Simão Davi Silber (*) setor externo Nesse cenário de parada súbita da atividade econômica no final de 2008, seguida de recuperação, o comportamento da economia brasileira seguiu a mesma trajetória: o último trimestre do ano passado foi de enorme volatilidade do Risco Brasil e da taxa de câmbio, com fortes reflexos sobre a atividade de crédito e produtiva do País. Porém, a partir do segundo trimestre de 2009, já eram claros os sinais de recuperação do nível de produção, particularmente no setor industrial de bens de consumo durável em função da desoneração fiscal do IPI e restabelecimento do crédito, principalmente dos bancos públicos. Pela primeira vez, em três décadas, uma crise financeira internacional não teve efeitos devastadores sobre a economia brasileira. O padrão usual no passado era o seguinte: a redução do crédito internacional ocasionava uma forte desvalorização cambial, acompanhada de pressões inflacionárias importantes. O aumento da inflação e do risco país forçava o Banco Central a aumentar significativamente a taxa de juros reais, o que ocasionava redução da atividade econômica e recessão. No ano passado, os impactos da crise foram passageiros e se dissiparam rapidamente. Em primeiro lugar, a desvalorização cambial não foi duradoura e se estendeu por dois meses e meio. No dia 5 de dezembro de 2008, a taxa de câmbio atingiu seu valor máximo, R$ 2,50. A partir dessa data, a trajetória tem sido declinante e a taxa de câmbio atualmente oscila em um patamar próximo de R$ 1,80. A taxa de juros real teve comportamento semelhante: subiu modestamente até o mês de novembro de 2008, quando atingiu 5,4% ao ano e, a partir de dezembro, retomou a tendência declinante inaugurada em 2003, quando a taxa básica real de juros do País estava no patamar de 25% ao ano. Em agosto de 2009, a taxa real de juros esperada (medida pelo swap de 360 dias entre taxas de juros pré-fixadas e o CDI) era de 4,9% ao ano. A inflação continuou em queda, devendo terminar o ano abaixo do limite central da meta de inflação definida pelo Conselho Monetário Nacional para o ano de 2009. agosto de 2009 Um ano após a eclosão da crise financeira internacional, o panorama da economia mundial já se encontra em uma nova perspectiva: terminou o pânico, a queda desenfreada de preços dos ativos e a vertiginosa redução do nível de atividade econômica que havia se instalado no mundo a partir de setembro de 2008. A ação fulminante da política monetária e fiscal foi capaz de reverter a trajetória da economia mundial, eliminando a possibilidade de uma crise sistêmica mundial que replicasse os resultados da Grande Depressão. A mudança é tão radical que hoje os economistas já discutem se estamos entrando em uma nova bolha nos preços dos ativos (principalmente ações) e se a ameaça da inflação é eminente ou não. As ações dos bancos centrais foram fundamentais para reverter a paralisia do crédito e a queda da produção e do emprego. Para se ter uma ideia da injeção de liquidez que os bancos centrais forneceram aos bancos comerciais, basta citar o exemplo americano: em agosto do ano passado as reservas voluntárias dos bancos situavam-se em US$ 50 bilhões; em agosto desse ano atingiram o nível de US$ 850 bilhões. A taxa LIBOR em US$, que é um parâmetro para o custo dos empréstimos interbancários, chegou a atingir 6% ao ano em outubro de 2008 e atualmente está em 1,05% ao ano. Houve uma retomada parcial dos empréstimos bancários no mundo e a ameaça de uma recessão duradoura oriunda da paralisia do crédito está descartada. A recuperação da economia mundial em andamento é modesta comparada com a exuberância do crescimento mundial de 2003 a 2007, quando a taxa de crescimento do PIB se aproximou de 5% ao ano, mas de qualquer forma já se projeta um crescimento da economia mundial da ordem de 2,5% para 2010. 5 agosto de 2009 Uma política monetária agressiva para os padrões brasileiros, que reduziu a taxa SELIC em seis meses de 13,75% ao ano para 8,75%, aliada a uma política fiscal expansionista permitiram uma recuperação do nível de atividade econômica e, em 2010, o País caminha para um crescimento acima de 4% ao ano. Estão contribuindo para a rápida recuperação da atividade econômica a expansão do consumo privado e o aumento dos gastos correntes do governo. O crescimento da massa salarial real, o pequeno aumento do desemprego, além da expansão do crédito explicam a expansão dos gastos de consumo das famílias a uma taxa anualizada de 4,5% nos últimos 12 meses encerrados em junho de 2009. País remeteram para suas matrizes US$ 34 bilhões; este ano deverão mandar US$ 17 bilhões. Com essa diminuição, o déficit da conta serviços e rendas cairá de US$ 57 bilhões para US$ 38 bilhões, e as transações correntes terão um déficit menor no presente exercício. Como houve uma rápida recuperação de investimentos estrangeiros no País, e a conta capital e financeira voltou a ficar superavitária, abriu-se, mais uma vez ao Banco Central, a possibilidade de ampliar as reservas externas. Com as informações disponíveis até meados de agosto, as reservas já haviam atingido o patamar dos US$ 210 bilhões. Nos últimos 12 meses, ocorreram mudanças importantes no setor externo da economia brasileira, principalmente nas transações correntes. Antes da fase aguda da crise financeira internacional, o saldo comercial anualizado era de US 47 bilhões; em julho de 2009 havia se reduzido para US$ 27 bilhões, ou seja, uma redução de US$ 20 bilhões. Tanto exportações como importações estão em queda, mas a redução da demanda de importações tem sido maior do que a da demanda externa pelos produtos brasileiros. No último trimestre encerrado em julho de 2009, enquanto as exportações estavam se reduzindo a uma taxa anualizada de 30% as importações estavam caindo a uma taxa de 37% ao ano. Com o crescimento da demanda interna, deve-se esperar uma recuperação das importações no segundo semestre de 2009, reduzindo ainda mais o superávit comercial. O País deve encerrar o ano com exportações de US$ 160 bilhões e importações de US$ 140 bilhões. Para se ter uma ideia dos impactos da crise externa sobre o resultado comercial, pode-se destacar que, em dezembro de 2008, as exportações eram de US$ 198 bilhões e as importações de US$ 173 bilhões. Na conta serviços e rendas também houve uma mudança importante na rubrica remessa de lucros e dividendos, quando se compara 2008 e 2009: no ano passado, as empresas estrangeiras com atividades no (*) Professor do Departamento de Economia da FEA/USP. (E-mail: [email protected]). Os artigos da seção Análise de Conjuntura foram escritos entre 13 e 18/08/2009. 6