ENSAIOS DE IMPULSO ATMOSFÉRICO E DE MANOBRA JOSE CARLOS SCHAEFER 1. INTRODUÇÃO Desde o início da transmissão de potências em alta tensão, foi necessário demonstrar a capacidade dos equipamentos elétricos em suportar sobretensões decorrentes de descargas atmosféricas (sobretensões externas) e de surtos de manobra (sobretensões internas). As sobretensões de origem externa são devidas às descargas atmosféricas diretas ou próximas aos elementos componentes do sistema elétrico, tais como as linhas de transmissão e os equipamentos instalados em subestações (transformadores, disjuntores, pára-raios, secionadores, etc.). As correntes resultantes das descargas atmosféricas podem atingir até 200 kA, com tempos de crescimento de 1 µs a 10 µs. O surto de tensão desenvolvido no sistema elétrico está relacionado ao surto de corrente injetado pela descarga atmosférica incidente através da impedância de surto ou impedância característica da linha de transmissão. Estas sobretensões podem atingir a várias dezenas de milhares de volts, com taxas de crescimento elevadas, representando um real perigo aos equipamentos elétricos, submetendo principalmente o isolamento entre espiras das porções iniciais dos enrolamentos de transformadores e geradores a severos esforços dielétricos. As sobretensões de origem interna quase sempre são devidas às manobras ou chaveamentos no sistema elétrico, sendo uma das mais severas o religamento em alta velocidade de linhas de transmissão trifásicas com carga residual, quando a sobretensão pode atingir até a amplitude de 4 pu. Os surtos de manobra caracterizam-se por possuir tempo de crescimento de algumas centenas de µs e duração de vários milhares de µs, possuindo em geral energia superior ao dos surtos atmosféricos, principalmente em sistemas elétricos cuja tensão de operação é superior a 230 kV. Tais surtos de tensão submetem a esforços dielétricos significativos principalmente a isolação externa de equipamentos de alta tensão, sendo crítico para o dimensionamento dos espaçamentos mínimos em linhas de transmissão e equipamentos elétricos empregados em sistemas de EAT e UAT. A amplitude dos surtos de origem interna ou surtos de manobra pode ser minimizada através do emprego de resistores de pré-inserção em disjuntores, drenagem (descarga) da carga residual de linhas de transmissão e outras técnicas construtivas e critérios adequados de operação do sistema elétrico. O emprego de técnicas apropriadas possibilita que sistemas elétricos com tensão de operação de 550 kV sejam projetados com sobretensões devidas aos surtos de manobra limitadas a 2 pu. De modo similar, a sobretensão interna máxima gerada em sistemas 765 kV e 1000 kV não ultrapassa a 1,3 pu. Sistemas elétricos projetados assim, passam a ter os espaçamentos mínimos determinados principalmente pela tensão de operação do sistema sob condições de chuva e poluição intensa, as quais podem causar sensível redução na capacidade de isolação externa de equipamentos elétricos em extra-alta tensão. Os equipamentos elétricos, de acordo com estudos de coordenação de isolamento, caracterizam-se por possuir níveis de isolamento padronizados, ditados pela sua tensão nominal de operação e denominados: NBI (Nível Básico de Isolamento) para determinar a suportabilidade do equipamento em relação às sobretensões de origem externa e NIM (Nível de Impulso de Manobra) para as sobretensões de origem interna. Os geradores de impulso são então necessários para verificar as condições de suportabilidade dos equipamentos elétricos de alta tensão, quando submetidos a esforços dielétricos normalizados. Adicionalmente, os geradores de impulso são necessários na pesquisa e desenvolvimento de novos equipamentos elétricos e materiais isolantes, bem como no estudo dos fenômenos associados às altas tensões. Vários ensaios de alta tensão são usualmente realizados com o gerador de impulso destacandose os ensaios de impulso atmosférico e impulso de manobra, pelos quais se simula, em laboratório, sobretensões de elevada ordem, originadas, respectivamente, por descargas atmosféricas e surtos provenientes de chaveamentos no sistema de potência. O ensaio aplicado, por exemplo, a um transformador de força, cuja tensão nominal do enrolamento de tensão superior é de 550 kV, exige a aplicação de tensões da ordem de 1550 kV para o ensaio de impulso atmosférico e, de 1250 kV para o ensaio de impulso de manobra. 2 Quando o ar constitui a isolação principal do equipamento em verificação, o ensaio é não destrutivo e o fenômeno físico associado à aplicação dos impulsos tem natureza probabilística, sendo comum a adoção de procedimentos de ensaio que utilizam métodos estatísticos, com amostragens constituídas de um número significativo de aplicações, para permitir a determinação da suportabilidade do equipamento em função de uma dada probabilidade de descarga. Em aplicações práticas de laboratórios de alta tensão, os ensaios de impulso atmosférico são realizados com maior freqüência que os ensaios de impulso de manobra, em virtude da maioria dos equipamentos utilizados no sistema de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica estarem mais sujeitos às sobretensões de origem atmosférica, provocadas pela incidência direta ou indireta de raios. Segundo a norma brasileira, é recomendada a realização de ensaios de impulso de manobra somente em equipamentos com tensão nominal não inferior a 230 kV. 2. PRINCÍPIO DE FUNCIONAMENTO DO GERADOR DE IMPULSO Entre as diversas técnicas utilizadas para a geração de impulsos de tensão, a mais prática e eficiente é a que utiliza uma associação de capacitores em série, em um circuito desenvolvido por Marx, no início do século, podendo ser utilizado tanto para a geração de impulsos atmosféricos quanto os de manobra. O circuito multiplicador de Marx está apresentado na Fig. 1, constituído por apenas 4 estágios, onde RL é denominada resistência de carga, RS a resistência de frente, Rp a resistência de cauda e Cs a capacitância de cada estágio, sendo o objeto de ensaio representado somente por sua capacitância Cb, em relação à terra. Fig. 1 - GERADOR DE IMPULSO DE MARX O princípio de funcionamento do gerador de impulso consiste em carregar os capacitores Cs de todos os estágios em paralelo, através de uma fonte de corrente contínua usualmente com tensão máxima da ordem de 50 kV a 200 kV, e, terminado o período de carga, a energia armazenada no gerador de impulso é descarregada no terminal de alta tensão do objeto sob ensaio, pela disrupção intencional dos centelhadores de esfera SG, conectando, assim, todos os estágios em série. A tensão máxima a ser aplicada ao objeto sob ensaio será, então, a soma das tensões de carga armazenadas nos estágios individuais. Considerando-se, por exemplo, um gerador de impulso formado por 16 estágios, sua tensão máxima de carga será equivalente a 3.200 kV, quando todos os estágios tiverem sido individualmente carregados com a tensão de 200 kV. 3. A FORMA DE ONDA DE IMPULSO Desprezando-se o efeito da indutância e das capacitâncias parasitas no circuito de ensaio, o impulso de tensão aplicado ao equipamento em teste terá uma forma de onda similar à apresentada na Fig. 3. 3 Fig. 3 - FORMA DE ONDA PARA IMPULSOS ATMOSFÉRICOS Os impulsos atmosféricos se caracterizam por possuir forma de onda padronizada como 1,2/50, sendo o tempo virtual de frente igual a 1,2 µs e o tempo virtual de cauda equivalente a 50 µs . A sua caracterização é feita com base na amplitude da onda de tensão, nos tempos virtuais de frente e de cauda e, eventualmente, no tempo virtual até a disrupção, se o objeto sob ensaio não suportar a aplicação do impulso de tensão. A determinação dos tempos virtuais, conforme mostrado na Fig. 3, é realizada em função do zero virtual O’, definido pela reta que passa pelos pontos correspondentes a 30 % e 90 % do valor de crista, na frente da onda de impulso. Assim, o tempo virtual de frente é determinado pelo produto da constante 1,67 e do intervalo de tempo definido pelos instantes de 30% e 90% do valor de crista da onda de impulso atmosférico. De modo similar, o tempo virtual de cauda é definido pelo intervalo de tempo compreendido entre o zero virtual O’ e o instante em que a tensão tenha sido reduzida para 50% do valor de crista. Se houverem oscilações sobrepostas na crista ou na frente da onda de impulso, cujo período seja inferior a 1 ###s (freqüência superior a 0,5 MHz), a determinação dos instantes correspondentes a 30% e 90% do valor de crista de impulso, para fins de caracterização da forma de onda, deverá ser realizada tomando-se como base a linha média traçada por entre os pontos extremos das oscilações, suavizando deste modo a forma de onda de impulso medida. De qualquer modo, oscilações presentes no sinal de impulso, próximas da crista, não devem exceder ao limite de 5% do valor de crista determinado. Para impulsos atmosféricos, é padronizada a técnica de medição de tempos virtuais ao invés dos valores reais, em face à dificuldade de determinação exata do momento da aplicação do impulso, já que o mesmo pode ser influenciado pelo transitório de disparo dos vários estágios do gerador de impulso, principalmente quando a caracterização da forma de onda é realizada com antigos sistemas de medição. Para impulsos de manobra, com forma de onda padronizada de 250/2.500, a frente de onda é muito mais lenta que no caso dos impulsos atmosféricos, os tempos virtuais e reais praticamente coincidem, sendo por isso, adotada apenas a medição dos tempos reais. Na prática comum de laboratórios de alta tensão, a realização do ensaio de impulso em um determinado protótipo de equipamento elétrico é constituída pela montagem do equipamento que será testado, pelo ajuste do gerador de impulso com resistores adequados para um dado número de estágios utilizados, pela calibração da forma de onda e pela execução propriamente dita do procedimento de ensaio, atendendo rigorosamente às prescrições das normas técnicas apropriadas.