UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 1 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA VAMOS PERDER OS VIZINHOS, O LUGAR DE TRABALHO: a construção de barragens e agricultura familiar - Vale do Rio São Marcos em Catalão (GO)1 Marcelo Venâncio1 Vera Lúcia Salazar Pessôa2 Resumo A pesquisa tem por objetivo discutir a construção de Usinas Hidrelétricas e os impactos sobre a agricultura familiar, e, mais especificamente a construção da barragem Serra do Facão no Rio São Marcos em Catalão (GO). A construção dessa barragem irá desapropriar cerca de 400 famílias que, na sua maioria, irão para as periferias das cidades, deixando de produzir para serem meros consumidores, além da perda dos seus referenciais socioculturais. No receio de perderem suas terras, suas raízes, seus vizinhos, os pequenos produtores se organizam através do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), na esperança de continuarem em suas terras e melhorarem suas condições de sobrevivência. Palavras-chave: Barragens, Agricultura Familiar, expropriação Introdução Esse artigo norteia as discussões acerca da construção de barragens e agricultura familiar3, considerando que esse extrato de produtores assume grande importância na economia brasileira, pela sua capacidade de produção para suprir as necessidades do grupo 1 1 2 3 Esse texto é parte da discussão que pretendemos desenvolver na dissertação de mestrado (2006/2007) intitulada: Agricultura Familiar em Catalão: Comunidade Rural São Domingos no Vale do Rio São Marcos. Mestrando junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia/IG, da Universidade Federal de Uberlândia. (venâ[email protected]). Bolsista CAPES Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia/IG, da Universidade Federal de Uberlândia. ([email protected]). Entende-se aqui por unidades de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família. (LAMARCHE, 1993). UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 2 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA familiar e produzir gêneros alimentícios com preços mais acessíveis para o mercado interno. Em Catalão (GO), esse grupo de produtores encontra-se em desvantagem em relação a agricultura patronal4, tanto na produção como na comercialização de seus produtos. Além dessa problemática apresentada, os agricultores familiares vêm sofrendo com a ameaça de expropriação, dado a possibilidade da construção da barragem Serra do Facão, no Vale do Rio São Marcos. Essa barragem desapropriará cerca de 400 famílias que possuem na terra não apenas um produto material ou valor de troca, mas também a reprodução de valores socioculturais desenhados há mais de cinco gerações. No receio de perderem suas terras, suas raízes, seus vizinhos, os pequenos produtores se organizam em movimentos sociais (Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB e Movimento de Pequenos Produtores - MPA) de resistência pela permanência na terra. Esse texto será dividido em duas partes, além da introdução e das considerações finais. Na primeira parte buscaremos fazer uma breve reflexão sobre o modelo energético brasileiro. Na segunda parte procuraremos compreender os impactos da construção de barragens sobre a agricultura familiar e a importância desse extrato de produtores no contexto econômico de Catalão, bem como na preservação de valores socioculturais. Faremos também uma análise da organização dos Movimentos Sociais na luta por melhores condições de trabalho e sobrevivência, e na luta pelo direito de permanecer em suas terras e reproduzir suas famílias. 1- Uma breve reflexão sobre o modelo energético brasileiro O modelo energético brasileiro é considerado, por muitos estudiosos, perverso e excludente, pelos danos ambientais causados e a expropriação de milhares de famílias de suas terras. De acordo com o MAB (2004), no Brasil já foram construídas mais de 2.000 barragens. Essas obras trouxeram e ainda trazem vários problemas sociais, resultando na expulsão de milhares de agricultores familiares do seu lugar de trabalho e de reprodução – a terra. A problemática do atual modelo energético brasileiro começou em 1789, com a iluminação da Estação Central da Estrada de Ferro D. Pedro II, atual Central do Brasil, no Rio 4 Entende-se aqui as unidades produtivas onde há completa separação entre gestão e trabalho, organização centralizada, ênfase na especialização, padronização das práticas agrícolas, trabalho assalariado predominante e tecnologias dirigidas à eliminação das decisões “de terreno” e “de momento”. (FAO/INCRA, 1995). UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 3 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA de Janeiro, sob o domínio da Light e da AMFORP (essas estrangeiras). Mas é somente no final do século XIX e início do século XX que a energia elétrica vai se difundir. Durante esse período, o Estado não intervinha na produção e distribuição de energia, apenas conferia autorizações para o funcionamento das companhias, não havendo qualquer legislação sobre a energia elétrica e sobre recursos hídricos. Os estados e municípios gozavam de grande autonomia para estabelecer contratos e autorizações para as empresas privadas de energia. (MAB, 2004). [...] as companhias tinham direito a corrigir suas tarifas e a receber o equivalente em ouro (a chamada “cláusula-ouro”), de maneira a ficarem protegidas da inflação e da desvalorização da moeda brasileira – naquela época era o mil réis. Era o paraíso para as grandes empresas privadas estrangeiras: usavam a água à vontade, produziam a quantidade de energia que queriam e onde queriam. E, para completar: cobravam o preço que achassem necessário … e, ainda por cima, o governo convertia isso em ouro (MAB, 2004, disponível: http://www.mabnacional.org.br/setor_eletrico.htm). Em 1934 o Código de Águas vai estabelecer algumas regras para a produção e fornecimento de energia elétrica. Esse código já havia sido enviado para o Congresso em 1907, mas pelas forças e representações das empresas Light e AMFORP, foi engavetado. Em 1930 o Governo Getúlio Vargas conseguiu aprovar, contra a vontade das empresas, o novo Código. Foram feitas muitas modificações. Porém, de acordo com o MAB, as mais importantes foram: a) a propriedade dos rios deixava de ser do proprietário da terra. Conforme o caso, poderia ser propriedade do município, do estado ou da União; b) a propriedade das quedas d’água e do potencial hidrelético deixava de ser do proprietário da terra e passava a ser patrimônio da Nação; c) As tarifas passariam a ser fixadas segundo os custos de operação e o valor histórico dos investimentos, o que significava o fim da “cláusula-ouro” e da correção monetária automática conforme a variação cambial. d) o Estado passava a deter o poder de concessão e de fiscalização, estabelecendo, pelo menos teoricamente, as condições para controlar as atividades das empresas privadas. Com essas novas medidas a Light, em razão de seu enorme poder, tentou boicotar, pois controlava parte dos poderes judiciário, legislativo e judiciário. Existia a “bancada de deputados e senadores a serviço da Light”. Também tinha muitos juízes a seu serviço, assim como grandes jornais e revistas, estações de rádio. (MAB, 2004). UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 4 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Com o avanço da urbanização e da industrialização, faltava energia elétrica para o abastecimento das cidades e para a expansão industrial. Muitos bairros pobres das grandes cidades, como as favelas, não tinham abastecimento de luz elétrica. Para tentar amenizar a situação em 1954, no segundo Governo Vargas foi criado o Plano Nacional de Eletrificação que comprometia o Estado com intervenções voltadas para acabar com a falta de energia elétrica. Em 1960 é criado o Ministério das Minas e Energia e em 1962 a Eletrobrás (sociedade de economia mista tendo o governo federal como principal acionista) responsável pelo planejamento, pelo financiamento e pela política do setor elétrico. Este é o início de um período que se estendeu e se consolidou na década de 1970, numa integração do setor em torno da Eletrobrás, convergindo para interligar boa parte dos sistemas isolados. A intervenção do Estado e financiamento de órgãos estrangeiros , para o desenvolvimento de ajustes estruturais estratégicos e para o enfrentamento da crise do capitalismo, fez com que a indústria barrageira se ampliasse de forma significativa no Brasil. Para Germani (2003), uma das funções do Estado capitalista moderno é criar condições favoráveis para o desenvolvimento do processo de acumulação de capital. Cabe, assim, a esse Estado, realizar grandes investimentos em infraestrutura, não assumidos diretamente pelo capital privado, quer seja pelo volume de capital necessário, quer pela lenta ou baixa de retorno que esses investimentos proporcionam. (GERMANI, 2003, p. 13). Assim, cabe ao Estado a construção da obra e de toda infraestrutura que beneficiará a produção através da geração de energia. Com a crise do petróleo na década de 1970 e a divisão territorial do trabalho pelas grandes potências, o Brasil se reestruturou, buscando redefinir internamente, a forma de desenvolvimento do capitalismo, implementando o projeto Brasil Potência, articulado no II PND – Plano Nacional de Desenvolvimento (1975/1979). (MENDONÇA, 2004; MAB, 2004). É desse período a matriz dos grandes projetos de barragens, que tem na energia hidrelétrica sua grande alternativa para a abertura de novas opções de progresso, acarretando grandes transformações espaciais. No final da década de 1970 e início da década de 1980, os países centrais passam a transferir para países periféricos e dependentes, rico em potencial energético como o UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 5 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Brasil, várias indústrias que consomem muita energia. Assim, o Brasil juntamente com outros países periféricos, passam a ser um exportador de produtos eletrointensivos, isto é, que exigem grande quantidade de energia para serem produzidos. O Japão, por exemplo, praticamente fecha sua indústria de alumínio primário, e passa a importar de países como o Brasil. Para o MAB (2004), os países dominantes nos emprestaram dinheiro para construirmos hidrelétricas, para produzir alumínio, para exportar e pagar a dívida contraída. Os países centrais ficavam com o alumínio e os juros da dívida, as grandes empreiteiras construtoras de barragens ficavam com o dinheiro da obra (quase sempre superfaturadas), os políticos e partidos dominantes ficam com o dinheiro da corrupção … e o povo brasileiro fica com a dívida externa, as florestas destruídas, os férteis vales inundados, populações expulsas. (MAB, 2004, disponível: http://www.mabnacional.org.br/setor_eletrico.htm). Dessa forma, podemos concluir que, a cada ano, são repassados, vários subsídios, às indústrias exportadoras de alumínio, o que significa que os países periféricos pagam o consumo de alumínio nos países dominantes. As pesquisas sobre a construção de barragens ganham destaque na Geografia Agrária, na medida em que se percebe os impactos sobre o espaço rural, causando grande transformações socioespaciais. Como por exemplo, caso seja construída a barragem Serra do Facão são centenas de famílias que deixarão de produzir para tornarem-se meros consumidores. Estas grandes obras desalojaram milhares de pessoas de suas terras e uma enorme massa de famílias perderam suas casas, terras e o seu trabalho. Muitos acabaram sem terra, outros tantos foram morar nas periferias das grandes cidades. Desta realidade surge a necessidade da organização e da luta dos atingidos por barragens no Brasil, como forma de resistir ao modelo energético imposto. No item a seguir trataremos dos impactos da possível construção da barragem Serra do Facão no Rio São Marcos sobre a agricultura familiar e a lutas dos pequenos produtores para permanecerem em suas terras. 2- A construção da barragem Serra do Facão e luta pela permanência na terra: algumas considerações UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 6 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Para Germani (2003), a construção de uma usina hidrelétrica, sob forma de reservatório, implica numa reestruturação espacial, ocasionando a remoção das populações ribeirinhas. Assim, as populações atingidas são removidas com violência e total desrespeito aos seus direitos. Em Sobradinho, por exemplo, a construção da usina expulsou cerca de 70 mil pessoas. Estas quase foram atingidas pelas águas, pois não havia sido providenciado nem mesmo seu reassentamento. Em Itaipu, houve tentativas de resistência e a repressão foi brutal. A expulsão das famílias de suas terras ocasiona a perda dos referenciais socioculturais, inundação de terras férteis com grande capacidade produtiva. Também acarreta a diminuição de alimentos básicos implicando no aumento do preço desses gêneros. Nesse texto analisaremos a possível construção da barragem Serra do Facão no Vale do Rio São Marcos em Catalão. A construção dessa barragem irá desapropriar cerca de 400 famílias, inundando cerca de 158.200 ha de terras férteis para gerar 210 megawatts de energia. O reservatório, além da abrangência no Município de Catalão, também se estenderá aos municípios de Campo Alegre de Goiás, Ipameri e Cristalina em Goiás, e Município de Paracatu em Minas Gerais. As famílias a serem desapropriadas têm na terra não apenas um produto material de troca, mas também a reprodução de valores socioculturais desenhados a mais cinco gerações. Essas unidades produtivas na sua grande maioria são repassadas de pai para filho dentro do ciclo de consangüinidade (WOORTMANN, 1995). As discussões nesse texto foi feitas com base em três comunidades rurais: Anta Gorda, Pires e São Domingos que se localizam a Nordeste do Centro urbano de Catalão, às margens do Rio São Marcos, cujo a via de acesso é pela BR050, como mostra o mapa 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 7 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Mapa 1: Localização do Município de Catalão (GO) e as Comunidades Rurais. Percebe-se ao meio o Rio São Marcos (rio esse programado para a construção da barragem Serra do Facão), ladeado por algumas comunidades rurais. Org. I. M. FERREIRA, 2005 Essas unidades produtivas apresentam uma produção diversificada. Através de dados fornecidos pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), foi possível verificar a diversidade da produção como o arroz, o feijão, o milho, a soja, frutas e hortaliças. A produção desses alimentos tem como objetivo a subsistência da família, obedecendo a ordem plantar, UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 8 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA colher e comer (BRANDÂO, 1981). O excedente dessa produção é comercializado nas feiras locais. A principal atividade econômica está assentada na produção do leite, que é entregue na sua maioria na Cooperativa Agropecuária de Catalão LTDA (COACAL) e uma pequena quantidade na Cooperativa do Município de Campo Alegre de Goiás. Quantos aos aspectos culturais, estes apresentam características que atravessam gerações, como as rezas, a demão5, festas religiosas, objetos de usos pessoais, a memória da casa em que morou os pais, os avós, além de outros traços que caracterizam o patrimônio sociocultural. (MENDES, 2005). O discurso dominante da baixa produtividade das áreas de Cerrado é utilizado pelas empresas que pretendem construir a barragem Serra do Facão6, desconsiderando a importância da produção de alimentos e, sobretudo, desconsiderando a reprodução dos valores socioculturais e da própria reprodução dessas unidades produtivas. Vale ressaltar que, diferentemente da agricultura patronal, cujo objetivo é a produção de grãos para exportação, o papel da agricultura familiar é a produção de alimentos básicos para suprir as necessidades familiares e produzir gêneros alimentícios com preços mais acessíveis para o mercado interno. No município de Catalão, esse grupo de produtores, vive no Cerrado há mais de cinco gerações, praticando a agricultura predominantemente tradicional, além de reproduzirem suas culturas, manifestadas através do convívio familiar, vizinhos, festas, dentre outros pontos caracterizadores. As famílias desapropriadas serão empurradas para a periferia das cidades, deixando de produzir para serem meros consumidores, aumentando os problemas sociais e econômicos da cidade, ocasionando também a diminuição de alimentos básicos para a vida, implicando no aumento dos preços desses gêneros alimentícios, exemplo esse verificado em Serra da Mesa no Norte de Goiás. 5 Segundo Cândido (1997), a demão define-se como agrupamento territorial mais ou menos denso, cujos limites são traçados pelos moradores em trabalho de ajudas mútuas. É o membro do bairro quem convoca e é convocado. Nas comunidades rurais sua manifestação mais importante é o mutirão. 6 Segundo o Relatório de Impacto Ambiental, apresentado pelo Grupo de Empresas Associadas Serra do Facão (GEFAC) em agosto de 2000, a área é inapta para a agricultura, representando-a como de baixo valor no cenário econômico (p. 11-23) UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 9 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Diante do receio de perderem as suas terras, as suas raízes, a relação com a vizinhança, a construção da referida barragem tem causado a desestruturação dos pequenos agricultores, fazendo com que os mesmos se organizem em movimentos na luta para permanecerem em suas terras, como podemos verificar nos seguintes depoimentos: Diante dessa barragem eu me sinto humilhado. Porque eu fui criado sem futuro, não tinha nada. Não tinha uma fruta para comer. Hoje eu tenho, consegui com o meu suor. Agora vem as empresas não sei de onde e vem tomas minhas terras. Eu fico muito triste, porque eu queria ficar aqui o resto da vida, porque isso aqui não é herança não, é suor. É meu e da minha esposa e dos filhos que desde os 5 anos me ajudam. A esperança que agente tem é só lutar contra a barragem, porque o que agente queria mesmo é que não fizesse a barragem, que ela não fosse construída. Porque ela vai trazer muito transtorno não só para mim, mas pra região inteira, porque é muita gente que vai ser atingida. (Informação verbal, D.F.S. Pequeno Agricultor atingido pela barragem Serra do Facão, maio de 2003)( MENDONÇA, 2004, p. 405). Vamos perder os vizinhos, o lugar de trabalho. Nós não temos terra, mas trabalhamos há mais de 15 anos na terra e sobrevivemos com atividades de meação e como assalariados (eu e meu marido) e não temos para onde ir e arrumar outro emprego. Precisamos manter a união com todos para conseguir impedir a barragem. (Informação verbal, R.P.S. Ato público contra a barragem Serra do Facão, março de 2004)(MENDONÇA, 2004). Uma parceria firmada entre Igreja Católica, através da Comissão Pastoral da Terra (CPT), alguns professores e alunos do Curso de Geografia da UFG – Campus de Catalão, incentivou os atingidos a se reunirem e a discutirem o modelo energético no Brasil. Para uma melhor orientação, os atingidos recorreram ao Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB Nacional, visando compartilhar experiências e metodologias de organização, consolidando o movimento no Sudeste Goiano. Nesse processo, os espaços de socialização política se dão através do trabalho de base e reuniões periódicas em locais cedidos pela Igreja Católica e/ou sindicatos ou nas próprias comunidades ameaçadas. Essas práticas são resultados das trocas de experiências que se tornaram táticas de formação e organização do MAB (VENÂNCIO ;MENDONÇA, 2005). Desde então, foram várias as mobilizações realizadas pelos atingidos. Organizados em grupos de base, os atingidos promoveram em dezembro de 2002, o I Encontro Regional de Organização e Formação dos Atingidos, em Catalão. Esse encontro foi decisivo para UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 10 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA a consolidação do MAB na região, pois possibilitou aos atingidos, maior compreensão do modelo energético e das políticas internacionais que controlam esse setor. Com relação ao MPA, este é um movimento de pequenos produtores que se propõe a resgatar a identidade, o modo de vida e os valores culturais nas diversas populações e regiões do Brasil. Esse Movimento veio para reforçar a luta do MAB. As convicções do MPA, sua forma de luta, seu modelo de organização e suas vitórias fizeram com que se espalhasse pela maioria dos estados brasileiros. Isso significa que o movimento responde a uma insatisfação que existe entre os pequenos agricultores, porque no Brasil não há um projeto de desenvolvimento para a Agricultura Familiar (VENÂNCIO ; MENDONÇA, 2005). Ele se organiza em Catalão em 2004, dada à necessidade dos pequenos agricultores fortalecerem a sua produção, resgatar a sua cultura e seus modos de vida. Desde a organização do MPA em Catalão, foram várias as mobilizações e vitórias conquistadas. A primeira bandeira de luta do MPA foi a luta pelo direito de acesso dos pequenos agricultores ao Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), programa criado pelo Governo Federal na década de 1990 para atender o pequeno produtor rural mediante o apoio financeiro ao desenvolvimento de suas atividades agropecuárias e não agropecuárias, exploradas com a força de seu trabalho familiar. Considerações Finais A problemática aqui apresentada tem causado o descontentamento dos agricultores familiares no Município de Catalão, levando-os a questionar a forma de exploração do espaço agrário, através da construção de grandes hidrelétricas. Caso a barragem Serra do Facão seja construída, serão cerca de 400 famílias, conforme já destacado, que ficarão sem terra, deixando de produzir para serem meros consumidores. Dessa forma, eles têm se organizado em movimentos contra as políticas que ameaçam a sua permanência na terra. A organização do Movimento dos Atingidos por Barragens na região do Vale do Rio São Marcos significa não só a luta contra a construção da Barragem Serra do Facão, mas também, a luta para preservar suas raízes e o direito de continuarem trabalhando com a terra e reproduzirem suas famílias. Também a organização do Movimento dos Pequenos Produtores (MPA) veio reforçar a luta dos pequenos agricultores da região, para continuarem em suas terras e fortalecer a agricultura familiar. UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA 11 II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA Referências ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: HUCITEC; Campinas: UNICAMP, 1992. 275 p. (Estudos Rurais, 12). BRANDÃO, C. R. Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano. Rio de Janeiro: Graal. 1981, 181 p. CANDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação dos seus meios de vida. 3. ed. São Paulo: Duas Cidades. 1975, 284 p. GERMANI. G. I. Expropriados terra e água: o conflito de Itaipu. Salvador: EDUFBA/ULBRA, 2003. GOHN, M. da G. História dos movimentos sociais e lutas sociais: a construção da cidadania dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 1995. LAMARCHE, H. 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