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A AGRICULTURA FAMILIAR EM CATALÃO (GO): impasses e perspectivas
Marcelo Venâncio1
Profª Dra Vera Lúcia Salazar Pessôa2
Resumo: Dada à importância da agricultura familiar para a sociedade na produção de alimentos com preços
acessíveis e as dificuldades que esse segmento de produtores tem enfrentado frente à expropriação, a
desvalorização do trabalho familiar, baixo valor agregado aos seus produtos, esse artigo busca fazer uma
reflexão acerca da agricultura familiar em Catalão considerando as dificuldades que essa vem enfrentando com a
possível expropriação devido à construção da barragem Serra do Facão, faltas de políticas estatais dentre
outras. Frente a isso, esses produtores têm se organizado em Movimentos Sociais (MAB e MPA) pela
permanência na terra e melhores condições de sobrevivência e de trabalho.
1 Introdução
Esse artigo norteia as discussões acerca da agricultura familiar 3, considerando que esse extrato
de produtores assume grande importância na economia brasileira, pela sua capacidade de produção
para suprir as necessidades do grupo familiar e produzir gêneros alimentícios com preços mais
acessíveis para o mercado interno. Em Catalão (GO), esse grupo de produtores encontra-se em
desvantagem em relação a agricultura patronal4, tanto na produção como na comercialização de seus
produtos. Além dessa problemática apresentada, os agricultores familiares vêm sofrendo com a
ameaça de expropriação, dado a possibilidade da construção da barragem Serra do Facão 5, no Vale do
Rio São Marcos. Essa barragem desapropriará cerca de 400 famílias que possuem na terra não apenas
um produto material ou valor de troca, mas também a reprodução de valores socioculturais desenhados
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Mestrando junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia/IG, da Universidade Federal de Uberlândia.
(venâ[email protected]).
Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia/IG, da Universidade Federal de Uberlândia.
([email protected]).
Entende-se aqui por unidades de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família.
(LAMARCHE, 1993).
Entende-se aqui as unidades produtivas onde há completa separação entre gestão e trabalho, organização centralizada,
ênfase na especialização, padronização das práticas agrícolas, trabalho assalariado predominante e tecnologias dirigidas
à eliminação das decisões “de terreno” e “de momento”. (FAO/INCRA, 1995).
O reservatório inundará 25.596km 2, somando cerca de 158.200ha de terras para gerar 210 megawatts de energia,
abrangendo os municípios de Catalão, Campo Alegre de Goiás, Ipameri e Cristalina, estes em Goiás, e o Município de
Paracatu em Minas Gerais.
há mais de cinco gerações. No receio de perderem suas terras, suas raízes, seus vizinhos, os
pequenos produtores se organizam em movimentos sociais (Movimento dos Atingidos por Barragens MAB e Movimento de Pequenos Produtores - MPA) de resistência pela permanência na terra. Esse
texto será dividido em duas partes, mais a introdução. Assim, o presente texto busca compreender a
importância da agricultura familiar no contexto econômico de Catalão, bem como na preservação de
valores socioculturais desenhado a mais de cinco gerações. Busca também fazer uma análise da
organização dos Movimentos Sociais na luta por melhores condições de trabalho e sobrevivência, e, na
luta pelo direito de permanecer em suas terras e reproduzir suas famílias.
2 Algumas considerações acerca da agricultura familiar
As pesquisas sobre a questão agrária no Brasil têm aumentado nas últimas décadas, gerando um
intenso debate em eventos científicos, publicações especializadas, dentre outras. Ressaltam-se aqui,
aquelas que tratam das desigualdades e especificidades regionais. O crescimento significativo de
estudos dessa temática se justifica pelo aumento dos conflitos sociais e as desvantagens da agricultura
familiar comparada à agricultura moderna que vem crescendo nos últimos anos. Hespanhol (2000) e
Mendes (2005) ressaltam que as discussões da produção rural familiar são motivadas pela grande
expectativa criada em torno desse segmento dado o seu potencial na produção de gêneros alimentícios
para atender ao mercado interno.
A agricultura familiar, nas concepções de Soares (2000) e Maluf (2003), assume grande
importância na segurança alimentar da família e da sociedade, contribuindo também na preservação
dos recursos naturais e na reprodução socioeconômica e cultural das famílias rurais.
Nesse sentido, Mendes (2005), analisando as comunidades rurais em Catalão (GO), mostra a
importância da produção rural familiar, ao contribuir para a diminuição dos problemas sociais e
econômicos e para as desigualdades sociais no campo face às inovações tecnológicas, geração de
empregos e melhoria da renda no meio rural, diminuição dos conflitos sociais e do êxodo rural. A autora
diz ainda que os pequenos produtores dispõem de condições desvantajosas comparadas às da
agricultura moderna.
Graziano da Silva (1998) enfatiza que a agricultura familiar conheceu na década de 1980, entre os
governos Figueiredo e Collor, a maior perversidade da história econômica brasileira. Nesse período, a
ação do Estado objetivava diminuir o consumo interno dando ênfase maior para a exportação, gerando
saldos comerciais crescentes e fazendo frente aos serviços da dívida externa, que já ultrapassava a
casa dos US$80 bilhões. Essa problemática refletiu na agricultura, garantindo o interesse da elite
fundiária. O autor denomina essa década como “década perversa”, dado os baixos investimentos na
agricultura familiar e o aumento dos movimentos sociais.
Guanziroli et al (2001) salientam que é necessário apoiar a agricultura familiar e o processo de
Reforma Agrária como passos indispensáveis para a construção de uma nova sociedade mais justa e
igualitária. Com base em experiências de vários países desenvolvidos, os autores ressaltam a
viabilidade desse segmento e a sua importância no plano econômico e social. Para Mendes (2005),
as cidades precisam da produção de alimentos fornecidos pelas pequenas propriedades
rurais e esse estratos de produtores carecem de políticas agrícolas que viabilizem sua
produção – e suas condições de sobrevivência. Todas as decisões inerentes a esse setor
são elaboradas por segmentos – órgãos institucionais – que, nem sempre, possuem
autoridade/conhecimento, competência, dignidade e interesses para tais cargos e decisões.
As necessidades mais emergenciais desses produtores têm sido ignoradas em nível de
todas as instâncias governamentais, comprometendo diretamente a qualidade de vida – a
dignidade dos trabalhadores rurais. (MENDES, 2005, p. 48).
Na década de 1990, foram criadas algumas políticas públicas, dentre elas o Programa de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), cujo objetivo era o fortalecimento da agricultura
familiar. Foram dois os fatores principais que motivaram o surgimento dessas políticas públicas: a
crescente necessidade de intervenção estatal frente ao quadro crescente de exclusão social e o
fortalecimento dos movimentos sociais rurais. O crescimento da miséria, da violência e da insegurança
nas grandes cidades fez com que também crescesse o apoio da sociedade urbana às políticas de
valorização do meio rural.
Dados apresentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA, 1996) e o
Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) revelaram que aproximadamente
85% do total de propriedades rurais do país pertencem a grupos familiares. São 13,8 milhões de
pessoas que têm na atividade agrícola, praticamente, sua única alternativa de vida, em cerca de 4,1
milhões de estabelecimentos familiares, o que corresponde a 77% da população ocupada na
agricultura.
Cerca de 60% dos alimentos consumidos pela população brasileira são oriundos da agricultura
familiar. Ainda, segundo o INCRA (1995), quase 40% do Valor Bruto da Produção Agropecuária são
produzidos por agricultores familiares. Cerca de 70% do feijão consumido pelo país, alimento básico
para a mesa do povo brasileiro, vêm desse grupo de produtores. Vêm daí também 84% da mandioca,
5,8% da produção de suínos, 54% da bovinocultura de leite, 49% do milho e 40% de aves e ovos.
Esses dados comprovam a importância da agricultura familiar para a sociedade.
Alguns teóricos da questão agrária, como Abramovay (1992) e Lamarche (1993) ressaltam que a
agricultura familiar nas economias mais avançadas se apresentam como uma forma social reconhecida
e legitimada, sendo reflexo do processo de modernização capitalista. Nas economias européias e norteamericana no decorrer do século XX e início do século XXI, tem ocorrido o crescimento das
explorações, nas quais o trabalho da família assume uma importância decisiva (ABRAMOVAY, 1992).
Os autores dizem ainda que o modelo patronal adotado pelo Brasil, não foi o que prevaleceu nos países
desenvolvidos, como no caso dos Estados Unidos. Mendes (2005) ressalta que
no Brasil, a situação é inversa. Tanto a política de colonização de fronteiras e a atual
política de assentamentos não foram capazes de promover mudanças significativas na
estrutura agrária brasileira. A produção familiar foi, significativamente marcada pelas
origens coloniais da economia e da sociedade brasileira, assentada na grande
propriedade, nas monocultoras de exportação e no trabalho cativo. (MENDES, 2005, p.
35).
Já a ocupação histórica do território estadunidense foi na unidade entre gestão e trabalho da
família e a agricultura foi baseada na estrutura familiar. Os países que mais prosperaram na agricultura
são justamente aqueles cuja atividade teve como base a unidade familiar e não a patronal, enquanto
que os países que dissociaram gestão e trabalho tiveram como resultado social uma imensa
desigualdade.
Veiga (1991) afirma que a agricultura familiar nas economias desenvolvidas é mais significativa do
que a agricultura patronal, justificando a dinamicidade da agricultura familiar na inovação tecnológica,
na produção de gêneros alimentícios a preços mais acessíveis para o mercado interno e a diminuição
dos problemas sociais.
Outro fator que tem agravado ainda mais a situação da agricultura familiar são os grandes projetos
de construção de barragens, que tem causado a expropriação de milhares de famílias de suas terras. A
construção de barragens implica a desapropriação das famílias ribeirinhas, inundando terras férteis com
grande capacidade produtiva, além da perda de identidades culturais. As famílias desapropriadas serão
empurradas para a periferia das cidades, deixando de produzir e se tornando meros consumidores,
aumentando os problemas sociais e econômicos da cidade (MESQUITA, 2005). Também acarretará a
diminuição de alimentos básicos para a vida, implicando no aumento dos preços desses gêneros.
A desapropriação da população ribeirinha é quase sempre um processo doloroso, pois tal
deslocamento tem provocado grandes transtornos porque causam alterações radicais no modo de vida,
na cultura e nas relações sociais. As dificuldades que a maioria tem encontrado de recompor a sua vida
nos
padrões
anteriores
demonstram
as
conseqüências
socioculturais
deste
processo
de
desapropriação.
Assim, procuramos de forma sucinta selecionar um referencial teórico básico que nos ajudará a
compreender a importância e o papel da agricultura familiar no Vale do Rio São Marcos, na
preservação dos referenciais socioculturais e na economia local/regional. Pretende-se refletir também
as dificuldades vivenciadas por esse segmento, frente a instabilidade de mercado e preço, possibilidade
de expropriação, desvalorização do trabalho familiar, baixo valor agregado aos seus produtos, dentre
outros pontos caracterizadores.
3 Agricultura familiar em Catalão e as dificuldades para permanecer na terra: algumas
considerações
Diferentemente da agricultura moderna, cujo objetivo é a produção de grãos para exportação, o
papel da agricultura familiar é a produção de alimentos básicos para suprir as necessidades familiares e
produzir gêneros alimentícios com preços mais acessíveis à mesa do povo brasileiro. No município de
Catalão, esse grupo de produtores, vive no Cerrado há mais de cinco gerações, praticando a agricultura
predominantemente tradicional, além de reproduzirem suas culturas, manifestadas através do convívio
familiar, vizinhos, festas, dentre outros pontos caracterizadores.
A relação com a terra é mantida não apenas como um produto para a geração de lucros, mas
como um produto de trabalho onde eles podem sobreviver e reproduzir sua família. A agricultura
familiar em Catalão apresenta um comportamento diversificado na produção de gêneros alimentícios,
como o leite, arroz, feijão, milho, frutas, hortaliças. Isso contribui na diversificação da economia local e
também em escala regional (MENDES, 2005). A principal atividade econômica está assentada na
produção do leite, que é entregue a maioria, na Cooperativa Agropecuária de Catalão e uma pequena
quantidade na Cooperativa do Município de Campo Alegre de Goiás.
As políticas agrícolas e agrárias têm beneficiado a agricultura moderna, não acontecendo o
mesmo para a agricultura familiar, agravando ainda mais os problemas sociais e, conseqüentemente,
impossibilitando a permanência desses na terra. No caso particular do Sudeste Goiano, além do avanço
da agricultura moderna, que cobre as áreas de chapadas, desapropriando os pequenos produtores,
percebe-se também a arrancada do capital através da construção de hidroelétricas nas áreas de fundo
de vale. Essas comunidades serão atingidas pela possível construção da barragem Serra do Facão. A
construção dessa barragem no vale do Rio São Marcos irá desapropriar cerca de 400 famílias,
inundando 25.596 km2, somando cerca de 158.200 ha de terras para gerar 210 megawatts de energia.
Diante do receio de perderem suas terras, suas raízes, seus vizinhos, pois a construção da referida
barragem irá causar a desestruturação dos pequenos agricultores, esses agricultores começaram a se
organizar em movimentos na luta para permanecerem em suas terras. A construção de barragens
implica na desapropriação das famílias ribeirinhas, inundando terras férteis com grande capacidade
produtiva, além da perda de identidades sócio-culturais. As famílias desapropriadas serão empurradas
para a periferia das cidades, deixando de produzir para ser meros consumidores, aumentando os
problemas sociais e econômicos da cidade, ocasionando também a diminuição de alimentos básicos
para a vida, implicando no aumento dos preços desses gêneros alimentícios.
Na década de 1970, foi intensificado no Brasil o modelo de geração de energia a partir de grandes
barragens. Muitas Usinas Hidrelétricas foram construídas em todo o país. Foram projetos gigantescos,
levados adiante com o objetivo principal de gerar eletricidade para as indústrias que consomem muita
energia chamadas de eletro-intensivas (dentre elas a Votorantin) e para a crescente economia nacional,
que passava pelo chamado “milagre brasileiro”, durante a ditadura militar.
Estas grandes obras desalojaram milhares de pessoas de suas terras e uma enorme massa de
famílias perderam suas casas, terras e o seu trabalho. Muitos acabaram sem terra, outros tantos foram
morar nas periferias das grandes cidades. Desta realidade surge a necessidade da organização e da
luta dos atingidos por barragens no Brasil, como forma de resistir ao modelo energético imposto.
Diante do receio da perda de suas identidades, de seus vizinhos e da possibilidade do
deslocamento compulsório, os pequenos produtores do rio São Marcos estão construindo uma nova
identidade como sujeitos sociais transformadores através da organização do MAB. (MENDONÇA,
2004). Uma parceria firmada entre Igreja Católica, através da Comissão Pastoral da Terra (CPT),
alguns professores e alunos do Curso de Geografia da UFG – Campus de Catalão, incentivou os
atingidos a se reunirem e a discutirem o modelo energético no Brasil. Para uma melhor orientação, os
atingidos recorreram ao Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB Nacional, visando compartilhar
experiências e metodologias de organização, consolidando o movimento no Sudeste Goiano. Nesse
processo, os espaços de socialização política se dão através do trabalho de base e reuniões periódicas
em locais cedidos pela Igreja Católica e/ou sindicatos ou nas próprias comunidades ameaçadas. Essas
práticas são resultados das trocas de experiências que se tornaram táticas de formação e organização
do MAB (VENÂNCIO ;MENDONÇA, 2005).
Desde então, foram várias as mobilizações realizadas pelos atingidos. Organizados em grupos de
base, os atingidos promoveram em dezembro de 2002, o I Encontro Regional de Organização e
Formação dos Atingidos, em Catalão. Esse encontro foi decisivo para a consolidação do MAB na
região, pois possibilitou aos atingidos, maior compreensão do modelo energético e das políticas
internacionais que controlam esse setor.
Já o MPA é um movimento de camponeses/agricultores familiares que se propõe resgatar a
identidade, o modo de vida e os valores culturais nas diversas populações e regiões do Brasil. As
convicções do MPA, sua forma de luta, seu modelo de organização e suas vitórias fizeram com que se
espalhasse pela maioria dos estados brasileiros. Isso significa que o movimento reponde a uma
insatisfação que existe entre os pequenos agricultores, porque no Brasil não há um projeto de
desenvolvimento para a agricultura (VENÂNCIO ; MENDONÇA, 2005). Ele se organiza em Catalão em
2004, dada à necessidade dos pequenos agricultores fortalecerem a sua produção, resgatar a sua
cultura e seus modos de vida. Desde a organização do MPA em Catalão, foram várias as mobilizações
e vitórias conquistadas. A primeira bandeira de luta do MPA foi à luta pelo direito de acesso dos
pequenos agricultores ao Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar, programa criado pelo
Governo Federal na década de 1990 para atender o pequeno produtor rural mediante o apoio financeiro
ao desenvolvimento de suas atividades agropecuárias e não agropecuárias, exploradas com a força de
seu trabalho familiar.
4 CONSIDERÇÕES FINAIS
A problemática aqui apresentada tem causado o descontentamento dos agricultores familiares no
Município de Catalão, levando-os a questionar a forma de exploração do espaço agrário, sendo que de
um lado gera riqueza, e de outro a pobreza. As políticas agrárias tem beneficiado a grande agricultura
moderna, baseada na produção monocultora para exportação, deixando as margens a agricultura
familiar, responsável por mais da metade da produção de alimentos básicos para a vida. Dessa forma,
eles têm se organizado em movimentos contra as políticas que ameaçam a sua permanência na terra.
A organização do Movimento dos Atingidos por Barragens na região do Vale do Rio São Marcos
significa não só a luta contra a construção da Barragem Serra do Facão, mas também, a luta para
preservar suas raízes e o direito de continuarem trabalhando com a terra e reproduzirem suas famílias.
Também a organização do Movimento dos Pequenos Produtores (MPA) veio reforçar a luta dos
pequenos agricultores da região, para continuarem em suas terras e fortalecer a agricultura familiar.
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