Cálculo Innitesimal I - 2015/01 - Marco Cabral Graduação em Matemática Aplicada - UFRJ Monitores: Zair Henrique & Jonathas Ferreira Lista 01 - Introdução à matemática No. Try not. Do... or do not. There is no try. - Master Yoda, The Empire Strikes Back (1980) Considerações iniciais: Na matemática, um Axioma é uma hipótese inicial da qual outros enunciados são logicamente derivados. Diferentemente de teoremas, axiomas não podem ser derivados por princípios de dedução e nem são demonstráveis por derivações formais, simplesmente porque eles são hipóteses iniciais. Partindo dos Axiomas, toda a teoria é desenvolvida e os resultados obtidos em sequência, podem (e devem) ser utilizados para que outros teoremas sejam provados. Os teoremas podem ser deduzidos por uma sequência de raciocínios lógicos, a qual chamamos de demonstração. Os tipos mais usados são: • Demonstração direta → A demonstração direta é aquela em que partindo da hipótese inicial, através de uma série de argumentos verdadeiros e deduções lógicas, concluímos a veracidade da tese. • Demonstração por contraposição → A contrapositiva de A implica em B é não-B implica em não-A e, pela lógica, são equivalentes. Provar uma é o mesmo que provar a outra. Por exemplo, Se como laranjas, então gosto de frutas. é equivalente a Se não gosto de frutas, então não como laranjas. Pense nisto! • Demonstração por contradição → O método da demonstração por contradição consiste em supor que o que se quer concluir é falso. Desta suposição, através de uma sequência de deduções lógicas, chegarmos a uma conclusão que contradiz suas hipóteses iniciais ou a um fato que é sabidamente falso. Essa contradição implica a validade do que se queria concluir. Por exemplo. Queremos provar que A é verdadeiro. Suponha que A é falso e deduza desta hipótese que que A é verdadeiro. A razão lógica disto é o princípio do 2 = 3. Isto implica terceiro excluido: ou A é verdadeiro, ou A é falso. Se A falso implicar em algo absurdo, então A é verdadeiro. Na realidade, o porquê desses métodos de demonstração funcionarem também é um teorema, que pertence a uma área que fundamenta a Matemática, a Lógica. Estranho não? Independentemente do método usado, lembre-se de sempre escrever todos os seus passos. Procure ser claro e não omita informações ainda que pareçam irrelevantes. 1. Demonstração direta Vamos ilustrar demonstração direta provando propriedades de conjuntos. Deve-se ter em mente que nem sempre os resultados que julgaremos serem fáceis (ou intuitivos), possuem uma demonstração fácil. Começamos denindo igualdade de conjuntos através do conceito de estar contido. Denição 1 Dados conjuntos A e B dizemos que A⊂B se para todo Denição 2 Dados conjuntos A e B dizemos que A=B se Logicamente (verique!), elementos de B, Exemplo 1 Sejam A = B e B e B ⊂ A. se, e somente se, todos os elementos do conjunto e todos os elementos de A A⊂B a ∈ A, a ∈ B . B são elementos de dois conjuntos tais que 1 B ⊂ A. A. Então A ∪ B = A. A são Prova: x ∈ A. então x ∈ A ou x ∈ B . Como B ⊂ A, então temos que ∀x ∈ B ⇒ x ∈ A ∪ B ⇒ x ∈ A, ou seja, A ∪ B ⊂ A. Mas para todo x ∈ A, é x ∈ A ∪ B , logo A ⊂ A ∪ B . Assim, concluí-se que se B ⊂ A, então A ∪ B = A. Se x ∈ A ∪ B, Logo, para todo fato que Note que cou faltando denir união de conjuntos. Além disso, na denição de denir a ∈ A. A ⊂ B, faltou Mas, na teoria dos conjuntos, a noção de pertence é similar a ponto e reta na fundamentação da geometria, é um termo primitivo, sem denição. Uma referência clássica é Teoria Ingênua dos Conjuntos (Naive Set Theory ) P. Halmos. Seguem como exercício problemas que podem ser resolvidos por demonstração direta. Exercício 1 (a) Mostre que, dados os conjuntos A, B e C, tem-se: A ∪ (B ∩ C) = (A ∪ B) ∩ (A ∪ C). Exercício 1 (b) Mostre que A ∩ (B ∪ C) = (A ∩ B) ∪ (A ∩ C). Exercício 1 (c) Mostre que se conjunto 2. A ⊂ B, então, B ∩ (A ∪ C) = (B ∩ C) ∪ A, para qualquer C. Demonstração por Contraposição e Contradição √ Vamos ilustrar estes tipos de demonstração provando que 2 é um número irracional. Para isso vamos provar primeiramente um resultado que será útil durante a demonstração principal. Em geral, quando provamos um resultado para usá-lo em outra demonstração, damos a ele Lema. Assim, resultado principal é Proposição, que é similar a Teorema. o nome de o termo Teorema, acessório, Lema. Existe também Assim o que é Teorema ou Proposição em algum texto, pode ser Lema em outro, dependendo do objetivo a que se quer chegar. (a) Exemplo de Demonstração por contraposição Lema 1 Se Prova: Vamos utilizar a contraposição para demonstrar isso. Ou seja, iremos provar que se a2 é par, então a não é par, então a2 a é par. não é par. Pela princípio da paridade, se um número inteiro a é ímpar, então a2 é ímpar. Se a é ímpar, então pode ser escrito da forma a = 2p + 1 para algum p ∈ N. Logo, a2 = (2p + 1)2 = (2p + 1)(2p + 1) = 4p2 + 4p + 1 = 2(2p2 + 2p) + 1 = 2q + 1 com q = 2p2 + 2p, que é um número ímpar, como queríamos demonstrar. não é par, então é ímpar. Logo, iremos provar que se (b) Exemplo de Demonstração por contradição √ Utilizando o Lema 1 provamos que 2 é irracional pelo o método da contradição. √ √ 2 não é irracional, isto √ é, suponha que 2 é racional. Então, 2 = a/b, com a, b ∈ Q. Por denição 2 > 0 (veja exercício abaixo), logo podemos supor que a, b > 0. Além disso, podemos supor que mdc(a, b) = 1 Prova: Suponha, por contradição, que √ (exercício). Logo, √ b 2=a Elevando ambos os lados ao quadrado, 2b2 = a2 a2 é múltiplo de 2 (=par). Pelo Lema 1, temos que a é par e com isso podemos a = 2k com k ∈ N∗ . Substituindo na equação acima, teremos Portanto, escrever 2b2 = (2k)2 = 4k 2 2 b2 = 2k 2 . Assim, pelo Lema múltiplos de 2, então mdc(a, b) 6= 1, Logo, b 1 novamente, é múltiplo de 2. Mas se a b são √ 2 e o que contradiz uma de nossas hipóteses. Logo é irracional. Seguem como exercício problemas que podem ser resolvidos utilizando a técnica da demonstração por contradição. Exercício 2 (a) Mostre que √ p, onde p é um número primo, também é irracional. √ Exercício 2 (b) Generalize o argumento acima para n Exercício 2 (c) Agora mostre que 1, √ n p onde p é um número primo e n ∈ N. pm onde p é um número primo e m, n ∈ N, com mdc(m, n) = também é irracional. Exercício 2 (d) Você sabe que existem innitos números primos. Mas já parou para pensar sobre como demonstrar isso? Então, vamos lá. Suponha que o conjunto P = {p1 , . . . , pn }. primos é nito: Então, tome a uma contradição. Dica: Mostre que K K = p1 p2 . . . pn + 1 dos pi . não é divisível por nenhum Exercício 2 (e) Prove que existem innitos primos na progressão aritmética P e chegue 4n + 3 com n ∈ N seguindo o seguinte roteiro: 4n + 3. Prove Lema B: o produto de números da forma 4n + 1 é da forma 4n + 1. (i) Prove Lema A: todo primo diferente de 2 é da forma (ii) 4n + 1 ou (iii) Suponha, por contradição, que exista um número nito de primos da 4n+3, digamos, p1 , . . . , pk . Dena N = 4p1 . . . pk −1 = 4(p1 . . . pk − 1) + 3. Conclua que N é da forma 4n + 3 e, portanto, N não é primo. Assim, N é divisível por algum primo. Prove que este primo deve ser da forma 4n + 1. Dica: Nenhum dos p1 , . . . , pk nem 2 divide N . Assim N será o produto de números na forma 4n + 1 e, pelo Lema B, N será desta forma, chegando a uma contradição. forma (iv) (v) Observação: A generalização disso para qualquer progressão mdc(k, p) = 1 kn + p com é o chamado Teorema de Dirichlet, porém a demonstração é surpreendentemente difícil. 3. Imagine uma leira com innitos dominós, um atrás do outro. Suponha que eles estejam de tal modo distribuídos que, uma vez que um dominó caia, o seu sucessor também cai. O que acontece quando derrubamos o primeiro dominó? Esperamos que, com isso, mesmo que sejam innitos, todos os dominós caiam. Assim é o princípio da indução nita, que é um método de demonstração muito utilizado quando se quer provar teoremas válidos para todos números naturais. Teorema 1 (Ou axioma?) Para cada n ∈ N, seja P (n) uma propriedade sobre n. Suponha que (a) P (1) é verdade. (b) Para todo Então, P (n) Exemplo 2 Então se P (k) é verdade, então é verdade para todo P (k + 1) é um múltiplo de é verdade. n ∈ N. Vamos provar usando indução que: Seja np − n Fermat. k ∈ N, p. p um primo e Esse resultado é conhecido como 3 n um inteiro positivo. Pequeno Teorema de Prova: O caso n=1 é óbvio. Então, assumamos que a armação vale para todo vamos mosrar que isso implica a validade para o caso (n + 1)p − (n + 1) = np + n + 1. k≤n e Veja que n X p j [ n ]+1−n−1 i i=1 = np − n + n X p j n i i=1 Como p i nj é múltiplo de p np − n também é múltiplo de quando p, 1 ≤ j ≤ p−1 e como pela nossa hipótese de indução concluímos então que (n + 1)p − (n + 1) é múltiplo de p, logo, ∀n ∈ N. o teorema é válido n(n+1) . 2 n(n+1)(2n+1) n2 = . 6 n(n+1) n3 = [ 2 ]2 . Exercício 3 (a) Mostre, utilizando indução, que 1 + 2 + 3 + ... + n = Exercício 3 (b) Mostre, utilizando indução, que 12 + 22 + 32 + ... + Exercício 3 (c) Mostre, utilizando indução, que 13 + 23 + 33 + ... + 1k + 2k + 3k + ... + nk ? expressão para todo k ∈ N? Exercício 3 (d) Quanto vale essa É possível dar uma fórmula fechada para Exercício 3 (e) Vamos agora provar que as funções da forma polinômios para todo Tchebyshev. n natural. Tn (x) = cos (n arccos (x)) Eles são os chamados T1 (x) e T2 (x) são polinômios. Suponha que Tk (x) é um polinômio para todo k ∈ N Mostre que isso implica que Tn+1 (x) é um polinômio. são Polinômios de i. Mostre que ii. tal que k ≤ n. iii. Conclua a demonstração. 4. Leia essa passagem do romance A Culpa é das Estrelas de John Green. Não posso falar da nossa história de amor, então vou falar de matemática. Não sou formada em matemática, mas sei de uma coisa: existe uma quantidade innita de números entre 0 e 1. Tem o 0,1 e o 0,12 e o 0,112 e uma innidade de outros. Obviamente, existe um conjunto ainda maior entre o 0 e o 2, ou entre o 0 e o 1 milhão. Alguns innitos são maiores que outros. Você acha que as armações deste trecho são verdadeiras? Será que existem mais números reais no intervalo (0, 2) (0, 1)? do que no intervalo Será que existem innitos maiores que outros? Começamos com denições. Uma função f : A → B é chamada injetiva quando, dados x, y quaisquer em f (x) = f (y), então x = y . Uma função f : A → B é chamada sobrejetiva quando para todo y ∈ B existe pelo menos um x ∈ A tal que f (x) = y . Quando f : A → B é injetiva e sobrejetiva, chamamos f de bijetiva. Denição 3 A, se A medida de quantidade de elementos de um conjunto é dita Por exemplo, o conjunto Denição 4 {3, 5, 8} tem cardinalidade Dizemos que um conjunto existe uma bijeção entre A e A cardinalidade do conjunto. 3. tem a mesma cardinalidade um conjunto B. 4 B se Exercício 4 (a) Prove que f : R → R denida por f (x) = 5x − 2 é bijetiva. Prove que a 2×2 é sobrejetiva. função determinante, denida no conjunto das matrizes Prove que G : N×N → N denida por g(a, b) = 2a 3b é injetiva mas não é sobrejetiva. Exercício 4 (b) Dena conjunto nito e um conjunto innito (pesquise). Exercício 4 (c) Dena conjunto enumerável e um conjunto não-enumerável (pesquise). Exercício 4 (d) Prove que N e Z tem a mesma cardinalidade. Sim, existem tantos naturais quanto inteiros. Exercício 4 (e) Prove que existe uma bijeção entre N e Q. É isso mesmo, N, Z e Q tem o mesmo número de elementos. Exercício 4 (f ) Agora, demonstre que não existe bijeção entre N sim innitos maiores que outros. Procure sobre o Cantor. e R e conclua que existem argumento diagonal de Exercício 4 (g) Utilize cardinalidade para provar que existem números reais irracionais. Dica: contradição. Exercício 4 (h) Mostre que a personagem realmente não é formada em matemática que os intervalos (0, 1) e (0, 2) :), isto é, tem o mesmo número de elementos. Exercício 4 (i) Veja se é possível estender o argumento para provar que qualquer intervalo (a, b) tem o mesmo número de elementos que R. Dica: Figura abaixo ou função am. Exercício 4 (j) Pesquise o que são números algébricos e números transcendentes e prove a enumerabilidade do conjunto dos números algébricos. Exercício 4 (k) Utilize cardinalidade para provar que existem números reais transcendentes. Dica: contradição. R quando todo intervalo aberto (a, b) ⊂ R possui algum ponto de X . Ou seja, ∀a, b ∈ R com a < b, ∃x ∈ X tal que a < x < b. Intuitivamente isso signica dizer que o conjunto X está bem 'espalhado' por toda a reta. 5. Um conjunto X é chamado denso em Exercício 5 (a) Mostre que o conjunto Q comprimento do intervalo passos de tamanho 1/N Exercício 5 (b) Mostre que o conjunto dos números racionais é denso em (a, b) vou cair no R−Q 1/N , N ∈ N, intervalo (a, b). é maior que R. Dica: se então andando em dos números irracionais também é denso em R. Dica: ande com passos irracionais. É interessante perceber que, um conjunto pode ser denso em outro mesmo tendo cardinalidade diferente, como no caso dos racionais. Você verá que, cedo, estes dois resultado serão muito úteis para você. 5 6. Em matemática, patologias são resultados que de certa maneira vão de encontro às idéias intuitivas, matematicamente falando, de um certo período da história. descoberta de que existem números irracionais na Grécia antiga. Um exemplo é a Parece bobo nos dias de hoje, mas na época foi algo que deixou os matemáticos bastante assustados. Nas questões abaixo, pesquise na internet ou em livros os assuntos e tente escrever sobre eles com suas próprias palavras, com base na sua intuição sobre o que entendeu. Exercício 6 (a) O que é o Axioma da Escolha? Ele faz sentido para você? ber o motivo desse axioma ser tão polêmico na matemática. Exercício 6 (b) Procure saProcure pelo Paradoxo de Banach-Tarski. Fale sobre o Teorema da Incompletude de Gödel e sua importância na Matemática. Conjectura de Goldbach. O que é um fractal? Para que ele serve? Exercício 6 (c) Pesquise sobre a Exercício 6 (d) Exercício 6 (e) Se um hotel possui innitos quartos, mas todos estão cheios, é possível esse hotel receber mais hóspedes? Pesquise sobre o Hotel de Hilbert. O livro de Análise de C. Neri e M. Cabral (veja na internet) tem um texto legal sobre isso. Exercício 6 (f ) Todas as pessoas do mundo torcem para o mesmo time. Vamos demonstrar isso por indução. Podemos observar que num conjunto que contém uma única pessoa, todas torcem pro mesmo time. Se supusermos que a proposição é verdadeira para todos os conjuntos de dimensão inferior ou igual a se houver n+1 n, então pessoas num conjunto, retiramos uma delas para obter um conjunto resultante com n pessoas, e pela hipótese de indução, todas as pes- soas nesse conjunto torcem pro mesmo time. Devolvemos a pessoa retirada ao conjunto inicial, e retiramos outra diferente. todas as Pela hipótese de indução, n pessoas torcem pro mesmo time. Logo as n + 1 pessoas torcem pro n ∈ N, as n pessoas torcem para o mesmo mesmo time. Então para qualquer time. E agora? Isso está errado? E se estiver, onde está o erro? Exercício 6 (g) Considere o conjunto M como sendo "o conjunto de todos os conjuntos que A é elemento de M (M ) é membro de si não se têm a si próprios como membros". Formalmente, se e somente se A não é elemento de A. Esse conjunto próprio? Suponha que sim e depois que não. O que você conclui? Pesquise sobre o paradoxo de Russell. Exercício 6 (h) Será que existe o conjunto universo, isto é, um conjunto que contenha todos os conjuntos? As pessoas, em geral, pensam que a matemática é algo completamente certinho e exato, onde tudo sempre funciona e faz perfeito sentido. Bom, você acaba de ver que elas estão completamente enganadas, e que, mesmo nos dias de hoje, ainda existem diversas coisas que deixam o mundo matemático bastante intrigado. 6