A O linfócito B periférico: possível biomarcador promissor de prognóstico e evolução cirúrgica de revascularização miocárdica com circulação extracorpórea Artigo Original O linfócito B periférico: possível biomarcador promissor de prognóstico e evolução cirúrgica de revascularização miocárdica com circulação extracorpórea The peripheral B lymphocyte could be a promising biomarker of prognosis and surgical evolution of myocardial revascularization with cardiopulmonary bypass Ana Tereza M. Dantas1 Songeli M. Freire2 Geraldo P. Sampaio3 Darci Malaquias4 Élida M. A. Cortes5 Rosalina D. Guedes6 Roberto Meyer7 Ricardo Eloy Pereira8 Nilzo Ribeiro9 André N. M. Freire10 Unitermos: Linfócitos. Linfócitos B. Células matadoras naturais. Revascularização miocárdica. Circulação extracorpórea. Keywords: Lymphocytes. B-lymphocytes. Killer cells, natural. Myocardial revascularization. Extracorporeal circulation. Endereço para correspondência: Songeli Menezes Freire e André Ney Menezes Freire Laboratório de Imunologia e Biologia Molecular – Instituto de Ciências da Saúde Av. Reitor Miguel Calmon, S/N – Salvador, BA, Brasil – CEP 40110-100 E-mail: [email protected] / andreney.freire@ gmail.com Submissão: 30 de março de 2013 Aceito para publicação: 5 de julho de 2013 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. RESUMO Introdução: A cirurgia de revascularização do miocárdio com circulação extracorpórea (CRM+CEC) resulta em perturbação do equilíbrio fisiológico, ativando uma resposta inflamatória sistêmica, aumentando a susceptibilidade às complicações em pacientes sob essas condições. No presente estudo, se avaliou o impacto da CRM+CEC na cinética de leucócitos totais e subpopulações linfocitárias CD3+ (linfócitos T- LT), CD4+ (LT auxiliares), CD8+ (LT citotóxicos), CD56+ (células natural killer) e CD19+ (linfócitos B) e sua associação com o tempo de internação pós-cirúrgica em unidade de terapia intensiva (UTI). Método: Neste estudo longitudinal foram selecionados 37 pacientes submetidos eletivamente à CRM+CEC. Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, amostras de sangue periférico foram coletadas dos pacientes em diferentes pré-estabelecidos, durante o perioperatório até a alta da UTI. Em todas as amostras, foram realizados leucograma e imunofenotipagem por citometria de fluxo, para quantificação das subpopulações linfocitárias com o kit Lymphogram (Cytognos-Espanha). Dados clínicos complementares foram obtidos dos prontuários médicos. Resultados: Participaram do estudo 27 homens e 10 mulheres, com idade média de 59 anos. Os indivíduos foram divididos grupos: Grupo 1 (G1) – melhor tempo de evolução pós-cirúrgica (alta de UTI até 48h pós-cirurgia) e Grupo 2 (G2) – pior tempo de evolução póscirúrgica (alta da UTI após 48h pós-cirurgia). No período intraoperatório, houve diminuição das células CD3+ e CD19+, oscilação sem uma tendência particular dos LT CD4+ e CD8+ e aumento das células CD56+. Os leucócitos totais apresentaram aumento gradual ao longo do tempo. No pós-operatório, houve menor concentração dos LT CD3+, CD4+ e CD8+ no tempo de 24h pós-cirurgia e aumento com recuperação dos valores basais das células CD19+ e diminuição das células CD56+. Conclusões: As subpopulações estudadas apresentaram tendência a menor concentração no G2, em relação ao G1. Somente os linfócitos B apresentaram diferença entre os dois grupos, nos primeiros minutos do início da cirurgia e após 30 minutos da instalação de CEC. Os dados indicam que os pacientes que permaneceram mais tempo em UTI (G2) iniciavam a cirurgia com menor concentração dessas células. Esse conhecimento prévio pode ser usado como indicador prognóstico e auxiliar a equipe médica que pode estabelecer procedimentos terapêuticos pré-cirúrgicos. Laboratório de Imunologia e Biologia Molecular, Universidade Federal da Bahia; Programa de Pós-graduação em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas - Health Sciences Institute (ICS- UFBA), Salvador, BA, Brasil. Laboratório de Imunologia e Biologia Molecular, Universidade Federal da Bahia; Professor Adjunto do Instituto de Ciências da Saúde (ICS- UFBA); Programa de Pós-graduação em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas - Health Sciences Institute (ICS- UFBA); Professor Adjunto da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP-FBDC); Programa de Pós-graduação em Imunologia - Health Sciences Institute (ICS-UFBA), Pesquisador Membro do INCT-DT/CNPq/MCT, Salvador, BA, Brasil. Laboratório de Imunologia e Biologia Molecular, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil. Serviço de Nutrição Enteral e Parenteral, Hospital Santa Izabel, Salvador, BA, Brasil. Laboratório de Imunologia e Biologia Molecular, Universidade Federal da Bahia; Programa de Pós-graduação em Imunologia - Health Sciences Institute (ICS- UFBA), Salvador, BA, Brasil. Laboratório de Imunologia e Biologia Molecular, Universidade Federal da Bahia; Programa de Pós-graduação em Imunologia - Health Sciences Institute (ICS- UFBA), Pesquisador Membro do INCT-DT/CNPq/MCT, Salvador, BA, Brasil. Laboratório de Imunologia e Biologia Molecular, Universidade Federal da Bahia; Professor Adjunto do Instituto de Ciências da Saúde (ICS-UFBA), Programa de Pós-graduação em Processos Interativos dos Órgãos e Sistemas - Health Sciences Institute (ICS-UFBA), Pesquisador Membro do INCT-DT/CNPq/MCT, Salvador, BA, Brasil. Unidade de Cirurgia Cardíaca, Santa Izabel Hospital, Salvador, BA, Brasil. Unidade de Cirurgia Cardíaca, Santa Izabel Hospital, Salvador, BA, Brasil. Serviço de Nutrição Enteral e Parenteral, Hospital Santa Izabel; Professor Associado da Faculdade de Medicina da Bahia (FAMEB-UFBA), Salvador, BA, Brasil. Rev Bras Nutr Clin 2013; 28 (3): 163-70 255 Dantas ATM et al. ABSTRACT Background: The myocardial revascularization surgery with cardiopulmonary bypass (MR+CPB) results in the disturbance of the physiological balance, triggering a systemic inflammatory response, increasing the susceptibility to complications in patients under these conditions. In this study, the impact of myocardial revascularization with CPB in the kinetics of total leukocytes and lymphocyte subpopulations CD3+ (T lymphocytes, TL), CD4+ (T helper cells, Th cells), CD8+ (Cytotoxic T Lymphocyte, CTL), CD56+ (natural killer cells, NK cell) and CD19+ (B lymphocyte, BL), and its association with the after surgery hospital time in the intensive care unit (ICU) were evaluated. Methods: Thirty-seven patients were selected in this longitudinal study who had been electively submitted to MR + CPB. After signed and informed consent, peripheral blood samples were collected from patients in predetermined different times, from perioperative until discharge from the ICU. In all samples, white blood cells counting (WBC) and immunophenotyping (Lymphogram-Cytognos-Spain) by flow cytometry to quantify the lymphocyte subpopulations were performed. Complementary clinical data were obtained by medical records. Results: Participated in this study 27 men and 10 women (average age of 59 years old). Individuals were divided in groups: Group 1 (G1) – better time of discharge after surgery evolution (discharge from ICU until 48 hours after surgery) and Group 2 (G2) – worse time of discharge after surgery evolution (discharge from ICU after 48 hours after surgery). In the intraoperative, there was a decrease of the CD3+ and CD19+ cells, oscillation with no particular tendency of LT CD4+ and CD8+ cells and an increase of the CD56+ cells. WBC presented gradual increase over time. There was less concentration of CD3+, CD4+ and CD8+ cells in the 24 hours after surgery time, and an increase with recovery of the values of the basal cell CD19+ and decrease of the CD56+ cells. Conclusions: The subpopulations studied presented a tendency to less concentration in the G2, in relation to G1. Only the B lymphocytes presented a difference between the two groups, in the first minutes of the beginning of the surgery, and after 30 minutes of the installation of CPB. Data indicates that the patients who remained longer in the ICU (G2) started the surgery with less concentration of these cells (CD19+). The prior knowledge of laboratory data may be useful to physicians who can use them as biomarker of prognosis and help the medical team to establish pre-surgical therapeutic procedures. INTRODUÇÃO A cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) é um recurso eficaz no tratamento das manifestações clínicas da doença arterial coronária (DAC), podendo ser realizada com ou sem a utilização de circulação extracorpórea (CEC), que permite a realização de uma variedade de intervenções no coração pelo desvio do sangue por um circuito artificial. Nas respostas imunes às agressões por fatores estressores, como os que ocorrem nos períodos pré e pósoperatórios diversos, incluindo as CRM com CEC, é gerada uma série de alterações leucocitárias como resposta ao contato do sangue com uma superfície de natureza nãofisiológica, culminando em uma resposta inflamatória sistêmica. Defeitos na imunidade pós-cirurgia exercem o potencial de promover infecções, aumentando a susceptibilidade às complicações em pacientes sob essas condições, o que leva à necessidade de identificação de fatores preditores ou biomarcadores para essas complicações. Com essa finalidade, a quantificação linfocitária pode fornecer um dado extra para avaliação pré-operatória e conduta pós-operatória, possibilitando uma estratégiaalvo para melhora dos resultados clínicos pós-operatórios por meio do reforço do sistema imune durante o período perioperatório. A definição das diferentes subpopulações linfocitárias é realizada pela imunofenotipagem, com base na expressão de diferentes subconjuntos de proteínas de superfície. Não foram encontrados estudos sobre associação do perfil linfocitário e tempo de evolução após CRM com CEC. Este estudo avaliou o impacto da cirurgia cardíaca de CRM com CEC na cinética da distribuição dos leucócitos totais e subpopulações linfocitárias CD3+ (células T), CD4+ (linfócitos T auxiliares), CD8 + (linfócitos T citotóxicos), CD56 + (células natural killer) e CD19 + (linfócitos B) e, também, associou a contagem dessas células com o tempo de internação pós-cirúrgica em unidade de terapia intensiva (UTI). MÉTODO Aspectos éticos O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Professor Dr. Celso Figuerôa, da Santa Casa de Misericórdia da Bahia/Hospital Santa Izabel, em dezembro de 2008 (Protocolo 54/2008). Rev Bras Nutr Clin 2013; 28 (3): 163-70 256 O linfócito B periférico: possível biomarcador promissor de prognóstico e evolução cirúrgica de revascularização miocárdica com circulação extracorpórea Seleção de indivíduos voluntários Participaram voluntariamente do estudo 37 pacientes de ambos os gêneros, entre 45 anos e 71 anos, submetidos a CRM com CEC, de caráter eletivo, na Santa Casa de Misericórdia da Bahia/Hospital Santa Izabel, Salvador-BA, entre julho de 2009 e junho de 2011. Todos os indivíduos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Coleta das amostras e imunomarcação para citofluorimetria Amostras de sangue periférico de cada voluntário foram coletadas em tubos com EDTA, em três momentos distintos durante o processo cirúrgico e, também, diariamente, durante todo período pós-cirúrgico, na UTI, sendo identificados os tempos como T1 a T3 (após acesso venoso central, 30 minutos após entrar em CEC e antes da sutura do osso esterno, respectivamente), de amostras intraoperatórias e T4 a Tn, de amostras pós-operatórias, estas últimas coletadas sempre no mesmo horário, no período da manhã. O valor absoluto de cada subpopulação linfocitária obtido no tempo T1 foi considerado como controle de cada indivíduo. Os fenótipos linfocitários foram quantificados por ensaio cito­fluorimétrico utilizando o kit comercialmente disponível Lymphogram e beads PerfectCount (ambos Cytognos – Salamanca – Espanha) – segundo instruções do fabricante, o qual permite a contagem absoluta, simultaneamente, dos linfócitos CD3+, CD4+, CD8+, CD56+ e CD19+. As amostras marcadas foram adquiridas no citômetro FACSCalibur (BDBiosciences) com o software CellQuest (BD) e, posteriormente, analisadas pelo software Summit (Dako). Os leucogramas foram feitos em aparelho semiautomatizado, modelo CC 530/500 (CellM), seguindo instruções do fabricante. com CEC. A média de idade dos participantes foi 59 anos, variando de 47 anos a 71 anos; os demais dados clínicos e cirúrgicos são apresentados na Tabela 1. A média de duração do procedimento cirúrgico foi de 249 minutos entre a instalação do acesso venoso central e a sutura torácica final, compreendido entre os tempos T1 e T3. O período ideal de permanência e alta da UTI cardíaca para os indivíduos com boa evolução clinica é de 48 horas pós-cirurgia (T5). Os pacientes que permaneceram até, no máximo, 48 horas na UTI (n=22, 4 mulheres e 18 homens), foram considerados com melhor tempo de evolução póscirúrgica (Grupo 1 – G1). Aqueles que estiveram internados por 72 horas ou mais após o procedimento (até 41 dias) foram classificados como pacientes com pior tempo de evolução (n=15, 6 mulheres e 9 homens) (Grupo 2 – G2). No G2, houve dois (5,4%) óbitos no período pós-operatório, no nono e no décimo quinto dia. Não houve diferença entre as características clínicas e cirúrgicas entre os dois grupos, assim como não houve associação entre idade, gênero, dislipidemia, hipertensão arterial, diabetes, tabagismo e obesidade com tempo de evolução pós-cirúrgica (dados não mostrados). A média dos leucócitos totais dos pacientes, ao entrarem no estudo, foi 6,4 x 103 (faixa entre: 3,6 a 11,0 x103 células/ µL). A variação de valores das amostras dos indivíduos nos intervalos de coleta encontra-se na Figura 1. Observa-se uma tendência a aumento crescente e diferença significativa entre o primeiro momento T1 (valor basal) e os tempos T3, T4 e T5 (Figura 1). Da população estudada, 34 (91,9%) indivíduos apresentaram leucocitose em um ou mais tempo estudado e 3 (8,1%) não apresentaram esse fenômeno. Tabela 1 – Dados clínicos e cirúrgicos dos pacientes. Análise estatística Para verificação de normalidade dos dados, foi aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov. A verificação da diferença entre todos os tempos de coleta foi realizada pelo teste de Kruskal-Wallis. E, por fim, para verificação da existência de diferença entre pares de tempos, foi aplicado o teste de Mann-Whitney, o qual também fora utilizado para avaliar a existência de diferença entre os dois grupos de prognóstico (boa evolução e pior evolução). Todas as análises foram feitas utilizando o software SPSS (Statistical Package for Social Sciences), versão 14.0 para Windows. O intervalo de confiança para os testes estatísticos foi definido em 95% (p<0,05). RESULTADOS Foram incluídos no estudo 27 (72,97%) homens e 10 (27,03%) mulheres, todos submetidos eletivamente a CRM Variável Média ± DP n % Idade (anos) 59±8 - - Altura (cm) 165±8 - - Peso (kg) 74±14 - - Duração da cirurgia (min) 249±60 - - Duração da CEC (min) 82±27 - - IMC 26,8±4,0 - - Diabetes - 11 29,7 Dislipidemia - 20 54,1 Hipertensão arterial - 29 78,4 Etilismo - 6 16,2 Tabagismo - 11 29,7 CEC = circulação extracorpórea. cm = centímetro. IMC = índice de massa corporal. kg = quilograma. min = minutos. Rev Bras Nutr Clin 2013; 28 (3): 163-70 257 Dantas ATM et al. (p>0,05). O número de células CD3+ teve diminuição em T4 e discreto aumento em T5, ambos significativamente menores do que T1 (p<0,001) (Figura 2). Figura 1 – Cinética dos leucócitos totais em amostras de sangue periférico obtidas de indivíduos submetidos a cirurgia eletiva de revascularização do miocárdio com circulação extracorpórea. T1: após acesso venoso central (valor basal); T2: 30 min após CEC; T3: antes da sutura final; T4: 24h póscirurgia; T5: 48h pós-cirurgia. Resultados expressos em média ± desvio padrão. ***p≤0,001 em relação a T1. (n=37) No período intraoperatório (T1, T2 e T3), os fenótipos CD3+ e CD19+ tiveram comportamento semelhante, apresentando diminuição gradual da contagem absoluta. A subpopulação de células B (CD19+) teve menor valor em T3 (p<0,001), aumentando progressivamente em T4 e T5, superando os valores de T1, embora sem significância estatística A oscilação nos valores das células CD8+ nos tempos T1 a T3 (intraoperatório), não teve diferença estatisticamente significativa (p>0,05), porém, em T4 e T5, a quantidade dessas células diminuiu significativamente, apresentando discreto aumento de T4 para T5, mantendo a diferença significativa em relação ao basal T1 (p<0,001). As células CD4+ apresentaram queda nos valores, com diferença estatística desde T2 a T5, com discreta elevação de T4 para T5, sem atingir seus níveis basais de T1 (p<0,001). Ambas as subpopulações, CD4+ e CD8+, assim como as células CD3+, apresentaram, no primeiro dia pós-operatório (T4), menor concentração por mcL de sangue em relação aos 5 períodos observados. Em contrapartida, nas células CD56+, houve aumento gradual da sua contagem ao longo do procedimento (T1 a T3) e queda progressiva em T4 e T5, não apresentando, também, recuperação dos níveis basais de T1 (p<0,001) (Figura 2). Na comparação dos dados após divisão em grupos, somente houve diferença estatística na concentração de células CD19+ nos estágios iniciais do procedimento cirúrgico (T1 e T2) entre os dois grupos G1 e G2 (Figura 3), sendo considerado o principal achado deste estudo. Essa Figura 2 – Cinética das células CD3+, CD4+, CD8+, CD19+ e CD56+ em amostras de sangue periférico obtidas de indivíduos submetidos a cirurgia eletiva de revascularização do miocárdio com circulação extracorpórea. Nota: T1: após acesso venoso central; T2: 30 min após CEC; T3: antes da sutura final; T4: 24h pós-cirurgia; T5: 48h pós-cirurgia. Resultados expressos em mediana ± intervalo interquartil. **p≤0,01 em relação a T1; ***p≤0,001 em relação a T1. (n=37) Rev Bras Nutr Clin 2013; 28 (3): 163-70 258 O linfócito B periférico: possível biomarcador promissor de prognóstico e evolução cirúrgica de revascularização miocárdica com circulação extracorpórea dos valores dessas células, porém, no G1, já no primeiro dia pós-operatório (T4), o valor basal de T1 foi superado, enquanto que no G2, o nível basal só é atingido em T5 (p>0,05), havendo atraso na recuperação dessas células. Figura 3 – Cinética dos linfócitos B (CD19+) de acordo com o tempo de evolução pós-cirúrgica. Círculos/barras pretas/linha sólida preta: G1 (melhor tempo de evolução pós-cirúrgica). Triângulos/barras cinzas/linha pontilhada preta: G2 (pior tempo de evolução pós-cirúrgica). Resultados expressos em mediana e intervalo interquartil. *p≤0,05. T1: após acesso venoso central; T2: 30 min após CEC; T3: antes da sutura final; T4: 24h pós-cirurgia; T5: 48h pós-cirurgia, T6: 72h pós-cirurgia. Os linfócitos analisados, com exceção do CD4+ e CD56+, apresentaram tendência a menores níveis durante todo o período perioperatório. As células CD3+, CD4+ e CD8+, de ambos os grupos, tiveram concentração mínima em T4. As células NK do G1 tiveram menor concentração em T4, enquanto no G2, apresentaram o nível mínimo em T5. Excetuando-se os linfócitos B, em ambos os grupos, nenhum dos valores basais das subpopulações (T1) foi alcançado em T5. Os leucócitos totais de ambos os grupos mantiveram aumento desde o intraoperatório até o pós-operatório, havendo leucocitose nos dois últimos tempos analisados (Figura 4). DISCUSSÃO diferença indica que os pacientes que permaneceram mais tempo na UTI (G2) iniciaram o procedimento cirúrgico com menor concentração de linfócitos B quando comparados àqueles com menor tempo de internação em UTI (G1) (p<0,05). Nesses dois grupos, houve comportamento semelhante no período intraoperatório (T1 a T3), com oscilação Neste trabalho, foi demonstrada a atividade do sistema imune durante o perioperatório em uma população representativa de pacientes submetidos a cirurgia cardíaca eletiva. A cirurgia cardíaca com CEC é associada a resposta inflamatória sistêmica, promovendo a mobilização de células do sistema imune para compensar os efeitos da hemodiluição Figura 4 – Distribuição da contagem de linfócitos T totais (CD3+), linfócitos T auxiliares (CD4+), linfócitos T citotóxicos (CD8+) e células NK (CD56+), por citometria de fluxo, e contagem de leucócitos totais em amostras sangue periférico obtidas de indivíduos submetidos a cirurgia eletiva de revascularização do miocárdio com circulação extracorpórea. Nota: Círculos/barras pretas/linha sólida preta: G1 (melhor tempo de evolução pós-cirúrgica, n=22). Triângulos / barras cinzas / linha pontilhada preta: G2 (pior tempo de evolução pós-cirúrgica, n=15). Resultados expressos em mediana e intervalo interquartil para as subpopulações linfocitárias e, em média e desvio padrão, para os leucócitos totais. Rev Bras Nutr Clin 2013; 28 (3): 163-70 259 Dantas ATM et al. no período pós-operatório imediato. Independente do uso da CEC, ocorre ativação do sistema imune durante qualquer procedimento operatório, como resposta fisiológica ao trauma cirúrgico. No presente estudo, foi encontrado crescimento progressivo do número de leucócitos, provavelmente gerado pela exposição sanguínea a superfície não-fisiológica da CEC, diminuição do fluxo sanguíneo pulmonar durante o pinçamento da aorta, hipotermia, e ao trauma à cirurgia de grande porte1-4. O aumento no número dessas células pode ser explicado pelo aumento de polimorfonucleares, principalmente neutrófilos, já que essas células são rapidamente desmarginalizadas em situações de estresse, além de apresentarem atividade apoptótica reduzida após o procedimento cirúrgico ou durante a síndrome inflamatória sistêmica5,6. A redução na contagem absoluta de linfócitos em pacientes submetidos ao trauma cirúrgico pode estar relacionada ao estresse fisiológico de pacientes nessas condições, o que leva ao aumento da liberação de glicocorticoides endógenos e produção de cortisol, os quais induzem a apoptose linfocitária e diminuem a diferenciação e proliferação dessas células2,7-9. Alguns indivíduos podem permanecer mais tempo com leucocitose em decorrência de complicações diversas, sejam endógenas ou exógenas, porém a sua alta da UTI é determinada pela associação com sua condição clínica cardiovascular e geral. Com exceção das células natural killer, o número absoluto de todas as subpopulações linfocitárias estudadas diminuiu 30 minutos após instalação da CEC. Alguns autores sugerem que a diminuição dos linfócitos circulantes após a instalação da CEC pode sofrer influência da hemodiluição. Além disso, a redistribuição de células entre o sangue periférico e medula óssea, o sequestro tecidual e a adesão ao sistema da CEC (por ativação celular que causa aumento da expressão de receptores de adesão nos linfócitos e células endoteliais), perda dessas células por sangramento, apoptose, ou combinação destes, são fatores causadores da menor concentração dessas células na circulação5,10-14. O aumento da resposta endócrina, acompanhado da elevação nas concentrações de adrenalina e cortisol como resultado de estresse físico (como cirurgia e exercício) e estresse mental agudo, causa aumento instantâneo, principalmente, na atividade das células natural killer, sendo sugerida a possibilidade da ativação da imunidade não-específica pós-CEC15,16. A resposta Th apropriada apresenta participação fundamental na reação imunológica após trauma cirúrgico. Tem sido relatado que a função dessa resposta sofre alteração após cirurgia cardíaca, havendo desequilíbrio entre as respostas Th1 e Th2, com aumento da atividade das células Th2 e supressão da atividade das células Th1, o que pode predispor os pacientes a infecções oportunistas e pior recuperação pós-cirurgia17. A elevação da contagem de linfócitos B pode ser explicada, segundo Marcinak-Sroka et al.2, pela ação dos glicocorticoides endógenos e catecolaminas que levam à mudança da resposta Th1 (celular) para resposta Th2 (humoral). Bartal et al.18 observaram diminuição do número de linfócitos circulantes após cirurgias de grande porte, exceto o número de células B, que permaneceu inalterado. Em 2009, Urra et al.9 pesquisaram o papel das diferentes subpopulações linfocitárias em pacientes com imunodepressão induzida por acidente vascular cerebral (AVC), no qual a linfocitopenia após AVC agudo estava altamente correlacionada com o aumento da apoptose. Nesse estudo, os pacientes com pior recuperação pós-AVC apresentavam valores de linfócitos B diminuídos à admissão hospitalar. De acordo com os nossos achados, os pacientes que permaneceram mais tempo internados em UTI (G2) já tinham menores valores de linfócitos B no início da cirurgia, sugerindo que os pacientes do G2 estavam mais susceptíveis às complicações pós-cirúrgicas, neste caso, representado pelo tempo de internação em UTI. Outros estudos avaliaram o sistema imune pela quantificação linfocitária. Delogu et al.11 avaliaram a atividade de alguns fatores apoptóticos nos linfócitos CD4+ e CD8+ em pacientes submetidos a estresse cirúrgico. Não houve aumento dos fatores de apoptose nas amostras obtidas no pré-operatório (valores basais) em relação aos controles. Porém, nas 24 horas após a cirurgia, observou-se elevada taxa de apoptose das células CD4+ e CD8+, retornando aos valores basais somente 96 horas após o procedimento. Essas variações na atividade apoptótica dos linfócitos foram acompanhas pela diminuição linfócitos CD4 24 horas após a cirurgia e recuperação dos níveis basais após 96 horas, enquanto as células CD8+ não mudaram em nenhum momento quando comparadas aos níveis basais. Rinder et al.12, ao avaliarem subpopulações de linfócitos e monócitos em indivíduos submetidos a cirurgia cardíaca, relataram redução significativa da contagem das subpopulações no pós-operatório imediato. Com exceção do fenótipo CD56+, todas as células aumentaram 72 horas pós-cirurgia, mas somente o fenótipo CD19+ retornou ao nível basal (préoperatório) nesse momento. As células natural killer permaneceram com contagem diminuída nas 72 horas após cirurgia. Nossos dados são concordantes no que diz respeito à menor concentração dessas células nas primeiras 24 horas póscirurgia, com exceção das células B, que atingem os níveis basais nesse momento, superando esses valores 48 horas após a cirurgia. Bian et al. 7, ao avaliarem a contagem relativa de linfócitos como fator preditivo de DAC, observaram que a redução da porcentagem de linfócitos tem associação com pior prognóstico para síndrome coronária aguda. Outro estudo, realizado por Rudensky et al.4, avaliou variáveis Rev Bras Nutr Clin 2013; 28 (3): 163-70 260 O linfócito B periférico: possível biomarcador promissor de prognóstico e evolução cirúrgica de revascularização miocárdica com circulação extracorpórea imunológicas (contagem das subpopulações CD3+, CD4+, CD8+, CD56+, CD19+, monócitos, granulócitos) no perioperatório de cirurgias cardíacas de troca valvar e CRM com CEC, não sendo encontrada diferença, tanto em valores relativos como absolutos, desses parâmetros entre pacientes que apresentaram ou não infecção da ferida cirúrgica no pós-operatório, não sendo preditivos de infecção. Assim, no presente estudo, foram encontrados valores dos linfócitos T totais, auxiliares, citotóxicos, linfócitos B e células NK diminuídos significativamente no primeiro dia devpós-operatório. Na avaliação de indivíduos com sarcoidose comparados a indivíduos controle, Sweiss et al.19 quantificaram os linfócitos CD4+, CD8+ e CD19+. A maioria dos pacientes com sarcoidose exibiu valores menores dessas subpopulações em relação aos controles. Ainda, os pacientes com comprometimento importante dos órgãos (forma de manifestação da doença) apresentaram menor concentração das subpopulações do que aqueles indivíduos que não manifestaram a doença, sugerindo que os linfócitos são reduzidos no sangue periférico em decorrência da infiltração dos órgãos-alvo, além da possibilidade de a linfocitopenia representar a supressão da linfogênese, sob influência de citocinas e outros fatores, ou pelo aumento da destruição periférica decorrente da morte celular por ativação e outros mecanismos. Essas hipóteses podem explicar a tendência a menor concentração de todos os linfócitos avaliados neste estudo. No presente estudo, somente foram avaliadas, quantitativamente, as subpopulações linfocitárias, sendo encontradas diferenças na cinética das subpopulações analisadas durante o período perioperatório. Contudo, existe possibilidade de haver diferenças qualitativas na resposta imune, medidas pela concentração de citocinas, hormônios de estresse e fatores pró/anti-inflamatórios, sendo necessárias novas investigações que contemplem as limitações apresentadas neste estudo. Dentre as perspectivas deste grupo de pesquisa está a dosagem desses fatores para que possam fornecer dados para corroborar com os achados atuais e, possivelmente, auxiliar na prática clínica. CONCLUSões Foi encontrada variação da distribuição linfocitária (CD3+, CD4+, CD8+, CD56+ e CD19+) no decorrer do período perioperatório de CRM com CEC. Os leucócitos totais apresentaram aumento gradual nesse período. As subpopulações celulares estudadas apresentaram tendência à menor distribuição no grupo com pior tempo de evolução pós-cirúrgica, em relação ao grupo com melhor tempo de evolução. Os linfócitos B (CD19+) apresentaram-se significativamente diminuídos no grupo com pior evolução nos estágios iniciais da cirurgia, o que sugere que os pacientes desse grupo iniciavam a cirurgia com menor concentração dessas células. Esses dados laboratoriais poderão ser usados como biomarcadores prognósticos e, no futuro, auxiliar a equipe médica a estabelecer procedimentos terapêuticos prévios à cirurgia. REFERÊNCIAS 1.Habermez LP, Knuf M, Kampmann C, Mannhardt W, Schranz D, Kuroczynski W, et al. Changes in lymphocyte subsets after cardiac surgery in children. Eur J Pediatr. 2003;162(1):15-21. 2.Marciniak-Sroka J, Jawień J, Jakieła B, Szczeklik A. Increase in plasma sCD23 levels precedes immunoglobulin E elevation after coronary artery bypass graft surgery. Pol Arch Med Wewn. 2011;121(4):109-14. 3.McBride WT, Armstrong MA, Crockard AD, McMurray TJ, Rea JM. 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Trabalho apresentado no 44o Congresso Brasileiro de Patologia Clínica / Medicina Laboratorial, realizado no Rio de Janeiro, RJ, Brasil, de 14 a 17 de setembro de 2010, e no XIII Fórum Paulista de Pesquisa em Nutrição Clínica e Experimental, IV Congresso Brasileiro de Nutrição Integrada (CBNI), XXXIV Curso Internacional de Nutrição Parenteral e Enteral, GANEPÃO 2011, realizado em São Paulo, SP, Brasil, em 17 de junho de 2011. Rev Bras Nutr Clin 2013; 28 (3): 163-70 262