O Globo, 15 de novembro de 2016 Propostas de Donald Trump teriam efeito de curto prazo Para analistas, algumas medidas estimulariam a economia, mas seriam caras Por: Rennan Setti Alvo. Manifestantes fecham avenida em Washington, em protesto contra Trump e o TPP. Os eleitores do republicano podem não se beneficiar de suas políticas - ALEX WONG / Getty Images/AFP As propostas do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, ainda têm lacunas. Mas a avaliação de analistas é que elas tendem a estimular a economia americana a curto prazo, por meio de medidas como corte de impostos e investimento bilionário em infraestrutura. Críticos afirmam, porém, que muitos pontos da plataforma têm caráter populista, são caros e de difícil execução — a longo prazo, seriam até contraproducentes. As ameaças de mudar acordos comerciais e deportar imigrantes, ressaltam analistas, também poderiam prejudicar a economia. A redução de impostos é uma das principais bandeiras de Trump. Durante a campanha, ele prometeu enxugar o número de alíquotas do Imposto de Renda, levando a tarifa máxima de 39,6% para 33%. Isso, segundo análise do Tax Policy Center, favoreceria o 0,1% mais rico, que ganha mais de US$ 3,7 milhões por ano. O estudo, com base em dados deste ano, aponta que esse grupo seria beneficiado com uma redução de 14% nos impostos pagos, ou US$ 1,1 milhão. Já domicílios com renda entre US$ 48 mil e US$ 83 mil teriam uma desoneração média de 1,8%, de US$ 1.010. Os 20% mais pobres, por sua vez, deixariam de pagar, em média, US$ 110, ou apenas 1% de sua renda. — O curioso desse benefício para os mais ricos é que ele foi eleito com força no chamado rust belt, por brancos e pobres. Não está muito claro que seu plano tributário vá beneficiar essa população — diz Luiz Carlos Delorme Prado, professor do Instituto de Economia da UFRJ. O republicano também quer promover uma redução intensa da carga tributária sobre as empresas, dos atuais 35% para 15%, para aumentar a competitividade. Mas alguns analistas consideram essa proposta ousada demais. Gary Hufbauer, do Peterson Institute, afirmou ao jornal “USA Today” que uma carga de 20% seria o ideal. E, no fim de setembro, o Comitê por um Orçamento Federal Responsável, independente e bipartidário, divulgou um estudo afirmando que o plano tributário de Trump elevaria a dívida do país em US$ 5,3 trilhões em dez anos. TEMOR DE GUERRA COMERCIAL Economistas admitem que esses estímulos dariam impulso à economia, mas apenas de curto prazo. Pesquisa divulgada ontem pelo “Wall Street Journal” mostra que os analistas elevaram suas previsões de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017 e 2018 para 2,2% e 2,3% respectivamente, contra 1,5% nos últimos 12 meses. Com a economia aquecida, a inflação deve atingir 2,2% no ano que vem e 2,4% em 2018 — desde 2009, o indicador está abaixo de 2%, que é a meta do Federal Reserve (o banco central americano). Na campanha, Trump afirmou que seu plano reduziria em US$ 4,4 trilhões o montante a ser arrecadado pelo governo em uma década. Mas o Tax Policy Center estima US$ 9,5 trilhões. A arrecadação deve cair, mas a previsão é que os gastos aumentem: Trump prometeu investimentos em infraestrutura durante sua campanha, assim como sua rival, Hillary Clinton. A Sociedade Americana de Engenheiros Civis projeta um déficit de US$ 1,44 trilhão em investimentos no setor entre 2016 e 2025. O site de campanha de Trump não fala em cifras, mas, no início de agosto, ele disse que gastaria “pelo menos o dobro” do prometido por Hillary. A democrata falou em US$ 275 bilhões em cinco anos — ou seja, ele gastaria ao menos US$ 550 bilhões. Outro ponto que preocupa analistas é a retórica protecionista. Trump prometeu renegociar o Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, na sigla em inglês, que reúne EUA, Canadá e México) e afirmou que abandonaria o Acordo Transpacífico (TPP, em inglês), além de impor uma sobretaxa de 45% a produtos da China. Entre os economistas ouvidos pelo “WSJ”, 43% veem nessas políticas potencial de provocar uma guerra comercial global, o que seria o principal risco associado à plataforma de Trump. — Ele certamente vai reduzir impostos e pode colocar algumas barreiras tarifárias adicionais. Mas uma sobretaxa de 45% sobre produtos da China me parece inviável. Ele não teria apoio nem do Partido Republicano para isso — afirma Prado, da UFRJ. A proposta de deportar imigrantes também é vista como contraproducente do ponto de vista econômico. Na campanha, Trump falou em expulsar 11 milhões de imigrantes sem documentos. No domingo, em uma entrevista na TV, falou de deportar, de imediato, até três milhões. O think tank American Action Forum estima que deportar todos os imigrantes ilegais custaria entre US$ 400 bilhões e US$ 600 bilhões, além de reduzir o PIB em US$ 1 trilhão. Segundo o estudo, em 2012 eram 6,8 milhões de imigrantes ilegais trabalhando no setor privado, ou 5,6% do total. E não haveria trabalhadores desempregados (imigrantes legais ou americanos nativos) suficientes para ocupar essas vagas. Essa escassez de mão de obra reduziria a produção do setor privado entre US$ 381,5 bilhões e US$ 623,2 bilhões.