1 SUSPENSÃO DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO ASPECTOS CONTROVERSOS Thiago Anton Alban1 SUMÁRIO: 1. Do Serviço Público - 2. Fundamentos a favor da suspensão – 3. Fundamentos contra a suspensão – 4. Considerações finais – Referências. RESUMO: Este trabalho visa oferecer breves comentários acerca da legitimidade do procedimento de suspensão da prestação do serviço público por parte do Estado em detrimento do usuário, sobretudo em situações em que o serviço é tido como essencial para a manutenção de um mínimo necessário à persecução de uma vida digna pelo ser humano. Palavras-chave: Direito Administrativo; serviço público; suspensão. ABSTRACT: This paper intends to offer some brief comments on the legitimacy of the procedure of suspension of the supplying of public services by the State in prejudice of its user, especially in situations in which the service is known to be essential for the maintenance of a minimal necessary to the pursuit of a dignified life by the human being. Keywords: Administrative Law; public service; suspension. 1. Do Serviço Público A polêmica da possibilidade ou não de suspensão da prestação de serviços públicos essenciais ao cidadão2 não é tema novo na doutrina e na jurisprudência. Com efeito, inúmeros são os acórdãos e as posições que buscam fundamentar ora o entendimento de que é lícito e legítimo ao Poder Público3 suspender o fornecimento do serviço público em situações que o autorizem a tanto, ora o entendimento de que, mesmo em tais situações, não é dado ao Estado tolher o mínimo essencial à sobrevivência e à fruição de uma vida digna por parte do cidadão. 1 Bacharel em Comunicação pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. Bacharelando em Direito pela Universidade Salvador – UNIFACS. Estudante vinculado ao Núcleo de Iniciação Científica – NIC da UNIFACS e bolsista de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (PIBIC-FAPESB). 2 Entendido aqui em seu sentido não técnico - qual seja, qualquer habitante da cidade. 3 Seja por intermédio de suas criações, por um processo de outorga legal da execução e titularidade, em alguns casos, de serviços públicos a entes da Administração indireta ou descentralizada (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, a chamada longa manus do Estado), seja mediante delegação contratual apenas da execução dos serviços a terceiros estranhos ao Poder Público, mediante concessões e permissões, além, é claro, da execução direta por parte do próprio Estado, por intermédio dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). 2 Antes de adentrarmos no tema em questão, faz-se mister entender, pela doutrina, o que vem a ser serviço público4, tendo em vista que o art. 175 da Constituição Federal não o define, para que, a partir deste ponto, seja possível desenvolver uma noção acerca de seu caráter essencial e conseqüente possibilidade (ou não) de suspensão da prestação do serviço por parte do Estado. De acordo com Odete Medauar (2003, p. 337): A expressão serviço público às vezes vem empregada em sentido muito amplo, para abranger toda e qualquer atividade realizada pela Administração pública, desde uma carimbada num requerimento até o transporte coletivo. Quando se fala ‘ingresso no serviço público’, é atribuído sentido amplo ao termo. Se esta fosse a acepção adequada, todo o direito administrativo conteria um único capítulo, denominado ‘serviço público’, pois todas as atividades da Administração aí se incluiriam. No sentido amplo da expressão ‘serviço público’ são englobadas também as atividades do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, quando se menciona o seguinte: o Judiciário presta serviço público relevante; o Legislativo realiza serviço público. Evidente que aí a expressão não se reveste de sentido técnico, nem tais atividades sujeitam-se aos preceitos norteadores da atividade tecnicamente caracterizada como serviço público. Hely Lopes Meirelles (2004 pp. 320-321) assevera que serviço público é: [...] todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas ou controle estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado. Fora dessa generalidade não se pode, em doutrina, indicar as atividades que constituem serviço público, porque variam segundo as exigências de cada povo e de cada época. Nem se pode dizer que são as atividades coletivas vitais que caracterizam os serviços públicos, porque ao lado destas existem outras, sabidamente dispensáveis pela comunidade, que são realizadas pelo Estado como serviço público. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p. 90), trata-se de “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público”. Marçal Justen Filho (2005, p. 478) explica que: Serviço Público é uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas indeterminadas e executada sob regime de direito público. 4 Insta salientar que está fora da abordagem deste trabalho, por demandar considerações que extrapolariam seu âmbito, a análise acerca das diversas classificações do serviço público apresentadas pela doutrina de Hely Lopes Meirelles (uti singuli, uti universi, de utilidade pública, industrial e etc.), bem como a investigação pormenorizada no que pertine aos diversos princípios que regem o tema em questão. 3 Na visão de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 650): Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou de comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais -, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo. Por fim, José dos Santos Carvalho Filho (2007, p. 281) entende que serviço público é “toda atividade prestada pelo Estado ou por seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletividade”. Destarte, conceituado o objeto principal, resta saber o que se pode entender por serviço público essencial ao cidadão. A Lei Federal nº. 7.783/89, em seus arts. 10 e 11, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 22, a Resolução nº. 456/2000 da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, em seu art. 94 e a Portaria nº. 03/99, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, em seus tópicos “3” e “6.3”, listam alguns serviços públicos como essenciais e limitam a sua supressão desenfreada pelo Estado. Baseada principalmente nestes dispositivos, a doutrina procura oferecer um conceito de serviço público essencial ao cidadão. Entendem os autores, em sua maioria, que a essencialidade do serviço público se daria quando sua prestação fosse necessária para a própria subsistência do ser humano, bem como para a manutenção de um mínimo necessário à fruição de uma vida digna, saudável e pacífica. Na visão de José Cretella Júnior (2003): [...] pode haver serviço público “não essencial” e “serviço público essencial”, o mesmo ocorrendo com o serviço privado ou atividade privada, classificada em essencial ou não essencial. “A essencialidade da atividade é essencial” é proposição de nítido truísmo, porque é da natureza da coisa a existência do próprio atributo. “Essencialidade” envolve juízo de valor e, por isso, não se discute no plano lógico, mas apenas no jurídico. “Serviços ou atividades essenciais” são aqueles que a regra ordinária define como tal. E a lei tem de ser federal. Nesta senda, assevera Antônio Herman Benjamin (1991, p. 111): O Código não disse o que entendia por serviços essenciais. Essencialidade, pelo menos neste ponto, há que ser interpretada em seu sentido vulgar, significando todo o serviço público indispensável à vida em comunidade, ou melhor, em uma sociedade de consumo. Incluem-se aí não só os serviços públicos stricto sensu (os de polícia, os de proteção, os de saúde), mas ainda os serviços de utilidade pública (os de transporte coletivo, os de energia elétrica, os de gás, os de telefone, os de correios). 4 Como pode ser observado, serviço público essencial implica a assunção de uma idéia de indisponibilidade, na medida em que se caracteriza como uma gama de atividades sem as quais o cidadão não poderia sobreviver de maneira minimamente digna e aceitável de acordo com os seus padrões sociais5. Desta forma, a noção de essencialidade ou não do serviço público está intimamente ligada a um processo valorativo do intérprete, o qual irá conferir uma carga axiológica de acordo com cada caso concreto que se apresente. Resta dizer: não há um serviço público que possa ser caracterizado como essencial por natureza, sob pena de se afirmar que sequer haveria vida, ou condições dignas para fruí-la, em havendo, sem a presença de um Estado. A essencialidade, portanto, é signo mutável, assumindo compreensões diversas de acordo com cada contexto e com cada discurso em que esteja inserido o intérprete. Ante o exposto, elucidado o conceito de serviço público6 e ofertado algumas considerações acerca do que se entende por sua essencialidade, resta trazer à baila a polêmica que divide doutrina e jurisprudência em duas vertentes opostas: a possibilidade ou não da suspensão da prestação do serviço público, quando entender-se este como essencial à persecução de uma vida digna fruível pelo cidadão. 2. Fundamentos a favor da suspensão Os argumentos que fundamentam ser possível a suspensão da prestação do serviço público, mesmo em situações ditas “essenciais”, baseiam-se no fato de que o Poder Público, seja diretamente ou indiretamente, por intermédio de concessão ou permissão, não estaria obrigado a prestar serviço ao cidadão inadimplente, tendo em vista que violaria o princípio da isonomia o fornecimento gratuito de serviços a determinadas pessoas e de forma onerosa, por outro lado, a outra parte da população. 5 Tendo em vista que a valoração acerca da essencialidade ou não de um serviço há, necessariamente, de ser mutável, de acordo com o contexto social e histórico-cultural em que o paciente esteja inserido. Desta forma, o fornecimento de energia elétrica e água encanada pode ser um serviço essencial ao homem moderno que vive nas grandes cidades, onde a expansão dos prédios urbanos implicou na quase impossibilidade de extração e fruição de bens naturais sem que se recorra ao mercado e ao Estado (como a ausência de leitos de rios com água potável e de condições favoráveis ao plantio e criação de gado, por exemplo), tornando este refém, de certa forma, da tecnologia que lhe permite alimentar-se e sobreviver adequadamente, bem como da própria atividade comercial que lhe fornece o substrato necessário para tanto. Por outro lado, o homem do campo, em tese, prescindiria de algumas atividades ditas essenciais ao homem urbano, não obstante lhe sejam úteis, a exemplo do fornecimento de água encanada onde, por costume, prescinde-se deste serviço por disporem os habitantes de uma determinada região de meios outros para viver dignamente, a exemplo da coleta direta de água potável de um riacho que banha o local. 6 Abarcado aqui em seu sentido estrito (stricto sensu), qual seja, inserido no âmbito da função administrativa do Estado, ao lado do Fomento e do Poder de Polícia (e da exploração de atividade econômica, em situações excepcionais). 5 Além disto, defendem os adeptos desta corrente que se o Estado prestasse serviço público sem a devida contraprestação por parte do contribuinte, todo o sistema econômicofinanceiro do país restaria prejudicado e abalado, na medida em que a previsão orçamentária seria comprometida, os cofres públicos suportariam um considerável decréscimo e o particular, por sua vez, não obteria êxito em seu empreendimento, tendo em vista que mesmo a prestação de serviço público, quando efetuada por aquele, possui o lucro como verdadeiro fim - característica principal de um Estado capitalista. Com efeito, cabe registrar a posição de Eduardo Lima de Matos (1993, pp. 203204) acerca do assunto: [...] Ora, se não for efetuado o pagamento, desobedecida está uma norma administrativa concernente à prestação do serviço, autorizando por certo o não fornecimento. O verdureiro, o açougueiro e o padeiro não estão obrigados a fornecer gêneros alimentícios gratuitos aos inadimplentes, e por que os delegados do serviço público e poder concedente estariam obrigados? Em hipótese alguma este entendimento da inadimplência generalizada pode prosperar, principalmente quando se trata de um Poder Público Municipal, que deve dar exemplo aos munícipes honrando seus compromissos. Demócrito Reinaldo Filho (2005), por sua vez, traz à baila o entendimento de que: Como se vê, o corte de energia elétrica é um direito que assiste ao Poder Público ou a seu concessionário, no caso de inadimplência do usuário. Decorre de disposição legal e, por isso mesmo, jamais poderia ser considerado um expediente constrangedor ou qualquer tipo de ameaça ou infração a direitos do consumidor. Essa questão, no entanto, encontra-se superada, diante do novo posicionamento do STJ, considerando legítimo o corte no caso de inadimplemento do usuário, não caracterizando descontinuidade do serviço essa hipótese (ver, e.g., o acórdão proferido no REsp 363943-MG, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 10.12.03, DJ de 01.03.04. A única hesitação perdura em relação aos casos em que o consumidor é pessoa jurídica de direito público (ou prestador de serviços públicos). Na visão de Luiz Alberto Blanchet (1995, p. 42): O segundo motivo legitimador da interrupção - inadimplemento do usuário - põe termo a equivocado entendimento de alguns no sentido de que o consumidor de energia elétrica, por exemplo, mesmo quando inadimplente teria direito à continuidade do serviço. O princípio da permanência do serviço público protege exclusivamente aqueles que se encontram em situação juridicamente protegida, e o consumidor inadimplente evidentemente não se encontra em tal situação, inclusive em função do princípio da igualdade dos usuários perante o prestador do serviço [....] Esta regra é válida para todo serviço público cuja remuneração (paga pelo usuário) represente uma contraprestação, ou contrapartida, de caráter contratual, pela prestação do serviço, ou seja, é aplicável a todo serviço remunerado por tarifa (preço público), e não por taxa. 6 Zelmo Denari (1995, p. 141), um dos responsáveis pela confecção do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, assevera que: Assim sendo, partindo do suposto de que todos os serviços públicos são essenciais, resta discorrer sobre a exigência legal da sua continuidade. A nosso aviso, essa exigência do art. 22 não pode ser subentendida: 'os serviços essenciais devem ser contínuos' no sentido de que não podem deixar de ser ofertados a todos os usuários, vale dizer, prestados no interesse coletivo. Ao revés, quando estiverem em causa interesses individuais, de determinado usuário, a oferta de serviço pode sofrer solução de continuidade, se não forem observadas as normas administrativas que regem a espécie. Tratando-se, por exemplo, de serviços prestados sob o regime de remuneração tarifária ou tributária, o inadimplemento pode determinar o corte do fornecimento do produto ou serviço. A gratuidade não se presume e o Poder Público não pode ser compelido a prestar serviços públicos ininterruptos se o usuário, em contrapartida, deixa de satisfazer suas obrigações relativas ao pagamento. Leila Cuéllar (2003, p. 150) formula a seguinte contribuição: Ao analisar a suspensão do serviço de energia elétrica em casos de inadimplemento por parte do usuário, aduz Caio Tácito que o serviço em questão consiste em uma relação bilateral, ou seja, a garantia de continuidade do fornecimento do serviço deve necessariamente corresponder à continuidade no pagamento do preço tarifado. Sendo a obrigação de pagamento pelo usuário do preço fixado na tarifa condição inerente ao direito de usufruir o serviço colocado à sua disposição, a omissão do pagamento autorizaria a descontinuidade da prestação, mediante aviso prévio, consoante dispõe o art. 6º, § 3º da Lei n° 8.987/95. Do contrário, estar-se-ia oficializando o calote e inviabilizando a manutenção do serviço. Por fim, aduz Pedro Scapolatempore (2001, p. 413): A obrigatoriedade de fornecimento de serviços adequados, eficientes, seguros e contínuos, quanto aos essenciais, não significa gratuidade, nem afasta a necessária contrapartida pelo usuário beneficiado. Ademais, a relação jurídica entre CONCESSIONÁRIA e USUÁRIO está sujeita à regra do art. 1.092 do Código Civil, "exceptio non adimpleti contractus" [...] Que autoridade possui o inadimplente para exigir da concessionária a continuidade da prestação do serviço, se foi ele quem primeiro violou as disposições do contrato, com a sua inadimplência? A resposta só pode ser: nenhuma. A relação entre concessionária e usuário é bilateral. Logo, se o usuário não cumpre com a sua obrigação, tem a concessionária o direito de opor-lhe a exceção "non adimpleti", que é precisamente o meio legal de fazer valer aquele seu direito de não cumprir com a sua obrigação sem que, primeiro, seja cumprida a do usuário. É necessário ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor não foi editado para dar guarida a usuários ou consumidores inadimplentes. O citado diploma legal foi editado para dar guarida a consumidores lesados e, com toda a certeza, usuário inadimplente não é usuário lesado. Observe-se que não apenas a doutrina partilha da opinião de ser possível a suspensão da prestação do serviço público. O ordenamento jurídico brasileiro prevê, em seu rol de dispositivos, inúmeras situações em que confere legitimidade ao Poder Público e 7 aos seus delegatários para assim proceder, a exemplo do art. 91 da Resolução nº. 456/2000, da ANEEL, os arts. 67, 68, 69 e 70 da Resolução nº. 85/1998 da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (inclusive prevendo a possibilidade de inserir o usuário inadimplente nos cadastros de proteção ao crédito) e o art. 6º, §3º, da Lei nº. 8.987/957. Note-se, por curial, que apesar dos supracitados8 fundamentos opinarem e disporem acerca da possibilidade de suspensão do provimento de serviço público, há certa unanimidade no que diz respeito ao procedimento que deve ser observado para tanto, sobretudo quando se tratar de contrato sob a égide do Código de Defesa do Consumidor. Desta forma, é defeso ao Estado cortar o fornecimento de energia elétrica ou de água ao particular, por exemplo, sem que seja conferido a este um prazo razoável para sanar sua pendência, respeitando-se o princípio do devido processo legal e suas nuances (ampla defesa, contraditório, etc.). Veja-se a respeito o posicionamento de Willian Moneda (2006): Os doutrinadores que defendem ser possível a interrupção do fornecimento do serviço público em casos de inadimplemento dos consumidores alegam que o princípio da continuidade do serviço público não pode ser tratado como absoluto e incondicional, pois se estimularia a inadimplência, já que não se interromperia o fornecimento do serviço em caso de falta de pagamento. Posto que este princípio garantiria o fornecimento do serviço público em qualquer hipótese, foi submetido à Corte Especial do STJ o Resp 363.943, onde se decidiu que “a distribuição de energia é feita, em sua grande maioria, por empresas privadas que não estão obrigadas a fazer benemerência em favor de pessoas desempregadas. A circunstância de elas prestarem serviços de primeira necessidade não as obriga ao fornecimento gratuito. O corte é doloroso, mas não acarreta vexame. Vergonha maior é o desemprego e a miséria que ele acarreta. É lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica mantém inadimplência no pagamento da respectiva conta” (ênfase acrescentada). Segundo o entendimento de José Calasans Júnior (1997, p. 766) 9: Portanto, expirado o prazo para pagamento da conta, sem que este tenha sido efetuado, deve a concessionária encaminhar ao consumidor o aviso prévio exigido pela Lei, com prazo não inferior a 15 dias, advertindo-o de que, ao final desse prazo, se a conta não tiver sido liquidada, o fornecimento de energia elétrica será suspenso. Atendida essa formalidade, o corte do fornecimento será Toshio Mukai, em comentário ao aludido dispositivo, assevera que: “A lei cria, aqui, uma ficção jurídica. Ou seja, embora haja a descontinuidade do serviço, a norma considera não ter tal fato ocorrido, se os motivos foram possíveis de se enquadrar nos Incisos I e II. [...] São hipóteses de excludente da responsabilidade do concessionário” (MUKAI, 1998, p. 24). 8 A jurisprudência também já se posicionou acerca da possibilidade de suspensão. Vide os julgados: 1. TJSC - AC - MS 98. 003817-0-SC - 4ª C. Cív. Rel. Des. João José Schaefer, j. 20. 08. 1998. 2. TJPR. 5ª Câm. Cív. Rel. Des. António Gomes da Silva. Acórdão n° 3.631, j. 30.03.99. 3. TJPR. 1ª Câm. Cível. Acórdão n° 10669. Rel. Campos Marques, DJ 06.02.95. 4. TAPR. 7ª Câm. Cível; Apelação Cível n° 0189486-2- Londrina-PR. Rel. Abraham Lincoln Calixto, j. 29.10.2002. 9 Também neste aspecto já entendeu a jurisprudência, nos julgados: 1. TJSC - AC - MS 88. 087189-3 (5. 712) - SC - 2ª C. Cív. Esp. Rel. Des. Nilton Macedo Machado, j. 12. 06. 1998. 2. STJ – 2ª Turma. REsp nº 525.500 – AL. Rel. Ministra Eliana Calmon, j. 16/12/2003, DJ 10/05/2004. 7 8 legítimo e juridicamente sustentável, em caso de questionamento judicial do consumidor. Há também certo consenso na doutrina e na jurisprudência10 no que diz respeito à impossibilidade de suspensão da prestação, de forma absoluta, quando o interesse da coletividade for substancialmente ameaçado, em atenção ao princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, princípio este de certa forma adaptado ao caso em testilha, tendo em vista que a prestação de serviço público é, afinal, de titularidade do Estado, o qual deve sempre pautar sua conduta em prol da coletividade, sob pena de contradição ao regime democrático. Nesta senda, o exercício do direito de greve por parte de servidores públicos ou de empregados de delegatários do Poder Público, a exemplo dos trabalhadores de empresas concessionárias do serviço de transporte coletivo, não poderia paralisar de forma absoluta o fornecimento dos serviços ditos essenciais à comunidade, devendo ser reservada uma parcela mínima de funcionamento das atividades de maneira a atender o interesse coletivo, o qual se sobrepujaria ao particular em atenção ao supracitado princípio, como se depreende da análise dos arts. 11 e 12 da Lei nº. 7.783/89. Na visão de Clovis Volpe Filho (2003) 11: Outros juristas, como José Carlos Oliveira, entendem que, somente pode haver a suspensão quando não existir o interesse da coletividade. Leciona José Carlos: “do confronto entre estas duas normas deve advir o entendimento, que a concessionária não poderá interromper o fornecimento de serviços essenciais, mesmo havendo inadimplência do usuário, quando existir o interesse da coletividade. Isto significa que uma residência, no caso de inadimplência, poderá ter o seu fornecimento de energia elétrica interrompido e suspenso, pois não há interesse da coletividade”. Segundo o ilustre professor, a concessionária não poderá "cortar" a energia elétrica de hospitais, escolas, asilos, delegacias de policias, etc, pois nestes casos deverá ser levado em consideração o interesse da coletividade. Desta forma, embora alguns entendam ser possível a suspensão do fornecimento de serviços públicos essenciais ao cidadão, a maioria da doutrina e da jurisprudência adota um posicionamento com certa ressalva – qual seja, a necessidade de conferir ao usuário mecanismos amplos de defesa antes que se proceda ao corte do fornecimento dos serviços, bem como a reserva de uma parcela mínima deste em atenção ao interesse da coletividade, 10 Nesta senda, observe-se os julgados: 1. STJ - 2ª Turma. REsp 302620-SP. Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 11.11.03, DJ 16.02.04. 2. STJ – 2ª Turma. REsp nº 400.909 – RS. Rel. Min. Franciulli Netto. - V.U, j. 24/06/2003, DJ 15/09/2003. 3. STJ – 2ª Turma. Resp nº 460.271 – SP. Rel. Min. Eliana Calmon, j. 06/05/2004, DJ 21/02/2005. 4. AgIn 598188381, 2.ª Câm. Civ. TJRS. Rel. Desa. Maria Isabel de Azevedo Souza, j. 07.04.1999. 11 Vide, também: OLIVEIRA, 1998, pp. 101-102. 9 de forma a conferir o essencial à subsistência da população e ao funcionamento efetivo das atividades de determinada região. 3. Fundamentos contra a suspensão A corrente que se posiciona contra a possibilidade de suspensão da prestação do serviço público baseia-se, principalmente, no princípio da continuidade. Para os autores desta vertente, o serviço público não pode ser interrompido de forma substancial, mesmo em caso de inadimplemento do usuário ou de greve por parte dos servidores, por exemplo, tendo em vista o seu caráter coletivo e fundamental ao funcionamento do Estado, idéia esta que se encontra arraigada no Direito Administrativo sobretudo após o advento da chamada Escola do Serviço Público do publicista francês Leon Duguit. Segundo Lacerda Martins (2001): [...] constitui prática abusiva o corte de energia elétrica por falta de pagamento, sendo vedado o corte de energia por parte do fornecedor, em razão do serviço ser considerado essencial, não prevalecendo a norma que autoriza a interrupção de serviço essencial (art. 6º, parágrafo 3º, II da Lei 8. 987/95), pois a mesma conflita com o Código do Consumidor, prevalecendo a norma consumeirista em razão do princípio da proibição de retrocesso ao invés do princípio lex posteriri revoga legis a priori. Luiz Antonio Rizzato Nunes12 (2002), por sua vez, opina que: Quando a concessionária se utiliza da suspensão do fornecimento do serviço público a fim de compelir os consumidores inadimplentes ao pagamento de seus débitos incorre em grave violação aos princípios jurídicos norteadores das relações patrimoniais. Segundo nos parece, e observando o disposto no art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, o qual preceitua que na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça, conclui-se que a interrupção do fornecimento do serviço constitui-se em flagrante violação ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. A cobrança de eventuais débitos deve seguir os ditames fixados pelo nosso ordenamento jurídico, atendendo-se, também, ao princípio da obrigatoriedade da continuidade da prestação do serviço público. Desta forma, o fornecimento de serviço público somente poderia ser suspenso em casos imprevistos, como a ocorrência de alguma calamidade ou problema técnico que impossibilitasse o efetivo exercício das atividades da prestadora, por exemplo. Ora, se o serviço público em geral é regido pelo princípio da continuidade, o que dizer dos ditos 12 Apud COUTINHO, 2006, p.102. 10 serviços essenciais à coletividade, responsáveis pela fruição de uma vida digna pelo cidadão? Não obstante o quanto exposto, os adeptos desta vertente entendem que os princípios13 da razoabilidade e da proporcionalidade, os quais norteiam todo o ordenamento jurídico, restariam atacados em virtude de uma decisão que optasse, a título ilustrativo, pelo não fornecimento de água ou luz diante de uma situação de inadimplência, por entender que esta situação não possui gravidade o suficiente para que seja dado ensejo a uma sanção tão vasta. De acordo com Segalla (2001, p. 137): Quando as empresas-concessionárias ameaçam suspender o fornecimento de energia elétrica aos usuários sob o fundamento de existirem débitos tarifários, e ainda, apurados unilateralmente, estão a agir em desconformidade com a boa-fé objetiva, vale dizer, de forma desleal, injusta, eis que desproporcional ao fim a que se destina se apresenta prática empreendida, pois o único objetivo é o de constranger ao máximo os devedores, que na grande maioria das vezes não possuem meios técnicos e financeiros para salvaguardar os seus interesses. Flávio Silveira (2006), em consideração acerca de quando o usuário for o próprio Poder Público, assevera que: Nos filiamos ao entendimento de José dos Santos Carvalho Filho, ao afirmar que o Poder Público, nessas hipóteses, age como mero contratante de serviços, despindo-se de seu ius imperi. Aliás, em nossos dias é outra a noção de serviço público, não consubstancia poder de império, mas sim se sujeita ao Código de Defesa do Consumidor. Esta característica, juntamente com o princípio da eficiência, inserido no caput do art. 37 da Constituição Federal pela E.C. nº. 19, transmudou a qualidade de potestade de um Estado Moderno para o EstadoEmpresário Contemporâneo. Além disto, outro forte argumento diz respeito ao fato de que o método que o Poder Público utiliza para “cobrar” a dívida do usuário de serviço público é ilegal, constituindose em uma maneira de autotutelar14 seus interesses (exercício arbitrário das próprias razões), tendo em vista que aquele não promove a execução do débito pelos meios legais, qual seja, a instauração de um processo15 judicial, optando pelo meio mais gravoso ao 13 Ou postulados, segundo Humberto Ávila (ÁVILA, 2006, p. 123). Neste sentido: 1. STJ – 1ª Turma. Ac. 199900645553. RESP 223778 – RJ. Rel. Min, Humberto Gomes de Barros, DJU 13. 03. 2000, p. 00143. 2. TACivSP - 1ª Câm. Rel. Plínio Tadeu do Amaral, j. 29. 05. 20001, RT - 784/275. 15 Demócrito Filho (op. cit.) alerta para o uso desenfreado do Mandado de Segurança para coibir o ato de suspensão do serviço. De acordo com o autor: “A suspensão do fornecimento de energia, em razão do inadimplemento do usuário, é ato de mera gestão negocial, não podendo ser combatido pela via mandamental [...] O direito do concessionário ao corte (suspensão do serviço), nessa hipótese, não decorre do poder de polícia que lhe é transferido pelo Estado, mas tem origem no contrato (privado) que assina com o particular (consumidor), por força da exceptio non adimpleti contractus, que autoriza a qualquer contratante deixar de adimplir sua obrigação quando o outro deixa de cumprir com a sua própria prestação. Nesse sentido, qualquer pretensão de impedimento ao corte deve ser veiculada por meio de procedimentos cautelares ou por via de pedido de tutela antecipada de obrigação de (não) fazer, ou qualquer outro expediente processual que se mostre hábil a solucionar os interesses particulares em conflito; nunca pela via estreita e especial da ação de mandado de segurança. 14 11 cidadão como forma de compeli-lo a quitar sua dívida, o que vai de flagrante encontro a princípios norteadores do sistema jurídico nacional16, como já entendeu diversas vezes a jurisprudência17, além de transferir o ônus de ingressar em juízo para questionar o ato ao usuário, de forma a criar inúmeros obstáculos ao cidadão para que este acabe por optar pela não promoção da defesa dos seus direitos. Nesta senda, registre-se o pensamento do francês Maurice Hauriou18 (1927, p. 161): La garantia que resulta del principio de que nadie tiene el derecho de tomarse lajusticia por su mano - Este principio del regimen de Estado significa que nadie tiene el derecho de forzar a un tercero, sino en virtud de sentencia de un tribunal o de un título ejecutorio librado por un agente ministerial, no dirigiendóse, adernas, el procedimiento civil más que contra los bienes (supresión de la acción de prender al deudor y de la prisión por deudas en matéria civil y comercial (L. 22 de julio de 1867)). Una jurisprudência firme debería aplicar este principio a las grandes empresas, y particularmente a las empresas de distribuición de energia eléctrica, establecidas bajo el regimen de la simple autorización de voire, sin pliego de condiciones, pêro poseyendo un monopólio de hecho em la región, y que se permiten cortar la corriente al abonado que no quiere aceptar las nuevas exigências de aquella, a riesgo de arruinar su comercio y su industria. Cuando se piensa que un propietario carece del derecho de expulsar por si mesmo, mediante lafuerza, a un inquilino que no satisface el alquiler, mal se concibe que el propietario de un cable eléctrico tenga el derecho de tomarse la justicia por si mesmo, cortando la corriente al abonado. Assim, não seria lícito ao Poder Público suspender o fornecimento de serviços públicos ditos essenciais à coletividade. O Superior Tribunal de Justiça19, inclusive, já se posicionou neste sentido mesmo nas situações em que o usuário viola o medidor de energia elétrica, por entender que este bem não poderia ser indisponibilizado de forma absoluta mesmo em decorrência da prática de ato ilícito. 4. Considerações finais Expostos os argumentos de dois pólos divergentes, balizados tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, resta tecer algumas considerações acerca do tema de forma a concluir o presente artigo. A suspensão da prestação de serviços públicos ditos essenciais não parece ser a medida mais razoável a ser adotada. Com efeito, se o Poder Público ou seus delegatários 16 Vide, a título de exemplo, os arts. 22, 42 e 71, do Código de Defesa do Consumidor, e o art. 620, do Código de Processo Civil; art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal. 17 1. STJ – 1ª Turma – 146594. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 478911/RJ (2002/0134764-3). Rel. Min. Luiz Fux. j. 06.05.2003, DJU 19.05.2003, p. 144. 2. STJ-136973. 3. STJ – 1ª Turma, MC 2543. Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 11/06/2001, p. 94. 18 Apud SEGALLA (op.cit). 19 ROMS nº 8915/MA. Rel. Ministro José Delgado, DJU 17.08.1998, p. 23. Vide também os autos da Apelação nº 779.381-1, da 10ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, j. 29.09.1998. 12 visam o adimplemento do usuário, o corte no fornecimento do substrato necessário para que este sobreviva de maneira digna influenciaria, de forma direta, na capacidade que teria em proceder com o quanto desejado por aqueles, visto que a disponibilização de água e luz, por exemplo, se não for condição essencial para o desenvolvimento do homem moderno, certamente contribui na prática laboral e impulsiona a atividade econômica. Desta forma, em procedendo com a suspensão, em muitas situações o Poder Público, ao invés de compelir a cobrança, acaba por dificultar que o usuário se recupere da crise que o assola momentaneamente, na medida em que necessita do fornecimento contínuo dos serviços para viver e trabalhar de forma eficaz e, conseqüentemente, quitar seus débitos, dentre eles o tarifário. Esquece-se o intérprete, diversas vezes, que o serviço público está atrelado à noção de Estado, o qual pode assumir diversas formas (capitalista, socialista, democrático, absolutista, despótico, etc.). Assim, partindo da assunção de que o Estado brasileiro é do tipo capitalista e democrático20, não se pode olvidar que, enquanto tal, traz consigo algumas práticas inerentes ao modelo burguês, entre as quais a persecução do lucro e do bem-comum - em um modelo liberal - enquanto ideais. Ora, a eleição destes ideais implica diversas conseqüências, entre as quais a constatação de que a produção do capital depende de diversos fatores, a exemplo da disponibilização de condições favoráveis para sua verificação, o que abrange a prestação efetiva do serviço público como meio para alcançar este desiderato. Ao retirar do usuário a possibilidade de sobreviver dignamente e, conseqüentemente, de perseguir o ideal burguês, o Estado capitalista vai de encontro ao seu próprio ideal de promoção do bem-comum, tendo em vista que a paralisação no fornecimento do serviço público implica diretamente na diminuição da produção de riquezas por parte do usuário, que provavelmente se verá desnorteado enquanto ameaçado pelo fantasma da suspensão. Ademais, a própria formação do Estado social autoriza este entendimento, pois no momento em que este assume a responsabilidade em fornecer e promover a vida comum de forma digna, aprazível e protegida de males (a chamada “liberdade jurídica” rousseauniana21, ofertada em troca da “liberdade natural”, de certa forma também hobbesiana22), também assume, por conseqüência, a responsabilidade em executar todas as medidas possíveis para cumprir com o contrato social e fundamentar sua posição de 20 Ainda que predominantemente liberal, para alguns, o que não cabe discutir no âmbito desta obra. Cf. ROUSSEAU, 2005. 22 Cf. HOBBES, 2004. 21 13 soberano, dentre as quais a oferta do mínimo essencial para a sobrevivência e a persecução dos interesses individuais, sob pena de perder a legitimidade de seu poder (ius imperii). Não é de todo falso afirmar que, no momento em que o Estado não mais pode fornecer o substrato necessário para que o cidadão viva dignamente, resta caracterizada a violação ao contrato social que fundamenta a própria existência da sociedade moderna, o que implicaria, em tese, e em última instância, a autorização pelo usuário da retomada de sua liberdade natural dele retirada pelo Estado, pois no momento em que este não dispõe de meios eficazes para assegurar a persecução do bem-comum, cai por terra o pacto social, o que acarreta a perda da legitimidade do Estado em sobrepor-se à liberdade natural do ser humano e deter a exploração dos recursos naturais, por exemplo, tendo em vista a sua falha em garantir ao cidadão o mínimo essencial que deveria em razão da celebração do aludido pacto. Parece-nos razoável a constatação de Cuéllar23 e Volpe Filho24 quando oferecem à apreciação exemplos – alguns, inclusive, já em prática - de como o Estado pode garantir a persecução de uma vida digna sem que isto acarrete em um rombo no sistema financeiro ou em violação ao princípio da isonomia aristotélico, como a instalação de torneiras públicas em comunidades carentes, redução tarifária aos mais necessitados e a instalação de um limitador de corrente nas residências de forma a fornecer o mínimo necessário à refrigeração de alimentos e iluminação doméstica enquanto o usuário encontrar-se em dificuldade financeira, desde que estas situações sejam devidamente comprovadas e controladas para coibir a prática de atos de má-fé por parte deste. A Constituição Federal, afinal, elegeu em seu art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana como fundamento maior a ser perseguido. Destarte, se o serviço público, em situações de essencialidade, é condição sine qua non à verificação deste ideal, não há como se pensar de forma diversa acerca da impossibilidade de sua suspensão absoluta, exceto em casos de impossibilidade técnica ou de caso fortuito e força maior, sob pena de verificarmos o que Lassalle25 advertira há séculos atrás – qual seja, a constatação de que a Constituição não seria, ao não efetivar suas propostas, nada mais do que um mero pedaço de papel. Referências 23 Op. cit. Op cit. 25 Cf. LASSALE, 2001. 24 14 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 22ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2007. BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos et al. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. BLANCHET, Luiz Alberto. Concessão e Permissão de Serviços Públicos. Curitiba: Ed. Juruá, 1995. 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