Atendimentos passíveis de gerar complicações éticas, judiciais e previdenciárias em saúde mental Diretriz Primeira versão do retrato do Dr. Gachet, médico que atendeu Van Gogh em suas crises bipolares. Alan Indio Serrano Paulo de Tarso Freitas Rosalie Kupka Knoll Guilherme Mello Vieira Fernando Balvedi Damas e Grupo Consultores do QualiSUS-Rede da Região Metropolitana de Florianópolis 1. SITUAÇÃO A SER ABORDADA Boa parte da demanda em serviços de saúde mental é representada por consultas voltadas a questões que não são clínicas: são demandas legais, ou administrativas, ou de outras naturezas. Como regra, as avaliações forenses, avaliações de custódia da criança, e avaliações de incapacidade civil, estão fora do escopo do SUS, pois não fazem parte de seus objetivos e de seus deveres. Muitas vezes as pessoas que procuram o serviço do SUS com tais demandas sequer são pacientes regulares de psiquiatra ou de médico com formação em saúde mental. Diante de tais demandas, os objetivos devem ser esclarecidos, antes de o serviço assumir o problema. Muitas dessas consultas dependem muito, ou mesmo totalmente, de provas documentais ou dados disponíveis em outras fontes. A interação entre o médico, a equipe de saúde, a instituição e o usuário do serviço sofre influências do contexto e dos interesses do cliente. Reações emocionais, envolvendo as fantasias do cliente são fatores importantes na montagem do tipo de relação que poderá ocorrer. A decepção com um serviço que não corresponda às fantasias pode gerar condutas desagradáveis, que exigirão dos profissionais de saúde habilidades especiais para o manejo da relação. Mesmo em contextos comuns, de atendimento a sintomas, precisa-se atentar para a arte da relação e para a construção de um contexto1. O paciente que não quer montar uma relação para tratamento, mas tão somente uma relação breve para que o médico depache um documento, segue lógica diversa da lógica da relação cliente-terapeuta. 1 SOAR FILHO, E.J. A interação médico-cliente. Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo , v. 44, n. 1, Mar. 1998 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010442301998000100007&lng=en&nrm=iso>. - 459 - A expressão “ganhos secundários” é o termo para se referir a benefícios que um transtorno ou doença pode gerar ao cliente, justificando um desejo consciente ou inconsciente de continuar doente2. Este fenômeno provoca a busca intensa e a troca rotativa de médicos e de serviços, pelo usuário, que monta, muitas vezes, relação beligerante e exigente com os servidores públicos. 2. RECOMENDAÇÕES Da sugestão e da prescrição Os determinantes sociais de saúde e de doença são fatores que os profissionais da saúde rearticulam e buscam manejar. Eles, contudo, não se confundem com a etiologia ou com os procedimentos terapêuticos. Portanto, cabe aos profissionais da saúde, cuidar para não alimentar confusões geradoras de processos judiciais. Determinantes do estado de saúde. 3 Fonte: Mendes, 2007 . Nas varas cíveis e da fazenda há processos judiciais que requerem ao município e ao estado uma série de coisas alheias ao SUS, como se elas fossem procedimentos terapêuticos a serem financiados ou dados pelo sistema. Nas varas do trabalho há processos que visam responsabilizar determinantes como se fossem causa única, suficiente e necessária para justificar a existência de doenças. 2 DERSH, Jeffrey, et al. The management of secondary gain and loss in medicolegal settings: strengths and weaknesses. Journal of Occupational Rehabilitation. Volume 14, Number 4, 267-279. 3 MENDES, René. Determinantes sociais do processo saúde/doença e trabalho. Curso de Especialização em Saúde do Trabalhador. Rio de Janeiro: CESTH-ENSP-FIOCRUZ, 2007. Disponível em: <http://slideplayer.com.br/slide/1437951/>. - 460 - O médico pode prescrever4 um medicamento ou um procedimento não medicamentoso. Prescrever é indicar, receitar, determinar um tratamento (um remédio, uma cirurgia, etc.). O Conselho Federal de Medicina orienta seus inscritos a respeito da prescrição em um manual de leitura obrigatória para todos os médicos5. O médico pode, também, recomendar, sugerir ou aconselhar algo que não seja um tratamento médico, mas que possa ser saudável, possa ajudar na recuperação da saúde, ou possa ter efeitos preventivos. Há coisas recomendadas, aconselhadas ou sugeridas que não são, em si, tratamentos médicos. Por exemplo, um médico conversa com seu paciente: “-Não seria interessante você entrar em férias, para romper o círculo atual e passar a cuidar mais de si?”. As férias estão numa categoria de sugestão, mas não são um tratamento médico ou um procedimento técnico de saúde que o médico está receitando formalmente o paciente. É importante que os operadores do Direito compreendam tais recomendações e sugestões num contexto intersetorial e amplo. Alguns advogados pouco experientes imaginam que tudo o que o médico recomendar deva ser patrocinado, administrado ou pago pelo SUS, como se o setor da saúde existisse independentemente do restante do mundo. Em saúde mental é comum que profissionais de unidades básicas ou de CAPS sugiram, ou até recomendem a entrada voluntária em uma comunidade terapêutica, nos casos de dependência química. As comunidades, porém, não representam um procedimento ou um tratamento médico. O médico, no caso, não prescreve ou receita a ida para uma comunidade terapêutica: ele sugere ou aconselha. Da mesma forma sugere-se a alguns pacientes que frequentem o grupo de autoajuda dos Alcoólicos Anônimos (AA). Sugere-se que alguns pais de crianças frequentem a Associação dos Amigos dos Autistas (AMA). Que algumas crianças tenham reforço escolar. Nem por isso os AA, a AMA ou o reforço escolar se transformam em procedimentos de saúde. Assim o médico deve ter cuidado na escolha das palavras, ao anotar num documento, como os laudos, atestados, declarações e receitas, pois nem sempre os operadores do Direito conseguem fazer as necessárias distinções. Há dois modos de indicar6 algo ao paciente: (1) um, em sentido estrito, é prescrever, receitar, enquanto procedimento, ação e serviço de saúde disponível no SUS; (2) outro, em sentido lato, é aconselhar, orientar, sugerir, recomendar, enquanto comportamento que dependa do paciente e de outros fatores para além dos serviços e ações de saúde específicos. Em alguns casos é importante que o tipo de indicação fique explicitado, para que não seja fator de exigências desmedidas ou de confusões. Alguns pacientes interpretam orientações como se fossem receitas de tratamentos e solicitam ao SUS, ao plano de saúde, ou à empresa onde trabalham, que assumam coisas que lhes podem ajudar a saúde, mas que não são tratamentos, a rigor: o pagamento de aulas de natação, a matrícula em academias de ginástica, férias em local onde a possibilidade de alergia lhes seja menor, residência 4 Prescrever, no Dicionário de Aurélio Buarque de Hollanda, entre outros significados, é: ordenar, dar ordem para; estabelecer, determinar; indicar, receitar. 5 CFM. Manual de orientações básicas para prescrição médica. [Orgs.: Célia Maria Dias Madruga, Eurípedes Sebastião Mendonça de Souza]. 2ª ed. rev. ampl. Brasília: CRM-PB/CFM, 2011. Disponível em: <http://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/cartilhaprescrimed2012.pdf>. 6 No dicionário de Aurélio, indicar significa mostrar, dar a conhecer, mencionar. - 461 - longe de familiar com quem tem conflito, etc. Muitos abusos transformados em processos judiciais são possíveis porque firmam-se atestados médicos pouco pensados e imperativos, dando margem a interpretações amplas e errôneas. Do atestado médico O atestado médico pode ser oficioso (por exemplo, para justificar ausência ao trabalho e à escola por estar doente), administrativo (para fins de licença, aposentadoria, justificativa ou abono de faltas), ou judiciário (solicitados pelo juiz). Ao fornecer o atestado, deverá o médico registrar em ficha própria ou no prontuário médico os dados de anamnese, exame físico, exames e tratamentos realizados, de maneira que possa atender às pesquisas de informações dos médicos peritos das empresas ou dos órgãos públicos de Previdência Social e da Justiça. Finalidades formais dos atestados. 7 Fonte: CREMESP,2013 . Alguns problemas médicos, em relação a atestados, são os seguintes: a) Emitir atestado sem a realização de consulta. b) Cobrar por atestado, quando não houve atendimento que o justificasse. 7 CREMESP. Atestado médico: prática e ética. [Coord. Gabriel Oselka]. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2013. Disponível em: <http://www.periciamedicadf.com.br/publicacoes/atestado_medico_pratica_etica.pdf>. - 462 - c) Atestar saúde ou doença em período anterior ao atendimento (salvo situações excepcionais, que devem ser explicitadas no atestado). d) Revalidar atestado de outro médico. e) Rasurar atestado. f) Emprestar formulário pessoal de atestado a outro médico. g) Deixar assinados atestados em branco. h) Abandonar carimbos e formulários, que possam identificá-lo, em locais que possibilitem o uso sem a sua autorização. i) Inserir diagnóstico ou CID sem autorização expressa do paciente. Certamente, a frase “-Doutor, dê-me um atestado para eu levar ao INSS e ver se consigo me encostar” já foi ouvida por qualquer médico8. Nos serviços do SUS é constante e diária a solicitação atestados ou relatórios para entregar a empregadores, ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) ou a outros institutos de previdência, visando o afastamento do trabalho. Afastamento do trabalho por problemas de saúde: fluxo Fonte: CRM SP,2013. O empregador é responsável pelo pagamento do salário integral dos quinze primeiros dias de afastamento do trabalho em função de atestado médico. Somente a partir do décimo sexto dia de atestado o empregado entra em auxilio-doença no INSS. No final do ano de 2014 houve a alteração do prazo de 15 8 BARROS, Irapuan. Atestado médico. CFM, 29 nov 1999. Disponível em: <http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20650:atestadomedico&catid=46>. - 463 - dias consecutivos de afastamento, para 30 dias consecutivos (veja-se a Lei 8.213/2015, a Medida Provisória 664/21014 e a Lei 13.135/2015). Esta alteração vigiu até o dia 17 de Junho de 2015. Em 18 de Junho de 2015 voltou a valer a regra antiga de que somente os quinze primeiros dias serão pagos pelo empregador. É o perito previdenciária a autoridade para deferir ou indeferir o retorno do funcionário ao trabalho. Não existe, porém, obrigação, por parte do segurado e do empregador, de se submeter à perícia para voltar ao trabalho nos casos em que sabidamente o segurado já recuperou sua condição laborativa. Nestes casos, quem decide o tempo de tratamento e o retorno ao emprego (a alta médica) é o médico assistente junto com o médico do trabalho. O ideal, contudo, é que a alta seja convalidada pela perícia, para dar à empresa a segurança de que não haverá fraude (recebimento duplo, do INSS e da empresa). Por outro lado, é comum que alguns pacientes busquem causar um conflito entre médicos-peritos e médicos-assistentes, quando os peritos desconsideram informações dos atestados emitidos pelos médicos-assistentes. Da mesma forma que o médico-assistente tem liberdade de pronunciamento no atestado médico, o médico-perito tem total autonomia para acatá-lo, ou não. O perito se baseia em critérios legais, conforme o inciso 3º, do artigo 6º, da resolução do CFM nº 1.658/2002. Portanto, não há motivos para o enfurecimento, seja por parte do médicoperito, seja por parte do médico-assistente, quando um determinado atestado é recebido e não é acatado por uma das partes9. Quando trabalhando em equipe multiprofissional, o médico poderá valer-se, se julgar necessário, de opiniões de outros profissionais afetos à questão para exarar o seu atestado. É comum, nos CAPS, que sejam ouvidos os membros da equipe, quanto a aspectos psicossociais e a fatores que interferem no comportamento do usuário. Atestados para isenções, requeridos ao serviço público Algumas pessoas, por doença, deficiência ou condição especial, pedem atestados destinados à isenção de imposto de renda, para a obtenção de passe livre no transporte público, emprego em cota de excepcionais (de pessoas com necessidades especiais) e à liberação do IPI para compra de veículos. Se o interessando não é paciente do médico ou do serviço procurado, nestes casos, ele fará um papel semelhante ao de perito, mesmo sem ter sido nomeado para tal. Ele precisa avaliar o interessado, ver os atestados, exames e prescrições feitos por outros médicos (se existirem) e emitir um laudo, caso fique comprovada a condição capaz de levar à isenção. Legalmente, esta validação de opinião e de documento – ou reavaliação – objetiva garantir que os dados são verdadeiros10. É polêmico o encaminhamento de tais pedidos ao SUS, pois sua resolução não consta nos objetivos, nos princípio, nas atribuições e nas competências do SUS, definidos pela Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990. É justo, porém, que o médico-assistente do cidadão emita o laudo, mediante pedido, levando em conta o conhecimento da sua história clínica. 9 BARROS, Irapuan. Atestado médico. CFM, 29 nov 1999. Disponível em: <http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20650:atestadomedico&catid=46>. 10 CREMESP. Atestado médico: prática e ética. [Coord. Gabriel Oselka]. São Paulo: Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2013. Disponível em: <http://www.periciamedicadf.com.br/publicacoes/atestado_medico_pratica_etica.pdf>. - 464 - Laudos para isenção do imposto de renda Da mesma forma, é polêmico o uso do SUS para a emissão de laudos para isenção do imposto de renda, quando o paciente não está em tratamento naquele serviço. É perfeitamente justo que o médico-assistente emita o atestado para um paciente seu. Os portadores de algumas doenças graves, alguns vitimados por acidente em serviço e certos portadores de moléstia profissional, podem requerer isenção do imposto de renda sobre os rendimentos relativos à aposentadoria, à pensão ou à reforma, segundo a legislação. São quinze as condições que permitem esta isenção: Os quadros que permitem essa modalidade de isenção são: 1) AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida); 2) Alienação mental; 3) Cardiopatia grave; 4) Cegueira; contaminação por radiação; 5) Doença de Paget em estados avançados (osteíte deformante); 6) Doença de Parkinson; 7) Esclerose múltipla; 8) Espondiloartrose anquilosante; 9) Fibrose cística (mucoviscidose); 10) Hanseníase; 11) Nefropatia grave; 12) Hepatopatia grave; 13) Neoplasia maligna; 14) Paralisia irreversível e incapacitante; 15) Tuberculose ativa. A pedido do paciente, se for o caso, o médico assistente pode fazer um atestado ou um relatório provando a existência da condição que justifica a isenção. Uma única condição psiquiátrica está elencada na lista e ela não é o nome de uma doença específica: é o estado de alienação mental. Alienação mental é um conceito jurídico que significa: “todo caso de distúrbio mental ou neuromental grave e persistente, no qual, esgotados os meios habituais de tratamento, haja alteração completa ou considerável da personalidade comprometendo gravemente os juízos de valor e realidade, destruindo a autodeterminação do pragmatismo e tornando o indivíduo total e permanentemente inválido para qualquer trabalho”. São raros, pois, os quadros de invalidez que se enquadram neste conceito. Para caber nele, dever-se-á identificar, no quadro clínico, os seguintes elementos: a) transtorno intelectual: atinge as funções mentais em conjunto e não apenas algumas delas; - 465 - b) falta de autoconsciência: o indivíduo ignora o caráter patológico de seu transtorno ou tem dele uma noção parcial ou descontínua; c) inadaptabilidade: o transtorno mental é evidenciado pela desarmonia de conduta do indivíduo em relação às regras que disciplinam a vida normal em sociedade; d) ausência de utilidade: a perda da adaptabilidade redunda em prejuízo para o indivíduo e para a sociedade. No seu estágio evolutivo, deverão estar satisfeitas as seguintes condições: a) Precisa ser enfermidade mental ou neuromental; b) Precisa ser persistente; c) Precisa ser refratária aos meios habituais de tratamento; d) Precisa provocar alteração completa ou considerável da personalidade; e) Precisa comprometer gravemente os juízos de valor e realidade, com destruição da autodeterminação e do pragmatismo; f) Precisa tornar o indivíduo total e permanentemente inválido para qualquer trabalho; g) Precisa haver um nexo causal, sintomático e sequelar entre o quadro psíquico e a personalidade do indivíduo. São considerados meios habituais de tratamento: a) As psicoterapias; b) As psicofarmacoterapias; c) As terapêuticas biológicas. Não é considerada meio de tratamento a utilização de psicofármacos ou outras terapias em fase experimental, ou o não aprovados pela ANVISA. Portanto os quadros clínicos, a serem avaliados do ponto de vista de seu enquadre no conceito de alienação mental, classificam-se da seguinte forma: 1) São equadráveis como casos de alienação mental: a) estados de demência; b) psicoses esquizofrênicas nos estados crônicos, avançados; c) paranóia e parafrenia nos estados crônicos, avançados; d) oligofrenias graves. 2) Podem ser excepcionalmente considerados casos de alienação mental: a) psicoses afetivas, mono ou bipolar, quando comprovadamente cronificadas e refratárias ao tratamento, ou quando exibirem elevada frequência de repetição fásica, ou, ainda, quando configurarem comprometimento grave e irreversível de personalidade; b) psicoses epilépticas, quando caracterizadamente cronificadas e resistentes à terapêutica, ou quando apresentarem elevada frequência de surtos psicóticos; c) psicoses pós-traumáticas e outras psicoses orgânicas, quando caracterizadamente cronificadas e refratárias ao tratamento, ou quando configurarem um quadro irreversível de demência. 3) Nunca são casos de alienação mental: a) transtornos neuróticos da personalidade e outros transtornos mentais não psicóticos; b) transtornos da identidade e da preferência sexual; - 466 - c) alcoolismo (exceto as síndromes de Korskoff, Wernike-Korsakoff e MarchifavaBignami, que são demenciais), dependência de substâncias psicoativas; d) oligofrenias leves e moderadas; e) psicoses do tipo reativo e transtornos reativos de ordem neurótica (reação de ajustamento, reação ao estresse); f) psicoses orgânicas transitórias (estados confusionais reversíveis). Pedidos de atestados falsos ou por metassimulação Eventualmente os médicos são abordados por pacientes que querem fazer uso do atestado para faltar ao trabalho ou justificar faltas anteriores. Estas pessoas geralmente vão a prontos-socorros, UPA ou a CAPS, sem agendar hora. Nesse ponto, o médico deve ser contundente em atestar o que vê, ou seja, a ausência de doença. Caso o paciente concorde com o uso da CID-10, e assine a autorização no próprio atestado, o médico pode utilizar códigos como os abaixo: Z76.9 – pessoa em contato com serviços de saúde; Z76.3 – pessoa em boa saúde acompanhando pessoa doente; Z00.0 – consulta médica geral; Z76.5 – pessoa fingindo ser doente (simulação consciente); F68.1 – produção deliberada ou simulação de sintomas ou de incapacidades físicas ou psicológicas F99 – transtorno mental não especificado; F45.1 – transtorno somatoforme indiferenciado. Para que conste o código, deve haver autorização expressa do paciente. Mas também pode ser colocado o código, no atestado, por justa causa, por exercício de dever legal ou por solicitação do representante legal do paciente. Essa informação de autorização deve constar no próprio atestado. Justa causa, segundo o Parecer-Consulta CFM nº 37/2001 é: “o interesse de ordem moral ou social que autorize o não-cumprimento de uma obrigação, contanto que os motivos apresentados sejam, na verdade, justificadores de tal violação”. Dever legal é toda obrigação que consta instituída por lei. Entenda-se por representante legal os pais (nos casos de menoridade), tutores e curadores, bem como os demais casos regulamentados no Código Civil Brasileiro. Os representados legalmente são os incapazes de se manifestar: os menores de 18 anos, os deficientes mentais e os que não puderem exprimir sua vontade. É possível que um indivíduo verdadeiramente doente se passe por outro para adquirir atestado utilizando o nome de um indivíduo sadio, na tentativa de fraudar os institutos previdenciários ou empresas. Antes da emissão do atestado deve, o médico, solicitar documento de identificação do paciente examinado. A resolução do CFM nº 1.658/2008, em seu artigo 4º, torna tal prática obrigatória. Outra precaução a destacar é a necessidade de se deixar descrito no atestado sua finalidade, ou seja, informar se está destinado a afastamento de atividades laborativas, escolares, para atividades físicas, para indicação a vaga especial, etc. Recomendações ao médico prescritor Recomenda-se aos médicos e aos odontólogos vinculados ao SUS que, no interesse público, quando no exercício de sua profissão no âmbito do Sistema Único de Saúde, utilizem criteriosamente, até o esgotamento, as alternativas de fármacos previstas na RENAME, nos Protocolos Clínicos, nas Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde e nas listas oficiais, antes de prescreverem aos pacientes qualquer tratamento medicamentoso não padronizado pelo sistema público. - 467 - A prescrição de medicamento não padronizado geralmente não é fundamentada em elementos técnicos (literatura especificando as evidências científicas). Os elementos técnicos devem apontar a razão pela qual a alternativa já padronizada e fornecida gratuitamente pelo poder público não é eficaz ou adequada ao tratamento do caso. Tais prescrições dificultam que o sistema público possa utilizar a informação para seu próprio aperfeiçoamento. Como regra não contribuem à evolução das listas padronizadas de medicamentos. Recomenda-se que, havendo necessidade de prescrição de medicamentos que extrapolem os padronizados nas relações oficiais e nos Protocolos Clínicos, assim como os citados em Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde, apresentem justificativa técnica circunstanciada, apontando a inadequação ou a ineficiência do medicamento padronizado para o caso em questão, e apontando evidências científicas de segurança e eficiência do substituto proposto. A bibliografia referida deve ser explicitada, segundo regras preferencialmente da Associação Brasileira Norma Técnicas (ABNT). O seguinte roteiro, baseado no método Dader, para seguimento farmacoterapêutico11, é indicado para os casos em que o médico deseja prescrever medicamentos não padronizados pelo SUS. O médico deve preencher as respostas e juntá-las à receita, para que seja montado pedido na Secretaria Municipal de Saúde: 1. Qual(is) a(s) doença(s) que acomete(m) o paciente e seu(s) CID(s) correspondente(s) que motivaram a prescrição? 2. Quais as opções de tratamento oferecidas pelo SUS para cada uma das doenças citadas? 3. O tratamento indicado na sua prescrição pode ser substituído por alguma alternativa oferecida pelo SUS? ( )sim ( )não. Em caso afirmativo, especifique qual(is). Em caso negativo, justifique detalhadamente. 4. As alternativas terapêuticas oferecidas pelo SUS já foram utilizadas? ( )sim ( )não. Em caso afirmativo: a) especifique o período de tratamento e a resposta do paciente. b) especifique outros tratamentos (farmacoterapêuticos ou não) que o paciente tenha utilizado no período em que fez o tratamento oferecido pelo SUS, inclusive para outras doenças. Esclareça de que forma estes tratamentos poderiam interferir ou não no tratamento oferecido pelo SUS. 5. O paciente possui outra(s) doença(s) diagnosticada(s)? Qual(is)? 6. Atualmente o paciente faz uso de outro(s) tratamento(s) (farmacoterapêutico ou não)? Qual(is)? 7. No caso da prescrição citar marca comercial do medicamento, justifique a escolha da marca: Havendo necessidade de prescrição de exames e procedimentos que extrapolem os padronizados na Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (RENASES), o prescritor deve apresentar justificativa técnica circunstanciada, apontando a inadequação ou a ineficiência do exame e procedimentos padronizados para o caso em questão e apontando evidências científicas de segurança e eficiência do substituto proposto. Preconiza-se a todos os funcionários do SUS que evitem a judicialização desnecessária, tentando solucionar as dificuldades por meios administrativos. 11 HERNÁNDEZ, D.S.; CASTRO, M.M.S.; DADER, M.J.F. Programa Dader: guía de seguimiento farmacoterpéutico. Granada: Universidade de Granada, 2007. Disponível em: <http://www.ugr.es/~cts131/esp/guias/GUIA%20FINAL%20DADER.pdf>. HERNÁNDEZ, D.S.; CASTRO, M.M.S.; DADER, M.J.F. Método Dáder: manual de seguimento farmacoterapêutico. 3ª. ed. (versão em português). Alfenas: Editora Universidade Federal de Alfenas, 2014. Disponvível em: < http://www.unifalmg.edu.br/gpaf/files/file/Guia%20dader%20interior%20brasil%20v4_.pdf>. - 468 -