Economia global deve acelerar em 2017, mas incertezas são

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Correio do Povo, 2 de janeiro de 2017
Economia global deve acelerar em 2017, mas
incertezas são grandes em todo o planeta
Primeiro mandato de Trump, Brexit e eleições na Europa darão o tom no
ano
Por: Lucianne Carneiro/ Rennan Setti
Incerteza, imprevisibilidade, instabilidade e insegurança. Essas são
algumas das palavras mais usadas para descrever o cenário para a economia
mundial em 2017. Embora o consenso entre os analistas aponte para um ano
de crescimento global mais elevado, o xadrez político preocupa e pode
representar uma ameaça a esse avanço. As atenções de todos estão voltadas
sobretudo aos EUA, com a posse de Donald Trump. Além das fronteiras
americanas o ano também será marcado por eventos importantes: na Europa,
França e Alemanha podem ver o avanço da extrema-direita nas eleições; na
China, ocorrerá o 19º Congresso do Partido Comunista (PCC), que ocorre a
cada cinco anos e decide os próximos líderes do país.
— As relações internacionais serão mais tensas em 2017 e isso tem
consequências para a economia. Temos que nos preparar para um mundo
mais perigoso e instável — afirma o professor do Instituto de Economia da
UFRJ Luiz Carlos Prado.
As projeções para a economia mundial são de crescimento um pouco
maior que em 2016, mas em ritmo ainda lento. As estimativas compiladas
pela Bloomberg indicam que o Produto Interno Bruto (PIB) mundial
avançará 3,2% em 2017, contra 2,9% em 2016. O Instituto para Finanças
Internacionais (IIF, na sigla em inglês) prevê alta de 2,9%, já levando em
conta que os estímulos fiscais prometidos por Trump impulsionem o PIB dos
EUA, embora tornem menos favoráveis as expectativas para os emergentes.
A agência de classificação de risco Moody’s também prevê expansão maior,
mas alerta para o “crescente sentimento protecionista”.
TODOS OS OLHOS SOBRE TRUMP
Aos poucos, Trump escolhe sua equipe, mas há dúvidas. O que parece
menos turvo é que seu governo reduzirá impostos e aumentará gastos,
favorecendo o crescimento. Mas analistas apontam que o estímulo fiscal
tende a pressionar os preços e a tensionar a atuação do Federal Reserve (Fed,
o banco central americano).
A sinalização veio antes mesmo da posse. No dia 14 de dezembro, o
Fed elevou os juros em 0,25 ponto percentual. As projeções são de outras
três altas nesta magnitude em 2017, um ciclo mais longo do que o previsto
em setembro e que terá efeito sobre os países emergentes, com possível fuga
de investidores para os EUA.
Outro foco de preocupação é a política comercial. Durante a
campanha, Trump ameaçou elevar tarifas para a importação de produtos
mexicanos e chineses e se mostrou contrário a acordos de comércio, que
podem ser renegociados.
— O governo Trump tem efeitos que se espalham por toda a economia
mundial — diz Charles Collyns, diretor e economista-chefe do IIF.
Otto Nogami, professor do Insper, acrescenta o efeito Trump sobre as
commodities. Embora sua promessa de investir US$ 1 trilhão em
infraestrutura esteja puxando para cima o preço de insumos metálicos, a
retórica agressiva do presidente eleito em relação à China pode abalar as
cotações — ele já ofendeu Pequim ao telefonar para a presidente de Taiwan,
país com o qual os EUA não têm relações diplomáticas.
— O grande comprador de commodities no mundo é a China. À medida que
começam a surgir rusgas, isso pode desacelerar o crescimento chinês e, por
consequência, arrefecer a alta das commodities. Se isso acontecer, será
negativo também para os países da América Latina — afirmou Nogami. —
Se houver reaproximação entre Rússia e EUA, a relação bilateral com a
China deixa de ser prioridade. Isso pode esvair inclusive o sonho chinês de
transformar o Brics (grupo de países emergentes formado por Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul) em potência.
O emergente mais vulnerável aos EUA de Trump é o México, que
poderá sofrer pressão sobre as contas externas e um ajuste mais intenso. Na
avaliação de Marcelo Carvalho, economista-chefe do banco BNP Paribas
para América Latina, o outro polo latino — Brasil, Chile, Peru, Colômbia e
Argentina — é mais ligado à economia chinesa por causa das commodities:
— Nosso cenário é de uma China desacelerando, mas ainda com um
crescimento robusto de 6,5%, o que dá suporte ao preço das commodities,
embora longe dos tempos áureos.
Para Charles Collyns, do IIF, a China tem feito uma transição lenta
para um novo modelo de crescimento — menos investimento e mais
consumo — porque quer evitar volatilidade. Com isso, mantém estímulo
fiscal, forte crescimento do crédito e evita a rápida depreciação da moeda:
— Eles querem manter a economia crescendo a um ritmo razoável porque
há uma grande transição de liderança em outubro (no Congresso do PCC).
Ainda achamos que a China vai atingir crescimento de 6,5% em 2017, mas
cada ano fica mais difícil.
O fator político também é significativo nas duas principais economias
da zona do euro: França e Alemanha vão escolher novos líderes. O
continente enfrenta uma escalada do nacionalismo de extrema-direita, que se
contrapõe à chegada em massa de refugiados vindos de países em conflito.
Associado ao nacionalismo está o chamado euroceticismo, descrença no
projeto Europeu e desconfiança com relação à burocracia de Bruxelas que
cresce mesmo entre segmentos moderados do espectro político.
Além disso, o continente europeu enfrenta há anos um problema de
ordem econômica. O endividamento na zona do euro está estagnado em
patamar elevado, chegando a 90,3% em 2016. O desemprego, sobretudo
entre jovens, também tem se mostrado resistentemente elevado desde o
início da crise da dívida em 2009. Enquanto isso, o Banco Central Europeu
(BCE) mantém um programa de estímulo que já atingiu a marca de US$ 1
trilhão, além de impor juros negativos, fatores que levam a distorções no
mercado de capitais. Uma das maiores preocupações é com os bancos
italianos, que sofrem com alta inadimplência e ameaçam contaminar o
sistema bancário da zona do euro.
Na França, a extrema-direita já mostra força antes mesmo do início
oficial da campanha presidencial: Marine Le Pen, candidata da Frente
Nacional, aparece nas pesquisas com chances reais de disputar o segundo
turno. Ela já se manifestou favoravelmente à saída da França da zona do euro
e prometeu submeter a referendo nacional a saída da UE. Gabriela Santos,
estrategista de mercado global do J.P. Morgan Asset Management, pondera,
porém, que abandonar a moeda não é tão simples quanto deseja Le Pen:
— Temos que lembrar o exemplo da Grécia. Quando ela considerou sair do
euro, vimos um forte impacto negativo no seu crescimento. Esse foi um
exemplo muito negativo sobre o que acontece quando um país tenta sair da
zona do euro. É mais fácil sair da UE do que da união monetária.
A chanceler alemã Angela Merkel vai disputar seu quarto mandato
após a extrema-direita ter ganhado espaço nas eleições legislativas. Ao
mesmo tempo, o Reino Unido continuará o processo para sua saída da União
Europeia após a vitória do sim ao Brexit. Mas Gabriela Santos pondera que
a incerteza política não se traduz necessariamente em trava econômica:
— Existe uma diferença entre incertezas políticas e desempenho econômico.
Um exemplo é a Espanha, que ficou sem governo durante dez meses em
2016, mas continuou crescendo 3%. Na Europa, as análises costumam focar
muito nos riscos políticos. Mas a economia vem melhorando, o consumo está
reagindo e deve crescer 1,5% este ano.
RETORNO DA INFLAÇÃO
Dentro da lógica de que nem sempre incerteza se traduz em lentidão,
o JP Morgan tem viés positivo com relação à economia global.
— Esperamos a continuação dessa tendência que chamamos de “reflação
global”, que tem sido percebida desde a segunda metade de 2016 e significa
um maior crescimento real da economia e o retorno da inflação global. Esse
contexto cria as condições para o crescimento de lucratividade das empresas.
Nos últimos anos, a expansão desses lucros veio por meio de corte de custos.
Agora passará a vir também do crescimento das receitas — explicou
Gabriela, acrescentando que ainda é difícil estimar o impacto de Trump na
economia global.
O retorno da inflação global vem em boa hora, indicando maior
demanda por parte dos consumidores, segundo a analista. A inflação global
foi de apenas 2,8% em 2015, abaixo da dos cinco anos anteriores (em 2011,
chegou a 5,1%). Gabriela explica que isso aconteceu por causa de “uma
queda dramática do petróleo”.
Para a analista do JP Morgan, o acordo recentemente firmado entre
membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opec) será
importante para a sustentação da commodity. Ela prevê que o barril de
petróleo do tipo WTI pode chegar a US$ 65 (hoje está em US$ 51). Esse
limite se deve à tendência de os EUA aumentarem a produção quando o
petróleo chega nesse patamar, aumentando a oferta. Gabriela minimiza a
influência que Trump possa ter na expansão da produção, apesar da retórica
pró combustíveis fósseis.
— As companhias americanas só vão aumentar a produção quando fizer
sentido econômico para elas, independentemente do que o governo
americano fizer — acrescentou.
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