a china e o comércio mundial

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A CHINA E O COMÉRCIO MUNDIAL
1. Desequilíbrios na economia mundial
Com taxas de crescimento de 9% ao ano desde a década de 80, impulsionadas pelas
exportações e pelo investimento estrangeiro, a emergência da China como grande
potência económica representa o maior factor de mudança e instabilidade na economia
mundial. Este facto deve-se quer à rapidez sem precedentes deste processo de
desenvolvimento, quer à dimensão da economia chinesa: o país mais populoso do mundo,
com 1 300 milhões de habitantes (20,7% da população mundial) e a sexta maior
economia mundial, em termos de PIB.
A importância do comércio externo chinês é cada vez maior, quer pelo peso que
representa no seu próprio produto (que passou de 34% em 1998 para 56% em 2003) quer
pelo peso que representa no mercado mundial. A China situou-se em 2003 no quarto
lugar do ranking dos maiores exportadores mundiais, logo a seguir ao Japão, com uma
quota mundial entre 8,4% e 5,8%, conforme as estimativas de diversas fontes, e no
terceiro lugar nos maiores importadores, com uma quota mundial entre 6,5% e 5,3%.
O ritmo a que se processa esta evolução não pára de crescer: na década de 90, tanto as
exportações como as importações chinesas aumentaram à média anual de 15%. Em 2002,
as exportações aumentaram 22% e as importações 21%; em 2003, aumentaram
respectivamente 34% e 40%.
No total das importações dos EUA, a China aumentou a sua quota de 3,1% em 1990 para
12,5% em 2003. No total das importações da UE, o aumento foi de 2,3% para 11,2%.
Dados mais recentes, apontam para que em 2004, o comércio bilateral entre a UE e a
China se tenha intensificado ainda mais: nos 10 primeiros meses do ano, as importações
aumentaram a uma taxa homóloga de 20% e as importações a 17%, colocando já a China
como a segunda principal origem das importações da UE (apenas ultrapassada pelos
EUA) e o terceiro principal destino das suas exportações (depois dos EUA e da Suiça).
Por outro lado, a UE terá ultrapassado os EUA como principal parceiro comercial da
China.
1
No mercado da UE, apesar da elevada taxa de crescimento das suas exportações para a
China, o défice bilateral tem aumentado de forma impressionante, atingindo, em 2003, 64
mil milhões de euros, valor superior ao do excedente total da balança comercial da China
(58 mil milhões). No comércio com os EUA o desequilíbrio é ainda mais pronunciado.
Tal facto ficará a dever-se a uma estratégia de penetração nos mercados externos
particularmente dirigida aos mercados europeus e norte-americano e ao peso de outros
mercados no fornecimento à China de matérias-primas e equipamento.
O ritmo de crescimento do comércio externo chinês deve-se em grande parte à produção
de empresas de capital estrangeiro que, em 10 anos (de 1992 a 2002) passou de 20% para
52% do total das exportações. Estas empresas contribuem também para as importações,
cujo padrão é fundamentalmente determinado pelos componentes para as fábricas
produtoras de bens para exportação.
Estima-se em 208100 o número de empresas de capitais estrangeiros que se fixaram já na
China, país que rivaliza com os EUA como o maior receptor mundial de investimento
directo estrangeiro.
Podemos pois concluir que os problemas e desequilíbrios decorrentes da emergência da
China na economia mundial não podem ser analisados unicamente numa perspectiva de
concorrência entre economias nacionais, mas sobretudo numa perspectiva global, de
concorrência entre empresas que exploram as potencialidades do mercado chinês e as que
não têm capacidade para o fazer.
Contudo, este facto não pode iludir as consequências ao nível do emprego em numerosos
sectores, mesmo nos países de origem das empresas que investem na China, bem como as
consequências devastadoras nas economias que possuem o mesmo tipo de vantagens
comparativas e que, não beneficiando de níveis tão elevados de investimento estrangeiro,
vêem as suas exportações seriamente ameaçadas nos mercados mundiais.
O crescimento exponencial da economia chinesa tem provocado também graves
desequilíbrios nos mercados da energia e das matérias-primas: em 2003, a China
consumiu 25% da produção mundial de alumínio, 27% do aço, 30% dos metais ferrosos,
31% do carvão e 40% do cimento. As necessidades chinesas representam presentemente
10% da procura mundial de petróleo.
2
No caso do aço e das matérias-primas utilizadas na sua produção, a procura por parte da
China intensificou-se de forma brusca a partir de meados de 2003, conduzindo a uma
crise de escassez mundial e aumento descontrolado dos preços e a reacções
proteccionistas de diversos países, o que penalizou de forma particular as empresas
europeias utilizadoras de aço bem como as indústrias a jusante.1
No mercado de bens de consumo, a situação do sector têxtil e do vestuário é
especialmente alarmante, pois foi neste sector que se verificou o maior impacto da adesão
da China à OMC, decorrente da eliminação progressiva de quotas, nos termos do Acordo
em matéria de têxteis e vestuário. É também neste sector que as ameaças de um crescente
domínio do comércio internacional por parte da China são maiores, dada a eliminação
total das quotas em 1 de Janeiro de 2005.
No caso das categorias têxteis cujas quotas foram eliminadas no final de 2001, segundo
dados da Comissão Europeia, as importações com origem na China aumentaram 46% em
valor e 192% em volume, em apenas um ano, com uma redução do preço médio por
unidade de 50%.
Já em Janeiro deste ano, os pedidos de licenças de importação de produtos têxteis
chineses no mercado da UE (448,5 milhões de euros), em categorias sensíveis para
Portugal, foram o triplo das importações reais verificadas no mesmo mês de 2004 (150,8
milhões de euros).
Mesmo que parte destas licenças não venham a dar lugar a importações efectivas, estes
valores são já um sinal expressivo do efeito da eliminação total das quotas concretizada
em 1 de Janeiro.
Informações recentes apontam para que, nas categorias de produtos têxteis e de vestuário
em que as quotas foram eliminadas, a China conseguiu, desde 2002, baixar os preços em
cerca de 75% e dominar o comércio mundial com quotas de mercado entre 60% e 95%.
Presentemente, os seus preços estariam cerca de 30% abaixo dos praticados pelos
restantes países.
1
Ver nota elaborada pelo Gabinete de Estudos da AEP que se encontra em anexo.
3
No mercado dos EUA, o peso das importações provenientes da China nas importações
totais das categorias têxteis cujas quotas foram eliminadas no início de 2002 terá
aumentado de 9% em 2001 para 72% em Junho de 2004. Os respectivos preços médios
decresceram 53%. Neste mercado, e para o mesmo período, Portugal está entre o grupo
de países que perderam entre 25% e 49% da sua quota de mercado. Diversos países terão
perdido entre 100% e 75% da sua quota no mercado norte-americano.
A Organização Mundial do Comércio prevê que a quota de mercado global da China nos
têxteis e vestuário irá aumentar de 17% para 50% no espaço de apenas três anos.
A situação é ainda mais preocupante dado o ritmo a que se processam os investimentos
da China neste sector: em 2003 aumentaram 111%. Em 2002 e 2003 as compras chinesas
atingiram 60% a 75% do total, vendido em todo mundo, de diversos tipos de
equipamento para a indústria têxtil. Prevê-se por isso um excesso de capacidade
instalada, que provocará decréscimos ainda mais acentuados dos preços.
Mas não é só a indústria têxtil e do vestuário que está a ser afectada. No mercado
europeu, são já muitos os sectores da indústria ligeira em que a China detém partes do
mercado de importações ainda superiores às do vestuário (23%): calçado, 25%; máquinas
de escritório e computadores, 27%; mobiliário, 28%; telecomunicações, som, tv e vídeo,
30%; brinquedos, 57%; iluminação eléctrica, 61%; artigos de viagem, carteiras, e
similares, 70%; decorações de Natal, 85%2.
2. Factores de competitividade
Que factores contribuem para o sucesso da China como exportador de produtos da
indústria transformadora?
Na génese do crescimento económico da China está sem dúvida a alteração do sistema
económico que passou de uma economia fechada, de direcção central, ineficiente, para
uma economia aberta progressivamente baseada no mercado, ainda que com uma forte
intervenção estatal. O governo chinês adoptou com sucesso numerosas medidas para
2
Dados provenientes do Eurostat, excepto brinquedos, iluminação eléctrica e decorações de Natal, que
constam de uma conferência do Presidente da Euratex (Janeiro de 2004).
4
atrair os investimentos estrangeiros e desenvolveu uma estratégia que visa tirar partido do
multilateralismo (nomeadamente com a adesão à OMC) em benefício da rápida
penetração nos mercados externos.
Em segundo lugar, a competitividade da economia deve-se aos baixos custos laborais.
Segundo os dados mais recentes disponíveis, os salários horários variarão entre 0,19€
(operário têxtil indiferenciado) e 2,70€ (engenheiro)3.
Outras fontes apontam para custos laborais médios na indústria de 0,77€ por hora, cerca
de um terço dos praticados nos novos Estados-membros da União Europeia ou no
México.
Poder-se-ia esperar que o elevado crescimento económico conduzisse a um rápido
aumento dos custos laborais que fizesse atenuar esta enorme vantagem comparativa.
Contudo, verifica-se um profundo desequilíbrio entre as zonas costeiras e do leste,
industrializadas, e o interior rural. Este facto levou à migração de dezenas de milhões de
trabalhadores para aquelas regiões, fornecendo um vasto contingente de mão-de-obra
disponível. Além disso, a política de racionalização do ineficiente sector estatal da
economia tem levado ao fecho ou à redução de pessoal das empresas estatais. É estimado
que, entre 1998 e 2002, mais de 26 milhões de trabalhadores tenham sido despedidos.
Por outro lado, mercê de estruturas sociais e políticas muito próprias, as capacidades
reivindicativas por estatutos mais elevados não existem, o que permite às classes
dirigentes uma liberdade de acção quase absoluta.
Estes fenómenos têm assim permitido que os custos na indústria se mantenham a um
nível muito baixo.
Há, ainda, a ter em conta as condições de produção praticadas na China, que não têm de
se conformar com as exigências legais prevalecentes na União Europeia. Mesmo as
condições mínimas prescritas pela lei não são cumpridas. Por exemplo, o limite de 40
horas de trabalho semanal e dois dias de repouso não é cumprido, verificando-se práticas
de 12 horas por dia e seis ou mesmo sete dias de trabalho por semana. Também os
3
Dados de Janeiro de 2004 da US China Investment and Trade Development Associates
5
constrangimentos relacionados com a protecção do ambiente são praticamente
inexistentes.
A política cambial de ligação rígida face ao dólar tem permitido manter o yuan
subvalorizado, alimentando artificialmente a competitividade das suas exportações e
forçando a que sejam as economias com moedas em livre flutuação, tais como as da Zona
do Euro e o Reino Unido, a suportar a maior parte dos custos inerentes ao ajustamento da
moeda norte-americana.
Para além destas vantagens, outras há, incompatíveis com as regras da OMC, que
explicam o sucesso da China nos mercados mundiais. Desde logo, as políticas públicas de
subsidiação e benefícios fiscais às empresas exportadoras e a política laxista de crédito
praticada pelos bancos estatais chineses que praticam taxas de juro baixíssimas (cerca de
1%), e toleram o não reembolso dos empréstimos. Um dos pontos fracos da economia
chinesa é precisamente a dimensão dos créditos de cobrança duvidosa (um quarto dos
seus compromissos) que os grandes bancos estatais detêm.
Tais práticas conduzem ao dumping, permitindo o aparecimento nos mercados ocidentais
de produtos cujo preço final não comporta sequer o custo das matérias-primas neles
incorporados.
Mas outras práticas ilícitas haverá, porventura ainda mais graves, como a generalização
da contrafacção e o recurso ao trabalho infantil.
3. Resposta da UE e da OMC
A União Europeia está consciente da gravidade da situação, mas mostra-se relutante em
accionar mecanismos de defesa comercial contra a China e particularmente sensível aos
interesses das empresas europeias que deslocalizaram ou pretendem deslocalizar a sua
produção para aquele país ou que exploram ou pretendem explorar aquele mercado.
Relativamente ao sector têxtil, a Comissão reconhece que
O aumento das exportações chinesas (…), juntamente com o impressionante potencial de
produção e exportação da China, está a suscitar preocupações no sector tanto na UE
como em outros países que fornecem têxteis e vestuário à UE. A acentuada queda dos
6
preços unitários e a expansão da quota de mercado (…) merecem uma análise atenta
para determinar em que condições estes resultados foram atingidos, fazendo temer uma
situação idêntica em 2005 em relação aos restantes produtos.
(…)
Dado que aproximadamente metade das importações de têxteis e vestuário chineses
estão actualmente ao abrigo de quotas, e que, das 42 quotas chinesas que serão
eliminadas em 2005, 25 são presentemente muito utilizadas (90% ou mais), poderá
ocorrer um aumento muito substancial da percentagem de produtos chineses no mercado
após 2005. Esta situação teria impacto não apenas na produção da UE-25, mas também
na de países terceiros mais pequenos (e mais pobres), alguns dos quais correm o risco de
serem afastados no que respeita a alguns segmentos do mercado. [COM(2003) 649 final,
p. 13]
No entanto, no mesmo documento, a mesma Comissão Europeia afirma que qualquer
eventual resposta por parte da UE terá de ser contextualizada no quadro mais geral das
relações comerciais entre a UE e a China, que a UE deseja se desenvolvam de forma
harmoniosa. Deste modo, a prioridade deve ser dada ao diálogo e ao debate para
remediar quaisquer problemas potenciais no comércio e garantir que a China continua a
abrir os seus mercados em crescimento rápido aos produtos da UE e dos países em
desenvolvimento, tornando-se assim uma verdadeira oportunidade para as exportações
desses países.
A OMC decidiu em Agosto de 2004 investigar as exportações de têxteis e vestuário
provenientes da China e de outros países acusados de não cumprir as regras estabelecidas
por esta Organização, mas não recuou na questão do adiamento da eliminação das quotas,
pedido por 71 associações da indústria têxtil e do vestuário de 38 países, na Declaração
de Istambul.
Em 1 de Janeiro deste ano, todas as quotas aplicáveis às importações dos produtos têxteis
e do vestuário foram efectivamente eliminadas (excepto as provenientes de países não
membros da OMC).
7
Simultaneamente, a Comissão Europeia implementou um sistema de controlo para as
importações provenientes da China e admitiu “a possibilidade de adopção de medidas
especiais de salvaguarda”, “em particular se, perante uma perturbação do mercado se
verificar que as importações na Comunidade de produtos têxteis e de vestuário (…)
ameaçarem impedir a boa evolução das trocas comerciais desses produtos.” (Press
Release IP/04/1307).
Recorde-se que a China começou a cobrar taxas à exportação de categorias têxteis cujas
quotas foram eliminadas como forma de moderar o impacto da sua liberalização.
No plano interno, foi anunciado em meados de 2004 um plano de acção para o apoio à
indústria têxtil e do vestuário europeia de sete pontos (um dos quais é o reforço da
cooperação com a China) que, além da criação de uma Plataforma Tecnológica Europeia,
não traz praticamente novidades.
A recente Comunicação do Presidente da Comissão sobre os objectivos estratégicos para
2005-2009 não indicia qualquer alteração da política da UE face à China
4. Consequências e perspectivas para Portugal
Relações bilaterais
As estatísticas do comércio bilateral entre Portugal e a China parecem contradizer o
cenário pessimista que se poderia esperar. Atingindo valores muito modestos no total do
comércio externo português (0,9% das importações e 0,5% das exportações), as trocas
com a China têm sido deficitárias, mas, depois de se acentuar fortemente entre 1990 e
2000, o défice reduziu-se progressivamente, de 330 milhões de euros naquele ano para
222 milhões em 2003, fruto de uma relativa estabilidade nas importações (que
diminuíram em 2001 e 2002 – 8,2% e 1,8%, respectivamente – e aumentaram 7,8% em
2003) e de aumentos muito expressivos nas exportações, que aumentaram às taxas de
14%, 34% e 86% naqueles três anos. A taxa de cobertura, que se tinha reduzido de 51%
em 1990 para 11% em 1999, ultrapassou os 40% em 2003.
8
Os resultados preliminares do INE para 2004 são no entanto mais pessimistas, com as
importações a aumentarem à taxa de 24% nos 11 primeiros meses do ano e as
exportações a diminuírem à taxa de 30%, recuando a taxa de cobertura para 22,5%.
Em 2003, cerca de 77% das importações incidiram em quatro grupos de produtos:
Máquinas, 31,7% (principalmente aparelhos de som e imagem, electrodomésticos e
máquinas de informática e suas unidades), Produtos Acabados Diversos, 18,6%
(brinquedos, aparelhos científicos de precisão, cerâmica e vidro, candeeiros, entre
outros); Têxteis, Vestuário e Calçado, 15% e Produtos Químicos, 11,5%.
Por sua vez, as exportações centraram-se no grupo das Máquinas, 71,3%, (em sua grande
parte circuitos integrados e microcircuitos electrónicos, que registaram um aumento de
281% em relação a 2002), seguidas do grupo Madeira, Cortiça e Papel, 9,5% (em grande
parte constituídas por cortiça e suas obras).
É necessário ter em conta que as estatísticas das importações provenientes da China não
dão conta da concorrência exercida no mercado português por produtos chineses ou com
uma forte componente originária daquele país, mas que entram no nosso mercado como
sendo provenientes de outros países.
Estes dados não dão conta também do principal problema que a China coloca às empresas
portuguesas, o qual se faz sentir sobretudo nos mercados externos onde os produtos
chineses entram em concorrência com os produtos portugueses.
Práticas abusivas
No mercado doméstico português, a face mais visível da concorrência chinesa está na
proliferação por todo o País das conhecidas “lojas chinesas”, que praticam preços
extremamente baixos e constituem já uma poderosa rede de distribuição, tudo indicando
beneficiarem de fortes apoios logísticos e financeiros de retaguarda.
Acusações de que este tipo de comércio foge sistematicamente a controlos alfandegários,
ao pagamento de direitos aduaneiros e à tributação interna são frequentes, embora
inconsequentes. Restam contudo fortes suspeitas de que tal sucede impunemente.
9
Além dos sectores já referidos, muitos outros sofrem também a agressividade da
concorrência da China. Temos, entre outros, o exemplo dos granitos no que se refere a
rochas ornamentais, sector em que a China consegue colocar no nosso mercado produtos
a preços de cerca de um terço dos praticados pela indústria nacional.
Em Fevereiro de 2004, foi detectado entre nós um outro sinal preocupante da
agressividade das estratégias chinesas de penetração nos mercados europeus: uma cadeia
de hipermercados de capitais estrangeiros estabelecida em Portugal enviou cartas em que,
por força de obrigações assumidas perante as autoridades chinesas, solicitam aos seus
fornecedores o envio de “um documento obrigatório” a ser preenchido com informação
do montante total de produtos de origem chinesa incorporados nas vendas efectuadas a
essa cadeia de distribuição.
Nesse documento, cada fornecedor comprometer-se-ia “a fornecer às autoridades
chinesas todas as provas complementares que se façam necessárias para documentar as
origens chinesas dos seus produtos”.
Outra cadeia de hipermercados, também de capitais estrangeiros, pediu igualmente aos
seus fornecedores informações sobre a percentagem de produtos originários da China,
Hong Kong, Tailândia e México nos produtos que adquire.
Tudo leva a crer, apesar dos desmentidos entretanto emitidos, que estas cadeias se estão a
deixar utilizar como instrumento da estratégia de penetração da China nos mercados
europeus, em troca de facilidades no desenvolvimento dos seus negócios naquele país.
Deslocalização
Importa referir a concorrência da China como destino para a localização de produção
industrial, a qual se faz sentir não apenas nas decisões de novos investimentos de muitas
empresas estrangeiras, em detrimento de Portugal, mas também na deslocalização de
unidades implantadas no nosso País para aquele mercado.
A deslocalização para a China de segmentos de produção mais trabalho intensivos
apresenta-se também como opção a considerar pelas empresas portuguesas, na tentativa
de conquistarem ganhos de competitividade. Não se trata ainda de um fenómeno
10
observável ao nível das estatísticas do investimento de Portugal no estrangeiro. Pelo
contrário, desde 2001 que o desinvestimento de Portugal na China tem sido superior ao
investimento bruto naquele mercado, sinal do possível insucesso de empresas
portuguesas que tentaram instalar-se na China. Contudo, algumas empresas encaram essa
possibilidade, na linha do caminho percorrido por muitas das suas congéneres europeias.
A título de exemplo, refira-se que 60% da produção das marcas francesas de vestuário é
realizada fora do território francês, com um peso crescente da localização na China.
Sendo uma estratégia que pode salvaguardar a sobrevivência de muitas empresas, as suas
consequências ao nível do emprego não podem deixar de ser equacionadas. Note-se,
também a título de exemplo, que entre 1993 e 2003, a França perdeu cerca de um terço
do total do emprego na indústria do vestuário.
Respostas às ameaças
Não é aceitável, ao nível nacional, que práticas de comércio desleal permaneçam
impunes. É pois urgente que, a nível nacional, seja aplicada uma rigorosa fiscalização que
assegure que as leis são efectivamente cumpridas. Esta fiscalização deverá incidir em
particular sobre:
•
os produtos importados, directa ou indirectamente, de terceiros países que são
comercializados em Portugal (pagamento de direitos aduaneiros e tributação
interna, respeito pela propriedade intelectual e conformidade com as normas em
vigor respeitantes à protecção do consumidor – requisitos de segurança e de
rotulagem, etc.);
•
o cumprimento das obrigações fiscais e parafiscais por parte das empresas que
exploram as designadas “lojas chinesas” e os armazéns que as fornecem;
•
o cumprimento da legislação laboral e de segurança, higiene saúde no trabalho
por parte desses mesmos agentes.
11
Reconhecendo que abertura comercial é inevitável, a melhor resposta a dar por parte das
empresas portuguesas tem de partir do pressuposto de que a actuação com base apenas
em baixos custos de produção não é sustentável. As novas estratégias empresariais têm de
partir desta constatação para valorizar, por um lado a inovação (ao nível dos processos e,
sobretudo, ao nível dos produtos) e, por outro lado, a função comercial, apostando em
aspectos intangíveis da competitividade – canais de distribuição, imagem de marca,
serviço, promoção e informação.
Valorizando estes aspectos, a deslocalização para países com menores custos salariais de
segmentos da produção mão-de-obra intensivos, mantendo em Portugal o controlo de
todo o processo de produção e comercialização pode ser uma estratégia a ponderar por
algumas empresas. Se for acompanhada por um aumento da capacidade e por uma
requalificação da mão-de-obra, pode mesmo não acarretar uma redução de postos de
trabalho.
Por outro lado, é possível fazer evoluir as relações de subcontratação, conquistando uma
função decisiva nas redes de empresas em que se participa e minimizando assim o risco
de excessiva dependência face a empresas estrangeiras e a vulnerabilidade face a
alterações nos seus fluxos de aprovisionamento.
Importa ainda valorizar as vantagens competitivas detidas por Portugal no que respeita à
flexibilidade e capacidade para cumprir prazos cada vez mais curtos. A este respeito, um
estudo recente do Harvard Center for Textile and Apparel Research defende que a
proximidade do mercado pode ainda ser uma vantagem decisiva para uma grande parte
do vestuário vendido nos países mais desenvolvidos, dadas as novas políticas dos
retalhistas no que se refere à gestão de inventários e à volatilidade por parte da procura do
mercado.
No entanto, resta a convicção de muitos empresários que, por maiores que sejam os
progressos efectuados nestas áreas, não serão suficientes para enfrentar uma concorrência
baseada não só em baixos salários e condições de produção inaceitáveis pelos padrões
(sociais e ambientais) europeus como em apoios estatais incompatíveis com as regras da
OMC e noutras práticas desleais.
12
É certo que não são atitudes defensivas que irão ser eficazes como resposta à
concorrência exercida pela China e outras economias emergentes. Mas as regras têm de
ser cumpridas por todos. Não é aceitável que a União Europeia continue a adoptar uma
atitude passiva face ao incumprimento por parte da China das suas obrigações como
membro da OMC, ao mesmo tempo que cumpre escrupulosamente a suas. Mesmo
sabendo que o abandono dessa atitude poderá prejudicar os interesses das empresas
europeias que deslocalizaram ou pretendem deslocalizar a sua produção para aquele país
ou que exploram ou pretendem explorar aquele mercado.
É também urgente que, sejam accionados os mecanismos de defesa e de salvaguarda que
se justifiquem. Como referimos, para além dos tradicionais meios de defesa relativamente
a práticas comerciais abusivas, consistentes com as normas da OMC, estão previstos
outros instrumentos específicos e transitórios para responder a problemas decorrentes da
concorrência acrescida e perturbações no mercado.
No decorrer dos próximos dias, as diversas associações de têxtil e vestuário dos países da
União Europeia irão proceder ao cruzamento dos dados nacionais relativos às
importações de produtos têxteis e de vestuário para poderem apresentá-los junto da
Comissão Europeia, como fundamento para accionar as cláusulas de salvaguarda
previstas no âmbito da adesão da China à OMC.
O Comité Económico e Social Europeu (CESE) deverá, também, solicitar à Comissão
Europeia a adopção dessas medidas de salvaguarda. O representante da AEP no CESE
está atento a este problema e está já a actuar para que seja emitido com carácter de
urgência um parecer de iniciativa nesse sentido.
Além disso, a União Europeia deverá reforçar as pressões para a flexibilização das taxas
de câmbio do yuan e para fazer vingar no seio da OMC o princípio da ligação dos entre o
comércio internacional e o respeito por níveis mínimos de direitos sociais e de protecção
do ambiente.
Oportunidades e riscos
13
Por último, há que referir que muitos empresários têm uma visão mais optimista, centrada
nas oportunidades que a emergência da economia chinesa abre para as empresas
portuguesas.
O surgimento de uma nova burguesia urbana com elevado poder de compra, ávida de
produtos ocidentais, abre perspectivas muito positivas para as exportações portuguesas,
apesar da presença, já muito forte, das grandes marcas europeias naquele mercado. Existe
um capital de simpatia relativamente a Portugal, país que, pela sua dimensão, não
representa qualquer ameaça para a China. A conquista de uma pequena parcela do
mercado chinês representa um enorme potencial de crescimento para qualquer sector da
economia portuguesa. A vastidão do mercado chinês permite assim explorar segmentos
de mercado específicos mas com uma dimensão muito apreciável para as empresas
portuguesas, sem criar quaisquer resistências por parte da China.
Nas zonas mais industrializadas, existe já uma nova mentalidade de negócios que permite
encontrar parceiros locais com os quais é possível estabelecer um vasto leque de relações
comerciais e de cooperação, proveitosas para ambas as partes, que vão desde a
exportação e a produção sob marcas portuguesas para o mercado doméstico à
subcontratação e à constituição de joint-ventures.
Neste último caso, deve ser dada uma grande atenção à salvaguarda dos direitos de
propriedade industrial. O total desrespeito por estes direitos aconselha a maior cautela por
parte das empresas que pretendam instalar-se na China, pois o risco de verem os seus
produtos e tecnologia copiados por empresas rivais é grande. A mera venda de tecnologia
pode, por isso, ser uma melhor alternativa que o investimento.
Na perspectiva do aproveitamento das oportunidades oferecidas pelo mercado chinês, é
fundamental que a União Europeia pressione as autoridades chinesas no sentido de uma
verdadeira reciprocidade no acesso aos mercados e no respeito pelos direitos de
propriedade industrial.
Para as empresas que pretendem explorar a apetência do mercado por bens de consumo
ocidentais, é vital um forte empenhamento do ICEP na promoção naquele mercado das
marcas portuguesas.
14
Gabinete de Estudos da AEP,
Fevereiro de 2005
15
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