III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 75 Diversidade de galhas de insetos no município de Santa Teresa, ES Valéria Cid Maia1 1 Museu Nacional/UFRJ Galhas são modificações do tecido vegetal que envolvem hiperplasia ou hipertrofia de células e tecidos, sendo induzidas por organismos estranhos. Representam um produto de uma relação específica entre o organismo galhador e a planta hospedeira. Podem ser induzidas por bactérias, vírus, fungos, nematódeos, ácaros e insetos. Dentre as ordens de insetos, seis incluem representantes galhadores: Diptera, Coleoptera, Lepidoptera, Hymenoptera, Hemiptera e Thysanoptera. As galhas se desenvolvem tanto nos nrgãos vegetativos, como nos órgãos reprodutivos. Cada espécie de inseto galhador induz um morfotipo de galha único em um órgão particular da planta hospedeira, sendo a grande maioria monófaga. Esta especifricidade (de forma, órgão e planta hospedeira) permite que o número de morfotipos de galha seja usado como indicador da riqueza de espécies galhadoras. Apesar variedade de hospedeiros (algas, fungos, líquens, Pteridophyta, Gymnospermae e Angiospermae), 93% de todas as galhas conhecidas ocorrem em Dicotiledônea. Estima-se que haja no mundo 130 mil espécies de insetos galhadores, sendo eles considerados como os herbívoros mais sofisticados, capazes de manipular as plantas hospedeiras em seu benefício. Além da espécie indutora, uma rede trófica pode se estabelecer no interior das galhas, incluindo inquilinos, sucessores, predadores e parasitóides. Inventários de galhas de insetos na Mata Atlântica têm revelado uma grande diversidade de galhas de insetos. Contudo, a maioria destes levantamentos vêm sendo realizados em áreas de restinga, permanecendo as outras fitofisionomias deste bioma (formações florestaiss, manguezais, restingas e campos de altitude) pouco investigadas. O projeto “Diversidade de galhas de insetos no município de Santa Teresa, ES” está inserido neste contexto de carência de informação para as formações florestais da Mata Atlântica. Santa Teresa localiza-se na região central do ES, e possui uma área aproximada de 695 km², sendo que cerca de 40% de seu território coberto por Mata Atlântica preservada. Neste município, foram investigadas as seguintes áreas de proteção ambiental: a Estação Biológica de Santa Lúcia (com 440 ha), a Reserva Biológica Augusto Ruschi (com 3.562 ha) e o Parque Natural Municipal São Lourenço (com 265 ha). Foram feitas coletas desde junho de 2007 a agosto de 2009, seguindo-se a a metodologia de caminhada ao longo das trilhas. As espécies vegetais foram vistoriadas à procura de galhas de inseto, sendo o 76 MAIA: DIVERSIDADE DE GALHAS. início e o final de cada trilha georreferenciados. Foram coletados ramos preferencialmente férteis de cada espécie de planta galhada para confecção de exsicatas e identificação. Cada galha encontrada foi fotografada. Ramos galhados foram transportados em sacos plásticos etiquetados para o laboratório de Diptera do Museu Nacional. Para obtenção dos galhadores adultos, cada morfotipo de galha foi acondicionado separadamente em potes de plásticos etiquetados, fechados e vistoriados diariamente. Os insetos adultos obtidos foram conservados em microtubos com álcool 70%. Para obtenção dos galhadores imaturos, parte das galhas foi dissecada com auxílio de estereomicroscópio. Os imaturos encontrados foram preservação em álcool 70%, em microtubos. Os Cecidomyiidae foram montados em lâminas de microscopia e identificados com uso das chaves genéricas e das descrições originais. Os exemplares foram depositados na coleção de Diptera do Museu Nacional. Foram encontradas 265 morfotipos de galhas de insetos em 141 espécies de plantas hospedeiras (104 gêneros e 49 famílias). Estes resultados apontam Santa Teresa como a área de Mata Atlântica com maior riqueza de galhas de insetos, e a segunda maior do Brasil, superada apenas pela Floresta Amazônica (Pará). As famílias de plantas com maior riqueza de galhas foram: Asteraceae, Fabaceae, Myrtaceae, Melastomataceae e Rubiaceae. Os gêneros superhospedeiros foram: Mikania (Asteraceae), Myrcia (Myrtaceae) e Inga (Fabaceae). A espécie de planta com maior riqueza de galhas foi Guapira opposita (Nyctaginaceae). Estes táxons botânicos já haviam sido citados em outros inventários desenvolvidos no Brasil como plantas superhospedeiras, tanto em Mata Atlântica como em outros biomas (cerrado, caatinga e pantanal). Estas famílias são também as famílias mais especiosas nas localidades investigadas, confirmando a hipótese da riqueza de plantas. Foram encontradas 16 formas de galhas, com predomínio das galhas globosas (42%) e fusiformes (27%). Resultado similar foi encontrado em outros inventários, indicando que estas são provavelmente as formas mais frequentes no Brasil. Foram encontradas galhas verdes, vermelhas, castanhas, amarelas, violetas e esbranquiçadas, sendo a maioria verde (43%) ou castanha (28%). Resultado semelhante foi observado em Guarapari (E.S.); em outros inventários, a coloração não foi discutida. A coloração predominante reflete a coloração dos órgão vegetais com maior riqueza de galha: folha e caule. Apenas 31 morfotipos de galhas apresentaram indumentária (12%) e o restante foi glabro (88%). A grande maioria foi unilocular (> 98%), e apenas 05 morfotipos foram pluriloculares (< 2%). Em outros inventários no Brasil, os mesmos predomínios foram observados. Foram encontradas galhas nas folhas, caules, gemas,raízes e gavinhas, sendo que as folhas foram o órgão com maior riqueza de galhas (68%). Trata-se de um III SIMPÓSIO SOBRE A BIODIVERSIDADE DA MATA ATLÂNTICA. 2014 77 padrão mundial, provavelmente decorrente do fato das folhas representarem um recurso abundante e frequentemente renovado. A maioria dos morfotipos de galhas ocorreu em um único órgão vegetal (95%), confirmando a especificidade de órgão. Galhadores de 139 morfotipos foram determinados, estando representados por Diptera (93%), Lepidoptera (4%), Hemiptera (1,4%) e Thysanoptera (<1%). Galhas de Coleoptera e Hymenoptera não foram encontradas. A baixa riqueza de galhas de Lepidoptera, Hemiptera e Thysanoptera foi também observada nos demais inventários no Brasil. Os Diptera galhadores incluíram Cecidomyiidae (92,8%) e Tephritidae (0,2%). Os Cecidomyiidae (Diptera) foram os galhadores mais frequentes, resultado já esperado, uma vez que representam o principal grupo de inseto galhador em todas as regiões biogeográficas do mundo. Foram identificados 10 gêneros desta família: Clinodiplosis (com 07 spp.), Neolasioptera (06 spp.), Bruggmannia (05 spp.), Lopesia (04 spp.), Dasineura (03 spp.), Cordiamyia (01 sp.), Burseramyia (01 sp.), Proasphondylia (01 sp.), Pisphondylia (01 sp.) e Alexomyia (01 sp.). Os gêneros mais bem representados foram: Clinodiplosis, Neolasioptera, Dasineura, Bruggmannia e Lopesia. Os três primeiros já haviam sido indicados em outros inventários como gêneros bem representados em áreas de Mata Atlântica. Bruggmannia e Lopesia são indicadas pela primeira vez. Nove espécies de Cecidomyiidae foram registradas pela primeira vez para o Estado do Espírito Santo: Bruggmannia acaudata, B. elongata, B. robusta, Burseramyia braziliensis, Dasineura myrciariae, D. ovalifoliae, Lopesia erythroxyli, Pisphondylia braziliensis e Proasphondylia guapirae. Cordiamyia globosa é registrada pela primeira vez para o município de Santa Teresa. Cada espécie galhadora ocorreu em uma única espécie de planta hospedeira. No Brasil, 93% das espécies galhadoras são monófagas, portanto, a especificidade de planta hospedeira é confirmada. Inquilinos foram encontrados em 05 morfotipos de galhas, representados apenas por Diptera: Clinodiplosis (01 sp.), Resseliella (01 sp.) e Trotteria (02 spp.) (Cecidomyiidae) e 01 larva de Muscomorpha. Todos já regustrados em outros levantamentos no Brasil. Este resultado mostra que a fauna de inquilinos de galhas em Santa Teresa é pouco diversificada, uma vez que diversos insetos não encontrados em Santa Teresa têm registros em outros levantamentos no Brasil, tais como Coleoptera, Lepidoptera, Hemiptera, Sciaridae (Diptera) e Thysanoptera.