J.J. Thomson, o Elétron e a Arquitetura Atômica J.J. Thomson, the Electron, and Atomic Architecture Helge Kragh The Physics Teacher, vol. 35(6), p. 328-332, september 1997. (Tradução: Prof. Gildo Junqueira, IFSP, antigo CEFET-SP) É usual assumir que o elétron tem suas origens históricas na pesquisa de raios catódicos e que a partícula, primeiramente identificada como o constituinte dos raios catódicos em 1897, foi somente mais tarde usada na construção de modelos atômicos. É isto também o que os estudantes aprendem dos livros de Física, em que o modelo do “pudim de ameixas” de J.J. Thomson é geralmente datado de 1904. Contudo, uma observação mais detalhada do processo histórico indica que as ideias de átomos compostos representou um papel mais importante no contexto da descoberta do que usualmente se assume; além do mais, este papel foi amplamente independente da tradição dos raios catódicos sobre a qual a maioria dos relatos da celebrada descoberta de Thomson enfoca. Um recente estudo acadêmico em história da física mostra que Thomson não estava muito ocupado com os raios catódicos até 1896 e que o elétron não surge simplesmente da sua tentativa de resolver a questão, ou controvérsia, da natureza dos raios(1). Argumento, neste artigo, que a ideia unitária da matéria, que consiste em cargas elétricas subatômicas, foi um fator mais importante no programa de pesquisa de Thomson que conduziu à descoberta do elétron. Muitos anos antes de 1897, Thomson se convenceu de que os átomos são feitos de (algum tipo de) corpúsculos e a descoberta empírica do elétrons de 1897 simples- J.J. Thomson com tubo de raios catódicos. Fotografia cortesia do Laboratório Cavendish, Universidade de Oxford, Oxford, R.U. mente confirmou a ele seu ponto de vista a muito adotado. Não é acidente que Thomson formulou sua primeira visão dos átomos de elétrons em um trabalho em que ele anunciou sua descoberta da natureza dos raios catódicos. Esta visão, que era uma teoria verdadeiramente unitária da matéria, foi desenvolvida ao longo da década seguinte até Thomson ser forçado a aceitar que os átomos não podem ser constituídos somente de elétrons. Os leitores dos trabalhos de Thomson não podem deixar de notar que o descobridor do elétron insistia em chamar suas partículas de “corpúsculos”. Isto é o que há de mais enigmático porque o nome e o conceito do elétron eram bem conhecidos em 1897. O nome foi introduzido por George J. Stoney em 1891, e em 1894 foi adotado pelo teórico britânico Joseph Larmor para indicar uma singularidade no éter eletromagnético. Por que Thomson não usava o termo? E por que ele insistia com “corpúsculos” até por volta de 1910, durante o período em que a teoria do elétron floresceu e foi considerada o assunto mais importante da teoria física? As razões para esta peculiaridade são mais sutis e refletem uma visão de Thomson da natureza do elétron que diferia daquelas de Larmor, H. A. Lorentz e de outros teóricos do elétron. Contudo, por questão de simplicidade, irei ignorar estas diferenças e me referir aos corpúsculos de Thomson sob o nome mais bem conhecido de “elétrons”. Uma visão unitária da Matéria Já na sua conferência na Royal Institution de 30 de abril de 1897, Thomson sugeriu que “os átomos dos elementos comuns são feitos de corpúsculos e buracos”(2). O termo “buraco” poderia, muito provavelmente, ser entendido como volumes de vácuo. Meio ano mais tarde, depois de ter tido sucesso em defletir raios catódicos eletrostaticamente, Thomson foi mais explícito e associou sua visão de átomos compostos à hipótese de Prout de 1815. De acordo com a versão original desta hipótese, os átomos dos diferentes elementos químicos eram agregados de átomos de hidrogênio. Esta versão foi refutada por medidas de pesos atômicos que, no entanto, não levaram ao abandono 1 do sonho de unidade da matéria. Pelo contrário, ela foi modificada de várias maneiras, por exemplo, assumindo que o protyle proutiano era uma partícula desconhecida de massa menor do que aquela do átomo de hidrogênio(3). Durante a última metade do século dezenove, especulações neo-proutianas adquiriram uma popularidade considerável, sem dizer de estima acadêmica. Thomson foi muito inspirado por estas visões e acreditava que ele tinha descoberto o que outros neo-proutianos tinham apenas sugerido de maneira especulativa, a saber, um constituinte universal da matéria. Seu uso claramente refletiu a influência da tradição proutiana: Temos, nos raios catódicos, matéria em um novo estado ... em que toda matéria – isto é, a matéria derivada de diferentes fontes como hidrogênio, oxigênio, etc. – é de um e somente um tipo; esta matéria é a substância da qual todos os elementos químicos são feitos.(4) Thomson ficou satisfeito em conseguir identificar os elementos proutianos de matéria nos raios catódicos, mas a sugestão de que estes elementos eram portadores subatômicos de eletricidade antecedia seus experimentos com raios catódicos de 1897. Em sua palestra Rede de 10 de junho de 1896, ele discutiu a absorção de raios-X e observou que “isto parecia favorecer a ideia de Prout de que elementos diferentes são compostos de algum elemento primordial”(5), de que estes elementos primordiais eram provavelmente partículas elétricas que ele inferiu da descoberta de Philipp Lenard em 1896 de que a distância percorrida pelos raios catódicos é inversamente proporcional à densidade do gás. Thomson pareceu originalmente ter concebido o elétron como um átomo de um proto-elemento químico que poderia, se não na prática pelo menos em princípio, estar sujeito à análise química. Também vale a pena notar sua visão referente à emissão de raios catódicos. Em vez de considerar os elétrons como sendo liberados do catodo de metal, ele pensou que eles resultavam da dissociação das moléculas do gás no intenso campo elétrico próximo ao catodo. Isto é, o tubo de raios catódicos agia como um dilacerador atômico, e por esta razão um gás residual era necessário. Sabemos que o sucesso experimental de Thomson dependeu de sua habilidade (ou melhor, de seus técnicos) de obter uma pressão muito baixa. É, portanto, irônico que, de acordo com a visão de Thomson, em um vácuo perfeito não haveria mesmo raios catódicos! Thomson não apenas especulou qualitativamente sobre os átomos de elétrons, mas seguiu em frente para considerar “as configurações de equilíbrio estável para um número de partículas iguais agindo umas sobre as outras de acordo com alguma lei de força – se aquela de Boscovich, em que a força entre elas é repulsiva para distâncias de separação menor que alguma distância crítica, ou uma atrativa quando elas estão separadas por uma distância maior, ou mesmo o caso mais simples de um número de partículas mutuamente repelentes mantidas juntas por uma força central”(6). Ele pareceu considerar as forças Boscovicheanas muito artificiais e ad hoc, e preferiu trabalhar com as conhecidas forças elétricas do inverso do quadrado. Percebendo a formidável complexidade matemática dos cálculos de equilíbrio para vários elétrons, ele sugeriu que algum ‘insight’ sobre os padrões de configuração poderiam ser obtidos apoiando-se na analogia do experimento de Alfred Mayer de 1878 com ímãs flutuantes (Fig. 1)(7). Neste experimento os pequenos ímãs (agindo efetivamente como monopolos) corresponderiam aos elétrons, e o grande imã central à força central necessária para evitar a explosão do átomo. Thomsom dedicou uma página inteira de seu artigo no Philosophical Magazine para descrever o experimento de Mayer, Fig. 1. Experimento de Mayer. Agulhas igualmente magnetizadas irão se dispor em posições de equilíbrio em que a força atrativa do eletroímã central é balanceada pelas forças repulsivas entre os imãs. No lado direito estão algumas das configurações de equilíbrio encontradas por Mayer em 1878. Algumas das configurações são instáveis. Por exemplo, cinco agulhas podem se dispor em um quadrado com uma agulha central; mas um pequeno distúrbio mecânico fará o sistema se transformar na configuração de pentágono estável. 2 Fig. 2. Átomos de Thomson em três dimensões, como visualizado por J.J. Thomson em uma palestra dada na The Royal Institution em 1905. que claramente o atraía. Naquela época ele estava profundamente familiarizado com o experimento, que ele tentou com várias modificações. Na verdade, a ideia de usá-lo para ilustrar a arquitetura dos átomos não lhe era nova. Thomson discutiu pela primeira vez o experimento de Mayer em conexão com a constituição dos átomos em 1882, em um trabalho que razoavelmente pode ser considerado um precursor do seu modelo atômico. Os átomos de vórtice De acordo com a teoria atômica dos vórtices, primeiramente proposta em 1867 por William Thomson (Lord Kelvin), os átomos poderiam ser imaginados como vórtices em um fluído perfeito que impregnaria tudo: o éter. Assim que Kelvin ficou sabendo do experimento de Mayer, ele percebeu a analogia entre as configurações dos imãs flutuantes e aquelas de um sistema de vórtices. A analogia foi desenvolvida por J.J. Thomson em seu ensaio para o prêmio Adams de 1882, no qual ele lidou em grande detalhe matemático com a teoria de vórtice de Kelvin.(8) Thomson examinou teoricamente a questão da estabilização dos vórtices arranjados em intervalos iguais em torno de uma circunferência de um círculo. Usando teoria de perturbação padrão, ele encontrou após longos cálculos que as configurações com n = 2, 3, 4, 5 e 6 vórtices seriam estáveis, mas aquela com sete vórtices no mesmo anel não poderia formar um sistema estável. Para grandes valores de n ele se baseou na analogia com os imãs flutuantes de Mayer já mostrada por Kelvin. Thomson percebeu que não havia razão para que os vórtices devessem ter igual força ∗ (o produto da velocidade de rotação pela seção de área), mas por questão de simplicidade ele supôs que “os átomos dos diferentes elementos químicos eram feitos de anéis de vórtice de mesma força”. Esta suposição facilitou os cálculos, e também foi de encontro à tendência de Thomson em prol de uma teoria unificada da matéria. Há uma clara analogia entre a teoria atômica dos vórtices e a posterior teoria atômica de elétrons, com a carga do elétron correspondendo à força de um vórtice. A analogia foi importante para Thomson, que relembrou em sua autobiografia de 1936 que seus trabalhos iniciais sobre os átomos de vórtices resultaram “em algumas ideias e resultados interessantes que eu, mais tarde, achei valiosos em conexão com a teoria da estrutura do átomo”(9). Em 1898, logo após sugerir que átomos consistem de elétrons, ele elogiou a teoria de vórtice em uma carta ao físico americano Silas Holman. “Eu não conheço nenhum fenômeno que é notoriamente incapaz de ser explicado por ela [a teoria atômica de vórtice]; e de maneira geral me esforço (quase sempre sem sucesso) em visualizar por mim mesmo algum tipo de mecanismo de anéis de vórtice para explicar o fenômeno com o qual estou lidando”(10). Não há dúvida que o modelo de átomos de vórtice influenciou fortemente o pensamento de Thomson sobre a complexidade dos átomos. Por exemplo, em 1890 ele realçou a similaridade sugestiva entre as configurações de Mayer das agulhas magnetizadas, os arranjos de vórtices em coluna e a regularidade dos elementos químicos: “Se imaginarmos que as moléculas de todos os elementos são feitas dos mesmos átomos primordiais, e interpretar o aumento do peso atômico como indicação de um aumento no número de tais átomos, então, nesta perspectiva, como o número de átomos aumenta continuamente, certas peculiaridades na estrutura irão se repetir”(11). Esta era exatamente a mesma visão que ele mantivera anteriormente, em conexão com a teoria atômica de vórtice; e a mesma visão apareceu em seus trabalhos a partir de 1897, só que agora com o átomo primordial identificado com o elétron. Os átomos de elétron de Thomson No 69o. Encontro da Associação Britânica para ∗ N.T.: No texto original, strength. 3 o Avanço da Ciência em 1899, Thomson realçou que os átomos eram dissociados em processos como fotoeletricidade, ação química e ionização por raios-X. Aquilo que ele chamou de sua hipótese de trabalho foi exposta desta vez de uma maneira mais plena e convicta: Eu considero que o átomo contém um grande número de corpos menores que chamarei de corpúsculos; estes corpúsculos são iguais uns aos outros; a massa de um corpúsculo é a massa do íon negativo em um gás a baixa pressão, isto é, cerca de 3x10-26 grama. No átomo normal, esta reunião de corpúsculos forma um sistema que é eletricamente neutro. Embora os corpúsculos individuais se comportem como íons negativos, quando, contudo, eles são reunidos em um átomo neutro, o efeito negativo é balanceado por algo que faz o espaço, através do qual os corpúsculos estão espalhados, agir como se ele tivesse uma carga de eletricidade positiva igual em quantidade à soma das cargas negativas nos corpúsculos.(12) Temos aqui, pela primeira vez, a formulação explícita do famoso modelo atômico do “pudim de ameixas” de Thomson, incluindo o postulado de uma porção positiva de espaço no qual os elétrons estão imersos. É importante manter em mente que a esfera positiva é totalmente hipotética. Assumiu-se que ela é sem atrito e com massa zero, sua única função é a de exercer uma força atrativa sobre os elétrons. Em outras palavras, de acordo com Thomson, a massa de um átomo era feita totalmente de elétrons, o que significa que mesmo os átomos simples precisavam conter milhares de elétrons. Em trabalhos de 1903-1094, Thomson transformou seu tosco modelo qualitativo em um quadro quantitativo e sofisticado do átomo(13). Seu método era uma análise matemática laboriosa das interações entre os elétrons girantes colocados em um plano e sujeitos a uma força elástica da esfera de eletricidade positiva. Tabela I. Configurações de elétrons nos átomos de Thomson. O símbolo n(x1, x2, x3, ...) significa um total de n elétrons, dispostos com x1 elétrons no anel mais interno, x2 elétrons no segundo anel, x3 elétrons no terceiro anel, etc. Para provar a estabilidade mecânica das configurações de equilíbrio, ele realizou cálculos de perturbação de um tipo que se pareciam muito com aqueles que ele fez para os átomos de vórtice em 1882. Mas em 1904 havia um outro problema de estabilidade que não apareceu nos primeiros cálculos hidrodinâmicos. Elétrons acelerados emitirão energia eletromagnética e assim, ao que parece, o átomo perderá energia cinética e, no final, se colapsará. Este problema de emissão de radiação geralmente entra nos livros-textos de física em conexão com a natureza não-clássica do átomo de Bohr: um elétron girando em torno de um próton no seu estado fundamental irá, na ausência de vínculos quânticos, espiralar para dentro e fundir-se com o núcleo numa fração de segundo. Irá o átomo de Thomson ter o mesmo destino e assim ser radioativamente instável? A situação é essencialmente a mesma nos dois modelos atômicos, mas a diferença é que o átomo de Thomson consistia de um grande número de elétrons. Ao usar fórmulas derivadas por Larmor em 1897, Thomson provou que a emissão de radiação de n elétrons girando em um único círculo se reduzia drasticamente com n (por exemplo, se a radiação de um único elétron é tomada como unitária, a radiação de um círculo com seis elétrons movendo-se com a velocidade de 0,001c será somente 10-16). Os sistemas de muitos elétrons seriam então estáveis eletrodinamicamente e as configurações determinadas pela estabilidade mecânica. Thomson realizou cálculos detalhados de n = 1 a n = 8, tanto em duas como em três dimensões. Seu quadro geral do átomo, baseado num modelo planar, era este: Temos assim, em primeiro lugar, uma esfera de eletrização uniformemente positiva, e dentro desta esfera um número de corpúsculos organizados em uma série de anéis paralelos, e o número de corpúsculos em um anel varia de anel para anel: cada corpúsculo está se movendo a alta velocidade ao longo da circunferência do anel no qual ele está situado, e os anéis são arranjados de tal modo que aqueles que contêm um grande número de corpúsculos estão próximos da superfície da esfera, enquanto aqueles nos quais há um número menor de corpúsculos, são mais internos.(14) Naqueles dias pré-computadores, os cálculos de estabilidade eram uma tarefa desesperadamente complicada para um número grande de elétrons. Como alternativa, Thomson derivou um engenhoso método gráfico pelo qual ele poderia rapidamente 4 encontrar as configurações. Desta maneira, ele foi conduzido às estruturas de anéis como aquelas dadas na tabela I. Como Thomson relacionara as configurações de vórtices com a tabela periódica em 1882, da mesma maneira ele realçou agora uma relação no caso das configurações dos elétrons. Relembre que a noção de número atômico não existia em 1904, quando se acreditava que a tabela periódica era disposta de acordo com o peso atômico; e o peso atômico, de acordo com Thomson, era dado pelo número de elétrons. Referindo-se à tabela I, se as propriedades físicas e químicas dos elementos eram associadas com certas estruturas de elétrons, seria esperado que elementos com, por exemplo, 39, 58 e 80 elétrons pertenciam ao mesmo grupo. Thomson indicou um número de fatos químicos que poderiam ser entendidos como resultados da configuração de elétrons, embora somente em princípio. É claro que ele percebeu que seu modelo era incapaz de associar elementos reais com configurações de elétrons definidas. O modelo atômico de Thomson forneceu uma analogia impressionante com a tabela periódica, mas ele era não mais que uma analogia. Esta maneira de raciocinar estava de acordo com a visão de Thomson da natureza de uma teoria física, que ele tendeu a identificar com um modelo. A função de um modelo era heurística, para ajudar os físicos na visualização de fenômenos físicos e assim sugerir novos experimentos e ideias teóricas. Pelo contrário, a carga positiva se revelou o calcanhar de Aquiles do modelo atômico de Thomson. Ironicamente, foi a própria pesquisa de Thomson que mostrou que sua crença de que a massa do átomo era constituída somente das massas dos elétrons era insustentável. Em 1906, ele chegou à conclusão de que evidências experimentais indicavam que o número de elétrons era da mesma ordem do peso atômico; e quatro anos depois ele estava inclinado a acreditar que n se situava provavelmente entre A e A/2, em que A é o peso atômico. Isto implicava que a eletricidade positiva teria que ser considerada seriamente, do mesmo modo que a emissão de radiação dos átomos mais leves. Em geral, o pequeno número de elétrons causou sérios problemas para a credibilidade do modelo de Thomson. Em 1904 era impossível confrontar as propriedades físicas e químicas dos elementos reais com aquelas deduzidas dos átomos do modelo, mas seis anos mais tarde a situação tinha mudado. O resultado era frustrante: o modelo de Thomson parecia incapaz de explicar a estrutura real dos átomos. Havia outras razões para o declínio do modelo de Thomson, em particular sua incapacidade de explicar fenômenos físicos como as regularidades das linhas espectrais e o espalhamento das partículas alfa. Quando um novo modelo para a estrutura do átomo apareceu em 1913 – a extensão quântica de Bohr para o átomo nuclear de Rutherford – a confiança no átomo de Thomson já estava em rápido declínio. No entanto seria incorreto descartar a teoria como apenas um daqueles erros dos quais a história da ciência é tão rica. Ele era um modelo incorreto, mas foi a primeira teoria atômica quantitativamente desenvolvida na história da física e por cerca de uma década a melhor proposta para a arquitetura dos átomos. Além do mais, ele influenciou profundamente uma geração de físicos, inclusive o jovem Niels Bohr, cuja teoria atômica de 1913 herdou mais características do modelo de Thomson do que usualmente se assume.(16) O problema da carga positiva O modelo de Thomson era atraente porque oferecia uma descrição monística da matéria, baseado em somente um tipo de partícula elementar, o elétron. Contudo, esta característica atraente era também problemática porque ela parecia ignorar a carga positiva. Como podem os átomos neutros consistir somente de elétrons negativos? Thomson se convenceu que este poderia ser o caso se a eletricidade positiva de alguma maneira pudesse ser entendida como uma manifestação da interação dos elétrons. “Eu Referências acho”, ele escreveu para Oliver Lodge em 1904, 1. I. Falconer, Brit. J. Hist. Sci. 20, 241 (1987). “que no final a eletrização positiva será 2. J.J. Thomson, The Electrician 39, 104 (1897). considerada supérflua e será possível obter os Reeditado em W. L. Bragg e G. Porter, eds. The efeitos, que agora atribuímos a ela, de alguma Royal Institution Library of Science, Physical propriedade dos corpúsculos”(15). Esta foi uma Sciences, Vol. 5 (Elsevier, Amsterdam, 1970), pp. 103-109. ideia magnífica, mas que logo se mostrou não ter fundamento na realidade. 5 3. W. H. Brock, From protyle to Proton: William Prout and the Nature of Matter 1785-1985 (Adam Hilger, Bristol, 1985). 15. Lord Rayleigh, The Life of Sir J.J. Thomson (Cambridge University Press, Cambridge, 1942), p. 140. 4. J.J. Thomson, Phil. Mag. 44, 293 (1897). 16. J.L. Heilbron, Phys. Today 30, 23 (1977). 5. J.J. Thomson, Nature 54, 302 (1896). 6. J.J. Thomson, Phil. Mag. 44, 293 (1897). 7. H.A.M. Snelders, Ann. Sci. 33, 67 (1976). Sobre o autor: 8. J.J. Thomson, A Treatise on the Motion of Vortex Rings (Macmillan, London, 1883). 9. J.J. Thomson, Recollections and Reflections (G. Bell and Sons, London, 1936), p. 95. 10. S.W. Holman, Matter, Energy, Force and Work. A Plain Presentation of Fundamentals Physical Concepts and of the Vortex Atom and Other Theories (Macmillan, New York, 1898), p. 226. 11. J.J. Thomson em Watt’s Dictionary of Chemistry, Vol. 3, editado por H.F. Morley e M.M.P. Muir (London, 1892), p. 410. 12. J.J. Thomson, Phil. Mag. 48, 565 (1899); veja também Per F. Dahl, Flash of the Cathode Rays: A History of J.J. Thomson’s Electron (Institute of Physics Publishing, Bristol, 1997), pp. 182-189. 13. J.J. Thomson, Electricity and Matter (Constable & Co., London, 1904); Phil. Mag. 7, 237 (1904); The Corpuscular Theory of Matter (Constable & Co., London, 1907). F.L Friedman and L. Sartori, The Classical Atom (Addison-Wesley, New York, 1965). Helge Kragh é professor de História da Ciência (University of Aarhus, Ny Munkegade, Building 521, DK-8000 Aarhus C, Denmark). Ele tem publicado sobre desenvolvimentos históricos da física, química, cosmologia e tecnologia nos séculos 19 e 20, e trabalha atualmente numa história da física entre 1890 e 1990. 14. J.J. Thomson, Phil. Mag. 7, 254 (1904). 6