importações e desindustrialização

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IMPORTAÇÕES E DESINDUSTRIALIZAÇÃO
Gilmar Mendes Lourenço
As estatísticas recentes relativas ao nível de atividade econômica no Brasil, divulgadas
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam razoável descompasso entre
a evolução das vendas reais do comércio varejista, que já ultrapassaram em quase 20,0% o
nível pré-crise, e a produção física industrial de bens intermediários e acabados, que ainda não
voltou ao estágio imediatamente antecedente ao colapso. Esse desnível vem sendo coberto
pela realização de volumes crescentes de importações, que já ultrapassaram o patamar précrise de 2008-2009.
Apesar de assumir maior envergadura no período recente, esse fenômeno carrega raízes
estruturais espalhadas por toda a década. Cálculos da Consultoria LCA demonstram que a
contribuição das compras externas na oferta total no mercado doméstico subiu de 11,0% em
2003 para 16,6% em 2008. Em 2009, observou-se queda para 15,7%, por conta do cenário
recessivo e de desvalorização do real acoplado à crise. Mas, em 2010, ocorreu retomada da rota
ascendente das aquisições internacionais, atingindo 20,0% do total de compras no 3º trimestre.
Mais precisamente, percebe-se uma verdadeira enxurrada importadora pelo Brasil. Os
maiores entradas provem dos Estados Unidos (EUA), que tentam superar o colapso dos
negócios utilizando a válvula de escape das vendas externas em detrimento da demanda
doméstica, e de nações em desenvolvimento, como a China, que ao acusarem encolhimento
dos mercados norte-americano e europeu, tentam viabilizar a ocupação de outras fronteiras,
com câmbio depreciado e com subsídios e incentivos governamentais.
Por certo, essa onda contém alguns aspectos favoráveis. Dentre eles se sobressai a
garantia do controle da inflação, com o declínio dos preços em dólares, a abrangente oferta de
produtos mais sofisticados a preços competitivos, para os consumidores, por canais de
distribuição alternativos, e a oportunidade de modernização e ampliação da eficiência das
unidades fabris, viabilizada pelas importações de bens de capital e incorporação tecnológica.
No entanto, é notório o fato de algumas indústrias operarem quase que exclusivamente
como montadoras de peças e componentes fabricados fora das fronteiras do território nacional.
Isso configura uma autêntica drenagem de demanda e recursos em benefício do exterior,
materializada na perda de espaço de vendas das empresas atuantes no país no mercado
interno, agravada pela multiplicação das dificuldades de penetração no front internacional,
mesmo em mercados tradicionais, como o da América Latina, depois do encolhimento do
comércio em 2008 e 2009.
A exceção fica por conta das commodities, influenciadas decisivamente pela continuidade
do crescimento da economia chinesa e a impulsão dos preços, aspecto comprovado pela
recomposição dos termos de troca do comércio externo do país, ou das relações de
Vitrine da Conjuntura, Curitiba, v.3, n. 9, novembro 2010 | 1 intercâmbio, definidas como a razão entre a quantidade de divisas estrangeiras obtida com
exportações requerida para o pagamento de dólar de importações, que caiu de US$ 1,11 em
2000 para US$ 0,83 em 2010.
Preliminarmente, é possível identificar como ramos mais atingidos pelo boom dos
importados, as indústrias têxteis, máquinas, eletrônicos, siderurgia e veículos. A propósito
desse último segmento, as licenças de importados passaram de 13,0% do total em 2008 para
18,0% em 2010, o que vem provocando substancial contração das margens de lucro, mesmo
com o emprego da alíquota de importação de 35,0%, o teto permitido pela Organização
Mundial do Comércio (OMC). No geral, a tarifa média nominal caiu de 57,5% em 1987 para
13,0% em 2009.
Os fatores estruturais determinantes do empuxe do ingresso de produtos de procedência
estrangeira repousam na precariedade infraestrutural, no elevado fardo tributário, na burocracia
excessiva e nos reduzidos níveis de inversões em ciência e tecnologia, que vem combalindo o
poder de concorrência dos agentes produtivos do país.
Já as causas conjunturais recaem sobre a guerra cambial mundial, patrocinada por
Estados Unidos (EUA), Japão e China, que executam estratégias orientadas ao aumento das
exportações via, sobretudo, a depreciação de suas moedas; o emprego de expedientes
tributários pela maioria dos estados brasileiros para baratear as importações de matériasprimas e bens de ativo fisco; e a dobradinha juros reais elevados e câmbio apreciado, e o
abrupto acréscimo das despesas com mão de obra, devido à insuficiência de trabalho
qualificado, contido, curiosamente, em grande proporção, pela substituição do pessoal ocupado
pela importação de equipamentos.
O mais gritante, porém, é a perspectiva concreta de aprofundamento da trajetória descrita,
em um clima de reprodução, por essas paragens, do fenômeno conhecido como doença
holandesa, a julgar pelo substancial incremento dos investimentos industriais em ramos
baseados em recursos naturais e petróleo, em detrimento dos empreendimentos com maior
agregação de valor e/ou conteúdo tecnológico.
Tal evento, também chamado de desindustrialização, em vez de colaborar para a sadia
correção de distorções na matriz técnica, provocados pelo prolongado período de fechamento
econômico do país, pode prejudicar ou até destruir segmentos locais que seriam eficientes em
circunstâncias de alinhamento dos preços relativos, além de “criminalizar” as iniciativas
empreendedoras.
Essa anomalia só poderia ser contornada com um arranjo cambial competitivo e/ou com a
cobrança de impostos de exportação sobre as commodities, o que, na macroeconomia, imporia
a países emergentes como o Brasil, a função de exportador de excedentes financeiros
derivados balança comercial às nações avançadas, em troca da transferência de ativos (ações
e títulos).
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