens discordam da lógica vigente, segundo a qual o distanciamento é a melhor forma de não se deixar abater pelos dramas comuns ao ambiente hospitalar. Para eles, a distância não facilita, e sim dificulta a encarar tais obstáculos. E a sensação de incapacidade de ir além dos aspectos técnicos no atendimento ao paciente os faz carregar uma forte carga de frustração e desilusão com a carreira que, no primeiro ano da universidade, parecia-lhes muito mais admirável e motivante. Infelizmente, poucas universidades oferecem o respaldo necessário para que o conhecimento desses jovens possa alcançar também áreas essenciais do comportamento humano. As disciplinas de humanização, quando existem, em sua maioria são matérias optativas, e o tema acaba passando desapercebido durante o curso. Uma recente pesquisa de doutorado comandada pelo médico Marcelo Schweller, com estudantes da Unicamp, percorre o sentido inverso e mostra como é possível ensinar empatia e contribuir para que os médicos saibam lidar melhor com a dura rotina dos hospitais, oferecendo assim um tratamento mais eficaz aos pacientes. Em simulações que envolveram 500 estudantes, atores faziam o papel de pacientes e, após os atendimentos, todos discutiam juntos as variáveis por trás das inúmeras situações apresentadas nas consultas. Em seguida, os alunos acompanhavam os médicos da universidade no hospital e podiam ver na prática como eles agiam para criar empatia com os pacientes. Ao final do trabalho, concluiu-se que mais de 80% dos alunos sentiram-se à vontade nas consultas simuladas e 94% apontaram que melhoraram a sua capacidade de ouvir o paciente. Além disso, quase 100% afirmaram que aplicarão na vida profissional os conhecimentos adquiridos durante as simulações. Atividades e pesquisas como esta devem ser replicadas e discutidas amplamente nas instituições de ensino. Afinal, já não se pode mais negar que criar vínculo é fundamental para que o paciente sinta confiança no médico, melhore seu estado de espírito, encare o tratamento com mais seriedade e, consequentemente, se recupere melhor. Estimular a humanização desde a universidade é o caminho mais curto para causar transformações positivas no cenário da saúde, pois é um momento em que os futuros médicos ainda não acumulam os vícios e costumes de uma vida inteira dedicada à mesma profissão. Embora o despertar para a humanização esteja ocorrendo muito timidamente, causa entusiasmo perceber a força que este tema está ganhando na área da saúde. E, mais ainda, por ver que este interesse vem partindo principalmente por parte dos jovens que comandarão nossos hospitais num futuro próximo. Regina Vidigal Guarita é empreendedora social e diretora-presidente da Arte Despertar jan/2016