a construção de barragens e agricultura familiar

Propaganda
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
1
II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
VAMOS PERDER OS VIZINHOS, O LUGAR DE TRABALHO: a construção de
barragens e agricultura familiar - Vale do Rio São Marcos em Catalão (GO)1
Marcelo Venâncio1
Vera Lúcia Salazar Pessôa2
Resumo
A pesquisa tem por objetivo discutir a construção de Usinas Hidrelétricas e os impactos sobre a
agricultura familiar, e, mais especificamente a construção da barragem Serra do Facão no Rio
São Marcos em Catalão (GO). A construção dessa barragem irá desapropriar cerca de 400
famílias que, na sua maioria, irão para as periferias das cidades, deixando de produzir para serem
meros consumidores, além da perda dos seus referenciais socioculturais. No receio de perderem
suas terras, suas raízes, seus vizinhos, os pequenos produtores se organizam através do
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e Movimento dos Pequenos Agricultores
(MPA), na esperança de continuarem em suas terras e melhorarem suas condições de
sobrevivência.
Palavras-chave: Barragens, Agricultura Familiar, expropriação
Introdução
Esse artigo norteia as discussões acerca da construção de barragens e
agricultura familiar3, considerando que esse extrato de produtores assume grande importância na
economia brasileira, pela sua capacidade de produção para suprir as necessidades do grupo
1
1
2
3
Esse texto é parte da discussão que pretendemos desenvolver na dissertação de mestrado (2006/2007) intitulada:
Agricultura Familiar em Catalão: Comunidade Rural São Domingos no Vale do Rio São Marcos.
Mestrando junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia/IG, da Universidade Federal de Uberlândia.
(venâ[email protected]). Bolsista CAPES
Professora do Programa de Pós-Graduação em Geografia/IG, da Universidade Federal de Uberlândia.
([email protected]).
Entende-se aqui por unidades de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à
família. (LAMARCHE, 1993).
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
2
II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
familiar e produzir gêneros alimentícios com preços mais acessíveis para o mercado interno. Em
Catalão (GO), esse grupo de produtores encontra-se em desvantagem em relação a agricultura
patronal4, tanto na produção como na comercialização de seus produtos. Além dessa
problemática apresentada, os agricultores familiares vêm sofrendo com a ameaça de
expropriação, dado a possibilidade da construção da barragem Serra do Facão, no Vale do Rio
São Marcos. Essa barragem desapropriará cerca de 400 famílias que possuem na terra não apenas
um produto material ou valor de troca, mas também a reprodução de valores socioculturais
desenhados há mais de cinco gerações. No receio de perderem suas terras, suas raízes, seus
vizinhos, os pequenos produtores se organizam em movimentos sociais (Movimento dos
Atingidos por Barragens - MAB e Movimento de Pequenos Produtores - MPA) de resistência
pela permanência na terra. Esse texto será dividido em duas partes, além da introdução e das
considerações finais. Na primeira parte buscaremos fazer uma breve reflexão sobre o modelo
energético brasileiro. Na segunda parte procuraremos compreender os impactos da construção de
barragens sobre a agricultura familiar e a importância desse extrato de produtores no contexto
econômico de Catalão, bem como na preservação de valores socioculturais. Faremos também
uma análise da organização dos Movimentos Sociais na luta por melhores condições de trabalho
e sobrevivência, e na luta pelo direito de permanecer em suas terras e reproduzir suas famílias.
1- Uma breve reflexão sobre o modelo energético brasileiro
O modelo energético brasileiro é considerado, por muitos estudiosos, perverso
e excludente, pelos danos ambientais causados e a expropriação de milhares de famílias de suas
terras. De acordo com o MAB (2004), no Brasil já foram construídas mais de 2.000 barragens.
Essas obras trouxeram e ainda trazem vários problemas sociais, resultando na expulsão de
milhares de agricultores familiares do seu lugar de trabalho e de reprodução – a terra.
A problemática do atual modelo energético brasileiro começou em 1789, com
a iluminação da Estação Central da Estrada de Ferro D. Pedro II, atual Central do Brasil, no Rio
4
Entende-se aqui as unidades produtivas onde há completa separação entre gestão e trabalho, organização
centralizada, ênfase na especialização, padronização das práticas agrícolas, trabalho assalariado predominante e
tecnologias dirigidas à eliminação das decisões “de terreno” e “de momento”. (FAO/INCRA, 1995).
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
3
II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
de Janeiro, sob o domínio da Light e da AMFORP (essas estrangeiras). Mas é somente no final do
século XIX e início do século XX que a energia elétrica vai se difundir. Durante esse período, o
Estado não intervinha na produção e distribuição de energia, apenas conferia autorizações para o
funcionamento das companhias, não havendo qualquer legislação sobre a energia elétrica e sobre
recursos hídricos. Os estados e municípios gozavam de grande autonomia para estabelecer
contratos e autorizações para as empresas privadas de energia. (MAB, 2004).
[...] as companhias tinham direito a corrigir suas tarifas e a receber o
equivalente em ouro (a chamada “cláusula-ouro”), de maneira a ficarem
protegidas da inflação e da desvalorização da moeda brasileira – naquela época
era o mil réis. Era o paraíso para as grandes empresas privadas estrangeiras:
usavam a água à vontade, produziam a quantidade de energia que queriam e
onde queriam. E, para completar: cobravam o preço que achassem necessário
… e, ainda por cima, o governo convertia isso em ouro (MAB, 2004,
disponível: http://www.mabnacional.org.br/setor_eletrico.htm).
Em 1934 o Código de Águas vai estabelecer algumas regras para a produção e
fornecimento de energia elétrica. Esse código já havia sido enviado para o Congresso em 1907,
mas pelas forças e representações das empresas Light e AMFORP, foi engavetado. Em 1930 o
Governo Getúlio Vargas conseguiu aprovar, contra a vontade das empresas, o novo Código.
Foram feitas muitas modificações. Porém, de acordo com o MAB, as mais importantes foram: a)
a propriedade dos rios deixava de ser do proprietário da terra. Conforme o caso, poderia ser
propriedade do município, do estado ou da União; b) a propriedade das quedas d’água e do
potencial hidrelético deixava de ser do proprietário da terra e passava a ser patrimônio da Nação;
c) As tarifas passariam a ser fixadas segundo os custos de operação e o valor histórico dos
investimentos, o que significava o fim da “cláusula-ouro” e da correção monetária automática
conforme a variação cambial. d) o Estado passava a deter o poder de concessão e de fiscalização,
estabelecendo, pelo menos teoricamente, as condições para controlar as atividades das empresas
privadas.
Com essas novas medidas a Light, em razão de seu enorme poder, tentou
boicotar, pois controlava parte dos poderes judiciário, legislativo e judiciário. Existia a “bancada
de deputados e senadores a serviço da Light”. Também tinha muitos juízes a seu serviço, assim
como grandes jornais e revistas, estações de rádio. (MAB, 2004).
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
4
II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
Com o avanço da urbanização e da industrialização, faltava energia elétrica para
o abastecimento das cidades e para a expansão industrial. Muitos bairros pobres das grandes
cidades, como as favelas, não tinham abastecimento de luz elétrica. Para tentar amenizar a
situação em 1954, no segundo Governo Vargas foi criado o Plano Nacional de Eletrificação que
comprometia o Estado com intervenções voltadas para acabar com a falta de energia elétrica.
Em 1960 é criado o Ministério das Minas e Energia e em 1962 a Eletrobrás
(sociedade de economia mista tendo o governo federal como principal acionista) responsável pelo
planejamento, pelo financiamento e pela política do setor elétrico. Este é o início de um período
que se estendeu e se consolidou na década de 1970, numa integração do setor em torno da
Eletrobrás, convergindo para interligar boa parte dos sistemas isolados. A intervenção do Estado
e financiamento de órgãos estrangeiros , para o desenvolvimento de ajustes estruturais
estratégicos e para o enfrentamento da crise do capitalismo, fez com que a indústria barrageira
se ampliasse de forma significativa no Brasil. Para Germani (2003),
uma das funções do Estado capitalista moderno é criar condições favoráveis
para o desenvolvimento do processo de acumulação de capital. Cabe, assim, a
esse Estado, realizar grandes investimentos em infraestrutura, não assumidos
diretamente pelo capital privado, quer seja pelo volume de capital necessário,
quer pela lenta ou baixa de retorno que esses investimentos proporcionam.
(GERMANI, 2003, p. 13).
Assim, cabe ao Estado a construção da obra e de toda infraestrutura que
beneficiará a produção através da geração de energia.
Com a crise do petróleo na década de 1970 e a divisão territorial do trabalho
pelas grandes potências, o Brasil se reestruturou, buscando redefinir internamente, a forma de
desenvolvimento do capitalismo, implementando o projeto Brasil Potência, articulado no II PND
– Plano Nacional de Desenvolvimento (1975/1979). (MENDONÇA, 2004; MAB, 2004). É desse
período a matriz dos grandes projetos de barragens, que tem na energia hidrelétrica sua grande
alternativa para a abertura de novas opções de progresso, acarretando grandes transformações
espaciais.
No final da década de 1970 e início da década de 1980, os países centrais
passam a transferir para países periféricos e dependentes, rico em potencial energético como o
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
5
II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
Brasil, várias indústrias que consomem muita energia. Assim, o Brasil juntamente com outros
países periféricos, passam a ser um exportador de produtos eletrointensivos, isto é, que exigem
grande quantidade de energia para serem produzidos. O Japão, por exemplo, praticamente fecha
sua indústria de alumínio primário, e passa a importar de países como o Brasil. Para o MAB
(2004),
os países dominantes nos emprestaram dinheiro para construirmos hidrelétricas,
para produzir alumínio, para exportar e pagar a dívida contraída. Os países
centrais ficavam com o alumínio e os juros da dívida, as grandes empreiteiras
construtoras de barragens ficavam com o dinheiro da obra (quase sempre
superfaturadas), os políticos e partidos dominantes ficam com o dinheiro da
corrupção … e o povo brasileiro fica com a dívida externa, as florestas
destruídas, os férteis vales inundados, populações expulsas. (MAB, 2004,
disponível: http://www.mabnacional.org.br/setor_eletrico.htm).
Dessa forma, podemos concluir que, a cada ano, são repassados, vários
subsídios, às indústrias exportadoras de alumínio, o que significa que os países periféricos pagam
o consumo de alumínio nos países dominantes.
As pesquisas sobre a construção de barragens ganham destaque na Geografia
Agrária, na medida em que se percebe os impactos sobre o espaço rural, causando grande
transformações socioespaciais. Como por exemplo, caso seja construída a barragem Serra do
Facão são centenas de famílias que deixarão de produzir para tornarem-se meros consumidores.
Estas grandes obras desalojaram milhares de pessoas de suas terras e uma
enorme massa de famílias perderam suas casas, terras e o seu trabalho. Muitos acabaram sem
terra, outros tantos foram morar nas periferias das grandes cidades. Desta realidade surge a
necessidade da organização e da luta dos atingidos por barragens no Brasil, como forma de
resistir ao modelo energético imposto. No item a seguir trataremos dos impactos da possível
construção da barragem Serra do Facão no Rio São Marcos sobre a agricultura familiar e a lutas
dos pequenos produtores para permanecerem em suas terras.
2- A construção da barragem Serra do Facão e luta pela permanência na terra: algumas
considerações
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
6
II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
Para Germani (2003), a construção de uma usina hidrelétrica, sob forma de
reservatório, implica numa reestruturação espacial, ocasionando a remoção das populações
ribeirinhas. Assim, as populações atingidas são removidas com violência e total desrespeito aos
seus direitos. Em Sobradinho, por exemplo, a construção da usina expulsou cerca de 70 mil
pessoas. Estas quase foram atingidas pelas águas, pois não havia sido providenciado nem mesmo
seu reassentamento. Em Itaipu, houve tentativas de resistência e a repressão foi brutal.
A expulsão das famílias de suas terras ocasiona a perda dos referenciais
socioculturais, inundação de terras férteis com grande capacidade produtiva. Também acarreta a
diminuição de alimentos básicos implicando no aumento do preço desses gêneros.
Nesse texto analisaremos a possível construção da barragem Serra do Facão no
Vale do Rio São Marcos em Catalão. A construção dessa barragem irá desapropriar cerca de 400
famílias, inundando cerca de 158.200 ha de terras férteis para gerar 210 megawatts de energia. O
reservatório, além da abrangência no Município de Catalão, também se estenderá aos municípios
de Campo Alegre de Goiás, Ipameri e Cristalina em Goiás, e Município de Paracatu em Minas
Gerais. As famílias a serem desapropriadas têm na terra não apenas um produto material de troca,
mas também a reprodução de valores socioculturais desenhados a mais cinco gerações. Essas
unidades produtivas na sua grande maioria são repassadas de pai para filho dentro do ciclo de
consangüinidade (WOORTMANN, 1995).
As discussões nesse texto foi feitas com base em três comunidades rurais:
Anta Gorda, Pires e São Domingos que se localizam a Nordeste do Centro urbano de Catalão, às
margens do Rio São Marcos, cujo a via de acesso é pela BR050, como mostra o mapa 1.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
7
II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
Mapa 1: Localização do Município de Catalão (GO) e as
Comunidades Rurais. Percebe-se ao meio o Rio São Marcos
(rio esse programado para a construção da barragem Serra do
Facão), ladeado por algumas comunidades rurais.
Org. I. M. FERREIRA, 2005
Essas unidades produtivas apresentam uma produção diversificada. Através de
dados fornecidos pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), foi possível verificar a
diversidade da produção como o arroz, o feijão, o milho, a soja, frutas e hortaliças. A produção
desses alimentos tem como objetivo a subsistência da família, obedecendo a ordem plantar,
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
8
II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
colher e comer (BRANDÂO, 1981). O excedente dessa produção é comercializado nas feiras
locais.
A principal atividade econômica está assentada na produção do leite, que é
entregue na sua maioria na Cooperativa Agropecuária de Catalão LTDA (COACAL) e uma
pequena quantidade na Cooperativa do Município de Campo Alegre de Goiás.
Quantos aos aspectos culturais, estes apresentam características que
atravessam gerações, como as rezas, a demão5, festas religiosas, objetos de usos pessoais, a
memória da casa em que morou os pais, os avós, além de outros traços que caracterizam o
patrimônio sociocultural. (MENDES, 2005).
O discurso dominante da baixa produtividade das áreas de Cerrado é utilizado
pelas empresas que pretendem construir a barragem Serra do Facão6, desconsiderando a
importância da produção de alimentos e, sobretudo, desconsiderando a reprodução dos valores
socioculturais e da própria reprodução dessas unidades produtivas.
Vale ressaltar que, diferentemente da agricultura patronal, cujo objetivo é a
produção de grãos para exportação, o papel da agricultura familiar é a produção de alimentos
básicos para suprir as necessidades familiares e produzir gêneros alimentícios com preços mais
acessíveis para o mercado interno. No município de Catalão, esse grupo de produtores, vive no
Cerrado há mais de cinco gerações, praticando a agricultura predominantemente tradicional, além
de reproduzirem suas culturas, manifestadas através do convívio familiar, vizinhos, festas, dentre
outros pontos caracterizadores.
As famílias desapropriadas serão empurradas para a periferia das cidades,
deixando de produzir para serem meros consumidores, aumentando os problemas sociais e
econômicos da cidade, ocasionando também a diminuição de alimentos básicos para a vida,
implicando no aumento dos preços desses gêneros alimentícios, exemplo esse verificado em
Serra da Mesa no Norte de Goiás.
5
Segundo Cândido (1997), a demão define-se como agrupamento territorial mais ou menos denso, cujos limites são
traçados pelos moradores em trabalho de ajudas mútuas. É o membro do bairro quem convoca e é convocado. Nas
comunidades rurais sua manifestação mais importante é o mutirão.
6
Segundo o Relatório de Impacto Ambiental, apresentado pelo Grupo de Empresas Associadas Serra do Facão
(GEFAC) em agosto de 2000, a área é inapta para a agricultura, representando-a como de baixo valor no cenário
econômico (p. 11-23)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
9
II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
Diante do receio de perderem as suas terras, as suas raízes, a relação com a
vizinhança, a construção da referida barragem tem causado a desestruturação dos pequenos
agricultores, fazendo com que os mesmos se organizem em movimentos na luta para
permanecerem em suas terras, como podemos verificar nos seguintes depoimentos:
Diante dessa barragem eu me sinto humilhado. Porque eu fui criado sem futuro,
não tinha nada. Não tinha uma fruta para comer. Hoje eu tenho, consegui com o
meu suor. Agora vem as empresas não sei de onde e vem tomas minhas terras.
Eu fico muito triste, porque eu queria ficar aqui o resto da vida, porque isso
aqui não é herança não, é suor. É meu e da minha esposa e dos filhos que desde
os 5 anos me ajudam. A esperança que agente tem é só lutar contra a barragem,
porque o que agente queria mesmo é que não fizesse a barragem, que ela não
fosse construída. Porque ela vai trazer muito transtorno não só para mim, mas
pra região inteira, porque é muita gente que vai ser atingida. (Informação
verbal, D.F.S. Pequeno Agricultor atingido pela barragem Serra do Facão, maio
de 2003)( MENDONÇA, 2004, p. 405).
Vamos perder os vizinhos, o lugar de trabalho. Nós não temos terra, mas
trabalhamos há mais de 15 anos na terra e sobrevivemos com atividades de
meação e como assalariados (eu e meu marido) e não temos para onde ir e
arrumar outro emprego. Precisamos manter a união com todos para conseguir
impedir a barragem. (Informação verbal, R.P.S. Ato público contra a barragem
Serra do Facão, março de 2004)(MENDONÇA, 2004).
Uma parceria firmada entre Igreja Católica, através da Comissão Pastoral da
Terra (CPT), alguns professores e alunos do Curso de Geografia da UFG – Campus de Catalão,
incentivou os atingidos a se reunirem e a discutirem o modelo energético no Brasil. Para uma
melhor orientação, os atingidos recorreram ao Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
Nacional, visando compartilhar experiências e metodologias de organização, consolidando o
movimento no Sudeste Goiano. Nesse processo, os espaços de socialização política se dão através
do trabalho de base e reuniões periódicas em locais cedidos pela Igreja Católica e/ou sindicatos
ou nas próprias comunidades ameaçadas. Essas práticas são resultados das trocas de experiências
que se tornaram táticas de formação e organização do MAB (VENÂNCIO ;MENDONÇA, 2005).
Desde então, foram várias as mobilizações realizadas pelos atingidos.
Organizados em grupos de base, os atingidos promoveram em dezembro de 2002, o I Encontro
Regional de Organização e Formação dos Atingidos, em Catalão. Esse encontro foi decisivo para
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
10
II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
a consolidação do MAB na região, pois possibilitou aos atingidos, maior compreensão do modelo
energético e das políticas internacionais que controlam esse setor.
Com relação ao MPA, este é um movimento de pequenos produtores que se
propõe a resgatar a identidade, o modo de vida e os valores culturais nas diversas populações e
regiões do Brasil. Esse Movimento veio para reforçar a luta do MAB. As convicções do MPA,
sua forma de luta, seu modelo de organização e suas vitórias fizeram com que se espalhasse pela
maioria dos estados brasileiros. Isso significa que o movimento responde a uma insatisfação que
existe entre os pequenos agricultores, porque no Brasil não há um projeto de desenvolvimento
para a Agricultura Familiar (VENÂNCIO ; MENDONÇA, 2005). Ele se organiza em Catalão em
2004, dada à necessidade dos pequenos agricultores fortalecerem a sua produção, resgatar a sua
cultura e seus modos de vida. Desde a organização do MPA em Catalão, foram várias as
mobilizações e vitórias conquistadas. A primeira bandeira de luta do MPA foi a luta pelo direito
de acesso dos pequenos agricultores ao Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar
(PRONAF), programa criado pelo Governo Federal na década de 1990 para atender o pequeno
produtor rural mediante o apoio financeiro ao desenvolvimento de suas atividades agropecuárias
e não agropecuárias, exploradas com a força de seu trabalho familiar.
Considerações Finais
A problemática aqui apresentada tem causado o descontentamento dos
agricultores familiares no Município de Catalão, levando-os a questionar a forma de exploração
do espaço agrário, através da construção de grandes hidrelétricas. Caso a barragem Serra do
Facão seja construída, serão cerca de 400 famílias, conforme já destacado, que ficarão sem terra,
deixando de produzir para serem meros consumidores. Dessa forma, eles têm se organizado em
movimentos contra as políticas que ameaçam a sua permanência na terra. A organização do
Movimento dos Atingidos por Barragens na região do Vale do Rio São Marcos significa não só a
luta contra a construção da Barragem Serra do Facão, mas também, a luta para preservar suas
raízes e o direito de continuarem trabalhando com a terra e reproduzirem suas famílias. Também
a organização do Movimento dos Pequenos Produtores (MPA) veio reforçar a luta dos pequenos
agricultores da região, para continuarem em suas terras e fortalecer a agricultura familiar.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
11
II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
Referências
ABRAMOVAY, R. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo: HUCITEC;
Campinas: UNICAMP, 1992. 275 p. (Estudos Rurais, 12).
BRANDÃO, C. R. Plantar, colher, comer: um estudo sobre o campesinato goiano. Rio de
Janeiro: Graal. 1981, 181 p.
CANDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre o caipira paulista e a transformação
dos seus meios de vida. 3. ed. São Paulo: Duas Cidades. 1975, 284 p.
GERMANI. G. I. Expropriados terra e água: o conflito de Itaipu. Salvador:
EDUFBA/ULBRA, 2003.
GOHN, M. da G. História dos movimentos sociais e lutas sociais: a construção da cidadania
dos brasileiros. São Paulo: Loyola, 1995.
LAMARCHE, H. (Coord.). Agricultura familiar: comparação internacional. Tradução de
Ângela M. N. Tijiwa. Campinas: Unicamp, 1993. v. 1, 336 p. (Coleção Repertórios).
MENDES, E. de P. P. A produção familiar em Catalão (GO): a Comunidade Coqueiro. 202 f.
Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geografia, Universidade Federal de
Uberlândia, Uberlândia, 2001.
_____ . A produção rural familiar em Goiás: as comunidades rurais no município de Catalão,
321 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciência e tecnologia, Universidade
Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2005.
MENDONÇA, M. R. A urdidura espacial do capital e do trabalho no Cerrado do Sudeste
Goiano. 458 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Faculdade de Ciência e tecnologia,
Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente, 2004.
MESQUITA, H. A. de. As barragens para aproveitamento hidrelétrico (AHE): a mais recente
ameaça ao bioma cerrado. Revista UFG, Goiânia v. 1, p. 25-31 jun.2005.
MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS. Pequeno histórico do setor elétrico
brasileiro. Disponível em: <http://www.mabnacional.org.br/setor_eletrico.htm>. Acesso em: 16
maio 2006.
RELATÓRIO DE IMPACTO AMBIENTAL (RIMA). Aproveitamento Hidroelétrico Serra do
Facão no Rio São Marcos – informação técnica: GEFAC, ago. 2000.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBARLÂNDIA – UFU
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – IG
LABORATÓRIO DE GEOGRAFIA AGRÁRIA – LAGEA
12
II ENCONTRO DE GRUPOS DE PESQUISA
VENANCIO, M; MENDONÇA, M. R. As implicações socioambientais na construção de
barragens nas áreas de Cerrado: o caso da AHE Serra do Facão no Sudeste Goiano. In:
SEMANA DE GEOGRAFIA DO CAMPUS DE CATALÃO, I., 2003, Catalão. Anais... Catalão:
UFG/Campus de Catalão, 2003. 1 CD-ROOM.
_____. Discutindo a problemática das barragens nas áreas de Cerrado: o caso do AHE Serra do
Facão no Sudeste Goiano. In: JORNADA DE GEOGRAFIA,V., 2003, Jataí. Anais... Jataí:
UFG/Campus de Jataí, 2003. 1 CD-ROOM
_____. Vidas embaixo d’água: a possível construção da barragem Serra do Facão e as
comunidades rurais no Vale do Rio São Marcos em Catalão (GO). In: SEMANA DE
GEOGRAFIA,XII., 2005, Uberlândia. Anais... Uberlândia: IG/UFU, 2005.
WOORTMANN, E. F. Herdeiros, parentes e compadres: colonos do Sul e sitiantes do
Nordeste. São Paulo: HUCITEC, 1995, 336 p. (Estudos Rurais).
Download